Sousa Mendes, o nosso Schindler
16/02/12 07:32Quando recebi o e-mail com o título “Informações importantes sobre sua família”, achei que era mais um daqueles spams picaretas.
A mensagem vinha de uma fundação que tentava identificar parentes de vitimas de perseguição nazista que fugiram da Europa em 1940, ajudadas pelo diplomata português Aristides de Sousa Mendes.
A carta que recebi, assinada por uma pesquisadora da Fundação Sousa Mendes, trazia informações detalhadas:
“A família Barcinski foi ajudada por Sousa Mendes. Os nomes que aparecem na lista de vistos são Alicja, Jacek, Maria e Irena Barcinski, assim como Henryk Elsner, que, acreditamos, era parente de Irena (…)”
A história era verdadeira. Alicja era minha bisavó. Irena era irmã dela. Henryk era cunhado delas. Jacek e Maria, crianças na época, eram sobrinhos de Alicja e Irena.
Ao longo dos anos, ouvi parentes contando histórias sobre a fuga da família para o Brasil, vinda da Polônia. Mas não conhecia detalhes. E nunca tinha ouvido falar de Aristides de Sousa Mendes.
Em 1940, Sousa Mendes era cônsul português em Bordeaux, na França. Um ano antes, o governo de Salazar havia proibido os consulados portugueses de emitir vistos para “estrangeiros de origem indefinida, sem pátria, ou judeus expulsos de seus países de origem”.
Contrariando as ordens de Salazar, Sousa Mendes emitiu milhares de vistos para que os perseguidos – judeus ou não – pudessem escapar da Europa.
Ele ordenou o fim dos trâmites burocráticos no consulado e acabou com taxas consulares, para acelerar o processo de emissão de vistos. Sabia que tinha pouco tempo antes que fosse descoberto.
Estima-se que cerca de 30 mil pessoas, incluindo 12 mil judeus, foram salvas do Holocausto por ele.
Um documento da época traz a resposta de Sousa Mendes a um burocrata do governo português, que reclamou da concessão de visto para um professor austríaco, Arnold Wizntzer:
“Ele me informou que, se não saísse da França naquele mesmo dia, seria mandado para um campo de concentração, deixando sua mulher e filhos abandonados. Considerei uma obrigação elementar de humanidade evitar que tamanha barbaridade acontecesse.”
O governo de Salazar ordenou que Sousa Mendes voltasse a Portugal e o processou por insubordinação. Salazar chegou a ameaçar quem o ajudasse. Impedido de trabalhar, Sousa Mendes morreu na pobreza, em 1954.
Foi só no fim dos anos 80, depois de décadas de luta da família Sousa Mendes, que o governo do Portugal se desculpou oficialmente.
Duas coisas me abalaram especialmente nessa história.
A primeira é só tê-la descoberto agora, depois de uma vida inteira sem saber ao certo como minha família fugiu de Lodz e foi parar no Brasil.
A segunda é pensar o quanto eu devo para Sousa Mendes. E imaginar que minha filha, que está brincando no quintal aqui ao lado, não existiria se não fosse por esse português boa praça.
E pensar q temos 2 pais, 4 avós, 8 bisavós, 16 trisavós, 32 tataravós, 64 etc etc etc., e q se uma pecinha dessas q fosse não estivesse lá, não estaríamos aqui…doideira.
André Barcinski me orgulho de ter trabalhado com vc na minha época da FSP…aliás uma bela época!! abs
Por que não fizeram um filme sobre ele?
Fizeram sim, até coloquei no comentário que acabei de escrever. Chama-se “O Cônsul de Bordéus”, um filme português de 2010. Tem o trailer no youtube: http://www.youtube.com/watch?v=B2AR-MhsLos.
Olá André,
Sua história é simplesmente emocionante.
Sou uma pessoa extremamente sensivel e interessado em histórias e questões ligadas ao holocausto, e por essa razão fiz questão de reproduzir sua postagem em meu blog com as devidas referências da fonte.
[http://sidneiemoura.blogspot.com/2012/02/sousa-mendes-e-preservacao-de-familias.html]
Um forte abraço!
À vontade.
Após fazer um comentário sobre a Aracy, hora de fazer uma reclamação. Céus, como é calamitosa a atividade de documentação e o acesso à documentação no Brasil. É de cair o queixo que há ainda muitas faces da história do Brasil que ainda desconhecemos e que muitos cidadãos desse país, seja por questão de imigração, seja por qqer outro motivo, ainda têm lacunas em suas histórias ou vazios nas histórias de suas famílias. Aliás, Aracy era realmente uma mulher brava. Consta que durante o último regime militar brasileiro ela deu alguma ajuda/apoio a intelectuais e outros perseguidos pelos ditadores lazarentos. Agora vamos ver se entendi. Essa mulher, um exemplo dentre muitos, tem seu nome há tempos reconhecido em Israel, nos EUA e possivelmente em outros países e só em 2011(!) é lançado aqui em ampla circulação essa história inspiradora? Décadas e décadas e décadas depois do fim da II Guerrra Mundial e décadas após o fim da ditadura militar? Será que é isso mesmo? Bem, tomara que eu esteja errado. Em Portugal parece que isso não é muito diferente (aqui vai um link que apresenta quatro livros sobre Sousa Mendes, o mais antigo de 2004: http://beit-israel.blogspot.com/2009/04/aristides-de-sousa-mendes-livros.html). Fossem essas pessoas cidadãs norte-americanas, já teriam sido homenageadas há muitos anos, lá pelos idos dos anos 1950, 60, 70. Olha, francamente…
Isso não vai acabar nunca. Nosso interesse e respeito pelo passado é zero. O Brasil é o país do novo, do futuro. Só que acham que isso significa desprezar totalmente a memória e os arquivos. É muito triste.
André, que história incrível! Isso merece um belo livro!
Citaram alguns livros sobre o Sousa Mendes, dá uma olhada…
Prezado André:
A sua homenagem a Sousa Mendes é bastante comovente. Decerto que os judeus não possuem o monopólio do sofrimento, porém genocídio algum, da forma organizada e industrial na qual se implementou, compara-se ao Holocausto. E ele não foi um ato somente contra os judeus – foi um ato contra todos nós, seres humanos e, infelizmente, continua a se reproduzir, homeopaticamente, de diversas maneiras nos dias atuais.
Claro. Tanto que, dos 30 mil que Sousa Mendes salvou, menos da metade eram judeus.
Barça, saiu no Brasil recentemente (2011) pela editora Civilização Brasileira um livro, cuja leitura ainda não iniciei, que tb lembra essa história do Sousa Mendes: Justa – Aracy de Carvalho e o Resgate de Judeus: Trocando a Alemanha Nazista pelo Brasil. Aracy foi esposa de Guimarães Rosa e durante um período da II Guerra eles trabalharam no consulado brasileiro em Hamburgo. Para além das cotas estipuladas, eles emitiram tantos vistos qto puderam para que judeus saíssem daquele pesadelo e viessem para o Brasil (na verdade ela é quem fazia isso e Rosa, que trabalhava lá como cônsul, fazia vista grossa; não eram um casal nessa época ainda). Alguns anos depois do fim da guerra, Israel criou, em Jerusalém, um museu memorial chamado Yad Vashem para lembrar as vítimas judaicas do holocausto e esse memorial tem uma congratulação que em hebraico é algo como Justo entre as Nações (Righteous among the Nations em inglês), uma homenagem aos não-judeus que tiveram a bondade e a coragem de estender as mãos naqueles tempos difíceis. Guimarães, Aracy (homenageada tb pelo Museu Memorial do Holocausto dos Estados Unidos, em Washington, D.C.) , Sousa Mendes, Schindler e vários outros têm seus nomes devidamente reconhecidos pelo governo israelense. Fiquei encantado e consternado em saber que brasileiros tb tentaram fazer algo para poupar a vida de judeus. Bacana saber que sua família foi ajudada pelo português Sousa Mendes.E mais bacana ainda é saber que várias outras que estão por aqui hj foram ajudadas pelo casal Guimarães Rosa. Ele um ilustre mineiro, ela uma grande, mas infelizmente desconhecida, paranaense.
Não conhecia o livro, valeu mesmo pela dica.
Tem uma biografia bem legal sobre o Sousa Mendes que foi lançada no Brasil no ano passado chamada Um homen bom de Rui Afonso
Pois é, já citaram por aqui que foi lançada no Brasil. Vou atrás.
FANTÁSTICO! Realmente esse periodo é cheio de historias semelhantes. Recordo do Otto Maria Carpeux, que segundo consta salvou-se e veio parar no brasil graças ao Papa Pio. E por aqui escreveu basicamente de memória (e em português!!) a “História da Literatura Mundial” constando no apanhado citações, explicações, definições e etc… de mais de 30.000 volumes! Pena que hoje em dia ao invés de vermos “Sousa Mendes” só encontramos os inversos ….
André.
Recebeu meu e-mail?
Barcinski, parabéns, o post ficou cinematográfico, digno de Sousa Mendes, com cortes precisos, simples e de emoção crescente.
PS: Sei que isso foi uma tremenda puxada de saco, desculpe, mas num güentei.
Que história emocionante, cara!
“uma obrigação elementar de humanidade”. como falta isso hoje em dia.
tem vários casos em que se olhassem dessa maneira que ele fez, tantas atrocidades não seriam evitada, não?
Aí o mundo é povoado por burocratas e “legalistas”que não enxergam isso, é um pouco do que aconteceu no Pinheirinho e outras coisas, mais tenebrosas.
O legal é que desse jeito você descobriu par aquem agradecer um bocado de sua história, ele não deixa de ser um herói, parabéns a ele!
Caro Guilherme Braga, favor não acusar sem conhecimento de fatos ok?
História sensacional.
Abraços
Oi Barça!
Tem uma reportagem interessante sobre o Sousa Mendes na Revista da Livraria Cultura, edição de Novembro ou Dezembro de 2011. Vale a pena dar uma olhada lá, já que esse rapaz ajudou muito sua família.
Abraço!
Barça. Off-topic mas importante. Não sei se aconteceu com outras pessoas mas comigo já foram 3 vezes. Ao entrar no blog, os campos “Nome” e “Email” já vieram preenchidos com dados de outras pessoas. Abraço!
Isso, tem um idiota que tá usando o meu nome nos comentários aqui. Deve ser esse Felipe q não tem nada melhor pra fazer na vida.
Bom, se isso continuar, serei obrigado a moderar os comentários previamente, o que é muito chato.
Obrigado, vou avisar ao pessoal da folha.com
Sabia que você era um judeu apátrida defensor de interesses americanos… hahaha, brincadeira Barça, também sou judeu polonês. Linda essa história.
Com esse sobrenome, só podia, né? Abraço.
Gelei com o último parágrafo. Eu lhe desejo felicidade, à você e à sua família.
André, você é genial.Semana passada pedi uma dica de filme para fazer uma media com uma garota que eu estava afim e você me indicou a serbian film.Fui a uma loja proximo a minha casa, la nao tinha o original mas o cara me arranjou uma copia.Ontem deixie a estreia do timão na libertadores de lado e chamei a mna pra assitir o filme comigo.Logo nos primeiros minutos de filme percebi a sacanagem que você armou pra mim.tirei o filme e expliquei pra ela que tinha sido voce que tinha me indicado o filme, que eu so queria lhe impresseionar.Ela sorrio, disse que eu nao precisava ter feito isso, que apesar de não conhecer muito sobre cinema eu tinha muitas outras qualidades, e finalmente nos beijamos.Ja marcamos um cineminha para o final de semana, mas dessa vez vai ser ela que vai escolher o filme.
Taí uma história tão bonita quanto a do post.
Por favor, diga que você não está brincando?
Fico feliz por vcs.
Nada como um cara apaixonado. É sacaneado pelo Barcinski e ainda agradece.
Cara, parabéns pela presença de espírito em ter delatado o André! Chorei de rir aqui! Ahhh e não perdestes nada assistindo o jogo, quem quase perdeu foi teu time! Risos.
É tão assutador q uma idéia idiota sobre raça tenha causado tanta destruição. Ainda mais vindo de um lugar onde nasceu Einstein e Nietzsche. E mais assutador ainda ver gente bebendo dessa fonte até hj.
André, tem um livro muito bom que lembra um pouco o post e alguns comentários. Se chama “Quando um Crocodilo Engole o Sol”. Não posso contar muito para para não estragar, mas vale muito a pena leitura.
Abs
Não conheço, vou me informar. Valeu.
História linda e triste… Você ainda tem parentes na Polônia, André?
Ah, amei o Garagem especial!
Beijos
Que eu saiba, não. Fugiram todos.
eu já conhecia pq um dia tava pesquisando sobre schindler e vi que o portuga aí estava no “justo entre as nações”, tipo uma honra dada pelo governo de israel a pessoas que ajudaram judeus na segunda guerra, onde inclusive 2 brasileiros aparecem http://en.wikipedia.org/wiki/Righteous_among_the_Nations
Não há um só argentino, para vermos como o nosso vizinho se afundava no fascismo explícito e quase colaboracionismo. Aliás a aproximação quase desesperada dos EUA com o Brasil foi o medo de Roosevelt de a América do Sul ( Brasil, Uruguai e Argentina) se aliarem ao Eixo. No Brasil a divisão dos proprios elementos do Gov. Vargas, muitos nacionalistas com tendências ainda de centro-esquerda antigos tenetistas que resistiram aos expurgos de após a Intentona, minaram essa aproximação com o eixo de forma mais radical, mas a influência nazista era notória como o episódio do afundamento do Wakama e da invasão do Banco Alemão, por algum comando não identificado http://www.rioquepassou.com.br/2008/12/12/zona-bancaria-rua-da-alfandega-1939/
Sensacional. O cara é um verdadeiro herói apagado da história por um canalha como Salazar.
caraaaacas! fiquei de cara. a gente não para pra pensar, mas nossos antepassados passaram poucas e boas pra chegarmos aonde estamos hj! como uma pessoa pode realmente fazer a diferença!
É estarrecedor que ainda haja tanta história nebulosa deste período infame. Fiquei emocionado.
Que história de arrepiar!
Lendo o texto eu ia dizer que está coluna não existiria se não fosse o portuga, mas você disse algo muito mais importante no final.
André, esse periodo do pré-guerra, qdo varios regimes fascistas se instalaram em paises europeus é muito foda!! Meus avós vieram para ca fugindo do Franco na Espanha. Como eram fugitivos, sem asilo, enfrentaram aqui as restrições legais de Vargas aos fugidos do fascismo europeu, com o qual seu governo tinha afinidades. Foram enviados para trabalho praticamente escravo para uma fazenda no interior de sp, aonde trabalhavam de sol a sol e eram trancafiados num galpão a noite, sob vigilancia. Fugiram cavando um buraco sob o madeirame do galpão, com cinco crianças (uma de seis meses) e ficaram quase uma semana perdidos no mato, sem nada. Chegaram a Bauru e construiram uma vida, essa cidade foi muito amada por eles. Vargas, como Salazar, tb proibiu a emissão de vistos para judeus, e no caso do Guimarães Rosa, na verdade foi sua mulher Araci de Carvalho, conhecida por “Anjo de Hamburgo”, quem emitia os vistos, muitas vezes sem o conhecimento de Guimarães. Souza Mendes e Araci de Carvalho ganharam um monumento em sua homenagem em Israel, e como eles outros funcionarios consulares salvaram muita gente, como era o caso da embaixada dos EUA em Berlim, responsavel pela épica retirada de Freud de Viena em 1938.
Sensacional essa história. Em um texto sobre o Mendes Sousa, li que ele também concedeu um visto para que o Salvador Dali fugisse da Espanha para os EUA, em 1940.
Mais um motivo para Spielberg transformar em filme
Quando se faz a coisa certa, nunca se sabe o alcance disso. Por isso é importante fazê-la sem pensar onde isso irá parar.