O Oscar e a infantilização do cinema
27/02/12 08:16
Nenhuma grande surpresa no Oscar. Eu apostava numa divisão dos principais prêmios da noite, mas as vitórias de “o Artista” nas categorias filme, diretor e ator, não podem ser consideradas zebras.
Se 2011 não ficará marcado como uma grande safra de filmes, pelo menos será lembrado como o ano em que o abismo entre o Oscar e o público americano tornou-se intransponível.
Nunca houve um descompasso tão grande entre o gosto da Academia e o gosto do público.
Quer prova?
Dos 40 filmes de maior bilheteria nos Estados Unidos em 2011, apenas um – “Histórias Cruzadas” – foi indicado ao prêmio de melhor filme. Um em 40.
Dos dez filmes de maior bilheteria em 2011, apenas um – “Thor” – não é uma continuação. E todos – repito, todos – são filmes que apelam ao público adolescente (veja a lista aqui).
Ou seja: o cinema adulto não faz mais sucesso.
Compare isso à década de 60, quando todos os vencedores do Oscar foram sucesso de bilheteria, de “The Apartment” (1960) a “Perdidos na Noite” (1969).
Dos campeões de bilheteria de cada ano entre 1960 e 1969, cinco foram indicados ao Oscar de melhor filme: “Lawrence da Arábia” (1962), “Cleópatra” (1963), “Mary Poppins” (1964), “A Noviça Rebelde” (1965) e “Funny Girl” (1968).
Os anos 70 não foram diferentes. Todos os vencedores de Oscar triunfaram na bilheteria: “Patton” (1970), “Operação França” (1971), “O Poderoso Chefão” (1972), “Golpe de Mestre” (1973), “O Poderoso Chefão – Parte 2” (1974), “O Estranho no Ninho” (1975), “Rocky” (1976), “Noivo Neurótico, Noiva Nervosa” (1977), “O Franco-Atirador” (1978) e “Kramver vs. Kramer” (1979). Com raríssimas exceções, só filmaços.
Agora, compare isso ao que ocorreu de 1980 para cá: nos últimos 32 anos, apenas três filmes que ganharam o Oscar também foram campeões de bilheteria de seus respectivos anos: “Rain Man” (1988), “Titanic” (1997) e “O Senhor dos Anéis” (2003).
O que aconteceu nesse tempo? Como surgiu esse abismo entre o gosto da Academia e o gosto do público?
Uma palavra: “Tubarão”.
Não é novidade que o filme de Spielberg mudou a história de Holllywood. Pela primeira vez, executivos perceberam que um filme poderia virar um “franchise”.
“Tubarão” foi um dos primeiros filmes a estrear em uma quantidade absurda de salas, e rendeu fortunas com sequências e produtos (para quem quiser se aprofundar no assunto, sugiro ler “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Mudou Hollywood”, grande livro de Peter Biskind sobre o cinema americano dos anos 70).
O que estamos vendo hoje é o auge da infantilização do cinema americano, iniciada com “Tubarão” e impulsionada por George Lucas e “Guerra nas Estrelas”.
Então a culpa é de Spielberg e Lucas?
Não. Eles simplesmente foram os garotos-propaganda de uma revolução comercial inevitável.
É só ver como a indústria da música, a partir dos anos 80, também descobriu o valor do público juvenil, para perceber que essa busca por um consumidor jovem, extremamente suscetível a propaganda e extremamente fiel, que não se importa de ver duas ou três sequências de seus filmes prediletos, faz todo sentido, se você é executivo e só está interessado em fazer dinheiro.
Enquanto isso, o público adulto migra para as séries de TV e dá mesada para os filhotes se divertirem com a enésima parte de “Harry Potter”. Na prática, os adultos estão pagando para destruir o seu próprio prazer de ir ao cinema.
Tempos estranhos os nossos…
Em partes, concordo com seu ponto de vista. Mas se pararmos para pensar, não há como mais fugir disso, a mídia em si já estimula tanto que em pouco tempo estaremos pensando como eles…
Parabéns pelo excelente uso das estatísticas!
Assustador…
Que necessidade chata isso de querer se mostrar como adulto e culto. Parece aquela coisa de menina de 12 anos, que tem medo de usar sua camisa estampada do Power Rangers (que adora) e prefere usar batom e salto. Tudo porque não quer mais parecer criança, quer se provar como gente grande.
Essa necessidade de ser adulto é mais infantil que os filmes infantis por ele citado. Doce é coisa de criança. Eu adoro. E me dou a liberdade de me lambuzar com doces quando quero! Ao mesmo tempo que não dispensarei uma salada quando estiver com fome de comida de adulto. Não porque sou infantil, mas porque sou feliz sendo tudo! Ler Turma da Mônica me impediu de estudar filosofia e niilismo!
Bom, meu filme favorito é Star Wars e eu adoro jogar video games. Sorte que o André Barcinski é adulto… talvez ele saiba argumentar melhor que eu!
Leandro, ter 12 anos e parecer ter 12 anos não é problema nenhum. O texto do Andre, salvo engano meu, apenas constata que – cada vez mais – as pessoas adultam se recusam a viver como adultas. Isso é infantilização, e é um problema, sim, porque nivela as coisas por baixo, pelo mais fácil, pelo descartável.
Ponto de vista interessante e concordo em parte, mas há uma imprecisão. Cita que nos últimos 32 anos apenas três filmes foram campeões de bilheteria no ano. Na verdade, Forrest Gump também foi.
De qualquer forma, em outros anos, vencedores do Oscar de melhor filme também foram muito bem de bilheteria, mesmo não tendo sido o campeão do ano.
Por exemplo, em 2000, Gladiador foi o 4º lugar; em 2001, Uma Mente Brilhante foi o 11º, com 170 milhões; e essa tendência segue nos anos seguintes.
Eu concordo que prefiramos ficar em nossa zona de conforto, e procurar filmes que nos interessam ou nas locadoras que estão em processo de exinção ou na própria internet como muitos fazem, mas também não somos tão culpados como se dizem, raros bons filmes que foram lançados no ano que se passou, foram lançados no único complexo de cinema de minha cidade, dublados, eu não consigo assistir filme dublado acho o cúmulo da mediocridade pagar para assistir um filme dublado no cinema, enquanto alguns colegas meus pseudointelectuais simplesmente vão vê-los pelo simples motivo de se achar cult por frequentar o cinema.
Comparar bilheteria de filmes com Premiações de festivais de cinema é comparar o Empresário com um Artista de palco… Um quer dinheiro e o outro satisfação e reconhecimento. O Oscar também não é o determinante único do bom cinema, muito menos as massas…
Entretenimento nem sempre é Arte. E Arte nem sempre vai ser Entretenimento.
Sim, José, mas já houve uma época em que sucesso comercial e qualidade não andavam separados. “O Poderoso Chefão”, por exemplo, e tantos filmes sensacionais que foram grandes sucessos de bilheteria.
Achei seu ponto de vista muito parecido com o do Stephen Whitty no artigo “What happened to grown-up films?” e realmente acho que é um tendência difícil de ser mudada.
Não conheço esse artigo, vou procurar o link.
Eu acredito que o Oscar seja mais fake que nota de três reais. Mesmo assim, este ano tinha idéia de assistir. Não deu, mas acredito que não tenha perdido grande coisa, pois a Rede Grobi iniciou transmissão com metade dos prêmios já entregues. Se isso for realmente verdade, fica mais uma vez explícita o desdém com o qual a emissora trata seus espectadores.
“Na prática, os adultos estão pagando para destruir o seu próprio prazer de ir ao cinema.”
Caramba, meio trágica essa afirmação, não? O que os pais deveriam fazer? Bater nos filhos se eles quiserem assistirHarry Potter? Se mandar para uma cidadezinha do interior e criá-los dentro duma bolha cultural dedicada a livrá-los das “más influências culturais”?
Esse papo de pau no Oscar me cansa às vezes. Todo ano é a mesma ladainha: todos assistem e falam sobre o Oscar, do tapete vermelho ao último tchauzinho do Billy Crystal para a câmera. Mas ao mesmo tempo todo mundo fala que o Oscar é um horror, que é uma cerimônia brega, capitalista, sem sentido e que deveria acabar mas… POR QUE ENTÃO O PESSOAL QUE CRITICA SIMPLESMENTE NÃO PARA DE ASSITIR E DAR RELEVÂNCIA?
O Oscar é a cerimônia “decadente e perto do fim” mais bem-sucedida dos últimos anos. E enfim, me cansa esse papo de que o cinema americano morreu no meio dos anos 70 e que os assassinos são Spielberg e Lucas (sim, eu gosto dos filmes dos dois, que pecado…) é algo que enche. O cima é o que é, e quem não gosta deveria simplesmente ignorar e se refugiar no conforto dos seus lares e nas arthouses da vida, não?
Não é trágica, é uma realidade. Quem banca os ingressos dos filhos são adultos que não têm mais filmes pra ver nos cinemas. Não estou dizendo que isso é errado, só que é uma realidade.
André
O livro “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Mudou Hollywood” deu-me a impressão de que os executivos de Holywood soltaram a turma ‘barra pesada’ (Scorcese, Coppola, etc etc) dentro dos estúdios no desespero, afim de o ‘sangue novo’ reanimasse a vertiginosa perda de público para a TV, que lá tem restrições pesadas para temas adultos. Mas parece que dramas pesados, como o ‘Incêndios’, são mesmo exceção atualmente.
Criança não ouvia rádio até 1960 (salvo engano, que cometo com frequência). Aquilo era chato demais, só tocava coisa de velho.
Só passamos a ouvir quando apareceram os Beatles. A única exceção era o personagem de Quino, filho do seu Manuel da quitanda que não gostava dos Beatles e cortava cabelo meio americano, social.
OT: André, você conhece o trabalho do Louis Theroux? É um tipo de jornalismo que não vemos muito no Brasil.. Eu particularmente gosto muito.
Conheço sim e acho o cara muito divertido.
Andre, documentarios podem ser uma boa escapada para filmes mais adultos. Acabei de assistir o Paradise Lost 3. Como você disse que história incrivel. E o mais fantástico é a equipe da HBO que acompanho o caso por quase 20 anos. Acho que no Brasil falta isso na midia. Uma tragédia sobrepoe a anterior que fica esquecida. Nos EUA pode acontecer também mas eles costumam ir mais fundo. Além disso, sem querer sem preconceituoso, mas por mais caipiras que eles sejam me parecem bem mais esclarecidos do que a media de nossa população. É só ver os depoimentos dos 3 de West Memphis.
E sem querer passar nenhum spoiler, entendo que pode ter um espaço para um Quarto filme, dependendo dos próximos acontecimentos.
Abs,
A HBO bancou os três filmes, existe um mercado nos EUA pra documentários de TV, coisa que aqui não existe.
Além da infantilização o problema é a simplificação do roteiro: a maioria dos filmes é maniqueísta e esquemático. Eu sempre percebo que lá pelo 45 minutos do filme há uma reviravolta previsível, e toda a trama tem que estar mastigadinha para o espectador. Não há mais a interação com o telespectador, o espaço para a reflexão. Para mim este sim é o verdadeiro problema do cinema atual.
Na verdade os judeus comandam o espetáculo e os filmes estão bem ruins.
O que é “Cowboys e Alliens” ??? Chatinho!
Alguém assistiu o ótimo “Sob Controle” ou o primeiro filme dos diretores de Matrix “Ligadas pelo Desejo”, ou “O Assassino em Mim” ???
Saudades do Kubrick, Ridley, Lynch …
Nossa, vi esse cowboys e aliens, que lixo… claro, pelo título já espera-se que é uma bela porcaria…
Não entendi o que “os judeus” têm a ver com a história.
Lembrei dessa entrevista inspiradíssima do Cassavetes lendo a sua coluna: http://www.youtube.com/watch?v=ePptcNqXRJA
Ele também fala dessa imaturidade e apatia da indústria cultural.E parabéns pela coluna, foi no ponto.