Piorou o cinema, ou piorou o público?
28/02/12 07:35
O post de ontem sobre a infantilização do cinema rendeu tantos comentários interessantes, que peço licença para continuar no assunto.
Peguei um livro aqui na estante, “Box-Office Hits”, que lista, ano a ano, os campeões de bilheteria do cinema americano de 1939 a 1988 (o livro é de 1989).
Claro que é difícil comparar o gosto do público em diferentes períodos históricos, mas é assustador lembrar que, em 1969, o terceiro maior público do cinema americano foi “Perdidos na Noite” (“Midnight Cowboy”), de John Schlesinger.
Quem já viu o filme sabe que é uma história sórdida sobre dois vagabundos que tentam se dar bem nas ruas violentas de Nova York. Jon Voight faz um caipira que ganha a vida transando com senhoras por dinheiro. Dustin Hoffman faz um junkie. É uma obra-prima.
Pois bem: “Perdidos na Noite” não só bateu “Hello, Dolly!” na bilheteria, como ganhou o Oscar de melhor filme (só para efeito de comparação, a terceira maior bilheteria de 2011 foi “A Saga Crepúsculo: Amanhecer”).
O que aconteceria com “Perdidos na Noite” se fosse lançado hoje?
Possivelmente sairia direto em DVD, ou seria exibido em quatro salas alternativas em Nova York e São Francisco.
Outros exemplos curiosos:
Em 1967, “A Primeira Noite de um Homem” foi a maior bilheteria do ano. “Bonnie and Clyde” foi a quarta.
“2001”, de Stanley Kubrick, foi a segunda bilheteria de 1968, atrás de “Funny Girl”.
“M.A.S.H.”, a visão ácida de Robert Altman sobre o Vietnã, foi a terceira maior bilheteria de 1970, mesma posição de “Operação França” no ano seguinte.
E não vou nem falar de “O Poderoso Chefão” (1972) e “O Exorcista” (1973), que lideraram as bilheterias em seus respectivos anos.
Isso quer dizer que todos os filmes lançados naquela época eram obras-primas voltadas ao público adulto?
Claro que não. As décadas de 1960 e 70 também foram cheias de diversão escapista para adolescentes, desenhos animados e romances melosos.
“Mogli – O Menino Lobo” foi a segunda bilheteria de 1967; “Romeu e Julieta”, a cafonice suprema de Franco Zeffirelli, foi a quinta maior bilheteria de 1968, e “Se Meu Fusca Falasse” ficou em segundo lugar em 1969.
Ou seja: tinha para todo mundo.
Bem diferente de hoje, quando os cinemas são completamente dominados por continuações, desenhos animados e megaproduções inspiradas em gibis.
Fica a pergunta: o que aconteceu com o tipo de público que lotava os cinemas para ver “Perdidos na Noite”? Morreram, todos? E os filhos e netos desses, onde estão? Vendo “Transformers”?
Para explicar a (falta de) correlação entre público e qualidade, acho que basta olhar nesse livro a bilheteria de 1977, Guerra nas Estrelas deve explicar muita coisa
Acredito que adultos que lotam os cinemas nos dias de hoje para verem transformers e outros filmes de heróis,só estão realizando o sonho de verem seus personagens de infância na tela grande,em carne e osso e com roteiros quase sempre fiéis aos quadrinhos.Simples!!!
Barcinski
Tipos como esse ainda hj acham que Ramones é melhor do que qualquer bandinha por ai.
O que não é verdade.
Acho que os filhos daquelas pessoas estão em casa pirateando tudo que podem e evitando as salas de cinema e seus preços extorsivos.
Ai, tenho pavor a nostalgia kkk
Caro André, tente pensar assim (se fizer algum sentido para você, por favor me avise):
Dos anos 80 pra cá a industria de entretenimento (em todos os setores) tem trabalhado para elevar a voz das crianças e adolescentes. Antes disso criança nao tinha voz nem vez, ficava em casa vendo TV ou na rua brincando, ou na escola sendo besta.
Não sei bem se o caminho é o inverso, mas a industria de tecnologia que serve ao entretenimento também desenvolveu táticas de aproximação com o indivíduo. Desde as fitas cassete até o iPad todos os aparelhos, unidos ao entretenimento, tem convergido para a customização. Uma vez que uma criança tenha acesso a um meio que possibilite a ela, longe dos pais, comunicar seus anseios ao mundo, expressar os problemas que ela acha serem exclusivos de sua vida (já que, por natureza, nessa idade todos são egoístas), ela vai fazer isso e vai fazer do jeito mais histérico possível.
Então, concluamos: se antes as reclamações, protestos e revoluções eram feitas por adultos (e geralmente nas ruas), hoje elas são feitas no mundo de simulacro que essa geração vive, isto é, na internet, numa poltrona dentro do seu quarto. Agora junte a natureza egoísta do jovem à histeria, imagine milhões de guris de mesada fazendo zoada pelas segunda maior industria de entretenimento (o cinema) e você entende porque o cinema feito pra eles parece ter dominado tudo. O fato é que o “cinema para adultos” perdeu seu espaço: os adultos migraram pros videogames, e se tu reparar nessa industria vai ver que, mesmo maior do que a de cinema, ela é bem menos barulhenta. Foi como uma troca x)
Um abraço!
Daniel Magalhães, jornalista.
Além de não termos mas muitas opções de filmes, ainda sofremos com a maré de filmes dublados.
Será que todos estão ficando analfabetos, ou no mínimo, preguiçosos??
George Orwell explica.
É a demanda que molda a oferta, mas me frustra tbm o que os cinemas tem oferecido. Eu não tenho problemas em ver filmes pipoca, eu acho divertido, mas não é o que vale um ingresso de cinema pra mim, na maioria das vezes. É o tipo de filme q prefiro ver em casa. Mas vc não acha mais filmes adultos mesmo pra ver no cinema, e nem precisa ser nada muito dramático ou alternativo, nem vindo da Europa. Aqui em Campinas deve ter pelo menos 4 ou 5 shoppings com Multiplex e costumo frequentar 2, ou o Cinemark ou um da rede Saveriano Ribeiro, o Kinoplex. Queria assistir aquele filme “Um Dia”, que nem é alternativo nem nada, é romancezinho, meio drama, tem a Anne Hathaway, etc. Olhei no Cinemark, onde eu mais vou. Nada. No Kinoplex tinha, mas poucos horários. Não deu pra ir na 1a semana, na segunda já não tinha. Todas as salas deviam estar sendo ocupadas por umas 4 ou 5 continuações diferentes (uma vez eu contei… acho q de 7 filmes passando, 5 eram continuação e eram os q mais ocupavam os horarios)
André, só pra engrossar o caldo, acho que isso é só mais um sintoma da atual “geração mais bonita da cidade”. A gente vem vivendo uma infantilização geral de perspectiva de vida, onde todos querem ser eternos adolescentes sem responsabilidade (quer coisa mais rara do que encontrar um adulto hoje em dia?) que a frustração deixou de ser um caminho de crescimento, que a felicidade é algo que é merecido, e não conquistado em pequenos bocados (e com muito esforço). Tudo isso, ao meu ver, é conseqüência de uma mentalidade auto-centrada em que estamos aqui no mundo para nos dar bem, para nos divertir e aproveitar. Nesses imperativos, a reflexão e a auto-crítica ficam de lado e é fácil taxar as pessoas que tentam seguir por um outro caminho de chatos. E o cinema virou isso, somente entretenimento e não um espaço de reflexão sobre nós mesmos.
Li em janeiro o livro sogre a geração sexo drogas e rock and roll e tenho me feito estas mesmas perguntas desde entã – aliás, só li o livro porque já tinha estas perguntas anteriormente.
Graças ao estação botafogo nos anos 80 e 90, tive a oportunidade de ver na tela grande muita coisa boa – goddard, kurosawa, Wilder etc. Com honrosas exceçoes, não vejo cinemas fazendo este trabalho que, de certa forma, é de formação de público. Você pergunta onde estão os filhos daquela geração. Eu acho que sou um deles, então me animo a responder. Eu tenho visto MUITO dvd. Porque ver transformes, homem aranha, x-men é uma perda de tempo e de dinheiro absoluta. Esse público é o que é capaz de encher o cinema para ver A Separação, por exemplo. É como a Tv aberta acho. Ela não é mais feita para quem quer ver algo com um mínimo de qualidade (honrosas duas ou tres exceçoes a parte). Quem quiser, que assine TV a cabo. O cinemão simplesmente abriu mão de fazer produções para todos os públicos; preferiu concentrar numa faixa só. só que, neste caso, não existe um cinema a cabo para onde a gente possa correr.
André, acho que este tipo de público que vc pergunta onde está ainda frequenta os cinemas e assiste filmes de qualidade. O problema é o q aconteceu com as gerações seguintes. Acho que elas não tiveram a mesma formação. Hoje, há informações sobre este tipo de produção. Entretanto, ela está diluída, o q prejudica a formação de uma nova audiência para filmes de arte e independentes.
O que vc chama de cinema infantilizado eu diria que pode ser chamado de cinema de fábula. Como em tudo há o bom e o ruim. Fábulas são legais (e bon$ negócio$), porque falam a todas as idades. Há diferenças: “Crepúsculo” é idealização da relação homem e mulher. “Up Altas Aventuras” é sobre um velhinho que perdeu tudo na vida, mas consegue reviver uma aventura. Você não comenta o ponto central no sucesso desse tipo de cinema: todos pregam uma boa dose de pureza espiritual e sonho, mesmo quando fazem piada escatológica, tipo Shrek. Para mim são saudáveis, porque permitem fugir da universalização da podridão, tudo na mídia é apetite puro, sexo, sujeira, falta de caráter e decência. Big Brother, Rihanna, Funk Carioca, Madonna de lingerie, Ronaldo Gordo estão em toda parte, acho que as pessoas vão ver esses filmes infantis para fugir durante 120 minutos dessas imundícies e mostrar algo diferente aos filhos.
Porque não unificar o Razzies e o Oscar?
Outra questão são as salas multiples que passam de 4 até 13 filmes também ajudam a infantilizar o público passando sempre os mesmos tipos de filmes vindos dos estudios americanos .
Quando passa um filme alternativo vindo de um país da Europa, Asia só tem um horário ingrato isso.