Piorou o cinema, ou piorou o público?
28/02/12 07:35
O post de ontem sobre a infantilização do cinema rendeu tantos comentários interessantes, que peço licença para continuar no assunto.
Peguei um livro aqui na estante, “Box-Office Hits”, que lista, ano a ano, os campeões de bilheteria do cinema americano de 1939 a 1988 (o livro é de 1989).
Claro que é difícil comparar o gosto do público em diferentes períodos históricos, mas é assustador lembrar que, em 1969, o terceiro maior público do cinema americano foi “Perdidos na Noite” (“Midnight Cowboy”), de John Schlesinger.
Quem já viu o filme sabe que é uma história sórdida sobre dois vagabundos que tentam se dar bem nas ruas violentas de Nova York. Jon Voight faz um caipira que ganha a vida transando com senhoras por dinheiro. Dustin Hoffman faz um junkie. É uma obra-prima.
Pois bem: “Perdidos na Noite” não só bateu “Hello, Dolly!” na bilheteria, como ganhou o Oscar de melhor filme (só para efeito de comparação, a terceira maior bilheteria de 2011 foi “A Saga Crepúsculo: Amanhecer”).
O que aconteceria com “Perdidos na Noite” se fosse lançado hoje?
Possivelmente sairia direto em DVD, ou seria exibido em quatro salas alternativas em Nova York e São Francisco.
Outros exemplos curiosos:
Em 1967, “A Primeira Noite de um Homem” foi a maior bilheteria do ano. “Bonnie and Clyde” foi a quarta.
“2001”, de Stanley Kubrick, foi a segunda bilheteria de 1968, atrás de “Funny Girl”.
“M.A.S.H.”, a visão ácida de Robert Altman sobre o Vietnã, foi a terceira maior bilheteria de 1970, mesma posição de “Operação França” no ano seguinte.
E não vou nem falar de “O Poderoso Chefão” (1972) e “O Exorcista” (1973), que lideraram as bilheterias em seus respectivos anos.
Isso quer dizer que todos os filmes lançados naquela época eram obras-primas voltadas ao público adulto?
Claro que não. As décadas de 1960 e 70 também foram cheias de diversão escapista para adolescentes, desenhos animados e romances melosos.
“Mogli – O Menino Lobo” foi a segunda bilheteria de 1967; “Romeu e Julieta”, a cafonice suprema de Franco Zeffirelli, foi a quinta maior bilheteria de 1968, e “Se Meu Fusca Falasse” ficou em segundo lugar em 1969.
Ou seja: tinha para todo mundo.
Bem diferente de hoje, quando os cinemas são completamente dominados por continuações, desenhos animados e megaproduções inspiradas em gibis.
Fica a pergunta: o que aconteceu com o tipo de público que lotava os cinemas para ver “Perdidos na Noite”? Morreram, todos? E os filhos e netos desses, onde estão? Vendo “Transformers”?
Olha Barça, não sei se o público perdeu a sensibilidade de identificar filmes com maior qualidade, o que eu tenho certeza absoluta é as grandes histórias tornaram-se escassas… são poucos filmes com histórias que prendem o telespectador na telinha, geralmente são filmes nada inovadores… um monte de refilmagens, que geralmente são piores que os filmes originais, filmes criados através de histórias de gibis, de seriados….aliás acho que precisa aparecer um serial killer pra matar roteiristas que gostam de gibi….deixar vivos somente os que possuam o hábito de ler livros…rsrsrs
Acho muito conveniente todo o processo de “infantilização” e claro que este não está restrito apenas ao cinema. Desde a educação infantil e agora passando pela adolescência como foi dito mais abaixo, nada como termos pessoas acríticas e pouco desenvolvidas emocionalmente, não? Neste ponto, política e indústria cultural (com todo o apoio de uma forte aliada, a economia) caminham de mãos dadas, felizes com todo processo de alienação a que todos estamos assistindo.
É exatamente isso. A ignorância é um campo enorme a ser explorado. E com uma “vantagem”: quanto mais é explorado, mais ele cresce. Nisto está toda a dinâmica de mercado. A um ponto em que se vai entrando automaticamente nesse processo. Todos vão se imbecilizando. E cada vez mais.
Você deu um indício da resposta quando disse que Perdidos na Noite seria lançado em meia dúzia de salas alternativas e não no circuito grande.
Talvez a dúvida persista como a questão do “Ovo e da Galinha”. Os filmes de qualidade seriam lançados em poucos lugares porque o público não iria assistir ou o público não iria assistir porque seria lançado em poucas salas?
Eu tendo a achar que o problema não está no público e sim na indústria do cinema.
Ainda que o público de filmes densos, de qualidade, de difícil digestão imediata seja menor que o público do Homem Aranha, ele ainda existe e é um nicho considerável.
O problema é que existem raros diretores geniais e poucos diretores bons. Pior, existem menos ainda produtores e estúdios que queiram investir dinheiro neles. A não ser que virem grife como é o caso do Scorsese, do Woody Allen ou do Coppola, pouco espaço eles vão ter.
Nesse sentido, a indústria cinematográfica segue a linha da indústria musical e editorial. É a lógica da Industria Cultural (agora com maiúscula) da Sociedade de Massas. Você faz coisas de fácil digestão e venda certa. Você não se preocupa em vender qualidade porque há um público cativo considerável que vai assistir qualquer bobagem que for tema de uma campanha publicitária.
A questão sempre foi dinheiro, vender. A diferença é que tiveram a genial sacada de separar qualidade e popularidade ao perceber que o público, EM QUALQUER ÉPOCA, compra o que é divulgado e não o que tem qualidade.
Vou ainda mais longe. Não dá pra falar que um Avatar ou um Titanic não tenham qualidade. Eles têm qualidade em efeitos especiais.
Em uma sociedade vazia da nossa modernidade líquida (emprestando o conceito de Bauman), onde é difícil ver a arte, ou qualquer categoria social, ter uma forma fixa, com um capitalismo extremo que considera de valor aquilo que tem valor monetário, é óbvio que efeitos especiais e outros “acessórios” sejam os termômetros para se qualificar um filme.
Se toda a indústria publicitária divulga amplamente, praticamente pregando, que o que tem valor é aquilo que tem explosão, morte violenta, perseguição, super heróis, carros velozes, mulheres gostosas, gente bêbada etc., a parcela da população menos crítica vai comprar como verdade.
Piorou o cinema ou o público? Piorou a sociedade.
Tinha uma matéria na Universidade chamada “Usos e Usuários” que, basicamente, tratava este tipo de questão. O que acontece é que, assim como produtos e música como dissestes, o anseio por coisas mais descartáveis foi aumentando em detrimento dos pela qualidade. Creio que não seja uma questão mesmo de “ovo e galinha”, penso assim: Um diretor fez um filme ruim e fez sucesso… outro um bom e nem tanto… aí resolveram ver porquÊ o primeiro fez sucesso… perceberam a tendência e daí esta tendência virou regra. Assim sendo, é injusto falar que fora problema da industria, que só oferece o que os usuários anseiam.E se uma indústria tão bem sucedida como a do cinema, que vende horrores, é mal sucedida… gostaria de ser mal sucedido em minha vida também!
Digo que, previamente, parece ser uma questão de “ovo e galinha”.
Eu não acho que o público tenha mudado tanto e o cinema permanecido igual. Acho que os dois mudaram, bem como a sociedade mudou, como concluo no final.
Eu concordo com você quando diz que a indústria oferece o que [o maior número de] usuários desejam. A diferença é que eu acredito que a indústria tem sua parcela de culpa naquilo que os usuários desejam.
Quando você aposta em um modelo que deu certo nas vendas, sem preocupação com a qualidade, e repete exaustivamente que isso é bom, que é isso que estavam esperando, que é isso que todos queremos, não vai haver renovação. O público é tratado como burro e aceita. Não é uma via de mão única do tipo “o povo quer coisa ruim então a indústria vai fazer coisa ruim”.
Faltam críticos a esse modelo. Melhor esses críticos precisam aparecer mais, como eu, você e o Barcinski. E falta alguém olhar para os críticos que existem como um nicho que esteja atrás de cinema de qualidade a ponto de ser rentável fazer algo bom.
Aí que está. Tenho 30 anos e NUNCA gostei de ir ao cinema. As raras vezes que fui foi por causa de namorada ou ficante. O que devemos fazer como consumidores é o boicote. Quando várias pessoas boicotam, o produto muda. Por isso insisto, o problema são as pessoas. O inferno é o outro.
Concordo com você. E, lendo os seus comentários, sobretudo os trechos que falam sobre o modelo sem qualidade que é vendido como algo bom, lembrei-me imediatamente do que dizia o nazista Joseph Goebbels: “De tanto se repetir uma mentira, ela acaba se transformando em verdade”.
Eu fico pensando: será que daqui a uns 20 ou 30 anos alguns desses filmes mais convencionais de hoje também não vão ser reverenciados?
Tipo?
Tipo Zeram? Brincadeira, mas acho que faz sentido. Muita porcaria dos anos 80 na música, por exemplo, hoje é relativizada, “é, não eram tão ruins…”, mas isso porque hoje está muito ruim mesmo, com força.
Façamos um comparativo: “2001 – Uma Odisseia no Espaço” foi 2º nas bilheterias em 1968; em qual posição está “A Árvore da Vida”, filme que também envereda por aspectos filosóficos e metafísicos para tentar explicar o Homem??
Acho sim que a massa de hoje é muito mais acéfala do que a de ontem. O porquê disso é difícil explicar, mas a pasteurização da cultura e das artes, assim como a rarefação da educação e bons modos (sim, isso faz enorme diferença) ajudam e muito.
De tanto eu falar, um amigo mais novo aqui do trabalho baixou Taxi Driver para ver e não gostou. Disse que era um filme “nada a ver” e “estranho”. Acho q ele sentiu falta de uma explosão a cada 3 minutos de filme.
Eu entrevistei a Jodie Foster uma vez e ela me disse EXATAMENTE isso. “Pouca gente ia gostar de Taxi Driver hoje, iam achar lento”.
Hoje a maioria das pessoas também não tem paciência nem de sentar duas horas na poltrona do cinema sem mexer nos seus gadgets…
Uma colega minha falou a mesma coisa pra mim de taxi driver, que eu havia recomendado. “É Lento”. Inacreditavel!
Faço uma pergunta que já fiz ontem: qual o problema em as pessoas acharem “Taxi Driver” lento, “nada a ver”, “estranho”? Perguntando de outra forma: por que o problema está “no amigo novo do trabalho” ou na “colega” e não no filme?
Bom, Claudio, Taxi Driver é um dos grandes filmes da história do cinema. Uma referência. As pessoas têm todo o direito de não gostar do filme, mas aí acho que a explicação é que elas não gostam de cinema, ou pelo menos desse tipo de cinema, mais autoral.
Sou da opinião de que só é possível apreciar certas coisas uma vez que vc conhece algumas outras. Assim, sem algumas referências muitas vezes não da pra sacar o que é legal em um filme (mas vale também pra comida, musica etc.).
O problema é que se Taxi Driver, que entendo ser um filme com uma trama bem acessível, é considerado lento demais, a conclusão é que as referências do publico em geral vão de mal a pior. Foram todos idiotizados e tem um deficit de atenção que não permite, por exemplo, ler um livro.
Bom, Barcinski, que elas não gostam não há discussão. A questão é: não gostam por qual razão? A imensa maioria dos comentários defende que não gostam por que estão emburrecendo (eu discordo). Eu entendo que é mais complexo, mas dentre os fatores está o de que o “cinema autoral” não traz grandes novidades há muito tempo e, além disso, parece incapaz de captar o homem atual em seu tempo. É preciso lembrar que estas pessoas não assistiram “Taxi Driver” na época de sua criação, mas em um momento em que “desconstruir e questionar valores” é tema recorrente até no Jardim de Infância, e em ritmo instantâneo (vide a tecnologia da informação). Não deveria ser considerado “inacreditável” alguém achá-lo lento e menos impactante do que quando foi veiculado nos anos 70. Dadas as mudanças sociais, me parece até mesmo esperável que muitas obras deixem de causar impacto.
Cláudio, aonde “desconstruir e questionar valores é tema recorrente”? Se o que você está falando é sobre ser “politicamente correto” hoje em dia, então é justamente o contrário disso.
Olá, Guilherme. Não, não estou me referindo ao que se chama hoje de “politicamente correto”, que, embora tenha lá sua diversidade, é muito bem orientado para uma certa pauta de valores. Estou me referindo a uma certa atitude que toma conta das questões referentes ao ensino. Eu não sei se você tem filhos, mas eu tenho um que é pré-adolescente e, claro, dou uma olhadinha nos livros didáticos que ele utiliza na escola. Bicho, em todos eles é a mesma ladainha: formar cidadãos críticos, autônomos, livres, conscientes de que não existe “a” verdade e que os valores estabelecidos são impostos pelos grupos com maior poder e blá, blá, blá. Enfim, todo aquele criticismo e discurso de cidadania que parece profundo, mas que, na verdade, DA FORMA COMO É CONDUZIDO, não nos leva a nada, somente ao imobilismo. Então, questionar valores, desconfiar de autoridades etc e tal, tudo isso não apresenta novidade, já está no discurso de qualquer estudante.
Concordo com esse TOP 10 aqui: http://www.old-wizard.com/top-10-problems-with-modern-movies
é assim q muitas pessoas que viram Onde os Fracos Não tem Vez definem (erroneamnete) o filme. A maioria so gosta de enlatados, novelas idiotas, etc
André, eu concordo totalmente com o argumento de que o grande público assistia filmes de maior qualidade nas décadas de 60/70 do que hoje. E nem é possível dizer que isso é chatice de críticos de cinema, pois “MASH”, “Operação França” e outros mencionados tiveram críticas favoráveis desde seu lançamento. Acho que no final das contas, tanto o cinema quanto o público vão puxando um ao outro para baixo ao mesmo tempo.
André,
Parei pra pensar sobre isso baseado no post de ontem. Acho que é uma questão de estímulo cerebral. Quando o cérebro se “acostuma” com complexidade, as pessoas tendem a “gostar” de arte complexa. Vale para cinema, música, pintura, qualquer tipo de arte. Como faremos para tocar pessoas que veem adaptações de gibis e continuações de grandes bilheterias a gostarem de rampart, que vc citou esses dias atrás? Como fazer com que pessoas que ouvem Michel Teló gostem de boas bandas e artistas que ainda existem no Brasil mas que são renegados a serem pequenos por não interessarem à indústria mainstream? Se tocasse só música clássica nas rádios, as pessoas, em médio prazo passariam a gostar de música clássica e a complexidade das músicas “treinaria” seu gosto musical, ficando mais fácil para todos gostarem de música de qualidade. Se só tivessem bons filmes nos cinemas, este seria o parâmetro para todos. Infelizmente tudo está nivelado por baixo….
Círculo vicioso. Há uma aposta na ignorância que gera ignorância. Quanto mais ignorância, mais motivo para que se aposte em ignorância. A culpa é das pessoas que se aproveitam da ignorância existente e das que não fazem nada para se defender. Acho que as que se aproveitam são as piores, porque é injustificável: elas podem fazer diferente.
Tem razão, o duro é que os ignorantes não fazem nada pra se defender porque não sabem como se defender, nem entendem que estão sendo usados….
O mundo está mais descartável. Faz sentido que o cinema também. Nos anos 60/70, nego comprava uma máquina qualquer (fogao que fosse) e esperava que ele funcionasse por no mínimo dez anos. As coisas (quaisquer coisas) eram feitas para durar, para permanecer. Até roupa. Hj tudo é feito para jogar fora e ser esquecido.
é a decadência…e nem fazem mais filmes de romanos, daqueles que duravam 3 horas e tinha até intervalo !
Cara, eu tenho varias teorias, mas vou deixar uma aqui, talvez até repetida.
O cinema hoje é focado na molecada que vai no shopping. A molecada por sua vez, perde o interesse rápido, por isso, se o filme não se pagar em 2 semanas, já era.
Quanto tempo os filmes citados ficavam em cartaz?
Olá André,bom dia!
Acho q o mesmo está acontecendo com a musica.Compare os ganhadores do Grammy nos anos 60,70 e 80 com o ganhadores dos ultimos anos.Tinhamos artistas como Ray Charles,Quincy Jones e Stevie Wonder.
Acho q hj em dia temos otimos artistas, mas infelismente sua grande maioria poucas pessoas os conhecem.
Coisas boas estam ficando cada vez mais Underground.Uma pena!
Enquanto isso nosso amigo Morrissey segue sendo chamado de “underground” e sem gravadora…
Concordo com vc.
Acho que piorou o público, afinal tudo é uma questão de mercado. O público evita não só os filmes, mas todas as atividades que o obrigam a pensar. Hoje o acesso a informação é tão fácil que pensar quase não é mais necessário. Por exemplo, em questão de volume, estuda-se muito mais do que antigamente. Nas escolas privadas de hoje os alunos são massacrados com um volume enorme de informações (tarefas, trabalhos, leituras, etc), mas quando precisam fazer uma conta simples de divisão correm para pegar a calculadora (ou usam o Google no smart fone).
André, se o Perdidos na Noite fosse feito em 2012, além dos tradicionais tiros ,correria e explosões, ainda teria algumas cenas “sensuais e picantes” , seria um pornô soft, no estilo Bruna Surfistinha de calças, vc não acha????
Bom, o original tinha cenas de sexo fortes, tanto que foi censura “X” nos Estados Unidos. Eu acho que, se fizessem o filme hoje, os personagens teriam uma epifania religiosa e terminariam trabalhando com crianças carentes.
O público está se “Transformando”. sacou?!?!? rs
genial! hehehe
Muito difícil entender o que aconteceu de verdade. Acredito que ainda existe um grande público interessado em filmes com temáticas mais adultas, porém dá para perceber que o ambiente do cinema mudou muito nos últimos anos. Quantas vezes não fomos ver um filme um pouco mais adulto e percebemos todo tipo de conversa fiada ao redor, celulares, comida em excesso etc. Penso que quem vai ao cinema hoje em dia, a maioria pelo menos, busca diversão fácil, sem muita reflexão e sequer entende o sentido real do cinema, como expressão artística por exemplo. Os tempos modernos visam muito mais a tecnologia do que a arte e isso é fato, a maioria das pessoas se interessa muito mais por inovações tecnológicas do que por expressões artísticas, pelo menos é o que aparenta.
Um bom complemento a abordagem mais antropológica de nosso amigo Vicente abaixo. O interessante, como disse, é neste post de hoje discutirmos mais a sociedade – em particular os produtores e consumidores de filmes – do que a qualidade das obras produzidas em si.
Acho que tem uma outra coisa. Não há mais profundidade em nada. Não há tempo. As pessoas tem que se dedicar exclusivamente à carreira, mergulhadas em uma competição acirradíssima, da qual são ao mesmo tempo vítimas e criadoras (pois não fazem nada para mudar isso). O tempo que sobra é gasto com as contingências da família, com o trânsito… As pessoas não amadurecem em termos de riqueza espiritual, artístico, filosófico. Amadurecer hoje em dia significa ir se treinando, construindo um networking e ficando mais esperto para a competição de mercado, nada mais. O mundo não era assim antes. O trabalho, a carreira, eram vistos como uma parte da vida. A diversão, nesse contexto de adultos – astutos, mas que continuam crianças em espírito – tende a ter um caráter cada vez mais imbecil mesmo. Churrasco com música ruim da moda, um filme porcaria de vez em quando, um passeio de jetski nas ferias…
Que leitura da vida interessante Vicente! Por isso aproveito meus finais de semana e as “escapadas” literárias neste fórum.
Olá, Vicente. Concordo com a conclusão (não há profundidade em nada), mas discordo parcialmente da fundamentação, pois acho que incorre, novamente, no unilateralismo – a culpa é do mercado e da imbecilização do público. Não nego que os dias de hoje são de um mercado que se autoreproduz vertiginosamente, a exigir cada vez mais esforços do homem comum. Todavia, o processo de enfraquecimento espiritual, artístico e filosófico também ocorreu em universidades, na arte e na cultura de esquerda. Vivemos na últimas décadas a desconstrução da razão, da lógica, da ciência, da religião (esta, na verdade, tem sido questionada desde a era moderna), das artes, da verdade e por aí vai. A política desencantou-se, em grande medida por que a cosmovisão libertária e igualitária acabou gerando apenas ditaduras burocráticas. Assim como há um processo econômico sem fim, também há um processo de questionamento axiológico sem fim. Então, as pessoas não amadurecem por que não há referências. O homem comum FOI DEIXADO NA MÃO. E aí ele se agarra ao que é mais imediato, que são justamente o processo econômico de sobrevivência, o divertimento fácil e espiritualismos pouco exigentes. E o problema é que me parece que os intelectuais e artistas de conteúdo não têm nada a oferecer a estas pessoas.
Cláudio, acho que esse “deixado na mão” talvez seja necessário ao que temos que desenvolver nesta época em especial: liberdade, vontade, interesses e capacidade de discernimento. Concordo que desenvolver estas qualidades sem referencial é difícil e com referenciais ruins é mais difícil ainda, mas é parte da caminhada. Ótima abordagem a sua, você fez Filosofia? O vocabulário é familiar. Abraço,
Olá, Renato. Sou formado em Direito e estou cursando Filosofia. Acho uma boa mistura, pois possibilita a especulação própria à Filosofia, mas não me deixa fugir ao mundo e seus problemas reais, que constituem a abordagem do Direito. Tenho uma pequena discordância: não é possível a ausência de referencial (por isso acho movimentos de “desconstrução” um tanto ingênuos, quando não manipuladores). Sempre há uma metafísica a sustentar pensamentos, idéias ou ideologias. Claro, essa metafísica não precisa ser a clássica, de natureza transcendente, mas pode ser uma metafísica imanente (como o materialismo marxista, por exemplo). Veja o caso do nosso “homem comum”: por que ele não consegue identificar referências, pois as tradicionais foram “desconstruídas”, ele adota a metafísica da sobrevivência, da pura reprodução da vida, sem maiores questionamentos. E o mercado, que conhece o “ser humano real” e suas condições de existência bem melhor do que os intelectuais, nada de braçada…
Cláudio, desde ontem acompanho com interesse as suas reflexões, das quais não discordo exatamente. Só acho que o dito “homem comum” não é tão indefeso e vítima do processo assim – penso que falta um esforço para se aprofundar, aprender, crescer. O sublime raramente está à mão, pronto para consumo. Tem que ralar um pouco para alcançar. A falta de tempo a que se refere o Vicente é uma das razões para isso, mas também existe muita acomodação.
Cláudio, filosoficamente essa questão da referência é bem complexa, conforme a abordagem rigorosa de Frege e Russell em relação à questão das descrições definidas. Se dizemos: “A realidade é uma ficção” ou “O Fluminense perdeu um gol feito no jogo de ontem por 2 a 1” o que estamos dizendo? O referencial parece claro, não? Mas quem é “O Fluminense”? Os jogadores apenas? Mas a comissão técnica e os torcedores também não são “O Fluminense”? O referencial, portanto, é de difícil apreensão conforme a abordagem e o rigor que se deseja expressar nas sentenças. Mas, voltando, quando você diz “não conseguir identificar referências”, acho que neste caso o referencial não existir ou não ser identificado teria um mesmo efeito sobre o ‘homem comum’. O que eu quis dizer não tinha rigor filosófico, não sei se fui claro: é que aprender a exercitar a capacidade de discernimento sem saber por onde começar pode ser bastante complicado. Imagine alguém que queira aprender do zero sobre música pop e tenha diante de si uma internet. Por onde começar? Neste momento, ele não tem referencial. Como manter-se determinado e exercitar uma seletividade que é necessária até para sua sobrevivência psíquica?
A frase correta no exemplo seria: “O Fluminense perdeu um gol feito no jogo de ontem, vencido por 2 a 1″.
Olá, Luiz. Veja, eu tb não acho que ele seja uma vítima. O que eu acho é que ele é SITUADO: ele está em um mundo em que é difícil encontrar referências. E ele está em mundo em que uma série de problemas e exigências se impõem a ele. Vc fala em acomodação. Tudo bem, mas o que move o homem? Difícil responder, mas me parece claro que, antes de tudo, o homem é pragmático, responde às situações que lhe chegam. Ele deve ser estimulado e eu acho que a acomodação pode até existir, mas ela está presente também nos cineastas, nos intelectuais e nos cultores da arte. Veja a linha de raciocínio da maioria dos comentários: é como se arte e artistas “cults” tivessem uma espécie de “direito adquirido” à apreciação de todas as gerações! NÃO TÊM. Público deve ser estimulado e conquistado. Se “Taxi Driver” não estimula o público de hoje, o problema não está necessariamente no público, pode estar no filme, que, talvez, não tenha essa atemporalidade pretendida pelos críticos (ou talvez a violência, a tensão psicológica e o niilismo de “Taxi Driver” sejam óbvios demais para os dias de hoje). A minha linha de raciocínio é que a maior parte do “cinema culto” nos dia de hoje tem pouco a oferecer ao “homem comum”: ele não leva ao sublime, como vc disse, pois o questionamento que ele faz já se iniciou há 40 anos e hoje já virou cotidiano.
Sim, Renato, acho que estamos dizendo mais ou menos a mesma coisa. Mas o fato é que o homem não fica parado, ele não fica em um limbo. Então, em algum momento, ele age, e só pode agir sustentado em algo (usando a famosa imagem do Barão, ele não vai sair voando por aí a partir de si mesmo). Algo vira referência em algum momento, mesmo que provisoriamente. O cidadão pensa: “vou ficar em casa, ir ao cinema ver ‘Star Wars’ ou ‘Taxi Driver'”? O que o estimulará mais: o descanso, o entretenimento ou a reflexão? A meu ver – este é o ponto que defendo – os cultures da arte ESTÃO incapazes de estimular o grande público.
Cláudio, sobre seu comentário que começa com “Sim, Renato, acho que estamos…”: você está dizendo que o que estimula o homem ao entretenimento atualmente é mais forte do que o que o estimula culturalmente? Se for, não tenho nada a opor. Embora mesmo o descanso possa ser estimulante num certo sentido introspectivo e não menos valioso que um filme culturalmente relevante – mesmo que esta importância já tenha ficado algo defasada, como você afirma em outro lugar. Talvez os artistas e criadores ainda estejam absorvendo muita coisa do nosso tempo, complexo e multifacetado; talvez estejam tão perdidos quanto o público, necessitando de novos impulsos.
Estava me referindo às “referências”. Penso que um dos caminhos para a boa reflexão sobre o tema é este que você menciona na última frase: também os “cults” estão perdidos. Mas eles podem se achar, principalmente se descerem do pedestal…
O interessante sobre os dois posts do André é como ele, expert em cinema, analisa a situação antropológica dos que consomem cinema antiga e atualmente. Logo, as lacunas e questionamentos são exatamente aí, não tanto em relação aos filmes que foram sendo lançados ao longo dos anos – que indiscutívelmente pecam em questão de qualidade em relação aos antigos. Então, creio que a discussão hoje será mais bem aproveitada se seguir a linha, o raciocínio, a vertente antropológica do consumidor de cinema.
Creio que seja algo parecido como o amigo disse abaixo “a adolescência é uma etapa recente em nossa história”. Creio que seja bem por aí mesmo! Os costumes das pessoas, suas exigências e até qualidades – morais inclusas – vão mudando e, ao meu ver, piorando ao longo destes anos. O que vem acontecendo em todas as esferas de arte, é uma banalização e uma infantilização dos que no é oferecido para consumo, justamente por não questionarmos – exigirmos – mais esta qualidade.
Só para completar. vejam bem que tentei fazer um comentário mais em análise das pessoas, mas creio também que os produtores de cinema tenham sua parcela, pois oferecem justamente o que o cliente gostaria de consumir. É o contrário do marketing e propaganda: que visa criar necessidades em seus consumidores para empurrar os produtos abaixo.
Errata: “O interessante sobre os dois posts do André é como ele, expert em cinema, analisa a situação antropológica dos que consomem cinema antiga e atualmente”, não aprofundando tanto e fazendo questões para nós leitores, nesta vertente.
André,
no post de ontem vc tocou em um ponto interessante: a parte estritamente comercial da produção de filmes. Hollywood percebeu que a certeza dos cifrões gerados pela produção de determinados tipos de filmes é um argumento muito mais forte na discussão da pré-produção do que, necessariamente, a produção da arte pela finalidade em si. “Satirycon”, por exemplo, é um tipo de filme que inebria pela loucura visual do Fellini e é arte produzida com a finalidade de ser arte. “Crepúsculo”, por outro lado, é filme caça-níquel.
Sinal que nossos jovens estão, sim, embarcando na onda do “não precisa ter conteúdo, é só ter o Robert Pattinson sem camisa que eu vejo”.
Os americanos continuam fazendo bons filmes. Em 2010 um drama de baixo orçamento e bela historia levou Oscar: Coração Louco com Jeff Bridges. Só não entendi o por quê de Guerra ao Terror levar 6 Oscar. Talvez seja a paixão dos americanos por guerras contra países islamicos. Se há uma certa infantilização nos filmes é porque os jovens americanos estão indo mais aos cinemas do que os adultos.
engrçado é que o pessoal se refere ao Jon Voight como o “pai da angelina jolie”, como se ela tivesse feito algo de relevante no cinema!!
eu sempre pensei nisso heheh, ela não tem nenhum filme descente na sua carreira
Só para colocar um pouco mais de “pimenta” na discussão eu pergunto : será que os filmes “adultos contemporâneos” são tão bons quanto aqueles produzidos antigamente? Será que um “Os Descendentes” é mais interessante do que “Gente como a Gente”, só para ficarmos nos dramas familiares? Será que filmes sobre as atuais guerras no Oriente Médio como “Falcão Negro em Perigo” e “Zona Verde” são tão relevantes quanto “Amargo Regresso” e “Apocalypse Now”? Será que Hollywood perdeu a mão na produção dos chamados filmes adultos? Ou será apenas saudosismo da minha parte?
Caro Barcinski, gostaria de saber sua opinião sobre a influência da MTv no público, acho q alguns anos atrás, ela adquiriu uma grande credibilidade principalmente sobre a audiência jovem. E em face da mediocridade reinante na mídia televisiva nacional, foi uma credibilidade merecida. O senso crítico e estético de muita gente (talvez, dos filhos do público de Perdidos na Noite e outros) foi construído lado a lado com as informações de Massari, Marina Person, Cazé e claro, pô, Spike Jonze, Michel Gondri, etc. Não digo que essas pessoas são mestres divulgadores de cultura, mas davam um parâmetro, acho mesmo que o principal era que instigavam o público a ir atrás de discos, filmes, etc. De uns anos pra cá, a qualidade caiu terrivelmente, e vejo a influência que a MTv ainda exerce sobre a molecada (os netos do público de Perdidos na Noite). Marimoon, Titi, Didi, Pê Lanza, Jana Rosa, Di, Fi, e a PQP, tem um exército de zumbis seguidores que consomem Justin Bieber, Crepúsculo, Transformers, tudo que for fofo, fashion e não revoltado.
Claro, existem fatores diversos pra se formar um público e também para aliená-lo, minha bronca com a MTv é devido à credibilidade adquirada com os “jovens” e ao que nossos jovens estão assimilando e propagando.
Wilson, desculpa a intromissão, mas eu, particularmente, vejo que a MTV já não é mais referência pra nada. Acho que a Internet “liquidou” essa fatia de mercado. Uma das coisas que mais me intriga em relação ao cinema, no caso do Brasil, é a mudança da maneira como ele é consumido: saindo das salas abertas e indo parar em shoppings, notadamente espaços de consumo desenfreado. Acho que aí poderemos encontrar boas respostas. Abs
A MTV era boa, assistível na época do Massari, Gastão, Marina Person, etc. pelo menos era gente que sabia de ou trabalhava com música, hoje em dia, acho que ela nem influencia mais a molecada, virou coisa datada, remanescente do século 20, os prórios VJs atuais acho que não influenciam mais ninguém…
o problema André, é que vc envelheceu e ainda não se deu conta.
Outros, ainda não chegaram a fase adulta.
“jovens: envelheçam.”
Pelo contrário. Toda vez que vejo a lista de filmes em cartaz, tenho a convicção que estou velho.
E por um acaso, envelhecer é ruim, só ser jovem é que é bom? Pergunta pra post hein André..
Quem tem 17 anos acha o fim ter passado dos 30, fazer o que?
Parabéns pelo blog André. É a primeira coisa que eu leio quando chego no trabalho.
Seus últimos dois posts sobre a infantilização do cinema foram sensacionais.
Valeu, Rodrigo.
e os filmes “adultos” da hollywood de hoje (tipo blue valentine, lovers, revolutionary road, closer) são recebidos com tanta boa vontade por quem procura esse tipo de ideia que, não raro, os elogios escapam de proporção e eles são deixados maiores do que de fato são…
todos estão juntos com Jon Voight assistindo Transformers, ele está nesse filme….rs
ele tem q ganha dinheiro ne hahahahha
Hoje em dia, um filme como 2001 seria praticamente inviável do ponto de vista econômico. E mesmo que ele fosse feito, seria enorme a pressão dos produtores para que fossem incluídas cenas de ação, como perseguições, explosões, trocas de tiros, etc, que aumentassem o apelo do filme para o público em geral. O maior provável mesmo era que o conto original do Kubrick terminasse completamente deturpado, transformado em mais uma produção clichê, genérica e esquecível. Quem aí se lembra da adaptação hollywoodiana de “Eu, Robô”, do mestre Asimov?
Errata – ” … O MAIS provável …”
Errata 2 – “O mais provável é que o conto original do ARTHUR CLARKE … ”
Desculpem, estou ficando gagá.
Se fosse feito hoje, 2001 com certeza teria som no vácuo do espaço e concorreria ao Oscar nessa categoria.
Outro dia tentei rever 2001. Dormi. Depois da primeira parte o filme fica muito arrastado. Tem algumas cenas memoráveis, mas eu acho que não envelheceu bem. Mas virou cliché falar que é o filme é irretocável, etc. Sem dúvida foi um pioneiro, mas tem várias falhar. Acho que o André concorda comigo, pelo que lembro de posts anteriores, certo Andre? Abs.
Concordo, não é dos meus filmes prediletos. Sei que muita gente discorda e acha um a obra-prima.
Vejo de duas maneiras, ou não temos mais filmes assim pq todos os bons ja foram feitos, ou as pessoas só querem ver efeitos especiais…
Acho que faz todo o sentido, Barcinski. A adolescência é uma etapa recente na história da humandade, repare nas fotos de pessoas de 18 anos de uns 40 anos atrás e veja como parecem muito mais adultos que os de hoje. A indústria cultural está acompanhando este processo e quando vemos gente de 30, 40 anos morando com os pais em vez de batalhar seu lugar ao sol, é porque tem muita coisa errada mesmo.
Ou então pegue uma foto de alguém com 40 anos hoje, e muitas vezes verá alguém com cara ( e cabeça) de alguém de 18…