Dia quente, cidade fria
01/03/12 07:13
Meio-dia no Rio. Trinta e três graus, e eu andava apressado pela Avenida Rio Branco, no Centro.
Perto da Cinelândia, um cidadão me abordou.
Meu reflexo, como sempre acontece em situações assim, foi de continuar andando, soltar um “não tenho trocado” e ignorar o sujeito.
A gente está tão acostumado a ser enganado por pedintes malandros, que fica até com receio de parar na rua.
Só que este estacionou na minha frente. E me obrigou a parar também.
Era um senhor de uns 60 anos, magro e bem vestido, de sapato e camisa social. Carregava uma pasta de plástico.
Parei e fiquei esperando para ouvir a história triste que estava por vir. Me irritei por ter caído num golpe tão velho.
Ele tentou falar, mas as palavras não saíam:
“Estoooooou… pro…pro…procuraaannndo… uma…”
Daí, começou a chorar.
Seu braço esquerdo estava colado ao corpo. Parecia ter sofrido algum tipo de derrame.
Ele tirou um lenço do bolso e começou a enxugar as lágrimas. Quando se acalmou, disse, com muito esforço:
“Não queeeero dinheiro. Estou pro… pro… procurando uma ONG que ajuda pessoas com de… deficiência.”
Eu não esperava aquilo. E não sabia como ajudá-lo. Não conhecia nenhuma ONG por ali. Olhei para o lado e vi um taxista, sentado num banco no ponto de táxi. Ele também não sabia da ONG.
Fui perguntar numa banca de jornal. Enquanto isso, o sujeito, nervoso e chorando muito, tentava se explicar:
“Tô andando aqui desde nove da manhã…. Todo prédio que… que… entro, me expulsam, acham que eu… eu… tô pedindo di… dinheiro… Eu só quero a… achar a ONG…”
O dono da banca de jornal conhecia a tal ONG. Ficava na própria Rio Branco, a menos de 50 metros de onde o sujeito estava, há horas, tentando pedir informação e sendo enxotado de prédios.
O dono da banca foi a um bar e trouxe água para o sujeito. Este já estava mais calmo e conseguia falar com mais desenvoltura.
Ele disse que tinha sofrido um derrame há seis meses e estava esperando ajuda do INSS. Não conseguia mais emprego. Tinha um bom currículo e ouviu falar dessa ONG que ficava na região da Cinelândia e ajudava pessoas com deficiência a conseguir trabalho. Ele entrou em vários prédios para pedir informação, mas foi expulso de todos, sem conseguir explicar que não estava ali mendigando.
Me despedi e desejei boa sorte para ele. Ele agradeceu, entrou no prédio da ONG e sumiu.
Foi tudo muito rápido.
Depois, fiquei imaginando o desespero do sujeito, sendo expulso de prédios sem conseguir se comunicar. Me deu uma vergonha tremenda. Por muito pouco, eu não havia feito igualzinho aos porteiros que o haviam enxotado.
acabei chorando. mais um dia frio..
Olá Andre
Não sabia como enviar uma referência para você; por isso, optei por comentar esta bela crônica com um assunto que nada tem a ver com o tema dela (peço desculpas por isso). Sei que aprecia o romance policial: por isso, mando o link para um ótimo lançamento do gênero noir: http://www.centipedepress.com/crime/completeslayers.html
Abs.
É… faz bem deixar o ceticismo de lado, pelo menos às vezes. Por muito pouco, a gente às vezes erra feio ou acerta em cheio.
Ando o tempo todo no centro de cidade grande e realmente são tantos golpes, que vc perde a noção de humanidade e dever mínimo. Uma vez encontrei, ou melhor, fui encontrado por um sujeito que “me conhecia”. Ele insistiu, puxou assunto em cima de assunto, até ganhar minha atenção. Depois explicou que eu tinha ficado com um produto dele sem pagar. Aí começou a pedir dinheiro em voz alta e andar atrás de mim. Uma pessoa idosa até daria dinheiro, de tanto constrangimento o fdp causou.
Alguém já foi abordado pela ‘enfermeira’ que pede pra aferir sua pressão, na Paulista?
Fora do tópico, mas vejam este festival que está rolando no MIS a partir de hoje, ótima oportunidade para assistir grandes filmes no cinema. http://www.mis-sp.org.br/icox/icox.php?mdl=mis&op=programacao_interna&id_event=934
opa, valeu paulo.
vou ver se consigo ver “os 7 samurais”, kurosawa no telão não tem preço !
ruim só por ser bem na hora do jogo do meu timão…
E mais uma vez esvai-se aquele mentiroso ufanismo segundo o qual “o brasileiro” (como se isso existisse) é uma pessoa sempre aberta, alegre, amável, prestativa e invariavelmente pronta a ajudar aos outros.
Cara estória muito triste. Hoje em dia principalmente nas grandes cidades é muito dificil ter o discernimento do que é golpe e do que não é.
“Monge e discípulos iam por uma estrada e, quando passavam por uma ponte, viram um escorpião sendo arrastado pelas águas. O monge correu pela margem do rio, meteu-se na água e tomou o bichinho na mão. Quando o trazia para fora, o bichinho o picou e, devido à dor, o homem deixou-o cair novamente no rio.
Foi então a margem tomou um ramo de árvore, adiantou-se outra vez a correr pela margem, entrou no rio, colheu o escorpião e o salvou. Voltou o monge e juntou-se aos discípulos na estrada. Eles haviam assistido à cena e o receberam perplexos e penalizados.
– Mestre, deve estar doendo muito! Porque foi salvar esse bicho ruim e venenoso? Que se afogasse! Seria um a menos! Veja como ele respondeu à sua ajuda! Picou a mão que o salvara! Não merecia sua compaixão!
O monge ouviu tranqüilamente os comentários e respondeu:
– Ele agiu conforme sua natureza, e eu de acordo com a minha. “
Escorpião inteligente, mim burro.
Tem uma versão mais legal desta fábula em “The Crying Game”
Viajando num carro confortável
Por uma Estrada chuvosa do interior
Avistamos ao cair da noite um homem rústico
Solicitando-nos uma condução num gesto humilde
Tínhamos teto e tínhamos espaço e seguimos em frente
E ouvimos a mim dizer num tom de voz árido: “ Não, não podemos lever ninguém conosco”
Tínhamos avançado já boa distância, um dia de viagem talvez
Quando subitamente fiquei chocado com esta voz minha
Com este comportamento meu
E todo este mundo.
Bertold Brecht
Caro André, este fato que você narrou me fez lembrar uma outra situação semelhante acontecida há muitos anos. O pai da minha ex-esposa, o qual não conheci, pois faleceu antes de eu me casar com ela, sofreu um enfarto no centro de Chapecó (SC), foi em 84. Ele estava indo ao banco receber a aposentadoria, no trajeto se sentiu mal, sentou-se na calçada e ficou um bom tempo sofrendo e neste ínterim nenhuma das pessoas que passavam pelo local o socorreu. Chapecó não é do tamanho do RJ, nem hoje e muito menos naquela época. Ele acabou sendo socorrido por acaso. Um taxista que fazia ponto próximo o tinha visto sentado na calçada antes de sair para uma corrida. Ao retornar algum tempo depois notou que ele continuava no local e então, se aproximou e ao puxar papo percebeu que o velho estava passando mal e que não se tratava de um bêbado e chamou socorro. O velho morreu quase um ano depois, mas de aneurisma.
Incrível a história.
André, entendo a sua situação e o que você passou. Acho que isso é só mais um reflexo da nossa sociedade, cercada de insegurança e desconfiança que acaba fazendo com que criemos esses “preconceitos” com outras pessoas mesmo não sendo essa a nossa índole.
Solidariedade, empatia (você no lugar do outro) são coisas abjetas ao excesso de individualismo que sempre marcou o Brasil.
* me deu uma dor no coração enquanto lia… chorei… :'(
Por que o Barcinski não é gênio mas é legal e o Sakamoto não é o capeta mas é mala ?
Porque o primeiro admite: “a culpa é minha”
O segundo, apela: “a culpa é sua, cidadão do mal !”
Juro que, a medida em que ia lendo a história, imaginava que terminaria com “… e quando me dei conta, o fdp tinha me levado a carteira”. Tempos difíceis esses.
Estive em Copenhagen ano passado. Lá, basta você abrir um mapa em uma esquina qualquer que as pessoas se acumulam ao seu redor para perguntar se precisa de ajuda. Outra realidade. Isso se chama “confiança”, coisa que o Brasil nunca teve e creio que está muito longe de ter.
Acho que não devemos generalizar dizendo que no Brasil todo ninguém confia em ninguém. O país é muito grande e as cidades têm dinâmicas diferentes.. Ainda existe muita gente solícita por aqui.
Acho deprimentes aqueles avisos bancários “Nunca aceite a ajuda de estranhos”. O tipo de anúncio específico (e infelizmente necessário) que tem um péssimo efeito no geral.
Deveriam estender para não auxiliar estranhos também. Na última semana um colega foi vítima de sua boa vontade em uma agência. Estava no caixa eletrônico do meio, entre dois usuários: um fez uma pergunta enquanto o outro trocou seu cartão. Só se deu conta do golpe porque recebia mensagens quando ocorre alguma transação, senão…
É por causa de poucos desonestos que os honestos sofrem nesse país.
Vivemos desacreditados de tudo, até de compaixão, que bom que você conseguiu evitar de ter virado as costas para esse senhor.
Não sinta vergonha, sinta que venceu um degrau porque fez o que ninguém tinha feito.
Grande abraço
cidade maravilhosa. no trânsito também temos vários exemplos da gentileza e do bom astral cariocas.
Provavelmente este senhor não tem apoio em casa. Se andasse com o endereço da ONG na mão talvez a atitude alheia fosse menos hostil.
Bom, Enaldo, “talvez” ele não tenha ninguém em casa para ajudá-lo, vai saber? Com certeza ele não havia conseguido o endereço do local.
Uma das coisas que mais me chateia em relaçao ao Brasil é a presunção da má-fé de um deconhecido que te aborda. Não notei isso em outros países onde, como turista, tive que pedir informações. É claro que esse tipo de comportamento tem uma razão. Tem muito cara folgado e malandro por aí. Mas, pensando bem, é meio triste viver desse jeito. O que acontece é que as pessoas se acostumam.
Na França em Paris tem alguns argelinos, ciganos sei lá o que eram, aplicavam um golpe esquisito: Simplesmente vinham na sua direção e jogavam um anel no chão e você olha achando que caíu alguma coisa sua e o argelino agacha pega o anel olha p/ você perguntando se era meu e claro respondia que não , depois vinham com o conto do vigario pedindo dinheiro e blá blá blá, eles falavam “café”…Na primeira vez eu fiquei com enorme interrogação na testa sem entender, aquilo. Andei mais uns 50 metros, mais uma vez, um anel caíu perto de mim e já pensei: “mas que p… é essa?” vi uma senhora mal vestida agachando pegando o anel e perguntou se era meu. Dai já me liguei, golpe. Mais tarde mais dois ciganos ou argelinos fizeram a mesma coisa eu ignorava. Depois fiquei pensando, mas que golpe mais idiota é esse? Pelo menos no Brasil os malandros tem golpes mais criativos e nós as vezes sempre caímos, que já faz parte do nosso costume sempre ignorar a pessoa estranha que nos param na rua.
O golpe mais recente em Paris é o das supostas surdas-mudas romenas, em Montmartre e Notre Dame, que pedem para assinar uma petição de projeto de lei em favor das pessoas com deficiência, e depois te cobram cinco euros. Apoio de eleitor estrangeiro é irrelevante e para apoiar abaixo-assinado não é preciso pagar. Mesmo assim os turistas estadunidenses davam de quinze a vinte euros, mole, mole.
Ah, então é isso? As meninas sacudindo canetas na minha direção, com uma prancheta na outra mão, estavam por todos os cantos de Paris nas minhas últimas férias. Acho que elas arrecadariam mais se pendurassem uma placa no pescoço explicando o golpe.
Essa do anel aconteceu comigo também, só que foi um garoto, e na Pont Alexandre III, ele jogou a aliança e depois pediu pra que eu ficasse que daria sorte, eu ri alto, e tentei falar no melhor inglês do mundo que eu era Brasileiro, acho que na hora que ele escutou Brasil, ele desapareceu como um passe de mágica.
Cuidado Paris é um lugar espetacular mas que você tem que tomar muito cuidado pois lá é uma das capitais da “Malandragem”. Tenho um amigo que passou o maior sufoco pois estávamos na noite e uma garota muito bonita nos abordou e começou dar moral pra ele. Noite em Paris tudo romântico, meu amigo embarca de cabeça, a mina dá uma dica de restaurante pra ele e ele todo cheio de si encara. A mina entra janta e pede 1, 2, 3, taças de champanhe, quando chega a conta 400 euros e o meu amigo quase cai da cadeira, ele começa a desconfiar que, a mina trabalhava pro restaurante dando esses golpes, depois de muita briga e ameaças de chamar a polícia, a conta morre em 90 euros e o Dono Do restaurante e a mina xingando até a terceira geração da família dele.
Vi isso em Barcelona tb.
Aconteceu “quase” a mesma coisa comigo, só que foi em frente ao Museu Da Língua Portuguesa ali na Estação da Luz, São Paulo. Uma mulher chorava alto e contava seu drama de ter sido expulsa de casa e ter tido um derrame e por estar na rua tinha contraído sarna de cachorro. Era Sábado e o dia em que o Museu mais fica cheio a fila chega quase a entrada da Estação da Luz, e essa senhora em menos de 10 , 15 minutos arrecadou cerca de 150 a 200 Reais, pois só eu aqui, fiquei com tanta pena que dei uns 25 reais, quase esvaziando minha carteira. Com a consciência tranquila e me sentindo mais “leve” fui no Museu e fiquei lá um bom tempo, quando lá pelas tantas bateu aquela fome e pegamos o caminho para um restaurante Judaico, muito bom, que fica ali bem próximo,nos deparamos com a Senhora, enrolada em um cobertor sapeca negrinho imundo , com os olhos vidrados e um cachimbo de crack na mão. Olhei para minha namorada e falei : É a leveza da minha consciência acabou de pesar uma tonelada.
E continuamos andando de mãos dadas, mas sem olhar pra trás porque tínhamos medo de ver a nossa consciência lá nos encarando.
Abração
Por isso que eu nunca dou dinheiro, se a pessoa vem me pedir dinheiro porque está passando fome e falo para ele me acompanhar na padaria ou lanchonete que pago um almoço se ele responder que prefere dinheiro eu mando pro inferno, sei que vai gastar em outra coisa, que eu me lembre me pararam 5 vezes, dois deles realmente estavam com fome, paguei almoço para eles, um deles até chorou. Coisa que eu mais abomino neste mundo é gente passando fome.
Depois dessa , eu juro que aprendi a lição.
Sou um cadeirante classe media sempre a ponto de virar geleia e a comedia na rua eh corriqueira, o fulano da loja com degrau acha que eu estou chamando pra pedir algo e so falta sair com taco de beisebol,na outra ponta varias tiazinhas querem me dar um troco assim do nada, ja ganhei cd evangelico e quentinha tambem, qualquer hora vou me profissionalizar.
E um asteroide colidiu com o planetinha azul…coitado do asteroide.
Licença para um off-topic: Thurston Moore vem a SP pra tocar o Demolished Toughts dia 12/04 em SP, no Cine Joia. Quem abre o show é o Kurt Vile, ex War on Drugs. Irei!
Eu vi a notícia, bem legal. Infelizmente, não poderei comparecer, mas iria, se pudesse.
André, sou branca (pele muito branca), cabelos claros e tenho mais de 40 anos. Moro em Curitiba e me visto bem para o trabalho em multinacional. Uso jeans nos fins de semana e, num sábado, enquanto fazia hora esperando meu filho na aula de esporte, estacionei numa rua de bairro nobre (???) aqui da cidade para comprar o jornal. Ao voltar para o carro vi que havia estacionado em frente a uma loja na qual eu nunca tinha entrado, que é uma antiga casa, de produtos de decoração finos, de propriedade de um decorador famoso por aqui. Como há estacionamento interno, imagina-se que os clientes sempre cheguem lá de carro. Resolvi ir andando do portão até a loja – não fazia sentido levar o meu carro lá para dentro para manobrar e sair. Entrei e fui admirando os objetos. Em poucos segundos (eu disse segundos) duas funcionárias estavam me acompanhando com os olhos e com os pés, mudas. Não sorriram nem perguntaram se eu queria algo. Apenas me seguiam … Fiquei assustada e decepcionada. Eu estava bem vestida e apenas tinha entrado na loja a pé. Olhei, me senti muito mal e voltei para o carro (carro popular). Nunca fui tão mal-tratada, mesmo sem ter havido violência física, sequer verbal.
Já fui seguido dentro de uma livraria de uma famosa rede, porque estava com minha filha no colo e com uma mochila certamente suspeita com as coisas dela (mamadeira, fralda etc). Simplesmente virei para o MIB e perguntei se ele precisava de alguma coisa para estar me seguindo. Fiquei encarando-o até que ele virou as costas e saiu.
Não duvido. Moro em Curitiba há 37 anos, desde que nasci. É assim. Mas, infelizmente, não é só aqui. Se fosse, bastava a gente se mudar.
Algo parecido aconteceu comigo e eu me senti o ultimo ser humano do universo. Trabalho na rua de um hospital público de referencia no atendimento infantil na Bela Vista e uma moça que tinha dificuldades de fala e com vestes bem simples me abordou com um bebê no colo. Antes de ela terminar o que estava tentando dizer, eu já disse que não tinha dinheiro, até que ela bateu o pé no chão e tentou falar a palavra HOSPITAL, me apontando a criança. Na hora meus olhos marejaram e eu nem sabia como pedir desculpas. Até você conseguir ter o discernimento de saber se não são safados, a bobagem já foi feita.
Eu já devo ter sido enganado por mil pedintes malandros. Não ligo. Talvez por ter ficado muito doente no último ano e ter precisado de ajuda, eu acabo sempre me colocando no lugar quem está sofrendo. Claro que há aqueles onde se vê escrito na testa a palavra “Picareta”, mas no geral eu ajudo sempre que posso.
Prefiro ser o otário do que o insensível.