Jimmy Page solta os demônios
20/03/12 07:22
Hoje, 20 de março, dia do Equinócio da Primavera no hemisfério norte, marca também o fim de um mistério de quatro décadas.
Jimmy Page finalmente mostrará aos fãs, por meio de seu website, a música que fez em 1972 para o filme “Lucifer Rising”, de Kenneth Anger.
Ao longo dos anos, várias versões piratas da trilha sonora circularam por aí. Mas essa é a primeira vez que Page aprova o lançamento.
“É um diário musical de composições de vanguarda e experimentações, que deveriam ter aparecido no filme ‘Lucifer Rising’”, escreveu Page em sua página do Facebook.
“Deveriam”, mas não apareceram.
Não apareceram porque Page e Anger brigaram feio durante o processo. A mulher de Page expulsou Anger de Boleskine House, a propriedade que pertencera ao ocultista Aleister Crowley e onde Page morava. Anger ameaçou jogar uma maldição em cima do guitarrista e transformá-lo num sapo.
Eram os anos 70. Essas coisas eram normais naquela época.
Eu já vi Kenneth Anger de perto. Foi nos anos 90, durante uma retrospectiva de seus filmes no Anthology Film Archives, em Nova York. É um velhinho simpático e falante. Ninguém diria que foi um dos personagens mais polêmicos e “darks” da cultura pop dos anos 60 e 70.
Anger ainda está vivo. Tem 85 anos. Existe uma boa biografia dele, “Anger”, escrita por Bill Landis em 1995. Recomendo demais. Anger renega o livro, diz que Landis o traiu. Mas Anger disse o mesmo de muitas outras pessoas: Jimmy Page, Mick Jagger, Keith Richards, Andy Warhol, Marianne Faithfull. Todos, em algum momento, “o traíram”.
Em 1947, Anger fez um curta-metragem experimental gay chamado “Fireworks”. O filme foi exibido na França e chamou a atenção de Jean Cocteau. Anger foi à França, onde conheceu Cocteau, Jean Genet e todos os malditos da época.
Em 1963, fez sua obra-prima, “Scorpio Rising”, uma colagem visual que misturava imagens documentais de um grupo de motociclistas, comerciais de TV e um filme sobre a vida de Jesus, tudo embalado numa estética sadomasô gay.
O filme influenciou de Fassbinder a Almodóvar, e certamente ajudou David Lynch a pensar em “Veludo Azul” (uma das músicas de “Scorpio Rising” é “Blue Velvet”, na versão de Bobby Vinton).
Anger foi um seguidor do ocultista inglês Aleister Crowley e de sua religião, a Thelema. Em 1966, Anger iniciou um filme inspirado por Crowley, “Invocation of My Demon Brother” (“Invocação do Meu Irmão Demônio”). Ele pediu a Bobby Beausoleil, um músico que tocava com o grupo Love, de Arthur Lee, para fazer a trilha sonora.
Mas Beausoleil, de acordo com Anger, pegou o dinheiro que deveria ser usado para as gravações, comprou um quilo de maconha e fugiu para a Califórnia, onde se juntou à gangue de sádicos de Charles Manson. Três anos depois, Beausoleil seria condenado à prisão perpétua pela tortura e assassinato de Gary Hinman. Lembre-se, eram os anos 70…
Anger resolveu fazer outro filme inspirado em Crowley, “Lucifer Rising”, e pediu a Page, também obcecado por Crowley, que compusesse a música.
Mas Page nunca entregou a trilha. Anger o acusou de estar viciado em heroína e acabou usando música feita por – acredite – Bobby Beausoleil, que gravou tudo da cadeia.
Kenneth Anger é uma figura única. Misto de gênio incompreendido, herói do cinema experimental e trambiqueiro profissional.
Escreveu três livros de uma série chamada “Hollywood Babylon”, relatos sórdidos dos bastidores de Hollywood, cheios de exageros e histórias inventadas (Marilyn Monroe era prostituta, James Dean, um gay masoquista); deu entrevistas dizendo ter sido molestado por Walt Disney (“Ele me sentou em seu colo e pude sentir sua ereção de oito polegadas” ).
Para quem quiser conhecer mais sobre Anger, achei uma boa entrevista dele (sem legendas, infelizmente).
E, aqui, um trecho da trilha feita por Jimmy Page, em versão pirata. Boa viagem.
P.S.: Até quarta, estarei com acesso muito limitado à Internet. Deixei textos agendados, mas não sei se conseguirei moderar os comentários. Prometo responder a todos quando voltar.
Não, cavalheiros, não penseis em partir!Aguarda-nos um modesto e insignificante banquete. Insistis?
Nunca escrevi pra vc mais quero lhe dizer que saudade da Ademilde Fonseca
Barcinski, pior que a história do Beausoleil não acaba nisso. O cara é um especialista em fazer merda.
Depois de pegar prisao perpétua, ele ainda se filiou à Aryan Brotherhood na prisão, lançou alguns álbuns experimentais terríveis e foi homenageado em uma música do Current 93 (banda neolfolk experimental obcecada por thelema, budismo tibetano e acusada algumas vezes de cryptonazi por ter uma forte ligação com o Death in June).
Sabia do Aryan Brotherhood, realmente o cara só faz besteira.
Bicha velha esse Kenneth, filmes loucos e sem sentido nenhum, retalho de imagens… Mas como é um gringo e tem amigos famosos, aí vira genio, né?
Queria ver se é um brasileiro qualquer que lança uma coisa dessas…
É sim, Luiz, o Kenneth Anger só é considerado um dos papas do cinema alternativo porque não é brasileiro.