No hospital, vendo o “Fantástico”
22/03/12 07:12
Domingo, o “Fantástico” exibiu a já célebre reportagem mostrando a corrupção na contratação de serviços para hospitais públicos do Rio de Janeiro.
Poucas horas depois, por motivos que não vêm ao caso, tive de acompanhar uma cirurgia num hospital público do Estado do Rio de Janeiro, que também atende SUS e convênios. Fiquei lá por quase 60 horas.
Foi bizarro assistir às reprises da reportagem na sala de espera, junto com pacientes e funcionários do hospital.
As reações variavam da revolta às gargalhadas. E tenho de confessar que também achei engraçados alguns trechos das gravações, que mais pareciam diálogos de um filme de quinta categoria (até agora não consigo escolher minha frase predileta, se “Aí é o diabo” ou “Essa é a ética do mercado”).
Durante o tempo que passamos no hospital, o serviço variou do trágico ao irretocável.
Foi curioso: tudo que dependia da burocracia não funcionou. E tudo que dependia dos profissionais funcionou perfeitamente.
A paciente levou seis horas para ser internada, porque o hospital estava lotado. Aliás, ele está sempre lotado, mas, nesse dia, os próprios funcionários estavam impressionados.
Um problema administrativo em outro hospital da região causou a transferência de todos os pacientes. A sala de espera parecia o saguão da rodoviária.
A cirurgia atrasou pacas, porque o seguro-saúde levou oito horas para aprovar um procedimento simples. E só aprovou depois que o próprio cirurgião, que esperava com a equipe na sala, pegou o telefone e disse que a demora estava pondo a paciente em risco.
Percebi uma coisa: depois que você supera a burocracia e a falta de estrutura, o trabalho dos médicos, das enfermeiras, dos anestesistas, das nutricionistas e do pessoal da limpeza funciona perfeitamente.
Não estou dizendo que isso é a regra, mas foi o que eu observei nesse caso específico. .
Mas o que mais me chamou a atenção: enquanto esperávamos pela cirurgia, fiquei batendo papo com o cirurgião. Comentei sobre a reportagem do “Fantástico”, e ele disse que não tinha visto.
E não tinha visto porque teve de sair de sua folga, domingo à tarde, para ajudar a tratar os pacientes que apareceram por causa do problema no outro hospital. Ele tinha trabalhado até a madrugada de segunda e, poucas horas depois, estava de volta ao hospital. Mal tinha dormido.
Fiquei pensando em como deve ser revoltante trabalhar num sistema de saúde que paga mal, que não tem estrutura, que superlota hospitais e que dá condições precárias para os profissionais, e ainda assistir a uma bandida falar em “ética do mercado”.
Ainda bem que ele não tinha visto a reportagem e pôde se concentrar na cirurgia.
P.S.: Ponho o ponto final nesse texto no exato instante em que um caminhão da Locanty passa em frente à minha casa. Será um sinal?
“Foi curioso: tudo que dependia da burocracia não funcionou. E tudo que dependia dos profissionais funcionou perfeitamente.” Infelizmente dois anos atrás precisei usar hospital público no RJ e passei por momentos terríveis, e com essa frase você conseguiu sintetizar o que eu pensei. Pessoas ótimas, com boa vontade para ajudar a todos e super humanas sem os mínimos recursos e condições para trabalhar. Na ocasião meu sogro saiu comprou gesso, gaze, luvas de látex e algum medicamento que não me lembro, entregou pro pessoal e eu consegui ser atendido, pq eu tinha quebrado o tornozelo e faltou isso tudo.
Tenho família com experiência em trabalhar no sistema de saúde pública. Trabalham como cavalos, são frequentemente ameaçados por pacientes e familiares. Existem sistemas totalmente podres, inclusive cujos próprios médicos se beneficiam roubando remédios e não comparecendo ao trabalho e outros cuja burocracia funciona bem melhor (município de São Paulo, por exemplo), mas ainda assim não há milagre: a demanda é muito alta, muito da demanda é artificial (malandros simulando para ganhar atestado, paranóicos com dor na unha). Hospital também não resolve problema social: nuvens de drogados viram nóias que sao habitués crônicos e precisam ser atendidos, porque já chegam com risco de morte, pobre tem muito filho, há muita criança concentrada em poucos lugares de atendimento.
O cirurgião não viu a reportagem e nem precisava. Quem trabalha na saúde, não só pública, está careca de saber desses “malfeitos” como diz nossa presidenta. Para nós, a única surpresa foi a notícia ter sido uma surpresa para tanta gente.
Obs: não sei se entendi errado o que vc escreveu, mas anestesista também é médico!
Se a gringaiada precisar do serviço de saúde publica na copa do mundo por aqui…..huummm….vão sentir o gostinho que os brasileiros sentem diariamente na pele!! E quanto a esses 6 vagabundos que aparecem na foto acima, vamos esperar pra ver o que o nosso sistema retrógrado de justiça vai fazer.
André, o que acontece é o seguinte: as operadoras de planos de saúde estão empurrando seus clientes para o SUS para não terem que gastar na construção de hospitais próprios e com os procedimentos gerais.Meu médico ortopedista não vai mais fazer cirurgias pelos convênios porque eles estão pagando R$200,00 por cirurgia.Não acho errado os hospitais públicos atenderem convênios, só acho errado os convênios serem muito burocráticos e estarem prestando um péssimo atendimento.
André, como você observou especificamente a equipe de enfermagem? Nessa e em outras experiências em serviços de saúde.
Na minha opinião, o SUS deveria realmente ser universal, como está escrito nas diretrizes e no próprio nome do sistema, mas em caso de o paciente ter plano de saúde, o procedimento deveria ser cobrado da operadora.
Desculpa,Andre,eu baguncei um pouco o assunto.Vou tentar explicar:É que naquela reportagem,o “fantástico”perdeu a oportunidade de fazer uma denuncia mais abrangente,dando os nomes dos verdadeiros bandidos saqueadores do dinheiro publico,e ao invés disso,usaram um servidor publico como bode espiatório.Entendeu?Abs
Barcinski,
Um assunto bem menos importante: Pq não faz um post sobre o sempre levemente alcoolizado Joe Cocker, que se apresenta no Brasil ainda este mês?
Tô preparando pra semana que vem, entrevistei o Cocker.
Eu concordo com o texto na íntegra. Eu só gostaria de acrescentar que há uma falha na sociedade civil organizada e nas instituições do Estado ter que aguardar a iniciativa fiscalizadora da imprensa para somente aí resolver sanear o problema.
A rede globo,atraves desse programa de domingo a noite,que eu acho um lixo,deveria usar esse horário nobre para prestar um serviço bem melhor,verdadeiras materias investigativas,não apenas essas fachadas sensacionalistas.Meses atraz,”o fantastico”fez uma matéria sobre as aposentadorias fraudulentas na assembléia legislativa de Santa Catarina.Essas aposentadorias,já denunciadas, envolvendo politicos e figuras conhecidas aqui de SC é de conhecimento de todos,só que nunca denunciada por um programa de tanta repercussão.Perderam uma grande chance de fazer uma matéria decente.Ao invés disso,usaram um pobre coitado de um servidor como “cristo”,o culpado por tudo.O resultado da “brillhante”reportagem é que o cara se matou uma semana depois.Porque será que omitiram os nomes dos médicos que atestavam a incapacidade de figuras famosas da sociedade catarinense?É mais do que lógico que a RBS,afiliada da globo,recebeu a sua “ajudinha”e deu um jeitinho prás coisas sairem sem afetar os “pica grossa”.A coisa é revoltante!
Não entendi. Uma hora vc diz que nenhum programa de tanta repercussão tinha tratado do tema e que as denúncias envolviam “políticos e figuras conhecidas”, depois diz que a matéria jogou a culpa numa pessoa só, um “pobre coitado”.
Tive meu pai internado no Hospital da PUC/RS por 6 meses, sendo que somente de UTI ele ficou 90 dias !
Funcionário público aposentado, com formação superior, pós-graduação e cargo de chefia, contribuinte com desconto em folha do plano de saúde do Estado vinculado a seu emprego, que é MAIS caro que qualquer plano privado, ficou praticamente DOIS dias percorrendo hospitais para baixar.
Saliento isso apenas para deixar claro sermos pessoas esclarecidas, todos formados, não para que isso seja um diferencial no atendimento. Longe disso…
falo apenas pq se com todos os recursos a disposição (lugar onde ficar na capital, carro para transporte, dinheiro para alimentação e outras despesas, etc) já enfrentamos uma situação horrível , imagino quem para até pagar a passagem do ônibus se torna um obstáculo, tem que enfrentar.
Primeiro no interior do estado onde residia, depois na capital, Porto Alegre.
Até em cidades da grande Porto Alegre estivemos tentando atendimento.
A burocracia era, já disse, kafkaniana. E o pior é que mesmo médicos, aparentemente já antigos nos hospitais não possuíam o poder de mandar fazer determinado exame, muito menos autorizar a internação.
Jamais vou esquecer as palavras de um médico da emergência da PUC nos dizendo, tão aflito qto. nós, que não importavam seus cabelos brancos e anos de hospital que não tinha poder para isso.
Depois de muito tempo, falando com Deus e todo mundo nos hospitais, indo de setor em setor, de hospital a hospital e até de cidade a cidade, conseguimos sua internação.
E, como vc mesmo fala, apesar de todas as dificuldades, eu parabenizo sempre os funcionários, médicos, enfermeiros, equipes técnicas, fisioterapeutas, nutricionistas, enfim, todos que o atenderam.
Como foram 6 meses de hospital, em várias alas, tive contato com boa parte do dia-a-dia do hospital e fiquei horrorizado com a falta de condições e com as jornadas de trabalho dos profissionais.
Já me alonguei demais, mas vou citar só um exemplo: cada andar do hospital tem 2 “postos”, atendidos no horário noturno por 4 funcionários em cada uma delas. Só que, obrigatoriamente, um deles tem que ficar em cada uma delas para atender alguma solicitação dos quartos ou outra emergência e não pode sair do seu posto.
Então, sobram SEIS pessoas para atender cada andar, com inúmeros casos !
Se 3 pacientes tiverem algum problema (e olha que às vezes são necessários 3 profissionais para determinados procedimentos), vcs já imaginam o que acontecesse.
Realmente não sei como não vi mais problemas….
Olha, se eu fiquei 60 horas e já vi tudo aquilo, imagina vc, que ficou seis meses…
Barça, acredita que vi gente comentando que o diretor do hospital não poderia ter autorizado um repórter a se passar por agente público, que cometeu um ato ilícito administrativo, etc??? Eu acho que o diretor, juntamente com o jornalista, que tem todos os méritos, deveria ganhar uma medalha de bom administrador público.
Acredito. Só faltam punir o diretor do hospital.
André,
T
em uma coisa no seu texto que eu percebi, vocês fizeram um procedimento no SUS, autorizado pelo seu plano de saúde. Sabe quando o SUS será reembolsado…. NUNCA!. Essa é a “ética do mercado” das operadoras de seguro saúde. Abs.
A paciente não fez nada pelo SUS, foi pelo convênio. Como eu disse, o hospital atende ambos. Não sei onde vc viu que tinha sido feito pelo SUS, isso não está no texto.
No seu caso não foi, mas é verdade que existem alguns”nichos particulares” em hospitais públicos, em que o procedimento é pago pelo plano para o médico, usando a estrutura e materiais públicos.
OK, mas eu só gostaria de saber de onde o leitor tirou a conclusão absurda de que a cirurgia que mencionei foi feita pelo SUS. As pessoas falam as maiores barbaridades sem o menor fundamento.
“A cirurgia atrasou pacas, porque o SEGURO-SAÚDE levou oito horas para aprovar um procedimento simples.” Palavra sua, não minha. O Hospital é público – você diz no começo do texto – logo fez o procedimento que deveria ser coberto por um hospital da rede privada do SEU SEGURO-SAÚDE e não será reembolsado tão cedo. Se ficou irritado, pense que sempre pode ser pior, poderia nem ter arranjado a vaga…
Paulo, numa boa, ou você não leu direito o texto, ou está de má-fé. No segundo parágrafo do post, eu escrevi que o hospital “também atende SUS e convênios”. Ou seja: a paciente teve de esperar o seguro autorizar a cirurgia. E isso não quer dizer que ela foi atendida pelo SUS. Sugiro ler o texto todo antes de tirar qualquer conclusão equivocada.
Na boa não querendo defender um ou outro, mas concordo com o Barcinski. E outra o teor da postagem refere-se a um problema grave encontrado nos hospitais do país, logo acredito que atenção que se deva dar é ao assunto em pauta e não ao cenário que o autor tão gentilmente se dispõe a publicar. É exatamente por esta razão que neste país sempre haverá corruptos.