Um Top 10 do Maluco Beleza
26/03/12 07:11
O post de sexta sobre Raul Seixas rendeu muitos comentários. Um leitor, que diz não conhecer nada de Raul, sugeriu um top 10 dele.
Aqui vão minhas dez músicas prediletas de Raul, em ordem cronológica. Faça sua lista e compare.
Ouro de Tolo (Krig-ha Bandolo, 1973)
Existem músicas tão sublimes que demandam atenção total. Não dá para ouvir três segundos de “God Only Knows” ou “My Funny Valentine”, por exemplo, sem parar tudo que se está fazendo. “Ouro de Tolo” é uma dessas. Sobre uma balada melancólica e grandiosa à Phil Spector, Raul faz uma confissão vitriólica de seu próprio deslocamento, achincalhando as aspirações da classe média propagandeadas pelo milagre brasileiro dos anos 70. Uma obra-prima absoluta, que ninguém na Censura pareceu perceber. E com um dos versos mais incríveis da música brasileira: “Eu que não me sento no trono de um apartamento / com a boca escancarada cheia de dentes, esperando a morte chegar”.
Metamorfose Ambulante (Krig-ha Bandolo!, 1973)
OK, você certamente já ouviu muitos cantores péssimos destruindo a coitada em barzinhos por aí. Mas pare e ouça “Metamorfose Ambulante” como se fosse a primeira vez. Repare no clima psicodélico, naquela guitarrinha preguiçosa que precede o coral e na letra sarcástica sobre as verdades absolutas. E então faça justiça a uma das maiores músicas de Raul.
As Aventuras de Raul Seixas na Cidade de Thor (Gita, 1974)
Um repente/baião com uma das letras mais raivosas e inspiradas de Raul: “Eu já passei por todas as religiões, filosofias, políticas e lutas / aos 11 anos de idade eu já desconfiava da verdade absoluta”.
S.O.S. (Gita, 1974)
“Hoje é domingo, missa e praia, céu de anil / Tem sangue no jornal, bandeiras na avenida zil…”. Ninguém começava uma letra como Raul. Essa aqui é uma crônica, tão fluida que parece prosa. Começa com a descrição de um lindo domingo no Rio de Janeiro, para depois virar um apelo melancólico de alguém que não se encaixa naquele sol e naquela felicidade toda. E quando Raul pede ao moço do disco voador para levá-lo, e canta “e das janelas desses quartos de pensão / Eu, como vetor, tranqüilo tento uma transmutação”, é difícil suportar tanta tristeza. Pra mim, a música mais bonita de Raul.
A Maçã (Novo Aeon, 1975)
Acho inacreditável que essa música raramente seja lembrada quando se fala nas melhores músicas de Raul. É uma balada dilacerante, com um teclado viajandão e uma das interpretações mais corajosas de Raul. Sua voz quase se despedaça, de tão frágil. Bonito demais.
Tu És o MDC da Minha Vida (Novo Aeon, 1975)
A melhor música que Odair José nunca gravou. Um bolerão brega com uma letra bizarra e engraçada, misturando Pink Floyd, Flavio Cavalcanti, Pepsi Cola, Shakespeare e as Casas da Banha.
Meu Amigo Pedro (Há Dez Mil Anos Atrás, 1976)
Sempre adorei essa música, mas ela ganhou outra dimensão depois que vi o documentário e descobri que Raul a tinha escrito em homenagem ao irmão, Plinio. A letra fala de duas pessoas muito diferentes – um doidão, outro careta – e da dificuldade de relacionamento dos dois. Mas no fim, conclui Raul, “tudo acaba onde começou”. Não me lembro de uma música tão bonita sobre dois irmãos.
Eu Também Vou Reclamar (Há Dez mil Anos Atrás, 1976)
Raul ironiza as percepções do público sobre sua obra e imagem, nesse country em que cita até sua conhecida obsessão por Bob Dylan. Essa faixa mostra uma das grandes virtudes de Raul como letrista – e que ele divide com Jorge Ben e Jackson do Pandeiro: uma capacidade quase sobrenatural de espremer palavras onde elas parecem não caber, sem prejuízo da fluidez ou da métrica. E o verso “Dois problemas se misturam / a verdade do universo e a prestação que vai vencer” é um momento de puro sarcasmo à Monty Python.
As Profecias (Mata Virgem, 1978)
Começa com um pianinho romântico à Richard Clayderman, para depois cair num xaxado malemolente sobre filósofos, sábios e visões do Apocalipse. Uma das melhores letras de Paulo Coelho.
Aluga-se (Abre-te Sésamo, 1980)
Faria uma dupla imbatível com “Inútil”, do Ultraje: duas letras irônicas e iradas sobre nosso complexo de inferioridade e síndrome de vira-latas. Veja o clipe, acima, gravado ao vivo, em que Raul erra quase toda a letra.
Jorge Ben e Jackson do Pandeiro: uma capacidade quase sobrenatural de espremer palavras onde elas parecem não caber, sem prejuízo da fluidez ou da métrica.
Eu falo isso do Jorge Ben e Raul, não conheço jackson do pandeiro, há uns quinze anos. Agora tenho um voz autorizada pra me apoiar.
Faltou Metro 743 – melhor que qualquer merda do Caetano e Gil sobre a ditadura.
Como o Raul era engraçado, mas uma p
Num sei se o assunto é meio fora do post mas como já foi comentado sobre a idolatria entre fãs do Raul e Legião…tu leu a reportagem do UOL sobre o baixista do Legião estar vivendo nas ruas como mendigo?
André você falou outro dia um pouco sobre a vida do Zé Ramalho, rapaz eu admiro demais a história de vida desses caras; vi uma vez entrevista com o Djavan no Jô, determinado momento Jô perguntava se ele escutava tal programa de rádio na infância e o Djavan “lá em casa não tinha rádio”, e o Jô “mas de pilha, radinho de pilha, nada?”, e ele “Nada”; disse que um primo disse que ele podia descer de Alagoas para o Rio que moraria com ele; ficou esperando o tal primo de 10 da manhã até 6 da tarde num banco de praça, resultado: o primo morava de favor e ele ficou dormindo praticamente debaixo da cama do primo, escondido do dono da casa, por um bom tampo! Esses caras são uns heróis, bicho!
Caro Andrezera, ontem a noite eu passei várias horas ouvindo todas estas músicas que você listou no top 10 e outras tantas que o pessoal relacionou por aqui. Um dos poucos amigos de verdade que eu fiz nesta vida me deu de presente um compêndio com uma pancada de músicas do Raulzito, do Led Zepellin e dos outros do mesmo naipe. Ouro de tolo realmente mexe com os meus brios. Eu me identifico com a letra porque a partir dela eu pude ter consciência (lá na minha adolescência no fim dos anos 80) de que não me enquadro na realidade que eu vivo. Ainda ontem lá em casa tivemos um papo em família sobre isso (o fato de eu não me enquadrar e por conta disso não ter amigos, não frequentar a casa dos outros, não jogar pelada com turma alguma, etecetera e tal) antes do almoço. hehehehe
Barcinski, caso alguém utilizasse trechos de seu livro Barulho num trabalho de faculdade por exemplo ou num outro livro, mas sem lhe dar os devidos créditos, tudo bem então? Você levaria numa boa?
Não entendi a comparação. O Raul nunca escondeu que copiou gente. Ele mesmo fala disso em Eu Também Vou Reclamar.
CADÊ DIAMANTE DE MENDIGO?
Agora passei a admirar mais o André, pela sua admitida e escancarada contradição humana, demasiado humana… Ele é rigoroso, meio purista até, e “desce a lenha” em coisas musicalmente muito superiores a Raul, e vem com essa lista óbvia e breguérrima! Viva a contradição humana!
“Coisas musicalmente muito superiores”. Não sabia que existia ranking em música.
Bela lista. Raul conciliou perfeitamente o cult e o kitsch. Demonstrava a sapiência de um curioso letrado sem menosprezar a popular vivência do cidadão simples, com seus anseios, banalidades e dúvidas. Era o encontro inusitado do filósofo acadêmico com o homem comum do espaço urbano ou aquele tipo que estava à margem da grande massa que povoa os grandes centros.
“Quando eu me declarava, você ria / E no auge da minha agonia / Eu citava Shakespeare”… Até hoje dou risada quando ouço estes versos… Pra rimar “ria” com “agonia” e “xeikispia” o cabra tinha que estar muito louco…
Barcinski, quem na história da música (além de Raul) cantaria algo como:
“Ei! Al Capone
Vê se te emenda
Já sabem do teu furo, nego
No imposto de renda”
ou
“Derramar cachaça em automóvel
É a coisa mais sem graça
De que eu já ouvi falar ”
ou
“Deve ter uma boa explicação
O que é que essas aranha
Tão fazendo ali no chão
Uma em cima, outra embaixo
A cobra perguntando
Onde é que eu me encaixo?”
Acrecentaria na sua lista: As Minas do Rei Salomão , Al Capone, Medo da Chuva, Água Viva, Loteria da Babilônia, Eu Sou Egoísta, Paranóia, Caminhos II, Metrô Linha 743, Dr Paxeco.
Eu colocaria ” Medo da Chuva”.O verso final:
No cume calmo do meu olho há sempre a sobra sonora de um disco voador…
A música é também no estilo do Odair José e depois termina com essa pérola que não tem a menor conexão com o resto da música, sensacional !
Ótima lista nada a acrescentar
Eu acho esses versos maravilhosos:
Amor só dura em liberdade
O ciúme é só vaidade
Sofro, mas eu vou te libertar
O que é que eu quero
Se eu te privo
Do que eu mais venero
Que é a beleza de deitar…
Amor ao extremo…e sincero…
Acho incoerente ficar insistindo no ponto de que algumas das composições do Raul eram plágio. O artista, assim como o bom ouvinte ou admirador de arte de maneira geral, forma-se a partir das músicas, livros, obras com a qual toma contato. Não dá para fugir de sua própria personalidade, gostos pessoais. Chega um momento em que você sequer consegue mensurar o quanto determinada obra modificou a sua personalidade e é óbvio que isso se refletirá no seu trabalho. Sendo compositor, é claro que a sua música espelhará a sua personalidade, influências. Se observarmos mais a fundo o que aconteceu com o chamado nem sei se já era chamado folk antes de Dylan, por exemplo, chegaremos a artistas e bandas pouco conhecidos, como Tudor Lodge, Sunforest, Hero, Spyrogira e por aí vai, fontes nas quais o Dylan certamente bebeu durante o seu desenvolvimento como homem e artista e não poderia ser acusado de plágio por isso. Outro exemplo: havia uma banda chamada Mountain, que lançou vários Lp’s, mas creio nunca ter alcançado grande sucesso. Quando você ouve os dois primeiros trabalhos dessa banda se torna impossível não pensar: Jimmy Page, Robert Plant, John Bonhan, John Paul Jones, certamente ouviram esse som!!! Isso não diminui os méritos e valor do Zeppelin! Assim como as influências do Raul Seixas, ou mesmo algum riff que o levou a determinado insight, não diminuem a sua genialidade. Abraço!
Peço desculpas por algum erro no comentário acima… estou no trabalho e digitei muito rapidamente!
Moacir, até onde sei o Mountain foi formado quando o Led já estava na estrada (o primeiro album do Mountain é de 70, época em que o Led estava lá pelo Led III), se não me engano. Outra coisa, o Mountain fechou uma das noites no 1°Woodstock, então não estavam assim tão mal, embora acho que realmente nunca alcançaram muita fama, o que é bem injusto. Tirando estes dois detalhes, concordo com o seu texto. Abraço,
Amigo Renato: você tem razão! Erro meu… Mountain foi formado em 1969 e o Zeppelin em 1968. Também acho injusto que não tenham alcançado muita fama, pois o som é muito bom. Referi-me a isso quando disse que não alcançaram grande sucesso, mas lançaram vários LP’s (foram 6 entre 1970 e 1985). No entanto, como são contemporâneos, e notamos semelhanças que chegam a ser óbvias nos primeiros discos tanto do Zeppelin quanto do Mountain, ainda que eu tenha errado quanto às datas, ficamos com a dúvida sobre quem bebeu na fonte de quem. Eu, na verdade, passo então a acreditar que tanto o Zeppelin quanto o Mountain fizeram “boas trocas”. Então o exemplo, por fim, acaba sendo válido. Grande abraço!
André, te acompanho faz uns 20 anos, desde “Barulho” e da “Bizz”. Sempre gostei dos seus textos e adoro ler tudo o que vc escreve sobre musica e cinema.
Devo admitir que o nosso gosto bate mais na sétima arte.
Descobri “Rampart” através do seu blog, baixei o filme e assisti.
Concordo com vc, é uns dos melhores filmes do ano.
Mas hoje fiquei perplexo em ver que o Tarantino (que assim como vc, adora fazer listas) colocou “Rampart” entre os piores de 2011.
Vale a pena dar uma olhada na lista dele, de melhores e piores, pois ambas são bizarras!!!
Abs.
http://whatculture.com/film/quentin-tarantino-puts-rampart-drive-on-his-nice-try-worst-2011-films-list.php
Abs.
Eu tinha visto. Dizer o quê? Meia-Noite em Paris, filme do ano?
Bizarro é ficar perplexo com uma opinião pessoal.
Valeu pelas dicas André!
Li nos comentários que você não ouviu o Paebiru.
Tem uma faixa dele que me deixa maluco e não me canso de ouvir: “Nas Paredes Da Pedra Encantada”. É pulsante e ruidosa, com uma letra cheia de imagens espetaculares. Posso estar viajando mas me lembra até Can e coisas de krautrock, por conta do baixo pulsante e nervoso…
http://www.youtube.com/watch?v=I-P4SuYmdsw
Essa lista é [otima. Gosto muito de O Homem, uma avaliação que o sujeito faz da vida.
Abraço!
Barcinski, off (mas nem tanto), parece que o primeiro baixista da Legião tá numa pior: http://www.youtube.com/watch?v=q1RWLljkxnw
Essa lista está excelente sempre tive S.O.S como uma das melhores dele, mas podemos colocar aí Tente Outra Vez, É Fim de Mês, Trem das Sete e Gita. Difícil escolher, o cara era demais!
Na minha lista ainda entrariam Rockixe, Um Som para Laio e Teddy Boy Rock & Brilhantina. Geniais.
O pupilo Marcelo Nova também gostava de homenagear seus favoritos: O adventista (I Believe, Buzzcocks); Passatempo (That’s entertainment, The Jam); Meu primo Zé (My perfect cousin, Undertones); Controle total (Complete control, Clash); Silvia (Sorrow, The Merseys); Só o fim (Gimme shelter, Rolling Stones)
André, sensacional o documentário, e no meu top 10 entraria medo da chuva.Mas.. o melhor de tudo foi ver uma sala do espaço unibanco cheia de fãs do raul de todas as idades se emocionando (dentre as quais minha mãe q me apresentou raul qndo eu era pequena).Foi lindo!
Faltou ” Canto para minha morte”, Uma parte falada e depois se transforma num tango inacreditável!
Boa, André, concordei com a lista toda (e olha que geralmente tenho opiniões bem distintas da sua). Eu incluiria “Caminhos”, “Fim do Mês” e “Moleque Maravilhoso”. Mas a sua lista fecha bem com o que de melhor há em Raul Seixas. Parabéns!
Quando eu era criança, nos anos 70, achava Ouro de Tolo meio brega. Ainda acho um pouco, mas na minha opinião “macaco, praia, carro, jornal, tobogã, eu acho tudo isso um saco” também é um dos maiores versos da musica brasileira.
Mas o Raul tem um quê de brega, muito forte. Eu acho demais.
O bom de uma lista do Raul Seixas é que a gente pode escolher as suas 10 músicas mais manjadas e mesmo assim não seremos tão óbvios. Isso porque ele era tudo, menos óbvio e previsível.
Meus retoques: ‘Ave Maria da rua’ e ‘O Caminho’
Gosto muito dessas duas tb.
Poxa… “Metrô linha 743”.
Eu não a deixaria de fora não…
Acho que Metrô Linha 743 é uma das maiores respostas a ditadura e ninguém nunca entendeu…
Fala André! Licença para um off-topic aqui: você ouviu o novo disco do Mark Lanega, o Blues Funeral? O que achou? Abraço!
Lanegan*
Gostei demais. Vou fazer um post sobre o Lanegan qualquer dia.
Toca em SP em 14 de abril.
Ótimo, aguardamos ansiosamente o post sobre o Lanegan! Abraço!
André, vc conhece Soulsavers? É uma dupla de produtores ingleses que no 2° e 3° albuns tiveram a feliz ideia de chamar Lanegan pra fazer as letras e cantar (quase os discos inteiros).
Ótima lista, André…Raul nunca será esquecido, meu moleque de 13 anos também é fã do maluco beleza…no mais incluiria no seu rol a música paranóia, que acho maravihosa…aí sim lista completa!
um cerebro a vinagrete que seja mas numca fui tiéte