O jornalista que Axl Rose chamou para briga
29/03/12 07:08
Qualquer um que acompanhou heavy metal nos anos 80 sabe quem é Mick Wall.
Suas matérias na revista “Kerrang!” ajudaram a popularizar bandas como Metallica, Guns, Maiden, Slayer, e muitas outras.
Wall também é autor de vários ótimos livros sobre os bastidores do rock, incluindo biografias barra-pesada de Ozzy Osbourne, Led Zeppelin e Guns’n’Roses.
Este livro, aliás, irritou tanto Axl Rose que ele literalmente chamou Wall para a briga, na letra de “Get in the Ring”, do disco “Use Your Illusion 2”.
Wall acaba de lançar “Metallica – A Biografia”, sobre a história da banda californiana que saiu do gueto thrash metal para se tornar uma das potências do rock.
Conversei por telefone com Wall sobre sua carreira, suas brigas, e seu novo livro. Aí vai a íntegra do papo:
– Os integrantes do Metallica leram o livro?
-Antes de começar a escrever o livro, eu os procurei e perguntei se eles queriam estar envolvidos. Minha única condição é de que eu não daria a eles nenhum controle sobre o texto final. Como sempre, as reações foram muito diferentes. Lars concordou, mas James, não. Depois que o livro saiu, Lars me ligou e disse que tinha comprado o livro e gostado. Já James, com quem eu tinha uma entrevista marcada para uma revista, pediu para ser entrevistado por outro jornalista.
– Essas diferenças de personalidade entre Lars e James são muito marcantes, não?
– Sem dúvida. São pessoas completamente diferentes, preto e branco, yin e yang. Mas, de uma forma miraculosa, eles se encaixam. James é alto, um típico americano, sem uma escolaridade muito boa, e vem de uma família problemática. Já Lars é baixinho, vem de uma família européia, culta, filho de um homem jogador de tênis, jazzista e cineasta. James tem uma obsessão em controlar tudo. Lars é mais aberto.
– Foi Lars que sugeriu à banda dar uma guinada mais comercial em seu som, contratando um produtor acostumado a discos pop, como Bob Rock, para o “Black Album”?
– Foi. Mas James concordou com tudo. Sabe, James adora que achem que ele é rebelde e alternativo, mas ninguém o forçou a cortar o cabelo e mudar o visual da banda, e ninguém o forçou a gravar música mais comercial para fugir do gueto do heavy metal. Uma coisa que as pessoas precisam entender é que o Metallica sempre quis o sucesso, eles sempre sonharam em andar de limusine. Dá para perceber isso já no segundo disco, quando gravaram “Fade to Black”, uma balada acústica.
– É impressionante como o Metallica, uma banda que surgiu como uma força radical e alternativa, conseguiu atrair fãs que não eram fãs de metal.
– Também acho. Mas isso acontece com muitos artistas. Vá no Youtube e veja um clipe dos primórdios de Alice Cooper, por exemplo: era a coisa mais estranha e alucinada que existia. Dez anos depois, Alice estava nos “Muppets” e jantando com Groucho Marx. O Metallica sempre soube que não queria ser um Iron Maiden, tocando para um só tipo de público.
– Não é estranho para uma banda tão controladora ter permitido um filme revelador como “Some Kind of Monster”, que revela brigas e loucuras por trás da banda?
– Não, porque eles tiveram total controle sobre aquele filme. E você precisa lembrar que, na época, “The Osbornes” estava fazendo grande sucesso, então foi um passo lógico para o Metallica também entrar na onda da “reality TV”. Lars e James são muito espertos, não fazem nada sem pesar as conseqüências. O pior daquele filme foi dar a impressão de que todo mundo gostou do disco “St. Anger”, quando, na verdade, a única pessoa que falou bem dele fui eu. Todo mundo odiou.
– Você começou trabalhando em revistas de música alternativa, depois trabalhou em gravadoras, com bandas grandes, e posteriormente voltou ao jornalismo. Essa experiência de trabalhar “do outro lado”, com selos e bandas, mudou sua perspectiva sobre o mercado da música?
– Mudou completamente. Trabalhei com bandas grandes, como Thin Lizzy, Dire Straits e Black Sabbath, e isso me abriu os olhos para um fato que a maioria dos fãs não percebe: artistas são os maiores filhos da puta que existem. Eles cometem tantos – às vezes mais – erros que qualquer um de nós. São pessoas inseguras, que têm poucas chances de se dar bem na vida, e tentam agarrá-las de qualquer maneira.
– E isso mudou sua perspectiva sobre o jornalismo musical também?
– Sem dúvida. Descobri uma coisa: as pessoas que levam mais a sério o que os críticos escrevem são os próprios artistas. Cansei de ver astros do rock reclamando, como meninas adolescentes: “Mas você escreveu que era terça-feira, e ERA QUARTA! VOCÊ TEM DE CORRIGIR ISSO!” Nos anos 80, eu não podia escrever que artistas tomavam drogas ou que fodiam “groupies”, ou eles nunca mais falariam comigo. Lembre-se, era uma época em que gravadoras tinham dinheiro, repórteres viajavam semanas com bandas, havia um relacionamento muito próximo. Então, eu dava indiretas, escrevia sobre bebedeiras, e eles não pareciam se importar tanto.
– Mas depois você fez livros muito reveladores sobre Led Zeppelin, Axl Rose e Metallica…
– Sim. Chegou uma hora em que eu disse “foda-se”, já não me importava mais se os artistas iriam gostar ou não do que escrevi. Em meus livros eu conto tudo, porque não corro mais o risco de ser boicotado, como na época em que escrevia para revistas.
– E a reação dos artistas?
– Não gostam, claro. Mas não estou nem aí. Acho ridículo que esses caras queiram aparecem como pessoas perfeitas, sem defeito. Isso não existe no rock. Todo gênio do rock foi um filho da puta. John Lennon, Bob Dylan, Jagger, Richards: gênios absolutos, mas seres humanos cheios de problemas e conflitos. A vida é assim. Você já leu esse livro novo sobre o Dave Grohl? (“This is a Call”, de Paul Brannigan).
– Não. Por quê? É bom?
– É uma merda. O título tinha de ser: “Dave Grohl – Que Cara Bacana”. São páginas e páginas puxando o saco do cara, dizendo como ele é legal, como é simpático. Quem quer ler uma merda dessas?
– Você está trabalhando em uma biografia do AC/DC?
– Sim, vai se chamar “Hell Ain’t a Bad Place to Be”. Vou contar a vida desses três irmãos – Angus, Malcolm e George Young, três gênios em seus respectivos trabalhos, e também três dos seres mais durões, filhos da puta e obcecados que já existiram, e que transformaram o AC/DC, com sangue e suor, nesse monstro que é hoje.
– Nâo posso terminar sem te perguntar como é ser xingado por Axl Rose numa letra?
– (Rindo) Não foi a primeira vez que isso me aconteceu. Em 1979, Gary Numan lançou uma faixa “Replicas”. Eu tinha feito uma crítica ruim de um show dele, e ele fez uma letra assim: “E eu me virei para o público, e perguntei: ‘Vocês conhecem o Sr. Wall?’ E todos eles viraram as costas”. Mas ser xingado por Axl foi um dos grandes momentos da minha vida. Eu estava conversando com Sharon Osborne (mulher de Ozzy) outro dia, e ela me disse: “Como é estúpido o Axl! Ele te xingou num álbum que vendeu 20 milhões de cópias! Ele te transformou num astro!”
Ser xingado por alguém como Axl Rose deu muita moral pro cara.
André, descobri seu blog recentemente e agora estou obcecado com a leitura. Fantástico ver como você reúne contatos influentes com bom gosto musical e uma pitada de “vida anos 80”. Parabéns de verdade.
Valeu!
Parabéns!
Me lembrou aquele filme Almost Famous do Cameron Crowe, onde ele traça um perfil não exatamente elogioso do estilo de vida rock n roll. Mas é estranho mesmo esse jogo de espelhos entre jornalistas e artistas. Tem o chavão de que crítico é artista frustrado. Da mesma forma, popstars são via de regra tão mimados, que perdem o senso crítico que o bom jornalista preza tanto. Parece que um inveja o que o outro tem de sobra. Claro, isso é uma generalização grosseira. Mas lendo o Mick Wall chamar todo roqueiro de filho da puta, tem um ranço indisfarçável nessa visão.
Quer ser famoso? Aguente o tranco da fama, senão, pra que veio?
André. Claro, preciso e isento.
Alguém deveria escrever uma biografia sobre os críticos de música. No final das contas vamos perceber que eles são “seres humanos” como todos nós. Só queriam ter sido músicos, e gostam muito de polemizar. E acham isso bonito, posam de rebeldes, pois adoram a verdade. Que lindo. Se um sujeito digamos vomitar em uma entrevista, e falar algo de impacto, o “iluminado” que escreve este blog irá encontrar um novo gênio.
Não sei o que é pior, um crítico que queria ser músico ou um leitor que queria ser crítico.
Acho que o leitor pode ter uma opinião. Se o que o crítico deixa ao público sua opinião também está sujeito a ser criticado por quem o lê.
hhaaaahaaaaaaaaahaa