Sorvete de chocolate causa tragédia
16/04/12 07:11
Poucas coisas me deixam mais nervoso que ir ao supermercado. Prefiro fazer um tratamento de canal a aturar a fila da mortadela.
Nunca me importei em pagar um pouco a mais numa mercearia de bairro. Na verdade, faço o que posso para não dar dinheiro a esses megamercados, com seus comerciais cheios de famílias sorridentes comprando margarina.
Há pouco mais de dez anos, passei por um caso traumático envolvendo uma dessas redes poderosas.
Na época, eu morava bem em frente a um supermercado gigante.
Como o lugar funcionava 24 horas, eu sempre fazia compras à noite, para evitar muvucas.
Um dia, eu estava na fila e a caixa perguntou: “Senhor, teve algum produto que não encontrou?”
Devia ser a centésima vez que me perguntavam aquilo. Eu nunca tinha pensado em responder, até porque estava sempre doido para sair dali, mas falei, meio que por instinto:
“Teve sim, sorvete de chocolate pequeno.”
“Como assim, senhor?”
“É, só tem sorvete de chocolate de dois litros. É muito sorvete pra uma pessoa. Custava ter uma embalagem menor?”
A mulher imediatamente ficou com o semblante tenso e assumiu uma posição de alerta; parecia uma fuzileira naval passando por uma inspeção:
“Senhor, vou falar AGORA MESMO com nossa central de pedidos e requisitar o sorvete de chocolate pequeno! Vou exigir uma resposta rápida para seu pedido!”
Normalmente, eu nem me importaria com aquilo. Eu não estava nem aí pro sorvete.
Mas aquela pataquada de atendimento perfeito, aquela pose ridícula de eficiência corporativa, me irritaram. Prometi que voltaria depois em busca do sorvete de chocolate pequeno.
Alguns dias depois, voltei ao lugar. Nada de sorvete pequeno. Fiz questão de ir à mesma caixa.
“Senhor, teve algum produto que não encontrou?”
“Teve sim, o sorvete de chocolate pequeno que você me prometeu semana passada.”
Parecia que eu tinha anunciado a falência da empresa. Em dez segundos, a caixa tinha chamado um gerente, e este, aos berros, convocado um infeliz de um repositor de estoque, que não tinha nada a ver com a história. O gerente começou a esbravejar com o sujeito:
“Mas como? O cliente pediu o produto há DIAS e nós não conseguimos? Isso é inadmissível! Não é assim que trabalhamos!”
Não sei o que me deixou mais furibundo, se a subserviência da caixa ou a prepotência do gerente com o pobre funcionário.
A coisa azedou. Eu disse ao gerente que ia voltar lá TODO DIA, até eles conseguirem o sorvete de chocolate pequeno, e que ia ligar para a ombudsman (sim, a rede tinha uma ombudsman) todo dia, até resolverem a questão.
Cumpri a promessa: toda manhã, a primeira ligação era para a ombudsman. E toda noite eu dava uma passada no supermercado, só para confirmar que eles não haviam conseguido o maldito sorvete.
Isso durou uns dois meses.
Chegou ao ponto de a secretária da ombudsman já reconhecer a minha voz, pedir desculpas antecipadamente e dizer que eles estavam “fazendo de tudo” para resolver o problema.
E o gerente, assim que me via, sumia e mandava dizer que não estava.
Eu estava disposto a levar aquilo até o limite. Ou eles conseguiam o maldito gelato, ou teriam de admitir sua incapacidade.
Tudo corria bem, até que abri o jornal um dia e li uma notícia que me deixou petrificado: a ombudsman tinha sofrido uma parada cardíaca no Aeroporto de Congonhas e morrido.
Fiquei mal pacas, com um tremendo peso na consciência.
Nunca mais entrei no tal supermercado. E, pouco depois, mudei pra outro bairro. Mas nunca achei o sorvete de chocolate pequeno.
A saga continua.
Achei babaquice essa atitude. Sem noção.
Esta hostória soou tão Seinfeld.
Na locadora tinha um cliente que gostava de TODOS os filmes que eu indicava para ele. Mas sempre, antes de alugá-los, ele duvidava de mim e perguntava MIL VEZES se o filme era bom. “É Bom?”; “Mas é bom mesmo?”; “É bom ou muito bom?”; “Olha lá, hein?”; “Você viu ou te falaram que é bom?”, etc. Uma vez, quando ele tinha finalmente decidido qual levar, resolveu perguntar a um outro cliente que estava no balcão se o filme era bom. “Mais ou menos” foi a resposta. E ele veio nervoso dizendo que eu estava empurrando filme ruim para ele. Eu disse que cada um tem um gosto pessoal, e por coincidência aquele terceiro cliente teve opinião diversa da minha, e que é difícil um filme ser unanimidade. E que eu mantinha a indicação. O cliente não gostou da minha resposta, reclamou e não voltou. (??)
era bom. “É Bom?”; “Mas é bom mesmo?”; Na locadora tinha um cliente que gostava de TODOS os filmes que eu indicava para ele. Mas sempre, antes de alugá-los, ele duvidava de mim e perguntava MIL VEZES se o filme “É bom ou muito bom?”; “Olha lá, hein?”; “Você viu ou te falaram que é bom?”, etc. Uma vez, quando ele tinha finalmente decidido qual levar, resolveu perguntar a um outro cliente que estava no balcão se o filme era bom. “Mais ou menos” foi a resposta. E ele veio nervoso dizendo que eu estava empurrando filme ruim para ele.
Muito bom, tb tenho histórias engraçadas de locadoras. Tinha um amigo em Los Angeles que era dono de uma, e eu costumava passar horas lá com ele, “ajudando” os clientes…
Meu comentário saiu truncado, o de cima foi correto. Mas é verdade, videolocadoras dão histórias bem curiosas. Um dos meus prazeres de trabalhar lá é poder atender diversos tipos de pessoas e ver todas satisfeitas. Desde o senhor sisudo que não gosta de dar papo até a mulher que fica horas falando da sua vida sem parar um minuto, além de solitários, descolados, eruditos ou atirados, dá gente de todo tipo. Às vezes é um desafio, mas é legal ver que todos gostam quando eu os atendo
Tem umas coisas que não entendo nesse mundo…A empresa tenta agradar o cliente procurando fazer um serviço melhor ou mais completo e ele se irrita? Não consigo entender…Eu trabalho numa videolocadora e procuro atender os clientes levando em consideração a personalidade de cada um. Não entenderia se um deles ficasse irritado se eu tentasse atendê-lo melhor
Que “trabalho melhor”? Tá louco? Os caras fingem que são competentes, mas não conseguem nem dizer pro cliente se existe ou não um sorvete de chocolate pequeno. Se o cara tivesse dito: “Não existe”, ou “Somos incapazes de conseguir”, eu teria me dado por satisfeito.
É verdade. Agora entendi seu ponto de vista.
ô, Barcinski:
É sério mesmo? achei que você estava se dedicando a uma crônica nesse texto. Treinando prá ser o Antônio Prata. Coitada da mulher que morreu. Mas certamente não foi culpa sua. Foram os ossos do ofício dela. Mas o que me impressionou foi sua disposição de ser chato quando você quer. Espero te conhecer um dia, já que leio diariamente seus textos e o tenho como um velho conhecido. Mas prefiro morrer seu amigo…
Não me irrito com nada, a menos que me provoquem. Seria perfeitamente feliz comprando tudo num supermercado imperfeito.
André, adoro seu blog, mas desse post eu não gostei.
A ombudsman em questão era Vera Giangrande, queridíssima figura, super conhecida nas Relações Públicas. Uma curiosidade: foi ela que criou o “Mc Lanche Feliz”.
Se não me engano, morreu aos 70. Por isso (e pela sua tremenda capacidade), pode ficar com a consciência tranquila: não foi você que fez seu coração parar.
Imagino que você já deva ter feito isso, mas recomendo que dê um Google no nome dela. Realmente, uma pessoa inspiradora e inovadora.
Olha, Rodrigo, vc vai me desculpar, mas em nenhum momento eu desrespeitei a ombudsman ou disse que ela não era uma figura querida. Sinto que vc tenha ficado chateado, talvez vc, por tê-la conhecido pessoalmente, possa ter se chateado com a lembrança, mas tenho certeza que não com o texto.
Calma lá, Barça. Não estou te criticando. Em nenhum momento disse que você a desrespeitou também.
Só disse e repito que você não precisa ficar com peso na consciência, uma vez que a morte da Vera nada tem a ver com suas ligações diárias solicitando o tal sorvete. Como você, existem centenas que também fazem isso, acredite.
Mas é isso. Não me chateei com a lembrança porque dela, só tenho as melhores. Vai com calma, cara 🙂
Bom, desculpe, mas pelo tom do seu comentário parece que vc se chateou com o texto. Valeu.
Ainda bem.
isso é um conto, né?!
ontem, fiz a msm coisa num supermercado extra, la na vila guilherme: um mercado mal repositado, se, quase sinalização, c/ as prateleiras vazias, e c/ produtos em lugares fora do padrão…pedi pra caixa keijo ralado e papel toalha, e a moça do atendimento m levou até la, td misturado c/ o papel higienico, e o keijo ralado d sakinho perto da padaria…fui um pouco cego, admito, mas o mercado confuso!
***ops, ninguem morreu do coração!
Muita confusão a troco de nada, hein.
Já fiz uma coisa parecida. Num supermercado que eu frequentava tinha uma ficha no caixa onde vc podia preencher se não tinha encontrado alguma coisa. Toda vez eu escrevia “camisinhas com sabor” só de sacanagem. Depois de umas semanas lá estavam elas nos sabores uva, cereja e salada mista.
André, você é um figuraça. Enquanto lia sobre sua saga fiquei imaginando a cena. Daria um bom episódio televisivo, do naipe de o Homem mais que sincero, do Luis F. Guimarães.
Infelizmente não se acha mais daquelas bexigonas de salame que a gente cortava em lascas grossas e as fritava bem tostadinhas e degustava com limão e azeite. Na época que tinha eu ainda não bebia cerveja…
Só serviu pra atazanar a vida dos peixes miúdos. Os patrões continuam tomando uísque e dando risada. Lamentável. Muito mais legal foi aquela outra história em que você brigou com uma tia no supermercado, não lembro porquê.
Ué, então brigar com a ombudsman não atazana os “patrões”, mas discutir com a cliente é legal? Explica?
Sim: a raiz do problema da cliente era a chatice dela mesma. Talvez continue sendo tosca, mas teve seus contratempos por conta da própria conduta.
No caso do post de hoje a coitada da caixa do supermercado, o gerente, o moleque a reposição não tinham nada a ver a política da empresa.
(Mas vá lá, atazanar o ombudsman pode ter alguma serventia).
Perdão: “…o moleque DA reposição…”. “…nada a ver COM a política da empresa….”
“Teve algum produto que o Sr. não encontrou?” (A vontade foi responder, ” teve sim: Scarlett Johansson inflável”)
“Teve sim: saco de lixo biodegradável.”
Antigamente as pessoas usavam aquele saco branco, que o supermercado dava de graça, duas vezes, a primeira para levar as compras e a segunda como saco plástico de lixo.
Agora vão ter que comprar aquele saco azulzinho que não é biodegradável.
A boa notícia, é que o pessoal que tem cachorro, e usava aquele saquinho branco para colocar o cocô, agora vai ter que comprar o azulzinho. Pena que o cocosão lá dentro vai ter a vida prolongada para uns 300 anos. Como se não bastasse o dono do cachorro não leva o saquinho para a casa dele, mas deixa a obra pendurada lá na primeira lixeira que encontrar, provavelmente em frente da tua casa. Demoram dias ou semanas até que alguém de um jeito na coisa.
O saquinho branco ou azul utilizado para cocô dos pets, ou para outros lixos orgânicos não pode mais ser transformado no tal saco preto (reciclado), porque o custo dessa “lavagem” é inviável. Ou seja, nada é tão ruim que não possa ser piorado.
As grandes redes estão preocupadas em ser politicamente verdes, mas não oferecem uma lixeira compatível para quando o retornável não puder retornar mais ao supermercado e estiver no ponto para fazer a sua ultima viajem para o lixo. Assim como não ofereciam uma lixeira especialmente projetada para aquele maldito saquinho branco.
Trilha sonora para escravidão
Northborne –
http://www.youtube.com/watch?v=q1-R1-IgcLA&feature=relmfu
Ótimo post. A primeira coisa que me veio a cabeça foram as atuais propagandas de uma certa operadora de TV à cabo e internet que mostra supostos clientes “MUIIITO” satisfeitos com o serviço. É colega, só rindo mesmo.