Coppola, Pakula, Frankenheimer: o cinema da paranóia
10/05/12 07:05
Dia desses, o Telecine Cult exibiu “A Trama” (1974), de Alan J. Pakula. Se não viu, sugiro buscar em DVD ou na programação da emissora. É um grande filme.
Pakula (1928-1998) foi um excelente diretor, especializado em “thrillers” psicológicos envolvendo conspirações. O homem era fascinado por histórias de governos e corporações atacando cidadãos.
Esse tipo de filme foi muito popular nos Estados Unidos, especialmente entre o meio dos anos 60 e o fim dos 70.
O período da história norte-americana compreendido entre a morte de John Kennedy, em 1963, e a queda de Richard Nixon, em 1974, foi fascinante.
Nesse tempo, Malcolm X, Robert Kennedy e Martin Luther King foram assassinados, e a Guerra do Vietnã mostrou ao povo a manipulação e as mentiras perpetradas pelo governo.
Os cineastas entraram na onda, lançando uma série de filmes que mostravam o governo como um inimigo do povo e da liberdade.
Era um cinema bem mais pessimista do que os filmes patrióticos e anticomunistas dos anos 50, inspirados pela Guerra Fria e pela briga contra a união Soviética.
Não foi só nos Estados Unidos que esse subgênero fez sucesso: diretores europeus como Bertolucci (“O Conformista”), Francesco Rosi (“Cadáveres Ilustres”) e até Wim Wenders (no “noir” paranóico “O Amigo Americano”) experimentaram com o gênero. E Costa-Gavras construiu toda uma carreira baseado nele.
Fiz uma lista de dez filmes americanos fundamentais desse estilo. Três são de Alan J. Pakula, um cineasta que merecia mais reconhecimento.
A morte de Pakula lembrou uma cena de seus filmes: em 1998, ele dirigia numa estrada de Nova York, quando um caminhão que andava na frente deixou cair uma barra de ferro. A barra atingiu o carro de Pakula, que perdeu o controle do veículo e bateu no acostamento, morrendo na hora. Uma tragédia.
Aqui vão, em ordem cronológica, dez grandes filmes sobre a paranóia americana:
O Segundo Rosto (Seconds) – John Frankenheimer, 1966
Um homem infeliz é procurado por uma empresa chamada, simplesmente, “A Companhia”. A empresa propõe: que tal mudar de vida? Começa assim um pesadelo que John Frankenheimer transformou num dos filmes mais intensos e estranhos dos anos 60, encerrando sua “trilogia da paranóia”, iniciada com “Sob o Domínio do Mal” (1962) e “Sete Dias de Maio” (1964).
À Queima-Roupa (Point Blank) – John Boorman, 1967
Lee Marvin faz um assassino de aluguel perseguido por uma corporação sem rosto ou motivo aparente. Um faroeste transportado para o concreto de Los Angeles, com um clima intenso de mistério. Filmaço.
Na Mira da Morte (Targets) – Peter Bogdanovich, 1968
Inspirado pelo caso real de um homem que subiu numa torre e matou diversas pessoas a tiros, Bogdanovich fez esse filme B para Roger Corman, inclusive utilizando Boris Karloff de coadjuvante (Karloff devia a Corman dois dias de filmagem). Lançado logo após os assassinatos de Robert Kennedy e Martin Luther King, o filme foi um fracasso de bilheteria, mas depois virou “cult”, sendo inclusive homenageado por Elvis Costello na faixa “Big Tears”.
Klute, o Passado Condena (Klute) – Alan J. Pakula, 1971
Donald Sutherland investiga a morte de um homem poderoso em Nova York. Sua única pista é uma prostituta misteriosa (Jane Fonda, sexy como nunca). O resultado é um thriller psicológico de primeira, com uma atmosfera sombria. Pakula reina.
A Trama (The Parallax View) – Alan J. Pakula, 1974
Um famoso politico é assassinado numa festa na Space Needle, ponto turístico de Seattle. Um fotógrafo de jornal tira uma fotografia dos presentes, segundos antes do crime. Pouco a pouco, todas as pessoas que aparecem na foto começam a morrer misteriosamente. Warren Beatty faz um jornalista que descobre os crimes e se infiltra numa corporação que recruta assassinos para cometer crimes políticos. Um clássico esquecido dos anos 70.
Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia (Bring Me The Head of Alfredo Garcia) – Sam Peckinpah, 1974
Tô com Takeshi Kitano: esse é um dos melhores filmes já feitos. Quando a filha de um poderoso senhor de terras mexicano engravida de um capataz, o pai oferece um milhão de dólares para quem trouxer a cabeça do galã. Warren Oates faz um pianista vagabundo que aceita o desafio e passa o filme todo fugindo de gângsteres enquanto carrega um saco com a cabeça do tal Alfredo. Peckinpah faz uma brilhante metáfora de uma época triste e violenta, com um faroeste urbano e paranóico que periga ser seu melhor filme.
A Conversação (The Conversation) – Francis Ford Coppola, 1974
Entre as duas partes de “O Poderoso Chefão”, Coppola filmou essa obra-prima inspirada por “Blow up”, de Antonioni: Gene Hackman interpreta um detetive participar especializado em escutas, que se vê no meio de uma conspiração política e passa a ser, ele próprio, perseguido.
Três Dias do Condor (Three Days of the Condor) – Sydney Pollack, 1975
Robert Redford no papel de um agente da CIA que começa a ser perseguido por seus próprios empregadores. Sydney Pollack em seu melhor momento, junto com o inesquecível “A Noite dos Desesperados” (“They Shoot Horses, Don’t They?), de 1969.
Todos os Homens do Presidente (All the President’s Men) – Alan J. Pakula, 1976
Pakula chega ao auge nesse filme irretocável sobre Bob Woodward e Carl Bernstein, os jornalistas do “Washington Post” que descobriram o escândalo de Watergate e ajudaram a derrubar Nixon.
The Domino Principle – Stanley Kramer, 1977
Gene Hackman está em cana pelo assassinato do primeiro marido de sua mulher, quando é procurado na cadeia por um mal encarado misterioso (o sensacional Richard Widmark) com uma proposta: ele pode ajudar Hackman a fugir da cadeia, contanto que este faça um “trabalhinho” para uma empresa. O resto, você adivinha…
Acho que outro grande trabalho encontra espaço nessa lista: Amargo Pesadelo, do Boorman. Não é exatamente sobre paranoia, mas tem aquela situação limite do homem e seu meio, o choque com a natureza. E o duro peso entre eles, que deverão esconder os crimes ao fim. Deverão viver com aquilo para sempre. Enfim, um filme sobre mudanças, sobre uma região que será coberta pela água. Acho que tem tudo a ver com o tempo que retrata aqui, nesse post.
Muito bem lembrado.
Adicionaria “Os Invasores de Corpos” (1978), de Philip Kaufman.
Barção, não sei se comentei nesse post, mas você gosta do filme Anguish (1987), do Bigas Luna? Talvez ele entre também na lista da paranoia (não política, claro). O que acha?
Não vi, Fernando, preciso assistir.
Ah, Barça, só um último comentário: assisti “Na mira da morte”, um filmaço. E “Anguish” tem o tema muito parecido. Abraço.
André, até que enfim você escreveu sobre cinema. Está na hora de você comentar mais sobre a sétima arte e menos sobre Parati e seus vizinhos.
E está na hora de vc parar de ler se não gosta. Que cara antipático.
Não haveria um lugar na lista para “Cpricorn One”?
Faltou dizer, filme sobre conspiração : “O Iluminado”. Kubrick em vários momentos entrega o jogo. É só analisar algumas cenas!
Foi neste período fascinante que os EUA mataram seu próprio presidente e depois Stanley Kubrick fez, a pedido de Nixon, para o mundo ver pelo canal exclusivo da NASA, a farsa da “DESCIDA DO HOMEM NA LUA”.
Stanley Kubrick trabalhando pro Nixon? Acho que vc tá vendo filmes de conspiração demais.
Só um comentário: A Conversação não trata de uma conspiração política, e sim de uma trama de assassinato envolvendo um empresário e sua esposa adúltera. Não vou dar mais detalhes para não estragar a experiência de quem for assistir, mas realmente é um filmaço.
Olha, revi recentemente, e não fica claro que não há envolvimento político na trama.
Meio atrasado mas vamos lá. Desculpe se estiver equivocado. Lembro de um filme chamado, em ingles, EXECUTIVE ACTION, direção David Miller, roteiro de Dalton Trumbo, com Burt Lancaster, Robert Ryan e outros, que no Brasil, se não me engano chamou-se Corações e mentes. É da década de 70 e acho que nunca saiu em DVD. Sobre o assassinato de John Kennedy após o relatório Warren.
Estou errado em colocá-lo na lista do tema conspiração?
Saiu em DVD, chama “O Assassinato de um Presidente”. Muito bem lembrado, esqueci desse. E o Dalton Trumbo merecia um post só dele…
Barcinski… gostaria de começar que você é um daqueles críticos estimulantes… não concordo com muitas coisas que você valoriza e me vejo assinando em baixo muitas leituras suas… mas percebo sempre um olhar a ser considerado nas reflexões que você posta… falando da questão do cine paranóia… achei interessante você ter centrado num período em que o tema era revestido de muito pessimismo… merecido, aliás… chamou-me a atenção você citar mas colocar à parte Sete dias de maio e Sob o domínio do mal… exatamente porque ainda exalam a mística da esperança no bem que triunfa acima de tudo… por outro lado… sem desmerecer sua opção… gostaria que você pensasse na paranoia pós anos 80… que tem Oliver Stone e não vamos esquecer o Dossiê Pelicano é do Pakula… com a questão ambiental num contexto muito interessa… e agora… pós 11 de setembro… o que ficará de registro? Creio que Syriana é muito interessante… entre outras coisas que vão emergindo…
Só pra retificar…
gostaria de começar dizendo…
assinando embaixo…
questão ambiental num contexto muito interessante…
Vivo me atrapalhando… pura dislexia…
Li o resto e vi que você já comentou algumas coisas que sugeri… fica uma pergunta? Além do gosto pessoal… qual foi seu recorte? linha do tempo… poder nas sombras… América… e o que mais? Pergunto porque algumas coisas que você reconhece mas não inclui me parecem meritórias… como Capricorn One… apesar de não ter a mesma estatura em alguns aspectos puramente cinematográficos… mas pelo lado temático …
Sim, esse tipo de cinema não desapareceu, mas mudou ao longo dos tempos, adaptando-se a temas da época. Tanto que o Jonathan Demme refez Sob o Domínio do Mal e levando-o à Guerra do Iraque. E Syriana é, sim, um filme sobre conspiração, vc tem razão.
Pô Barça, você esqueceu o melhor filme de conspiração de todos os tempos! “Teoria da Conspiração” com o grande e equilibrado ator Mel Gibson!
Antes que me crucifiquem: é brincadeira…é que quando comecei a ler o post por algum motivo esse filme não saía da minha cabeça rsrsrs!!
Vou guardar essa lista. Dos citados só assisti ao 3 Dias do Condor (faz tempo) e Todos Os Homens do Presidente, que eu tenho em casa.
E aí André! Seria certo mencionar “Um Tiro na Noite” do Brian De Palma?
Poderia, claro, bem lembrado.
Pra mim uns dos melhores filmes desse tipo de thriller é “Maratona da Morte” (Marathon Man) do John Schlesinger. A cena da cadeira de dentista é angustiante!
Fiz um post inteiro sobre esse filme, procura que vc acha…
Documentário: A decade under the influence.
Foi indicado no blog?
bem off: que achas do bobcat goldthwait.
Bom o god bless america
Barça, sei q é meio fora do post, mas tenho uma curiosidade: vc curte o cinema do Bresson? Muito? Quem sabe um post sobre ele…
Grande abs, parabéns…
Muito mesmo. Claro que vale um post, nunca fiz nada sobre ele…
Nesse tema da paranóia bem filmada no cine nortamericano, puxo a coisa pros anos 50, lembrando dois grandes cineastas: Samuel Fuller, com, pelo menos, “Pick Up on South Street”. E Robert Aldrich, com, no mínimo, o extraordinário “Kiss me Deadly”.
Nos anos 70, lembro ainda o único filme de que gosto do Spielberg, o primeiro: “Duel”, dito “Encurralado”.
Ah…
André, não ficou faltando Chinatown, não?
Abração…
Acho que não. Chinatown é mais um noir, e o “vilão” da história não é, propriamente, o governo, não é verdade?
André, um semi-OT: o Oscar desse ano já passou e foi aquilo que a gente viu, mas acho que poucos anos da história deste tivemos tantos filmes que poderiam ter ganho e perderam (Todos os Homens, Rede de Intrigas, Taxi Driver) e um que não deveria ter ganho e ganhou (Rocky, um Lutador), como foi o Oscar de 1977, vc não acha?????
Acho. Foi uma das coisas mais absurdas. Mas foi o Oscar de 76, entregue em 77!
Tudo bem que muitos desses filmes foram feitos dessa forma porque marcam muito um momento da sociedade americana, como você mesmo disse. Mas não é possível que hoje não tenha alguém capaz de fazer algo assim.
Sinto muita falta desses filmes de conspiração, sou vidrado nisso…drama psicológico então, nem se fala.
Não conheço tanto assim pra falar isso, mas me parece que o cinema dos anos 70 e começo dos anos 80 são da melhor safra de atores e diretores e idéias.
Se eu tivesse de votar, acho que seria do meio dos 60 ao meio dos 70. E o cinema mudo nos anos 20, claro.
André, aproveitando que o post é sobre cinema: você falou em um post de uns tempos atrás sobre como atualmente para você, os filmes do Truffaut já não têm tanta relevância enquanto que os do Godard sim. Você poderia explicar isso claramente para mim, por favor?
Não consigo achar esse post e gostaria que você elucidasse isso.
Acho que Godard foi um cineasta muito mais radical e transgressor que o Truffaut. O cinema do Truffaut, a meu ver, foi ficando cada vez mais quadrado, mais careta, não me interesso tanto em assistir hoje, especialmente o que ele fez nos anos 70 e 80. Já os filmes do Godard, especialmente entre 1960 e 68, 69, continuam surpreendendo, cada vez que vejo gosto mais. São esteticamente ousados e não acho que envelheceram mal. Já outro dia tentei rever A Noite Americana, do Truffaut, e parei com 20 minutos, era chato e careta demais.
Concordo. Pierrot le Fou, Made in USA, A Chinesa, são dum arrojo que falta ao cinema de hoje. Ele maletou nos 80s. Mas o último, Film Socialism, embora hermético e erudito, é de fazer pensar muito.
Cara, eu odiei esse filme. Não conseguiu me prender, achei vazio, nem bonito visualmente era. Minha impressão é de que se um aluno da faculdade de cinema dissesse que o filme era dele, ninguém ia duvidar. Pq vc achou tão bom?
Na verdade, achei bom por critérios não cinematográficos. Ele faz umas conecções entre escolas de pensamento do século XX para estabelecer um panorama pessimista do que acontece no mundo. É o jeito dele. Mas não acho bom como entretenimento, como é o caso dos filmes dos 60. Agora, o que não dá pra aguentar é Je Vous Salue Marie.
Legal sua visão. O filme não conseguiu prender minha atenção por um segundo.
Já eu gostei. Claro que não é o melhor do CARA. Godard dá aula de cinedigital pra essa moçada que já nasceu com isso na mão e só consegue fazer filme que parece propaganda de margarina e carro, com raras exceções. Godard foi o primeiro cineasta a fazer filmes em vídeo quando não tinha mais produtor que financiasse seus filmes, depois de “One Plus One”, quando caiu na extrema-esquerda.
Continua vivo e chutando, com mais de 80 anos. Claro que cada vez mais melancólico.
Adeus, juventude. Adeus, Europa. Adeus, socialismo. Adeus, cinema.
barca, voce nao acha que o pra frente brasil e o caso dos irmaos naves se enquadram nesta categoria de filme? ate hoje nao consigo acreditar que os dois foram feitos em plena ditadura! algumas cabecas devem ter rolado…
Cara, Pra Frente Brasil é de 82, certamente não teria sido feito em 69 ou 70. E gosto muito do Caso dos Irmãos Naves, mas não sei se é exatamente desse gênero…
Ah! Filme de paranóia off USA: Ivan, o Terrível, do Eisenstein. Stalin vestiu a carapuça e censurou a segunda parte.
Muito boa a lista, acho que já vi todos os filmes, mas com certeza preciso rever alguns que já estão fracos na memória. Agora um pedido, não só pra você mas pra quem comenta, muitas vezes fico meio perdido nos comentários pois o povo posta colocando o nome original do filme ou do livro, nada contra até porque acho que alguns nomes em português são de rachar, mas às vezes a gente não conhece o nome original só o da tradução e se perde nos comentários. Valeu.
Não sei se alguém aqui já falou dele, mas Blow-Up do Antonioni também pode ser considerado um filme paranóico, não?
Falei sim, disse no texto que o Coppola se inspirou em Blow Up pra fazer A Conversação. O filme do Antonioni pode ser considerado paranóico, claro, mas acho que envelheceu mal demais. E olha que sou fã do Antonioni.
É mesmo, foi você que citou no texto, eu devo estar com alzheimer…
André, sobre filmes que envelhecem mal, isso daria assunto pra um post bem polêmico. Eu já tenho até minha lista de grandes filmes que em minha opinião ficaram tão datados que já não consigo mais revê-los até o fim: Sem Destino, Fuga de Nova York, Manhattan, Jules e Jim, Thelma e Louise, Matrix… rsrs.
Já escrevi sobre isso em alguns posts, mas daria um ótimo post só sobre o assunto, sem dúvida. No topo da lista: “Dr. Fantástico” e “O Grande Ditador”.
Roger, Mal de Alzheimer é uma doença terrível cara, quem tem alguém na família, como eu tenho meu pai, sabe o quanto é difícil. É a morte em vida, a biografia da pessoa some, evapora. Digo de boa mesmo, sem patrulhamento, sei que você falou sem maldade, é só um desabafo. Não desejo ao pior inimigo.