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André Barcinski

Uma Confraria de Tolos

Perfil André Barcinski é crítico da Folha.

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Conheça o empresário do século

Por Andre Barcinski
11/05/12 07:22

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Há alguns dias, reencontrei um conhecido que não via há muito tempo.

Ele é dono de bares e restaurantes. Não vou dizer onde para não entregar o sujeito. Vamos chamá-lo de “M.”

M. me convidou para visitar um de seus bares, que estava completando 11 anos.

– Onze anos? E você já tirou o alvará? – brinquei com ele.

– Alvará? O que é isso?

Fiz a brincadeira porque o assunto “alvará” era recorrente em nossos papos. Há uns oito ou nove anos, eu estava com idéia de abrir uma casa noturna e fui pedir conselhos a ele. Perguntei sobre os procedimentos de alvará, regulamentação, etc. Nunca esqueci a resposta:

– Alvará é coisa de otário. Pega o dinheiro que você vai gastar em obras e alvará, deixa 20% num cofre e guarda pra pagar o fiscal quando ele aparecer. Você vai economizar uma fortuna.

Não segui o conselho. Escolhi o caminho “do otário”. Foi um processo longo, frustrante e muito, mas muito caro.

Apesar de discordar da postura de M., sempre gostei dele e me divertia com suas histórias. Sua cara de pau era impressionante: certa vez, a Prefeitura colocou um daqueles blocos de cimento em frente a um de seus bares. M. foi lá com uma marreta, destruiu os blocos e reabriu imediatamente. Sua filosofia era: “Fiscal feliz não enche o saco”.

Quando descobriu que havia um terreno baldio colado a uma de suas casas noturnas, M. abriu um buraco na parede e fez um “fumódromo” no terreno do vizinho.

M. é empresário da noite há quase 20 anos e se orgulha de nunca ter tirado um alvará, pago uma multa ou feito uma obra exigida pelas leis de segurança. Sobreviveu ao século 21 todo na ilegalidade. Também nunca passou uma noite na cadeia e, a julgar pelo carro que usa – um SUV de 140 mil reais – está bem de vida, obrigado.

Um dia, M. me convidou para visitar uma nova casa que ele tinha acabado de inaugurar. Cheguei lá e achei que estava no lugar errado: o lugar tinha o teto cheio de infiltrações, banheiros quebrados e fios expostos. Parecia um cativeiro.

M. me perguntou o que eu tinha achado. Fui sincero: disse que aquilo ali era podre até para os padrões dele. M. riu e disse que só ia usar o lugar por uns cinco ou seis meses, porque o dono estava vendendo o imóvel.

– Não vale a pena investir em obra se eu só vou ficar aqui um tempinho, né?

Você tem de admirar o sangue frio de um sujeito desses. Imagine passar a vida toda sem cumprir uma regra?

Mas as idéias dele, mesmo que absurdas, até fazem algum sentido, quando colocadas no contexto das leis kafkianas e regulamentações insanas que existem no Brasil.

O que aprendi com M.:

– Leis não existem para facilitar a vida de comerciantes e empresários, mas para dificultá-la e, assim, impulsionar a indústria da corrupção dos fiscais.

– Um real gasto com obras ou regulamentação significa um real jogado fora.

– Quando for abrir um negócio, abra de qualquer maneira e não se preocupe com papelada. Isso você resolve depois.

– Agradar o cliente é importante. Mas agradar o fiscal é muito mais.

Claro que não concordo com nada disso. Mas que é uma maneira interessante de ver o mundo, é.

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Comentários

  1. Rodrigo comentou em 23/05/12 at 21:02

    Ducaralho o post, tanto é que copiei na caruda, tomei a liberdade de fazê-lo e postá-lo no meu blog, com os devidos créditos. Se não curtir, avisa aí que tiro do ar.

    • Andre Barcinski comentou em 23/05/12 at 23:01

      Pode copiar à vontade, dando o crédito, claro. Abraço.

      • Rodrigo comentou em 24/05/12 at 21:09

        Já está no ar. Valeu!

  2. Amauri comentou em 17/05/12 at 15:13

    A culpa é dos que se corrompem, pois se os Fiscais que sedem a estas tentações fizessem o seu papel, estes empresários que não cumprem leis e que colocam a vida de muitos em risco não existiriam.

    Ou seja, primeiro punir os corruptos e se possível punir os que corrompem juntos. Mas punir rápido, não permitir que fiquem protelando as punições.

  3. Ignatius comentou em 15/05/12 at 13:25

    Governos existem não só para governar, mas para oprimir também.

  4. eden valerio comentou em 14/05/12 at 16:19

    Andre,
    O q o M tem em mente é exatamente o conceito da Mafia.Nao se dobrar ao que os calhordas no comando. Me lembro de D.Corleone ao Dono da Funeraria Bonasera.
    – Porque não me procurou primeiro antes de falar com a policia?

    • Andre Barcinski comentou em 14/05/12 at 16:24

      Sim, vc tem razão, é exatamente isso. Por isso não trabalho mais no ramo.

      • eden valerio comentou em 14/05/12 at 16:59

        eu gostaria muito de ter um bar que fosse fuleiro mas com bom atendimento e preço justo viver em sao paulo é muito caro ontem me amigo disse que foi ver um show de blues em sampa e cobraram 15 conto numa Stelinha(275 ml) acho que é cota do fiscal.

  5. Mauro comentou em 14/05/12 at 14:26

    Esses caras costumam achar tudo muito divertido, até que um dia a casa cai, pega fogo, mata uns três ou quatro, ou umas dúzias, e aí tudo perde a graça e vira “indignação”.

    Dizia o bom Nelson Rodrigues algo como “consciência de brasileiro é a polícia”. Hoje em dia, nem a polícia…

  6. Luiz comentou em 14/05/12 at 12:12

    Uma comentarista do facebook fala que a “lei da propriedade intelectual é uma violência”. Será por falta de intelecto da parte dela pra fazer o que quer que seja?
    Nojo. E outra: não adianta você “cumprir as leis ruins para que os homens ruins cumpram as boas”: homens ruins NUNCA cumprem leis, sejam elas boas ou não.

    • Sandra comentou em 15/05/12 at 23:12

      Quem disse que a propriedade é um roubo foi Proudhon. Quem corrobora que a propriedade do tipo intelectual é uma violência é o cineasta Jean Luc Godard, partidos políticos suecos, Marx etc. A máxima sócrática de cumprimento de leis boas é um imperativo moral, não uma verificação casuística e equivocada sua, já que até gentalha como José Serra agora vai ter que explicar como comprou a casa dele, por causa da lei do imposto de renda. (Lei boa e homem ruim, entendeu, ô?) Espero que vc tenha nojo é da sua ignorância, plebeu.

  7. Paulo comentou em 13/05/12 at 18:00

    André,

    Tenho uma baita curiosidade a seu respeito: quantas horas tem o seu dia? 24 não é!!!
    Como ler tantos livros, ver tantos filmes e ainda cozinhar, fazer sexo e ser empresário da noite?

    • Andre Barcinski comentou em 13/05/12 at 21:59

      Não trabalho com “noite” há um bom tempo.

      • Paulo comentou em 17/05/12 at 22:02

        Mesmo assim, meu caro!

  8. Renato comentou em 13/05/12 at 8:34

    Agora entendo por que o bar que o meu irmao abriu nao deu certo. A gente investiu uma grana enorme em reformas, alvaras e tudo mais, apenas para estarmos regulamentados e dentro da lei. Resultado: perdemos uma baita grana e o bar fechou. O caixa secou e os ganhos nao pagavam o aluguel, contas, funcionarios e o escambau. Admiro seu amigo M., acho sensacional essa ideia de “desobediencia civil”, mas quando ela tem um espirito de Robin Hood, que nao prejudica ninguem além da prefeirura e demais sangue-sugas. Morava num prédio onde funcionava uma balada bem em frente. Perdi a conta de quantas vezes a Prefeitura foi la colocar esses blocos de concreto e o dono tirou. A questao é que a rua era bem residencial, a balada era a unica da rua. Musica alta, gente fazendo baderna, depredando carros, tudo isso e muito mais até as 5, 6 da manha. O apice foi quando uma galera se envolveu numa briga dentro da balada. Um ou dois dos envolvidos conseguiram entrar no meu predio tentando se esconder. Os outros briguentos, que estavam procurando os que fugiram, conseguiram avista-los dentro do meu predio e entao entraram também. O que aconteceu? Desceram a porrada no PORTEIRO, achando que ele tava metido na briga. O cara desmaiou, ficou todo ensaguentado e permaneceu alguns dias internado no hospital. Quem é o culpado disso? Dificil responder, sao tantos e tantas coisas. Se as leis e as regulamentacoes fossem honetas e facilitassem os empreendedores e a SOCIEDADE, isso nao aconteceria. A balada sequer funcionaria ali, nao permitiriam. Se o dono nao removesse os blocos de concreto, isso nao aconteceria. Se os frequentadores tivessem um pingo de educacao, isso também nao aconteceria. Sao tantos problemas que a sociedade enfrenta que eu fico até perdido. Quando voce ve, as coisas sao do jeito que sao por n motivos.

    • Andre Barcinski comentou em 13/05/12 at 10:15

      Conheço diversas histórias iguais à sua, infelizmente. Saí desse ramo, em boa parte, por isso.

  9. Geneuronios comentou em 12/05/12 at 19:56

    Este seu amigo M. deve ser um baita traficante. Mas falando sério a legislação brasileira é CORRETA em muitas coisas. O objetivo é preservar a saúde e segurança dos locais que frequentamos. O problema é que o POVO BRASILEIRO é CORRUPTO por natureza, portanto alguns dos tais FISCAIS também são. É pela corrupção que as estruturas das boates desabam, as cozinhas dos restaurantes são podres, os elevadores despencam, etc e etc.

    • Andre Barcinski comentou em 13/05/12 at 10:18

      Posso te garantir que boa parte da legislação dessa área é datada e impossível ser cumprida. Veja a regulamentação de volume máximo de barulho permitido.

  10. Raul comentou em 12/05/12 at 12:31

    O problema do Brasil não são os fiscais, não é o custo do alvará, não é a burocracia, não é o STF, não é o Cachoeira, não é o Demóstenes, não são os iletrados que não sabem interpretar um texto, não é falta de leitura (bom, pensando melhor, isso é sim parte do problema), não é o Congresso, não é a Dilma, não é o Michel Teló, não é a corrupção, não é o Pânico, não é o CQC, não é o fato de que todos acham que podem dar palpite em tudo sem nada ou muito pouco saber, inclusive em assuntos específicos e científicos como direito e medicina, não é, enfim, nada disso.

    O problema do Brasil é o brasileiro e a sua falta de educação (no sentido geral do termo). Todo o resto é apenas sintoma. Eduque o brasileiro (e para isso precisamos de, no mínimo, mais 500 anos) e tudo se resolve.

    O resto é resto. Não adianta botar a culpa no fiscal e nem no dono de boate.

    • Andre Barcinski comentou em 12/05/12 at 15:51

      Uma coisa não existe sem a outra. Concordo.

    • marcelo de almeida comentou em 13/05/12 at 12:37

      E tem um grande banco Brasileiro fazendo uma propaganda “Vamos jogar bola , que iremos resolver tudo “

  11. Marcos comentou em 12/05/12 at 12:03

    O único problema é que esse cara mais dia menos dia vai se reproduzir e vai servir de exemplo pra alguém. E isso perpetua o ciclo…

    Ok, viver dentro das regras é caro. Mas subornar fiscal também não é barato… E, no longo prazo, num Estado em que nada funciona apoiado por essa atitude, o que ele vai gastar com saúde, escola particular, condomínio fechado, blindagem de carro etc. acaba compensando a brilhante economia com o alvará.

    Medo de pensar que isso realmente existe.

  12. césar jacques comentou em 12/05/12 at 8:34

    Olhando com mais acuidade a foto parece-se mais com James Cagney em Ragtime.

  13. Livia comentou em 12/05/12 at 0:16

    E o que aconteceria se ninguem desse propina? Para mim, a malandragem e institucionalizada dos 2 lados. Fica parecendo que so os servidores sao corruptos, mas o cidadao que corrompe tambem e farinha do mesmo saco e, pior, se estivesse na pele do fiscal, agiria da mesma forma…

    • Andre Barcinski comentou em 12/05/12 at 9:00

      Claro que é dos dois lados, vc tem razão.

  14. Don Ramon Valdez comentou em 11/05/12 at 21:51

    André, vai ter a sequência de “Trainspotting”. Agora eles estarão envolvidos com a indústria pornô. Begbie is back!!!

    • Lucas Pimenta comentou em 12/05/12 at 21:27

      Eu tenho esse livro, foi lançado em 2002. Teve conversas a respeito de uma continuação, mas não foi pra fente. Agora é tarde, já que a história acontece 10 anos após Trainspotting.

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