Mudou a música caipira ou mudaram os caipiras?
04/06/12 07:05
Dia desses, participei de uma entrevista com um músico que admiro muito: Renato Teixeira.
Certa hora, alguém pediu ao Renato para listar as diferenças entre a música sertaneja antiga e a atual.
A resposta dele surpreendeu a todos:
“Não há diferença alguma”, disse.
“Como assim?” reagiu o entrevistador.
“A música caipira sempre foi a mesma”, explicou o músico. “É uma música que espelha a vida do homem no campo, e a música não mente. O que mudou não foi a música, mas a vida no campo.”
Faz todo sentido: a música caipira de raiz exalava uma solidão, um certo distanciamento do país “moderno”.
Exigir o mesmo de uma música feita hoje, num interior conectado, globalizado e rico como o que temos, é impossível. Para o bem ou para o mal, a música reflete seu próprio tempo.
Fiquei pensando muito sobre a frase do Renato Teixeira.
Será que nossa nostalgia por uma música melhor não reflete nossa nostalgia por outros tempos?
Será possível, nos tempos atuais, ter uma música popular de qualidade e mais “autêntica”?
Será que a decadência cultural e a globalização permitiriam ao público jovem apreciar uma música que não refletisse a confusão de estilos e tendências que é a marca da modernidade?
“Ai Se Eu Te pego” é sertanejo?
Segundo a teoria de Renato Teixeira, sim.
Talvez não o “sertanejo” a que nos acostumamos, ou o que gostaríamos que fosse. Mas um sertanejo que é inescapável.
Mas se a técnologia chegou no interior, que se tornou globalizado, conectado e etc. então o interior não deixou de ser interior? Afinal, o que define a “vida no campo” que a música sertaneja deve abordar?
Vou dar minha visão disso…eu moro em uma cidade do lado de Campinas, portanto “interior” de São Paulo. Mas, honestamente, isso aqui não tem nada de interior.
Aliás tratar essa região toda de Campinas hoje como interior é até estranho. Serve mais mesmo como uma referência geográfica. Por aqui não se tem aquela “vida do interior” há muito tempo.
Fala, Barcinski! Pô, quase te cumprimentei anteontem, no Bourbon Street Festival. Você estava lá na frente do palco secundário, com a família. E aí? Curtiu as atrações? Abraços!
Gostei muito do Andre Christovam, achei demais. Infelizmente, perdi o Duofel, queria muito ter visto.
André, a única semelhança entre a música caipira e o sertanejo de hoje é que ambos são produções do interior do país. Mas o sertanejo de hoje é o pop brasileiro. Acho curioso como a imprensa e a crítica brasileira não tratam isso como “pop”, mas ainda insistem em considerar pop o…sei lá, Jota Quest. O pop brasileiro é o sertanejo.
E pq sertanejo não pode ser considerado pop? Nos EUA já é há muito tempo.
Pois é, parece que tem vergonha em considerar que o pop brasileiro é isso. Ontem um infeliz tava ouvindo essas músicas no salão de festas do meu prédio (altíssimo claro, afinal quem tem mau gosto não tem bom senso). O troço é uma mistura de forró, com axé, com … pop.
“Ai se eu te pego” reflete a mentalidade dos agroboys de hoje, aqueles que vão p/ Barretos em suas caminhonetes p/ beber até vomitar e laçar umas periguetes
Com certeza! Quando estudava no interior de SP, sempre questionava isto lá para as meninas. Grande parte delas lá, ainda são “de família” – como conhecemos o termo. Alguns paulistas acabavam fazendo sucesso com elas, devido aos bons modos e educação… coisa que os agroboys costumavam ter.
Não é só agroboy não. Reflete a mentalidade da juventude brasileira em geral.
Bom, pode até refletir a mentalidade dos “agroboys” (essa termo é muito bacana) de hoje, mas se lembre que esse tipo de música atinge muito mais o público feminino.
As caipirinhas inocentes ficaram no passado também. Aquela fantasia de possuir uma caipirinha inocente e pura no celeiro, deitados num colchão de feno é nostalgia total….hehehe.
O termo “agroboy” é muito comum entre… bem… os agroboys. É tipo o “pitboy” das capitais. O pessoal tem orgulho de ser!
Caramba estou lendo seu post de hoje, falando sobre certa expectativa suportada por nostalgias e ontem assisti “Meia noite em Paris” de Woody Allen, que fala desta questão também….
O mesmo raciocínio vale para outros estilos: o rock progressivo, a MPB de elite, o jazz, a mudança de contexto deixou este povo todo meio sem referências. Como se diz ao pé do ouvido: o fim da ditadura deixou Milton, Chico, Caetano e cia. sem saber o que fazer.
Bem, classifique-se ou não a porcariada de hoje como “sertanejo” o fato é que sempre existiu música boa e ruim. Assim como é impossível agregar o “interior” inteiro como um estilo só, não dá pra resumir música sertaneja em Teló, por mais grandioso que seja seu sucesso.
Lixo existe em todos os gêneros, e é bom que se separe o joio do trigo.
Faz sentido essa teoria, sim. O mundo está piorando de modo geral. Não me surpreende que antes o povo gostasse de moda de viola e hoje goste de Gustavo Lima. Antigamente havia filmes de verdade, hoje só saem essas porcarias de super-heróis. Antes as pessoas liam e conversavam, hoje tuítam em 140 caracteres. Antes os corruptos roubavam X, hoje roubam 1000000X. Antes havia literatura, hoje já Harry Potter e vampiros adolescentes deprimidos. O mundo está emburrecendo a passo de galope.
Curioso. Não sou nenhum expert no assunto, mas acho que algo parecido aconteceu com o jazz. Semana passada achei um programa de jazz moderno em uma rádio. Fiquei perdido procurando jazz em meio a ritmos eletrônicos e batidas moderninhas. Não achei ruim, mas definitivamente não era o que eu esperava escutar.
Só alguém como ele que também ajudou a modernizar a música sertaneja pode ter uma visao tao clara das coisas. Só uma coisa, esse movimento da música do Teló para fora do Brasil me parece ser uma faceta nova do Jabá globalizado. Como a Folha noticiou Teló chegou nas rádios dos EUA via uma mixagem feita pelo dj Pittbull – argh !. Há uma logística empresarial por trás deste fenômeno que vai além de gêneros musicais.
Duas notas pra reforçar seu post:
1) Há um ano atrás fiz um trabalho em Barretos, SP. Uma das pessoas que lá conheci, o jovem estagiário da empresa que me contratou, engatou comigo papos sobre post-rock, clipes do Spike Jonze, filmes de Scorcese e Hitchcock. A chefe dele passa férias em NY.
2)
Anteontem, aqui em SP, levei meu filho a uma festinha junina no tal Museu da Casa Brasileira, encrustrado no jardins, lugar de gente riquíssima. Eis que começa um show de sertanejo “universitário” típico. Eu achei que eles iam ser vaiados, mas logo percebi, todas as patricinhas e playboys estavam cantando junto. Eu fui embora.
A verdade é que acabou essa de interior e cidade grande – é tudo uma coisa só.
também concordo com o renato. não haveria como o campo ficar de fora do processo de “estupidização” cultural que os novos tempos e o excesso de informação e a tecnologia estão trazendo (teria que ser o contrário, ficarmos mais inteligentes…). e nessa sai o caipira com cigarro de palha e entra o agroboy de caminhonete importada; sai a crônica da vida no campo da moda de viola e entra a música cheia de onomatopéias cantada por gente que na verdade nunca pisou num monte de bosta de vaca. é o brasil rural 2.0, é daqui pra pior. ainda há algumas exceções como renato teixeira, almir sater, inezita barroso, mas esses são os caipiras fora de moda…
Por essas e outras, que por mais que a palavra que venha em mente seja nostalgia, os tempos eram mais produtivos em termos de cultura, de inventividade, razão esta para sempre irreversivelmente considerá-los melhores.
É uma discussão muito interessante. Lembrei do Pixinguinha, que foi muito criticado nos anos 40 por adotar o saxofone e aposentar a flauta. Os puristas da época o taxaram americanizado, por escolher um instrumento imediatamente associado ao jazz. Hoje, alguém se aventuraria a dissociá-lo do olimpo da MPB? E mais: qualquer um que ler a história da música sertaneja vai perceber que, assim como os outros gêneros musicais, ela sempre foi permeada por estilos estrangeiros, ‘alienígenas’ (guarânia, country…), e sempre foi criticada por isso, pelos puristas do momento. Discutir sobre a pureza, ou mesmo o desvirtuamento de um gênero ou estilo, é discussão árdua, que mereceria mais conhecimento histórico de causa.
Concordo, sempre são bem vindas novidades que podem marcar um estilo ou modernizá-lo. Mas a palavra bem colocada pelo André ajuda a explicar por que isto não ocorre atualmente: a mistura atual não define nada de concreto, não há algo natural, pois muito é de veia comercial. Aquela ladainha que sabemos. Bem, tem gente que ainda cria sem isto, e é para estes que meus ouvidos serão direcionados. A boa novidade.
concordo contigo, Adriano. apesar de achar ainda que é discussão subjetiva, por implicar o critério gosto: a gente se guia pela análise qualitativa do tipo de elementos que são agregados à música “original” em questão (as aspas são propositais): nossas referencias, coerência interna etc.
Tem gente da cidade de que tem nostalgia do que NÃO viveu, e gostaria de cristalizar este passado não vivido por meio da música sertaneja. Em Minas, onde nasci, é claro isto. Famílias que já por três gerações vivem em Belo Horizonte ou outra grande cidade que mantém ainda um sentimento da roça que não conheceram, mas só imaginam como era bom.
Por falar em interior e música, estive no show do The Horrors em São José dos Campos e foi demais, simplesmente o melhor show que já vi na vida. Espero que eles tenham plantado a semente do rock aqui, como os Sex Pistols fizeram em Manchester nos anos 70.
Olhando por esse lado, então, o quadro é irreversível! Torcer agora pra sair logo de moda isso, pois o que antes pra mim era um som neutro, agora me irrita tanto quanto ouvir aqueles forrós malucos.
Pois é, você disse bem, é um modismo. Queria saber quando a moda será dada à música de qualidade, rsrs
Barça,
Tem link da entrevista? Onde foi?
Gravamos agora, vai ao ar daqui a meses, só no começo de 2013. Aviso.
Barça, sempre que penso como a vida muda e como estamos envelhecendo, mesmo que a gente não queira, me lembro da Elis cantando:
“Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem…”
Vai ouvir Garth Brooks……
Standing outside the fire…
Gosto de Garth Brooks e Alan Jackson.
que me desculpe o Renato, do qual gosto muito, mas “Ai Se Eu Te Pego” não é sertanejo. muito menos caipira. mas também pelo que entendi, você só está deduzindo isso.
pra mim essa música do Teló é parente direta do Turbofolk, uma grudenta mixórdia musical que vem se expandindo a partir dos Bálcãs desde os anos 90. vai ver por isso também o sucesso que fez na Europa.
Goste vc ou não – eu não gosto – o sertanejo popular hoje é isso. Não é questão de gosto pessoal, é realidade.
bom, eu acho que a diferença é como no forró. há o forró Tradicional, “pé de serra”, que continua sendo feito, e há o “forró universitário”, que pra mim soa exatamente igual ao “sertanejo universitário”, que soa exatamente igual como as outras variações do mesmo “som”, que correm o mundo pop atual com outros nomes, e que pode ser esse tal sertanejo popular do qual você fala. mas certamente nada tem a ver com a música sertaneja ou caipira tradicional. e nem o Renato disse que “Ai Se te Pego” era sertanejo. acho que o Renato se referia mais ao conteúdo do que à forma.
Turbofolk? Aqui chama-se Technobrega… tudo chumbréga!
Porra, Turbofolk? Parece nome de videogame.
A “vida no campo” a que ele se refere certamente diz respeito apenas a uma parte do campo/interior. Vai perguntar ao cara que tá lá na seca (ou na enchente), sofrendo com os prejuízos e a falta de perspectiva, se Teló o representa. Pode até representar o poder aquisitivo de uma realidade que ele deseja, mas não a que ele vive.
Bom, Mauro, há dezenas de milhões de brasileiros vivendo “no campo”, não dá pra agregar todo mundo numa realidade só. Mas que o Renato Teixeira sabe o que está falando, sabe.
Sim, claro, ele conhece o negócio. Mas observe que se não dá para agregar todo mundo numa realidade só, tampouco podemos generalizar em relação a definições quanto a esta mesma realidade. Outra coisa: faltou ele abordar musicalmente a questão, em relaçao a estrutura musical, instrumentos utilizados etc. A viola caipira em especial é instrumento característico desse estilo musical.
Agora vá lá perguntar para esse mesmo cara se o sonho dele é continuar nessa vida ou ter coisas que o Teló tem? A vida de sofrimento do caipira é sempre muito linda para quem tá de fora. O mesmo vale para os índios. Posso dizer com propriedade pois já convive com ambos. Todos querem a modernidade. Saúde descente, tecnologia, informação, educação, seu carrinho do ano…
*decente
Entendi a colocação do artista. Mas penso que é possível sim manter referências desse tempo, mesmo que elas passem a fazer parte somente do “folclore” regional.
Mas todos nós estamos nessa inércia de se desprender rápido de tudo, sem construir valores com o que se utiliza atualmente.
O mundo é dos descartáveis. Antigamente a música caipira era associada a um sujeito simples, calmo, ora acanhado, ora extrovertido, fiel a valores populares e familiares. Hoje este sujeito está em extinção.
Não entendo como associar o sertanejo tradicional ao tido como moderno. Se a vida do campo mudou, então o estilo mudou e descaracteriozu de vez o antigo.
Como bem dito por você, André, ele também sofreu misturas. Sobrou pouco ou nada do passado.
Não, o estilo só se adaptou aos novos tempos.
Prova disso que estou falando é que a musica de Michel Teló por exemplo é bem recebida por muitos no mundo todo. Quem faria isto com a música antiga, que soava mais intimista? É muito radical a diferença para se dar isto como uma evolução ou adaptação.
Preferia o “indie caipira”, hehe
O campo está completamente mudado. Perto da minha cidade natal há um “patrimoniozinho” onde vivem umas mil almas. Antes ali só havia mesmo lavradores e roceiros, gente simples que no máximo tomava uma cachaça nos fins de semana. Hoje o lugar continua pequeno, mas a cachaça deu lugar ao crack. Antes qualquer um com dinheiro podia manter uma “casa de campo” ali. Hoje quem tem quer vender, mas não há comprador no mercado, porque saqueiam as casas e dá muita despesa manter um caseiro. O roceiro virou cracudo e ladrão…
Realmente faz sentido. Talvez por isso também não tenhamos mais punks “de verdade”, já que não existe mais aquela agitação social de outrora.
André.
Sou mais roqueiro, dos clássicos, mas um dos melhores shows que eu já assisti foi do Renato Teixeira. O sujeito é uma referência. E quanto ao post, acho que isso mesmo: antes parece que havia pelo que lutar (Ditadura , etc.), hoje tudo parece mais fácil, está tudo pronto.
Abraço.
Caro André,
Não vou discutir a opinião do Renato Teixeira,mas a musica do Teló é pop e nem se Tonico e Tinoco leventassem da tumba ele seria sertaneja.
Claro que é. O Teló fazia parte de um grupo chamado “Tradição”. Isso diz muito.
Mas, se não me engano, “Ai se eu te pego” foi composta originalmente como música bahiana. Michel Teló comprou os direitos e a gravou com esse arranjo “sertanejo universitário”.
Independente disso, assim como sua música, a sacada do Renato Teixeira é brilhante. Por coincidência, conversei sobre o tema ontem. O foco foi outro. Falou-se da diferença entre caipira, country e sertanejo, das duas vozes e da viola, dos instrumentos “urbanos” usados hj… Enfim, esses aspectos mais óbvios de uma música ou mesmo de todo um gênero musical. Ninguém foi capaz de ir tão longe.
Ué, e na Bahia não tem interior?
Chama-se Caatinga…
Cara, eu quis dizer axé, que é uma música de Salvador, não?
Bom dia Barça. Estava assistindo o Pânico na Band ontem e mostravam um vídeo com um “caipira” que, ao andar pelas estradas de terra, cruzou com um caminhão carregado de vacas com diarréia e levou aquela chuva de bosta… foi merda pra todo o lado… sujou carro, boca, braço… tudo! Aí o “infeliz” postou o vídeo no Youtube e parece que virou hit. Aí podemos ponderar sobre duas coisas: Realmente o interior agora é conectado e… como um fato “corriqueiro do caipira” repercute hoje em dia, em época de “peões de bota limpa” cantando ai se eu te pego.
Acho que dá para estender o raciocínio até para os indígenas. Hoje eles vestem “roupa de cidade” e perdem muito de sua cultura com a globalização e “conectização”. É preocupante neste caso, pois, assim como nossos queridos caipiras, o que acabam perdendo é a IDENTIDADE. E nesse “liquidificador de porcarias” que vivemos hoje… o produto final é um suco de merda que temos de engolir garganta abaixo.
Concordo!!!! Foi uma resposta consciente e triste!!! Mas foi uma resposta antenada também. Tão antenada quanto o “moderno interior” citado…
faz todo sentido, renato teixeira é o cara… depois de meia noite em paris… meia-noite em campinas (em goiania, em ribeirão preto, em…)
Andre,concordo com o Renato o campo convive com tudo que existe na cidade . No entanto em New orleans ainda existe um som local tradicional apesar de toda modernidade.