O cinema segundo Carlão Reichenbach
14/06/12 20:51
Sempre admirei Carlos Reichenbach à distância.
Não posso dizer que fui amigo dele, até porque só o encontrei pessoalmente umas cinco ou seis vezes. Mas foram todos encontros marcantes para mim.
Lembro o dia em que o apresentei a Roger Corman, numa retrospectiva deste que eu ajudei a organizar. Foi impressionante: Carlão parecia saber mais sobre a carreira de Corman que ele próprio.
Os dois passaram um bom tempo falando de “The Intruder” (1962), um drama racial com William Shatner que, segundo Corman, foi o único de seus mais de 300 filmes como produtor ou diretor a dar prejuízo. Carlão considerava o filme uma obra-prima. E era mesmo.
Nunca conheci alguém que amasse tanto o cinema e se esforçasse tanto para divulgá-lo. Carlão estava sempre falando de algum obscuro diretor dinamarquês ou de um filme alemão desconhecido que você não podia perder de jeito nenhum.
Eu não o admirava apenas como cineasta, mas como “homem de cinema”. Porque ele não foi só um diretor de filmes: escreveu sobre cinema como poucos, exibiu filmes, discutia cinema 24 horas por dia, nunca recusava um convite para falar de cinema. Seu blog, Olhos Livres, era uma das melhores coisas da Internet.
Carlão sempre simbolizou, para mim, um tipo de artista em extinção no Brasil: o que vive à margem da cultura “oficial”, alguém que tinha conquistado seu próprio espaço e não precisava fazer concessões.
Adorava vê-lo falar sobre a Boca do Lixo e os filmes rebeldes que vieram de lá. Adorava ler seus textos sobre os subterrâneos do cinema no Brasil e suas louvações a ídolos como Samuel Fuller e ao cinema autoral, pessoal e único.
Quem diz que o Brasil nunca teve uma indústria de cinema não sabe o que diz. Carlão e seus comparsas da Boca foram heróis de um cinema off-Embrafilme. Para mim, o melhor e mais ousado cinema que se fez no país.
Há pouco, ouvi a notícia: Carlão Reichenbach morreu, no dia em que fazia 67 anos. Me deu um arrependimento danado de não tê-lo conhecido melhor.
Para mim, Carlão será sempre um farol. Um artista único e uma figura única. Um cara que batalhou pelo cinema não como a maioria, em abraços coletivos e corporativos que escondem a mediocridade, mas sempre defendendo a individualidade dos criadores e o cinema dos inconformados. Um gigante.
Grande post, Barcinski! Vc utilizou a expressão “farol”… Eu postei uma singela homenagem pro Carlão no Facebook e também me referi a ele como um farol pras novas e futuras gerações. Fui aluno dele na faculdade e, com certeza, depois dos primeiros minutos o ouvindo falar, era nítido nos olhos de todos ali presentes a vontade de ficar horas e horas ali… Que honra em ter podido participar desses momentos! Ontem, coincidentemente, depois de prestar minhas condolências à super heroína Ligia no velório dele no MIS, visitei uma exposição em cartaz no museu. Era sobre o soberbo livro de fotos “Uma Rua Chamada Triumpho”, do Candeias, outra figura maravilhosa do cinema mais rejeitado e original já feito por essas bandas. Você já deve conhecer esse livro, não? Em todo caso, a quem se interessar, fica em em cartaz até dia 24/6. Imperdível!!
P.S. : hoje, 16/6, a TV Cultura exibe às 23h15 o filme “Minnie and Moskowitz” (1971), do John Cassavetes. Com a esplêndida musa Gena Rowlands, a maior atriz do cinema em todas as épocas. Conhece esse filme? Está no mesmo patamar dos outros que ela fez com o marido?
Valeu demais pelas dicas. Conheço o livro do Candeias sim, é demais. E sério que a Cultura vai passar Minnie and Moskowitz? Tenho esse filme, um dos melhores – e mais acessíveis – do Cassavettes. Seymour Cassell tá demais.
Lamentável. Suas exibições + debate no Cinesesc era algo lindo de ser ver..
Off topic : hoje tem Atari Teenage Riot em SP. Tens simpatia pela banda? Recomenda?
Sério? Não sabia. Vai sim, é sensacional.
Lindo texto André, emocionante!
E viva o Carlão, esse cineasta – cinéfilo -mestre, que deixa muitos amigos e pessoas como eu e vc, que tiveram pouco contato com ele, mas suficiente para perceber o gigante que ele era!
Participei de um debate com o Carlão após a exibição de “Dois Córregos” no Espaço Unibanco, primeiro filme dele q eu assisti, e depois disso virei fã. Ele com certeza deixará muitas saudades. Parabéns pelo ótimo texto…
O Reichenbach esteve no programa “Estranho Mundo de Zé do Caixão”…?
Sim, na primeira temporada, deve ter no Youtube. Foi ótima a entrevista.
Barça, soube do falecimento do Carlão há alguns minutos atrás li no Blog do Rubens Edwald, tem um texto emocionante lá
Valeu pela dica, vou ler o blog do Rubens.
Enquanto isso, o Barretão ainda honra o espírito on-Embrafilme em seu último artigo para a Folha…
Barça, EU QUERO o Garagem!!! #voltagaragem
É verdade, no cinema nacional ele era um cara à margem dos “abraços coletivos e corporativos”. Esse mundinho do cinema nacional intelectual que privilegia sempre os mesmos “ícones” em seus festivais que e faz filmes para poucos às custas do dinheiro público com uma falsa premissa de produzir “arte” audiovisual. Um bom filme é uma boa história que aguça os olhos e a alma, não o que os pseudo-criticos-curadores que são diretores-frustados tentam nos dizer que é bom.
Realmente dava pra sentir o quanto ele amava o cinema em seus depoimentos. Tenho o DVD de “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” do Mojica, e nos extras tem um depoimento do Carlão, empolgadíssimo, exaltando essa pérola do cinema marginal brasileiro. Emocionante.
Querido amigo blogueiro, desculpe o “ófi tópiqui” mas é o seguinte: presenteie-nos com algum especial sobre nossas amadas mulheres! Sejam elas na música, filme ou letras. Valeu!
Caramba, não sabia não. O blog dele era muito bom mesmo. Realmente é incrível o que pessoal fazia com os parcos recursos que tinham na época. Hoje parece ser mais fácil os filmes saírem do papel, mas parece que nada presta… Bom final de semana André!
Andre, alguma indicação de filmes do Carlão? Muita gente que le o blog nunca ouviu falr dele, e eu particularmente vou atras de tudo que é indicado aqui.
Procure ver “Lilian M – Relatório Confidencial” e “Filme-Demência”, são meus filmes prediletos do Carlão.
” dois córregos” também e muito bom
Verdade, muito bem lembrado.
O último filme dele, ‘Falsa Loira’, é sensacional. E uma ótima introdução à obra dele.
O diretor de Blade Runner, Alien, Falcão Negro em Perigo, Gladiador esta com o Prometheus nos cinemas brasileiros.
Assiste o filme 3D e faz um post legal, mesmo criticando se for o caso.
Conheço muito pouco a obra dele, vi Falsa Loira e um período “Boca” ainda moleque nos tempos das Salas Especiais na madruga.
Mas toda perda precoce como foi a dele é uma pela, garanto que ele teria muito ainda a produzir
tomei um choque no fim do post. pensei que você fosse falar algo sobre a obra de Carlão, não que fosse noticiar sua morte. muito chato. muito triste. sempre gostei de pesquisar as dicas no “Reduto do Comodoro”.
pra mim, Carlão fez um dos melhores filmes do cinema brasileiro: “Filme Demência”. passei a ouvir tudo de Mahler após ver este filme. uma lástima não ter nunca sido lançado em dvd. pelo que sei, nem em vhs.
muito triste mesmo essa notícia.
Não tem em DVD? Que absurdo.
As cópias que circulam na internet são tiradas da exibição no Canal Brasil.
Detalhe: O que tiver na Internet, foi ele mesmo quem postou…
Li alguns comentários sobre ele no livro “Maldito” sobre o Zé do Caixão. Sendo franco não o conhecia, mas pelo jeito conforme foi dito em um comentário anterior, o cinema brasileiro fica “mais coxinha” com sua ausência.
Barça, queria dizer que, nos últimos dois anos, todos os filmes que tenho assistido foram de listas que você fez aqui. E 90% são aqueles filmes que dificilmente veria em outros blogs. Não sei o que é, mas todos, todos mesmo, são filmes excelentes (a última pedrada na cabeça foi “They Shoot Horses, Don’t They?”). Meu computador tá lotado de filme. E quero te fazer uma pergunta: quem são as pessoas que te influenciaram a pesquisar e apreciar o bom cinema, além do citado Reichenbach.
Abraço.
Legal que vc tem curtido os filmes. O do Pollack é realmente do outro mundo. Sobre influências, acho que um adolescente que tem a sorte de ter pais que gostam de cinema e buscam filmes “diferentes”, tem uma boa chance de ficar viciado em cinema. Dei a sorte de crescer numa época em que havia muitos cineclubes exibindo filmes antigos, deu para ver os grandes filmes em tela grande, o que faz toda a diferença.
Também tive sorte. Meu pai e dois tios me mostraram desde criança músicas, filmes e livros de rachar. Filmes como Os Brutos Também Amam, Spartacus, Ben Hur, Sete Homens e Um Destino. O engraçado é que não me lembro se eram dublados ou legendados (no vhs, claro). Mas hoje, adulto (27 anos), ainda aprendo sobre filmes. Suas listas tem os mais obscuros. Baixei todos os da paranoia (só conhecia A Conversação e Todos os homens do presidente). E imagino a viagem que deve ser assistir Koyaanisqatsi na telona.
Chance de ter um especial no Canal Brasil?
Carlão, além de muito amar e entender o cinema, foi o cineasta brasileiro que mais amou e entendeu as mulheres. Ou quis entender – o que dá na mesma. Principalmente as mulheres pobres, as operárias e as de classe média baixa. Isso sem paternalismo, sem fazer média, mas com respeito e amor sinceros. Tristeza, nosso cinema sem o Carlão.
Carlão, além de muito amar e entender o cinema, foi o cineasta brasileiro que mais amou e entendeu as mulheres. Ou quis entender – o que dá na mesma. Principalmente as mulheres pobres, as operárias e as de classe média baixa. Isso sem paternalismo, sem fazer média, mas com amor e respeito sinceros. Tristeza, nosso cinema sem o Carlão.
amigos… se interessar:
http://www.cult22.com/blog/2012/carlos-reichenbach-1945-2012/
Valeu mesmo. Muito boa a história sobre a nuca do George C. Scott.
o cinema nacional fica um pouco mais careta ( coxinha) com a perda do Carlão.
André, não sei se é impressão minha, mas o Reichenbach tá a cara do Francis Ford Coppola nesta foto!!!!
E um cineasta-cinéfilo fará ainda mais falta num cinema dominado por “publicitários” e pela estética global como o nosso atual!!!!
Verdade, é difícil falar sobre cinema com um monte de cineastas, os caras não viram nada, não conhecem nada além do feijão com arroz. Carlão era ouro nível.
Essas duas semanas foram f***. RIP Carlão, amigão de longa data do mestre Inácio Araujo.
Carlão, vai em paz, irmão! Missão dada, missão cumprida. Tua obra e teu amor pelo cinema ficarão marcados para sempre como exemplo àqueles que também amam a sétima arte. Agora é fazer filmes ai do outro lado. Abraço.
Eu gostaria que um grande FDP, um só ao menos, morresse de quando em quando. Mas parece que essa raça vive, em média, 100 anos.
Triste.
Que notícia terrível… Tive um brevíssimo contato com o Carlão e o considerava uma figura ímpar. Talvez o maior “cineasta-cinéfilo”do Brasil. Aprendi muito sobre cinema extremo e marginal com suas maravilhosas exibições de filmes malditos e os textos sempre apaixonados. Além de tudo, era um gentleman. Vai fazer uma falta enorme.
cineasta-cinéfilo. é perfeito. belo comentário.
Quem diz que o Brasil nunca teve uma indústria de cinema não sabe o que diz. Carlão e seus comparsas da Boca foram heróis de um cinema off-Embrafilme. Para mim, o melhor e mais ousado cinema que se fez no país.
O que o Lessa diria dessa tua frase??
carlos reichenbach foi o artista mais apaixonado & apaixonante de eu tive a sorte de conhecer pessoalmente. ao mesmo tempo doce e incendiário.