Quem explica a decadência do cinema?
29/06/12 07:05
Que as artes estão em crise, ninguém discute.
Não conheço ninguém que diga que o cinema, a música e a literatura estão melhores hoje do que há 30, 40 ou 50 anos.
Vejo pelo que consumimos aqui em casa: tirando filmes, CDs e livros recentes, que preciso conhecer por obrigação profissional, quase tudo que vemos, ouvimos e lemos tem pelo menos 30 anos de idade.
No caso do cinema, arte mais cara do mundo e certamente a mais “escrava” da indústria e do mercado, o caso é ainda mais sério.
Essa semana , revi “The Last Wave”, um thriller dirigido em 1977 pelo australiano Peter Weir.
O filme é mais inventivo e experimental do que qualquer coisa nova que eu tenha visto recentemente.
Claro que a decadência das artes – e do cinema em especial – é um tema complexo e que vem sendo discutido há um tempão.
Gostaria de colaborar com a discussão citando uma teoria que, se não explica totalmente esta decadência, certamente contribui muito para ela.
A primeira vez que essa idéia me chamou a atenção foi há quase 20 anos, quando meu amigo Ivan Finotti e eu fazíamos entrevistas para a biografia de José Mojica Marins.
Um dos entrevistados era Virgilio Roveda, o “Gaúcho”, conhecido fotógrafo e assistente de câmera, que trabalhou por muitos anos na Boca do Lixo.
No meio do papo, alguém lembrou uma cena particularmente complexa que Gaúcho havia ajudado a rodar na Boca (não consigo lembrar de que filme era, só lembro que envolvia um plano-sequência longo e complicado). Perguntei a Gaúcho por que eles haviam filmado a cena daquela maneira e não de uma forma mais simples.
“Naquela época, a gente podia fazer o que quisesse”, respondeu Gaúcho. “Se o diretor entregasse o filme no prazo e dentro do orçamento, o produtor não queria nem saber como ele tinha feito. E tem mais: a gente nunca achava que alguém ia ver o filme depois do lançamento em cinema, não existia essa coisa de VHS.”
Faz todo sentido: filmes eram feitos para cinema. Ninguém achava que o filme seria visto e depois revisto em VHS, laserdisc, DVD, Blu-ray, TV a cabo, Netflix, Internet, etc.
Filmes eram produzidos com um único objetivo: estrear numa sala e arrecadar na bilheteria. Uma vez que o espectador tivesse comprado o ingresso, a batalha estava ganha.
O depoimento de Gaúcho me fez pensar em como as mudanças no mercado têm colaborado para restringir a liberdade criativa do cinema.
Foi no meio dos anos 70 que Hollywood começou a usar, com mais freqüência, testes com público e pesquisas para decidir como fazer filmes (quem quiser se aprofundar no tema, sugiro ler “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Salvou Hollywood”, de Peter Biskind).
Depois, os estúdios perceberam o potencial do lançamento em VHS e da venda de filmes para TV. Filmes passaram a seguira uma certa “fórmula”, com roteiros claramente pensados para obedecer até aos intervalos para os comerciais de TV.
O mercado, que antes consumia cinema, passou a ditar a maneira como este deveria ser feito.
Hoje, o cinema é feito por encomenda. Estúdios investem em produtos de retorno garantido: adaptações de HQs e séries de TV, refilmagens, filmes que copiam outros filmes, com os mesmo atores, a mesma música, o mesmo estilo. No Brasil, a nova moda são comédias de estilo televisivo.
Até o chamado “cinema alternativo” sofre com isso. É só ver o fenômeno da globalização dos filmes de arte para comprovar.
Hoje, se você tirar o som de um filme argentino, por exemplo, é impossível diferenciá-lo de um filme francês ou de um sueco. Todos se parecem. A fotografia obedece à mesma estética publicitária “clean”.
As diferenças estéticas do cinema de cada país, antes tão evidentes, foram quase banidas, em prol de uma assepsia global. O cinema virou um grande saguão de aeroporto, igual em toda parte.
Até os anos 70, ir ao cinema era uma coisa especial. Você via um filme sem saber se teria chance de revê-lo. O cinema causava deslumbramento e um senso de descoberta, que foi se perdendo ao longo dos anos, com a padronização do cinema e a crescente banalização do acesso aos filmes.
Ninguém está dizendo que o acesso fácil e barato, como temos hoje, é uma coisa ruim. Claro que é fantástico dar dois cliques no mouse e baixar a obra completa de Bergman ou Kurosawa.
O ponto é outro: desde que filmes deixaram de ser feitos só para salas de cinema, algo mudou neles. E não foi para melhor.
André, pensei nisso terça-feira quando assisti ao filme Patton. Tinha o visto pela última vez há uns dez anos e achado sensacional. Mas agora, só conseguia pensar na enorme diferença de qualidade dos filmes da época para os de hoje. Ali, os realizadores (diretores, roteiristas, produtores, etc.), apesar de lidarem com puro entretenimento, tinham um verdadeiro respeito pela inteligência de seu público. Recentemente vi “Prometheus” no cinema, cheio de clichês, furos no roteiro, diálogos cretinos e situações descabidas. Saí de lá matutando: “é isso mesmo que esses caras pensam do público? Será que pensam que somos tão idiotas assim?” Mas aí eu leio que o filme está sendo um sucesso de bilheteria, sairá em bluray com vinte minutos a mais (estratégia cara de pau pra vender) e renderá a inevitável continuação. Se os caras estão lucrando tanto com a mediocrização geral, vão mudar pra quê?
Concordo com você. Antigamente existia uma expectativa em ir ao cinema. Hoje em dia é comum as pessoas dizerem: “ah… vou esperar chegar na TV a Cabo ou em Blu-Ray”. Sem contar esse fato de que hoje um filme precisa vender um monte de quinquilharia.
Eu tenho uma outra teoria também: hoje nas artes, citando cinema e música principalmente, parece que existe uma preocupação maior com a quantidade do que qualidade. Eu não tenho esses dados e posso estar apenas viajando, mas quantos filmes eram feitos a 30, 40 atrás? E discos lançados? E quantos são hoje em dia?
Outra coisa que também é importante lembrar é que o volume de produção de filmes hoje é muito maior do que há 20, 30, 50 anos. A tecnologia facilitou, o dinheiro cresceu, a profissionalização (para o bem ou para o mal) tomou conta e o resultado é o aumento da amostra, e consequentemente, o aumento da probabilidade de sair o que não presta. Como já falaram aqui nos comentários, garimpando a gente ainda acha coisa interessante, e posso citar pelo menos 5 ou 10 filmes nos últimos 5 ou 10 anos que pra mim são grandes filmes, embora na minha lista de top ten de todos os tempos talvez não conste nenhum desses, ou no máximo um.
E por fim, não necessariamente blockbuster vai ser sempre igual a filme ruim.
Estranho que a tecnologia deveria facilitar (ainda mais) os artistas a produzir obras diferentes e independentes.
Não é mesmo? Mas com mais gente tendo acesso a ela, caímos naquela questão (que já está ficando velha também) do “até que ponto a inclusão digital é válida” – quer dizer, justamente a facilidade do acesso à tecnologia, e os meios de produção tecnológica nas mãos de quem não vai, necessariamente, fazer um uso inteligente/criativo dela.
Agora corrigido (rsrsrs):
Concordo com o que nos diz o post. O mercado delimita a arte. Mas se assim o faz, há consumidores de tal “produto”. Recordo um texto a partir de uma entrevista com o Renato Teixeira e tomo a liberdade de parafrasear. As artes não mentem. Se a sociedade está voltada quase que exclusivamente ao mercado, torna-se lógico que as artes serão o espelho disto. Não há como pedir outra coisa, algo mais significativo, de uma sociedade culturamente rasa. Ela só “produzirá” e “consumirá” arte rasa. Salvo raras exceções.
Os homens vão sempre precisar de arte pra entender seu tempo. Nos últimos tempos, esse cinema todos nós amamos é algo que não se encaixa no modo que vivemos – afinal, que coisa é essa de pagar 20 reais pra ficar 2 horas sentado no escuro com o celular desligado, né?
Acho que o que chamamos de cinema (o longa metragem de ficção de 2 horas, apesar d’ eu achar que cinema é muito mais do que isso) ainda vai mudar muito em seu conteúdo até descobrir seu lugar nesse mundo maluco de hoje. Podemos lamentar, ter nostalgia das coisas maravilhosas que foram feitas, mas o que vamos fazer, mudar o mundo?
Acho que os artistas vão sempre dar um jeito de fazer coisas boas, no suporte que for.
Que lindo comentário, George, concordo com cada palavra sua.
Ótimo comentário.
“As diferenças estéticas do cinema de cada país, antes tão evidentes, foram quase banidas, em prol de uma assepsia global. O cinema virou um grande saguão de aeroporto, igual em toda parte.”
Isso pra mim “resume” a sociedade hoje em dia. Vivemos na era higienização global. Na TV, nos cinemas, nos estádios de futebol, nas ruas. Não sei se pode se falar em “Fascismo”, mas é algo bem perto disso.
Higienização… Higienópolis… pessoas diferenciadas… cada dia que passa o Mundo invade mais nossas ruas… nossas casas. O termo cosmopolita em breve cairá em desuso, devido a “média de fazer média” para que sejamos iguais… mesmo com nossas diferenças. Claro… menos no Higienópolis…
A minha teoria é muito triste e, de certa forma, preconceituosa. Quando o ensino público atingia poucas pessoas, ele era de qualidade; na década de 70, as rádios FM tocavam música realmente boa. Com sua popularização, vimos o que aconteceu. A mesma coisa aconteceu com o rádio e a TV anos antes. Com a ascenção da CLASSE C hoje em dia, todos estão procurando seduzi-los e, para isto, abaixando o padrão. Então, o problema das artes em geral é que buscando atingir uma camada da população menos intelectualizada (claro, em busca de faturamento), o nível está tendo que ser rebaixado. A alternativa? Não sei.
preconceituoso mesmo, hein, Willian? antes de falar uma bobagem dessa era bom pelo menos não escrever que nem, na sua opinião, é essa sua classe c-estraga arte… ascenção com ç é dose.
É caso para se lembrar o que dizia Paulo Francis, não necessariamente sobre o Cinema: “Dizem que nunca houve tantos iletrados como agora. É um erro. Nunca houve tanta gente letrada. A diferença é que agora os iletrados é que decidem o mercado”. Claro que por iletrado pode se entender muita coisa, indo além do sentido social e educacional, mas chegando também ao sentido etário, uma vez que 90% do que estréia nos cinemas é feito para o publico adolescente – ou mentalmente adolescente. Recentemente assisti – obrigado por uma garota – ao filme Thor. Perguntava-me a todo instante qual seria o destino comercial de um filme daqueles na época de Billy Wilder, Alfred Hitchcock, Orson Wells, Michael Curtiz, etc. Provavelmente passaria só em cinemas de bairro, com público formado por crianças de 12 anos, antecedido por um episódio de Lone Ranger, ou Os perigos de Nyoka. Mas hoje, é a creme de la creme do cinema.
A verdade é uma só: O Capitalismo venceu. Nada que um dia foi chamado de arte não possui hoje sua versão capitalista. O Artista é uma criatura em completo estágio de extinção e quando surge é visto como alguém tão estranho e excêntrico que imediatamente é colocado à margem da sociedade. Como alguém que não se importa com lucro nenhum e não se importa se sua arte será lucrativa ou não pode ser considerado normal aos olhos da sociedade, que atrela cada vez mais o sucesso ao ganho financeiro. Aquele cineasta que antes só se importava em expressar suas reais e mais profundas emoções, mesmo correndo o risco de ir à falência, hoje é uma pessoa que jamais receberá dinheiro com facilidade, pois se qualquer patrocinador verificar que o projeto possivelmente não dará retorno a verba lhe será negada.
É claro que muito artistas foram lucrativos e bem sucedidos em vida, mas hoje é mais difícil de ocorrer, pois a Indústria ganhou um tamanho tão grande que essas ambições são sufocadas imediatamente, sobrando pouca coisa para a verdadeira arte.
Concordo com você. Quando temos em nossa mente que dinheiro é consequência e não objetivo, tudo ocorre de uma maneira bem mais autêntica e fiel.
Barça, você já leu o livro chamado Cinema Mundial Contemporaneo? Vi numa livraria, folhei mas depois não achei mais.
Não conheço, sobre o que é?
Não tenho certeza, mas acho que é sobre cinema contemporâneo mundial.
(desculpa, não resisti)
As piadinhas mais simples são as melhores! Eu ri!
Bom, só dei uma olhada mas parece que falava do cinema a partir dos anos 90 . Separava em alguns tópicos tipo, cinema coreano, iraniano e também sobre os diretores que foram surgindo.
cada vez mais chato….tá deprimente o blog….lembro dos tempos aureos quando eu tinha empolgação para vir aqui…..agora ta tudo muito “chapa branca”…..Lamentável
Vc tem alguma idéia do que quer dizer “chapa branca”?
Uai, André, o texto é claramente governista…rs
Chapa branca não é carro de oficial? (risos)
Bom texto, concordo totalmente. Na música até dá pra garimpar algumas coisas mais recentes, mas no cinema tá ficando difícil….cinemão de Hollywood, falta de criatividade, cinema independente cada vez menos independente…enfim, tenho visto cada dia mais filmes antigos e a tendência é piorar. Esses dias vi Encurralado (Spielberg), de 71 e o filme não tem uma gota de sangue, monstros ou o que for. E mesmo assim é mais assustador que qualquer terrorzinho feito hj em dia.
Convenhamos: esse filme é uma merda também…
Muito boa sua análise, André. Na minha opinião, o grande problema, principalmente do chamado “cinemão”, é que os estúdios estão tomados por homens de negócio, e não por homens de cinema. Veja, o cinema de autor sempre foi exceção em Hollywood. No entanto, se pegarmos os chefes de estúdio das décadas de ouro do cinema americano, vamos ver que quase todos entendiam muito de cinema, contratavam grandes roteiristas (Faulkner, Hammett, Ed Mcbain, Dalton Trumbo) e dispunham de diretores absolutamente fantásticos para comandarem seus filmes. Hoje, qualquer vendedor de cerveja dá palpite em um filme de médio orçamento.
André, na minha opinião, a arte só esta indo de encontro ao que o público pede. Não que o público esteja emburrecendo, não é isso. As referências é que se perderam. Hoje, a mulecada se sente influenciada, por exemplo, por Tarantino. Mas não busca o que influenciou o próprio. Acredito que seja uma preguiça coletiva….o público não se esforça e os realizadores menos ainda. Abraço!
Olha Barça, nem vou entrar na discussão de que filmes feitos hoje são inferiores ao cinema feito nas décadas passadas pois não tenho conhecimento pra isso, realmente assisto pouquíssimos filmes anteriores a década de 70. Mas gostaria de deixar uma pergunta, imaginando que nas décadas de 30,40,50 e 60 existissem os recursos tecnológicos e comerciais que existem hoje, você acha que “Casablanca”, ou “E o vento Levou” teriam o mesmo impacto se comparados com os lançamentos feitos na época? Eu acho que seriam muito, mas muito mais conhecidos do que já são, e teriam gerado muito mais grana.
Talvez tudo esteja deixando de ser arte e se tornando só um negócio. E em negócios o que conta são os números. Pretty sad!
Pra quem quiser ver uma entrevista com o Barça…:
http://www.youtube.com/watch?v=KAh0cLnibDU
Bom dia! Barza!!! sou grande fã seu e do blog… hoje tá muito pertinente esse texto, porque nisso faz pensar em toda a produção de arte que se faz hoje.
Terminei mês passado o livro “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock’n’Roll Salvou Hollywood”. É fantástico, vou assistir ou rever todos os filmes citados ali. Realmente quando empresários de fora do meio cinematográfico perceberam que podiam lucrar muito com o marketing em cima dos filmes, a coisa se perdeu. E segue assim até os dias de hoje. Triste.
Livro mais do que fundamental para quem gosta de cinema! Estou nesse mesmo processo, revendo os filmes abordados no livro! Impossível não imaginar toda a produção, direção, etc, de qualquer filme após ler esse livro. A partir dele estou tendo uma outra visão de cinema. Graças ao Barcinski, tenho uma imensa lista de filmes a serem vistos e revistos, além de alguns livros aguardando na fila.
Esse texto me fez lembrar o filme Boogie Nights quando o personagem do Burt Reynolds tenta em vão ir contra a indústria do VHS.
Passou ontem e vai passar segunda. Meu post de segunda é sobre o Paul Thomas Anderson.
Tomara que “The Master” confirme minhas expectativas. E que PTA nos brinde com mais um clássico contemporâneo.
Adoro este filme, “Boogie Nights”. E sua observação me leva a uma opinião particular que costumo comentar com amigos. Um outro fator que considero importante para a crise do cinema (concordo com todos do post), é o desaparecimento do produtor “à moda antiga”, aquele mais próximo do filme que dos bancos. Veja quantos produtores tem um filme atual. São vários. Aquela figura do produtor que convivia com diretores, conhecia cinema e tinha opiniões sobre realização, como Robert Evans e Irving Thalberg , não existe mais. Atualmente a produção de um filme, com as exceções dos independentes teimosos, está entregue a um colegiado de executivos, bem distante da realização artística.
É issaê
Como diz um um camarada (em relação a música, mas vale pra outras coisas tbm), “as melhores já estão feitas, cabe a nós encontrá-las”.
Tema interessante. André, eu acho que o problema não é só esse que você apontou. Eu vejo que parte do problema também é essa necessidade de sucesso imediato do filme, os produtores querem uma bilheteria gigantesca logo na estréia, caso contrário o filme é considerado um fracasso. Se perdeu aquela coisa dos anos 70/80 que o filme ia crescendo no boca a boca. Além disso, tem essa coisa execrável do filme ser viável por grupos ou faixa etária, ou seja, eles querem agradar a maioria, e isso prejudica o filme totalmente. E por último, também tem o fato do filme ser uma plataforma de lançamento de outros produtos: livros, brinquedos, camisetas, etc. Levando em conta essas 3 variáveis, os produtores não querem arriscar o dinheiro em filmes mais autorais, experimentais. Concorda? 1 abraço e bom final de semana!
Barza, buenos dias. Cara, fazendo também um paralelo com a música em relação a qualidade que a mesma fora perdendo em relação aos tempos. Citando mais especificamente o rock e suas vertentes. Lembra quando os Beatles começaram a fazer cds “só para estúdio” e por conseguinte, reduziram suas apresentações ao vivo? Não seria o rock ideal para apresentações em público, divulgação ao vivo do trabalho, visto que é o ritmo mais popular (que mais é solicitado/vendido) do mundo? Esta mudança de músicas para ouvir prestando atenção ao invés de curtir (não que não prestemos atenção também) nos shows não tem algo a ver? O fazer de músicas também com uma forma certa para tocar no rádio, TV e ser impressa em alguma mídia, também não contribuiu para a decadência de nosso estilo favorito? Eu penso que sim…
Barcinski, seu artigo me fez lembrar uma entrevista marcante que assisti com o Rubens Ewald Filho. Ele começa do mesmo ponto que voce aborda aqui: a queda na qualidade dos filmes em geral em nome de torna-lo um produto mais apelativo ao grande publico. Dai ele faz uma auto-critica que eu raramente vi alguem fazer, ele reconhece que so’ foi capaz de sobreviver como critico profissional porque tambem acompanhou esta “tendencia” em seus textos, ou seja, o publico estava exigindo cada vez mais textos mais simples de ler, e ele deu uma “relaxada” nos textos. Uma pena, mas pelo menos alguns sao capazes de enxergar o processo.
Barça, os “projetos” de filmes financiados pela Lei Rouanet… dão lucro? o povo tem acesso a essa arte bancada por ele próprio?
Excelente comentário!
Barcinski
igualmente me impressiono como Hollywood antigamente tratava de temas adultos mesmo nos filmes ditos comerciais. Basta ver o exemplo de The Apartment ou The Graduate.
Excelente comentário, Andre. Creio, como você, que, de fato, o problema do cinema atual seja essa adequação a formatos universais. Podemos até extrapolar esse problema para as outras artes: a literatura, hoje, precisa ser “decupada” para já caber certinho em um roteiro de um filme de duração X, ou uma trilogia, etc., com obras como “A montanha mágica”, de Thomas Mann, ou “O idiota”, de Dostoievsky, por exemplo, completamente inviáveis e já inconcebíveis para novas gerações de leitores e autores, já empapados nesse novo mundo de mídias cruzadas, sem especificidade ou riqueza. As artes possuem especificidades que não podem ser destruídas pela padronização de tipos publicitariamente viáveis; enquanto essa visão de cinema como produto de marketing (uma peça dentro de uma estrutura gigante que comporta de bonecos baseados no filme a adaptações em outras mídias), uma engrenagem impulsionadora de vendas, menos e menos filmes interessantes existirão…
Sem dúvida. O exemplo pode ser estendido à música, à literatura, a tudo. Quem, hoje, lê um livro de 500, 600 páginas? Quem ouve um disco inteiro?
O que é bastante paradoxal, uma vez que a tecnologia permite liberdade para cada um criar como quiser, sem amarras, não é? Ficamos mais livres e mais… conservadores? Uma coisa é certa: quanto mais uniformidade e padronização, mais fácil é o controle e a manipulação.
Aproveito a deixa para dizer que o melhor livro que lí este ano tem 1125 paginas.2666. Achei num sebo,capa dura,edição espanhola, novinho,por 30 reais…
Alguém ganhou e evidentemente nem começou a ler,não é realmente fácil começar,mas a recompensa é grande.
Mas quem lê uma coisa dessas,tirando alguns malucos? Quem lançaria uma edição dessas aqui?Eu não. As pessoas querem recompensa imediata e partir para a próxima.
Uma vez Paulo Francis disse que tentou ler os Grandes Russos pulando aquelas partes chatas,mas sem conseguir,voce deve passar por elas para desfrutar a obra.
Prazeres ligeiros é o móte,e as pessoas são treinadas para isso.Nem tudo é uma merda,mas a maioria do que se faz em arte tá bem raso.
Parabéns , aqui sempre tem material legal para reflexão.
Olha, esse Bolaño, confesso que não me empolgou. E eu adoro o cara, acho Detetives Selvagens uma obra-prima, mas 1200 páginas, passei. Fiz besteira?
Das grandes.
Sobre a quantidade de páginas lidas eu nao concordo nao. Eu tomo pelo que vejo nos metrôs e ônibus. Harry Potter, a trilogia daquele sueco lá, os livros policiais, os romances históricos. Tudo bem eu vivo na Alemanha, mas pelo que eu percebo a internet é um mundo majoritariamente da palavra escrita, nao ? Acho que se lê livros de 600 páginas sim, só nao sao os mesmos de antes. Sao outros. Quanto ao Bolano, “Detetives selvagens” é uma obra prima. 2666″ está na minha lista junto com outros catataus. rsrsrs
Achei 2666 melhor que detetives selvagens.
É grande mesmo, mas é absurdamente bom, quando acaba parece que você leu uns cinco livros, embora a história seja, claramente, uma só.
Vou ver se me animo…
Quem hoje lê um livro de 600 páginas? Muita gente, a ver pelos Harry Potters da vida. Já viu o tamanho de cada livro do Game of Thrones? Dava pra usar como contenção de porta, e, mesmo assim, esses livros são vendidos como água. O lance não é o número de páginas, mas exatamente o que o Al Diniz abordou (de forma brilhante, aliás): pasteurizou-se a literatura. Os novos títulos são catataus de 1000 páginas que, a rigor, não apresentam nada de muito diferente entre uns e outros.
Realmente, Elaine, essa foi a ideia que eu achei muito bacana no texto do Andre: como a padronização afeta a arte, transformando tudo em uma espécie de máquina canibal de venda de produtos diversos (a coisa começa em um livro/HQ de sucesso e termina em uma lancheira para as crianças com a imagem do filme/livro de sucesso). Um bom romance ou conto não pode ser entendido nesses termos: possui uma convivência única com a linguagem, uma forma de tratar o tempo/espaço, etc., que faz a leitura um descobrimento de um continente. As adaptações do passado não deixavam de levar essa riqueza em conta, ainda wue fosse para alterá-la radicalmente: vi esses dias “Island of Lost Souls”, adaptação de “A ilha do Dr. Moureau” de H. G. Wells, que é criativa, ofensiva, destrutiva (em relação ao original) e sagaz, sem se limitar ao texto de forma literal (o que seria estúpido e inviável). Quanto ao 2666, realmente é uma obra-prima.
E nao caso de filmes antes o máximo era uma trilogia. Hoje os filmes de sucesso tem geralmente mais de 3 sequencias, sem contar os prequels e reboots. E sem densidade nenhuma
André Barcinski, vc é o cara! parabéns, foi a melhor coisa que li sobre a decadência do cinema até hoje. seu texto são como um direto do Sugar Ray Robison, simples, direto, mas com classe. Queria ler algo assim sobre a música e quadrinhos.
pois é, barza. na aldeia global não existe mais mistério. nada a ser desvendado.