Um encontro marcado com a Boca do Lixo
11/07/12 07:05
Começou ontem e vai até 5 de agosto na Cinemateca Brasileira (São Paulo) a mostra “A Boca em Roterdã”, com uma seleção de filmes rodados na Boca do Lixo entre 1960 e 1980 e que foram exibidos este ano no Festival de Roterdã, na Holanda (veja a programação aqui).
É uma ótima oportunidade para conhecer um dos períodos mais interessantes – e pouco falados – do cinema brasileiro.
A Boca do Lixo fica no Centro de São Paulo, próximo à Estação da Luz. Desde os anos 20, muitas distribuidoras e produtoras de filmes se estabeleceram ali, por causa da proximidade da Luz e da antiga rodoviária, de onde os filmes eram enviados para todo o país.
A partir dos anos 60, a Boca começou a se firmar como um pólo de produção de filmes baratos e inventivos, que iam na contramão do cinema “oficial” bancado pelo INC e, posteriormente, pela Embrafilme.
Muitos jovens diretores, sem esperanças de obter financiamento do Estado, chegaram à Boca com o sonho de fazer cinema: Rogerio Sganzerla, Andrea Tonacci, Carlão Reichenbach, Jairo Ferreira, entre outros.
A esses, se juntaram cineastas mais tarimbados, como Ozualdo Candeias, Luis Sergio Person e José Mojica Marins.
A Boca era uma bagunça. O cinema da Boca era tão variado que fica difícil falar em um padrão estético comum.
Havia diretores geniais misturados a trambiqueiros; filmes maravilhosos lançados junto a porcarias. Havia faroestes, policiais, pornochanchadas, sátiras políticas, comédias, sexo explícito, tudo no mesmo balaio.
Mas na Boca havia uma grande liberdade criativa, certamente devido à ausência da mão do Estado.
Esta retrospectiva traz alguns grandes filmes. Recomendo “A Margem” (1967), o delírio surrealista de Candeias; “O Despertar da Besta” (1969), o maior filme de José Mojica Marins, verdadeira obra-prima da velhacaria e que faria Samuel Fuller orgulhoso.
Não dá para perder também “O Bandido da Luz Vermelha” (1968), de Sganzerla, “O Pornógrafo” (1970), de João Callegaro, e “Lilian M – Relatório Confidencial” (1975), de Carlão Reichenbach.
Na verdade, vale a pena assistir a tudo. É tão raro ter chance de ver, na tela grande, os filmes de Jairo Ferreira, João Silvério Trevisan e Alfredo Sternheim, que esta mostra torna-se imperdível.
P.S.: Quarta e quinta, estarei com acesso limitado à Internet. Por isso, a moderação dos comentários pode demorar. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas.
Bah, sou louco pela produção e história da Boca do Lixo. Não foram apenas pornochanchadas que foram produzidas ali. Alguns filmes “artísticos” também tiveram a região como berço. Era cinema pra gente que pegava ônibus assistir, não era para os intelectuais.
Oi André. A mostra da Boca do Lixo em Roterdã foi esse ano, em 2012! Abraços.
Obrigado, vou corrigir, achei que tinha sido em 2011.
Tô elndo uma livro que vc já indicou no blog, Como a geração sexo, drogas e rock… mudou Hollywood. Muito bom, mesmo.
Houve um tempo que filmes feitos para adultos não eram os mesmo que para crianças. ao contrário da infantilização dos tempos atuais.
André, não é por me citar no texto (o que me envaidece) que escrevo, mas parabenizar por estar colaborando de forma precisa pelo resgate do Cinema da Boca. Principalmente quando lembra a diversidade alí existente eo apontar o lamentável texto da Ministra sobre o querido Carlão. Finalmente a visão predatória e preconceituosa sobre o cinema da Boca (que se autosustentava) está sendo diluida por textos brilhantes e analíticos como os teus, por sites como os da Revista Zingu e Estranho Encontro, por alguns livros como o meu (Cinema da Boca- Dicionário de Diretgores) e o de Nuno Abreu (O Olhar Pornô) e pela Retrospectiva de Roterdã . Abraços
Pô, Alfredo, muito legal te ver por aqui. Você, que viveu o Cinema da Boca intensamente, sabe da importância que a Boca teve não só no campo estético, mas de contraposição a uma política pública predatória para o cinema brasileiro. É uma história muito bonita e que merece ser mais conhecida. Abração.
Barça, se você curte a Boca do Lixo vai adorar “As melhores histórias do Corrosivo Coletivo”. Já enviei seu exemplar!
Minha visão do cinema brasileiro não é das mais positivas, mas eu admito um certo preconceito, pois não vi ainda grande parte dos filmes considerados essenciais. Da Boca do Lixo então não conheço quase nada, tenho apenas os VHS do Zé do Caixão (gosto muito) e DVDs do Sganzerla (recentemente comprados e ainda não vistos). Como moro no interior de Minas e ando assoberbado de trabalho, não tenho tido muito tempo para viajar. Portanto, Barcinski, devido à sua insistência em escrever sobre a Boca do Lixo e visto que eu já peguei dicas incríveis aqui no blog, resolvi comprar aqueles 6 box do Cinema Marginal brasileiro. vou arrumar tempo para conhecer. Você acha que é mesmo a melhor opção para mim ou há algo mais que eu possa fazer para conhecer essa parte do cinema nacional? Quem sabe você não lista aqui no blog os 20 melhores filmes brasileiros de todos os tempos na sua opinião?
Já fiz um post com meus filmes brasileiros prediletos, dá pra achar na web. Sobre a caixa do Cinema Marginal, é uma bela compra, mas, se não me engano, não tem alguns dos principais títulos (A Margem, Bandido, etc.). Certo?
Não tem nada a ver com cinema, mas acabei de receber pelos correios uma dica sua, o extraordinário “Live at the Hamburg”, do Jerry Lee Lewis. Apesar de ter algumas coisas dele, eu não conhecia esse disco. É um absurdo de bom, merece mesmo estar entre os dez maiores ao vivo de todos os tempos. Eu não sei se você ainda gosta de ouvir LPs, mas a versão que chegou para mim é em vinil, da Bear Family Records, caprichadíssima.
Em vinil é melhor ainda.
Barça, só uma dúvida: agora, para ler seu blog (e outros da Folha), tem que ter cadastro? O acesso tá mais restrito…
Tem sim, todo o conteúdo da Folha, já faz uns 20 dias…
Pode ter sido pouco falado na época, 10 anos atrás, talvez, mas de 5 anos pra cá só se fala em Boca do Lixo.
Estou certo que é o ‘movimento’ cinematográfico brasileiro mais comentado do século XXI, Cinema Novo não chega nem a segundo lugar, tomado pela nova produção [Cidade de Deus e Tropa de Elite].
Batido até não poder mais, dizer que é ‘relegado’, a Boca do Lixo. O que, claro, não tira a importância da coisa, e de falar sobre, só uma crítica a essa visão que corrobora quase o desconhecimento da ministra sobre.
Vc acha? Sinceramente, tirando mostras como essa de Roterdã, e o lançamento da caixa d DVDs de Cinema Marginal, não tenho visto tanta coisa assim sobre o período.
Que pena. Hoje passará “A Margem”. Você fala tão bem desse filme que fiquei curioso, mas o trabalho impede por eu sair as 18:30.
Mas amanhã terá filmes legais. Tentarei ir.
Off: Barça, sabe aonde tem lugares para vender os filmes do Mojica? Já vi muitos filmes dele e a compra acho ser uma forma de agradecimento. O complicado é encontrar algo, até mesmo o último lançado.
Daniel, um lugar em que, com certeza, você encontra os filmes do Mojica é uma loja de fachada amarela, conhecida como “loja dos bolivianos”, que fica na Rua Capitão Salomão, entre o Largo Paissandu e a Praça do Correio. Garanto que lá tem os seis da coleção Zé do Caixão a 10 paus cada!! E o “Encarnação do Demônio”, vc acha nas lojas americanas (R. Direita tem uma) E não deixe de conhecer os outros filmes da loja. Tem muitos clássicos e obras primas por 15,00! Imperdível
Boa dica. Nas Lojas Americanas tb tinha.
Olha só que coisa, passo sempre por essa região – principalmente da São Bento e República – e nunca andei por essa rua. No fim de semana tentarei passar por lá.
Obrigado pela ajuda Carlos e Barça também. Fico devendo o favor 🙂 .
Foi a partir daí que começou a inexorável decadência do cinema nacional. A “Boca do Lixo” era o que o próprio nome dizia – um lixo – apesar das louvações dos “çábios” de3 plantão.
Quanta besteira. Alguns dos melhores filmes nacionais foram produzidos na Boca.
Boca do Lixo era a denominação dada à zona de baixo meretrício dessa região, em contraste à Boca do Luxo, que era a zona de meretrício nas redondezas da Av.Ipiranga, luxo por causa das boates e pela “catiguria” das moças de vida fácil que lá trabalhavam.
Sobre o post, uma pena que não é tão fácil pra mim aproveitar essas mostras em SP. Gostaria mesmo de ver alguns filmes.
Semi off-topic, acho muito bacana essa sua preocupação de avisar que ficará sem internet e os comentários demorarão a aparecer. Esse é um dos motivos que me faz acessar esse blog diariamente.
1 abraço,
discordo apenas em você chamar Ozualdo Candeias de cineasta mais tarimbado. afinal,
A Margem foi seu primeiro filme. nada obstante, uma obra-prima que deixaria até Buñuel orgulhoso.
complementando, não sei se na mostra vão passar curtas, mas recomendo “A Visita do Velho Senhor”. filme de Candeias premiado na Jornada de Cinema da Bahia em 1976. excelente.
Mas ele já trabalhava na Boca antes.
“A margem” foi o primeiro longa de Candeias. Ele já havia dirigido curtas antes, inclusive filmes institucionais para o governo. Há um sobre a polícia feminina…
será que mandaram convite pra sera ministra?
Barcinski, desde ontem 10-07 até dia 19-07 está em cartaz também no CINUSP, na Cidade Universitária, uma mostra em homenagem ao Carlão. Tem os últimos longas que ele dirigiu (Garotas do ABC, Bens Confiscados, Falsa loura) alguns curtas raros e o mais raro ainda “Filme Demência”, de 85. Tudo grátis. Sessões às 16h e 19h. Abraço
Ótima dica, valeu.