Ruy Castro: "Só escrevo sobre um morto depois que o cadáver vira pó"
12/07/12 07:05
O melhor momento da FLIP de 2012, para mim, foi o debate com Ruy Castro na Casa Folha, que tive a sorte de mediar.
Achei as histórias do Ruy fantásticas. Gostei também de saber mais sobre o processo de pesquisa para seus livros e o rigor com que faz suas entrevistas.
Ruy Castro escreve livros de não-ficção de maneira simples, direta e agradável, sem o didatismo que caracteriza muitas obras biográficas.
Mesmo que você não se interesse pelas carreiras de Garrincha, Carmen Miranda ou Nelson Rodrigues – e acho que até um molusco se interessaria por eles – é possível apreciar os livros pelo drama de seus personagens.
O tema do debate era “jornalismo literário”. E Ruy já começou dizendo que não gosta muito da expressão: “Acho que existe jornalismo bem escrito e jornalismo mal escrito”.
Depois, deu várias cutucadas em Gay Talese, que considera mais “poseur” que jornalista, e lembrou cronistas como Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, que abrilhantavam as páginas dos jornais com textos que uniam informação e talento literário.
Ruy destrinchou seu método de pesquisa para livros: explicou por que se recusa a gravar entrevistas (“inibe o entrevistador”), falou da necessidade de se preparar muito bem para cada entrevista, pesquisando tudo sobre o entrevistado, e contou casos curiosos sobre como a sorte sempre lhe ajudou.
Lembrou um caso sobre a biografia de Garrincha, quando descobriu, depois de estudar as migrações indígenas brasileiras, que o craque era descendente dos índios fulniô, etnia que habitava Pernambuco e Alagoas.
Comentando o caso com um amigo, Ruy quase caiu para trás quando este disse: “Fulniô? Sou amigo do cacique!”
Gosto dos livros de Ruy Castro porque tratam os biografados como pessoas de carne e osso, falíveis e imperfeitas. Não são livros “chapa branca”, como muitos por aí.
Ele contou que recusa vários convites para fazer biografias, quando sente que não terá liberdade para escrever a verdade ou quando o “timing” não é dos melhores.
Citou convites que recusou para fazer livros sobre Tom Jobim e Millôr Fernandes: “Quando alguém morre, imediatamente passa a não ter defeitos, vira uma pessoa perfeita”, disse Ruy. “É preciso esperar não só o cadáver esfriar, mas virar pó, antes de escrever sobre ele.”
No fim da conversa, Ruy disse que estava preparando um livro sobre como escrever biografias. Vou encomendar o meu.
P.S.: Quarta e quinta, estarei com acesso limitado à Internet. Por isso, a moderação dos comentários pode demorar. Se o seu comentário demorar a ser publicado, peço desculpas antecipadamente.
ele é foda. ja precisei ligar pro rui castro qdo trabalhei em jornal pra pedir um contato sobre um entrevistado do Chega de Saudade e o cara é generoso e tranquilo. ele age como se as coisas importantes q ele escreve fossem algo natural. isso explica muita coisa
Eu “viajei” mesmo foi na biografia do Noel Rosa, do Carlos Didier e João Máximo, acho-a imbatível.
Vi ontem por 220 reais no sebo Baratos da Ribeiro, em Copacabana.
a coluna Radiografias, que o Ruy Castro faz na BandFM é imperdível.
André, falando em biografias, aqui do lado, na “banquinha” da Livraria da Folha, está cheia delas: Amy Winehouse, Mick Jagger….
Gosto muito da abordagem das biografias do Ruy Castro; como ele contextualiza com precisão, e como seus biografados são sempre personas cariocas (de nascença ou adoção), seus livros formam um baita painel do Rio no século XX.
Falando de cinema: olha que preciosidade isso aqui, Barça – http://www.youtube.com/watch?v=ki0SMGzTJ20
Abçs.
uma pena que não tenha sido o ruy castro a escrever a biografia do tim maia.
exemplo de biografado desperdiçado pelo subletrado do nelson marmota.
Discordo, não acho que a bio do Síndico foi desperdiçada pelo Nelson Motta, também não acho que teria sido melhor com o Ruy Castro. Além do mais, disse um leitor abaixo que quase se resume a histórias engraçadas, o que não é verdade, tem muitas passagens que chegam a ser deprimentes, como os perrengues do Tim nos States, as brigas com uma das mulheres ou a solidão abissal em várias passagens da sua vida. No geral achei muito boa, gostosa de ler, emocionante, dá vontade de sair ouvindo tudo do Tim depois, recomendo.
André, desculpe fugir do tema do post, mas vai rolar alguma coisa sobre os 50 dos Stones? Tens alguma histórias com os caras, entrevistas, etc?
esse negócio de esperar o morto virar pó também já li o Fernando Moraes dizer. Ele disse que recentemente recebeu uma proposta de biografar o ACM. Perguntado por que não começou o serviço, ele respondeu dizendo que estava esperando o homem morrer primeiro.
Acho que, em uma biografia, a contextualização do lugar e do tempo em que o personagem viveu é tão importante quanto a narração dos fatos diretamente relacionados a ele. Nesse quesito, o livro do João Máximo e do Carlos Didier sobre o Noel Rosa é irrepreensível. Boa parte dele é dedicada a dar uma panorama do RJ dos anos 20 e 30, em especial de sua boemia. Por outro lado, a biografia do Tim Maia escrita pelo Nélson Mota quase que se resume a uma coletânea de histórias engraçadas.
O Ruy é realmente um craque.
Aproveitando seu artigo de ontem, um livro que precisa ser escrito é uma biografia da Boca do Lixo no estilo de “Chega de Saudade”.
Ótima idéia!
O Ruy Castro é muito bom e uma verdadeira enciclopédia musical ambulante, realmente, ainda que discorde sobre algumas opiniões do cara sobre jazz (a mais emblemática sendo “tem distorção, então não presta”).
Estou terminando de ler a autobiografia do Mandela e por melhor que seja, sempre acho que falta um olhar de fora, o tal velho problema das autobiografias de qualquer espécie mesmo.
ajuda qdo o escritor nao é grande fã do biografado. tem um tarugo que saiu sobre o mao tse tung a uns 5vanos, que a autora nao é nem um pouco fã dele, desce o porrete o tempo todo. msm a sua sobre o mojica, apesar do evidente carinho que vc tem por ele, vc nao evita de aliviar as presepadas que ele fez pela vida nao. falando nisso, acho que ele foi um bom biografado nao? pelo menos o livro nao é nem um pouco chapa branca.
Mojica foi difícil, poque tinha uma dificuldade enorme de lembrar datas e informações, muitas vezes dizia uma coisa e depois descobríamos que não era nada daquilo.
André, as palestras da Flip estão disponíves em vídeo na internet? Abraço
Vou ficar te devendo, não sei.
As biografias de Garrincha (Estrela Solitária) e de Nelson Rodrigues (O Anjo Pornográfico), foram publicadas 12 anos após suas mortes. Já faz 18 anos que Tom Jobim morreu. Já não virou pó?
Mas o Ruy fez o Chega de Saudade, acho que seria meio uma repetição fazer uma bio do Jobim, não?
Já leu “Um filme é para sempre”? Não há livro mais bacana sobre cinema. Acho que é o livro que já li mais vezes.
Já sim, é muito bom.
Se não grava, Ruy Castro deve ter uma memória muito boa para lembrar de todos os bons detalhes de uma entrevista que às vezes passa batido.
Ele só anota.
André, sempre adoro ver o Ruy Castro falando sobre seu processo de trabalho. Mas agora tentei encontrá-lo na FLIP e não achei! Qual foi a mesa/dia/lugar. Não achei nenhuma referência à Casa Folha que vc menciona. Pode dar uma dica? Obrigada!
Foi na Casa Folha, sexta, dia 6.
Acho que uma biografia definitiva sobre o Paulo Francis viria a calhar…
Excelente idéia.
Se eu fosse vc, pensaria com carinho no assunto. Maldito é um ótimo livro e já cobre boa parte dessa história.
Só para fechar, a biografia do Philip Norman sobre Lennon também é muito boa. A japa ficou fula da vida com o livro!
É ótima sim. A Yoko topou participar, depois renegou o livro.
Adoro biografias, mas aquelas escritas por Ruy são especiais.
Por falar em biografias, fiquei muito danado com a autobiografia do Tremendão. O cara omitiu MUITA coisa para se autopreservar.
A biografia do Pink Floyd (Inside Out) escrita pelo baterista da banda (Nick Mason) também é boa, mas peca por botar panos quentes em alguns assuntos polêmicos como drogas e sexo nas turnês.
Realmente bem falado, o recém morto sempre é perdoado de todos os defeitos. Costumo dizer que quando o Maluf morrer vai virar herói nacional, ahaha! O Ruy Castro comentou alguma coisa sobre as tentativas de tirar o livro do Garrincha de circulação? Ele também não se preocupa com esse detalhe quando está escrevendo uma biografia? 1 abraço!
André, você ver alguma diferença de biografias escritas por jornalistas e por historiadores?
Acho que depende de quem escreve, sempre. Já vi livros escritos por jornalistas e que são tão chatos e acadêmicos que não consegui terminar.
André, sou admirador e leitor voraz do Rui Castro, concordo tb que a coluna dele na Folha é o melhor para o dia, com certeza (até porque os colegas de pagina, Deus..!! Só mesmo o Cony, que divide o espaço com ele). Ria como bobo com os discos velhos da Carmen que minha avó tinha, que delicia essa mulher (outro dia tive que ler uma besta do apocalipse escrever que a Ivete Sangalo é uma Carmen da modernidade, creeedo!!!), alias, a Carmen esta cada vez mais vanguarda, coisa de louco, e o Rui foi tb um dos primeiros a reconhecer a grandeza como cantora de jazz da Doris Day, quando ela ainda era apenas a maldita virgem (e que cantora ela é, rouba classicos de muitas deusas do jazz autorizado…). Sua biografia da Carmen é muito mais que uma vida, é um fabuloso retrato de um periodo de ouro do cinema norte-americano e da musica brasileira, e ele demoli tb essa idéia jeca de achar que Hollywood destruiu o talento de Carmen, meu Deus, ela é o technicolor!!Existe um problema com a discografia da Carmen no Brasil, as caixas lançadas contem apenas as gravações feitas aqui (dentro de um tambor, possivelmente, não se ouve absolutamente nada, um horror a péssima qualidade das gravações brasileiras nesse periodo, mesmo remasterizadas), a voz de Carmen se perde, qdo adquiri os albuns gravados nos EUA, é impressionante a voz daquela mulher, e como ela se fez completa ali (entendo que como repertório, a fase brasileira é melhor, mas para ouvir Carmen, nada como as edições americanas). Só para terminar, acho “Um filme é para sempre” uma das melhores e mais divertidas coletaneas de textos sobre cinema que ja li, fantastico Rui.
Comparar Carmen Miranda com Ivete Sangalo é mesmo uma barbaridade.
Não gosto nada de Bossa Nova, mas li Chega de Saudade e gostei bastante, mas continuo não gostando desse estilo de música. Li por ser dele. Quanto ao Talese eu discordo completamente dele, pois é um grande escritor e jornalista, gostei muito de tudo que li até hoje.
O Ruy é, realmente, um dos maiores autores de narrativas de vidas. Porém ele tem umas “verdades” muito radicais, como essa que disparou contra o Gay Talese e também a quase ojeriza à expressão ‘jornalismo literário’ – além de ser um pessimista em relação a novos autores do gênero. Contudo, trago comigo um grande pensamento do Ruy, sobre o fazer biográfico – até utilizei na minha tese de graduação. Em entrevista ao Stycer, na ocasião do lançamento de ‘Estrela solitária’, Castro disse que “(…) o objetivo de uma biografia é revelar o ser humano para quem se habituou a só ver o herói e mostrar o herói para quem só teve a chance de conhecer o ser humano…” – eis um desafio para quem pretende, assim como eu, fazer jornalismo sobre personagens (ih, o Ruy não deve gostar dessa expressão também…)
Concordo sobre a preferência em escrever biografias após a pessoa estar “morta e enterrada” – como dizem – ou morta e cremada (risos) como disse o autor. Inclusive já disse isso aqui sobre o David “Crow”…
… fora que dá pra saber o final. Sempre.
Fala Barça! Realmente biografia chapa branca é mesmo broxante… tô lendo a biografia do Dave Grohl, mas tá difícil, chapa branquíssima…ou é o cara que é gente fina demais, vai saber. Uma biografia que eu achei fantástica é o Heavier than Heaven sobre o Kurt, achei muito bem escrita e sem ser chapa branca, você leu este livro? Queria saber sua opinião sobre. Abraço!
Ps:Parabéns ao Palmeiras maior campeão do Brasil!
Li sim, gostei muito do livro sobre o Cobain..
Não disse que era chato? kkk
Achei essa biografia do Kurt Cobain meio chapa branca com a Courtney Love, mas nada que comprometesse. E com relação ao Dave Grohl, ela não pinta o cara como o maior gente fina da face da terra. A biografia a partir das letras escrita pelo Marcelo Orosco também é muito boa, gostei mais até.
É que nem um amigo me falou uma vez: Com uma mulher como a Courtney Love qualquer um se mataria…
Para quem gosta de escrever sobre o passado, fugindo do engessamento dos acadêmicos de história, o Ruy Castro é muito mais que um simples mestre. Seu livro sobre Ipanema, com a citação de um por um dos personagens que fizeram a mítica do bairro, inclusive os vivos, é uma aula !
ah. perdones. outra cousa: sobre o tema biographias & muertos, indico fortemente “a mulher calada” (recém-lançado aqui), um livro-reportagem da janet malcolm sobre sylvia plath, sobre o culto à poeta morta e sobre os times formados ao seu redor (team plath x team ted hughes)
te dizer, barza, pra mim o ruy castro é o último dos moycanos. naquelas páginas de opinião da folha, só dá pra ler a dele… (abrazo pra eliane catanhede e pro zé sarney)
Também gosto do Hélio Schwartsman. Além da opinião, há outras boas colunas: Caligaris, Gaspari, Fernanda Torres, Ferreira Gullar não, adoro as entrevistas, nos textos, o homem é um chato de galocha.
Não podemos esquecer do grande Vladimir Safatle, a maior voz da esquerda no Brasil hoje em dia. Também gosto do Kenneth Maxell.