A grita da "Granta"
17/07/12 07:05
Quase ninguém leu, mas a coletânea “Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros” (Ed. Alfaguara), feita pela importante revista literária inglesa “Granta”, já está dando o que falar.
“Dando o que falar” é exagero. Como tudo que envolve literatura no Brasil, o assunto tem sido debatido intensamente por 13 ou 14 pessoas, no Twitter e em alguma mesa do Baixo Leblon ou da Mercearia São Pedro.
Desde que a “Granta” publicou sua seleção dos 20 escritores brasileiros com menos de 40 anos, a Internet – essa “cloaca de ressentimentos”, como bem definiu Carlos Heitor Cony – tem se agitado (veja a matéria da “Folha” aqui).
De um lado, ficaram os selecionados e seus amigos. De outro, os “excluídos”. O primeiro grupo acusa o segundo de ressentimento. O segundo reclama de supostas “panelas”.
Nem os jurados da “Granta” escaparam. Seus passados e afinidades foram vasculhados pelos Sherlock Holmes da web, com um afinco que nem a CPI tem usado nas investigações de Carlinhos Cachoeira.
“Fulano trabalhou seis meses na editora tal, então É CLARO que iria votar em sicrano, que publica pela editora.”
Alguns dos selecionados rebateram. Um deles chegou a postar, nos comentários do blog de Raquel Cozer, minha colega da “Folha”, um link com comentários elogiosos a seus livros (veja aqui).
Criou-se um cabo de guerra: ou o livro é desancado sem piedade por cronistas do Twitter ou louvado por críticos que mais parecem diplomatas.
Li uma resenha que dizia que todos os 20 contos eram “excelentes”. Como assim? Quem é o autor? Borges? Poe? Trevisan?
É impressionante como qualquer discussão por aqui vira um Fla x Flu. Ou você é tucano ou é petista, ou é privatista ou nacionalista, ou é novidadeiro ou nostálgico. Só existe o preto e o branco, e ai de quem gostar de cinza.
Esse tipo de briguinha só serve para mascarar um fato que, sozinho, já desqualificaria toda a discussão: no mundo real, este que se passa fora das telas dos computadores, quase ninguém se importa com literatura brasileira. Especialmente com a NOVA literatura brasileira.
Estamos num país onde o Veríssimo – O VERÍSSIMO – diz que não vive da venda de livros.
A cena literária brasileira é minúscula. Se um caminhão desgovernado errar uma curva na Vila Madalena e entrar na Mercearia São Pedro, leva metade dessa nova geração de escritores – e uns 70% de seus leitores.
É claro que a iniciativa da “Granta” é ótima. Só alguém muito ignorante ou muito ressentido pode criticar uma coletânea que pretende juntar novos nomes da literatura brasileira.
Aí surgem outras questões: a seleção foi correta? Foi honesta? Privilegiou os amigos de fulano? Eliminou os inimigos de sicrano?
Na verdade, quem se importa?
A coletânea da “Granta” não vai transformar nenhum escritor em gênio. Tampouco vai deslanchar a carreira de ninguém. Essa turma vai precisar ralar.
Da mesma forma, quem não foi publicado também não está condenado ao ostracismo e não deve ver a rejeição como uma sentença de morte ou ficar destilando suas mágoas por aí.
No fundo, isso revela um grande comodismo da tal “cena literária”. Porque ter uma carreira de escritor num país que não lê deve dar um trabalho dos diabos. Bem mais que ficar o dia inteiro xingando no Twitter.
E só para esclarecer: não sou amigo e nem inimigo de nenhum dos 20 selecionados, desejo boa sorte a todos, não inscrevi nada no concurso da “Granta” – até porque, felizmente, já passei dos 40 – e gastei meu suado dinheirinho – trinta e quatro reais e noventa centavos – para comprar o livro. Podem poupar os xingamentos no Twitter.
E Tom Jobim mandou essa: “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”.
Grande Tom Jobim!
Eu gosto de preto, branco, cinza…. e amarelo. Gosto da literatura latino americana e confesso não ter sentido entusiasmo na literatura brasileira atual, por isso, desejo, por mim, por quem lê, por quem escreve, boa sorte aos escritores brasileiros….
È parece piada mas é verdade… vou esperar pacientemente este exemplar da Granta chegar aos sebos… se chegar valerá a pena lê-lo, pois será a mais pura demonstração de estrondoroso sucesso que se desviou um desapegado dia de descarte… senão chegar, paciência; tudo que é muito bom deve permanecer escondido. (Proibido rir).
verdade que ninguém se importa com a literatura brasileira ou mundial, atual ou antiga. concordo com quase tudo que foi dito aqui.
olha o que eu escrevi na semana do lançamento da granta: http://balaiodopedrao.blogspot.com.br/2012/07/o-choro-livre-da-granta.html
Parte da grita poderia ser evitada se o título da edição não fosse tão arrogante. Mas os selecionados não têm nada a ver com isso. São todos interessantes — uns mais, outros menos. É a vida…
A Carol Bensimon escreve legal. O conto dela na coletânea ‘Rock Books’ (leu, Barça?) é um dos melhores lá. Descreveu com bastante sensibilidade e sem qualquer pieguice o impacto da morte de Kurt Cobain em quem era adolescente/jovem e viveu toda aquela epidemia grunge.
Não li, ótima dica, vou procurar com certeza.
André, o desinteresse é tanto com a NOVA literatura do país que ontem ocorreu o lançamento da revista ARRAIA PajeúBR, na Funarte, bairro Sta. Cecília, centro de SP, e não apareceu um repórter.
Em sua edição nº4, a revista traz uma antologia de contos, ensaios e poemas selecionados do arquivo gigantesco do site Cronópios.
Ressentidos, não se preocupem. O governo lançará um pacote literário. Cada brasileiro (que souber ler, rs) receberá em sua casa 3456 livros (por ano) dos geniais novos escritores brasileiros. Se Veríssimo não vive da venda de livros, quem se autoentitula escritor deveria dizer sou escritor, mas vivo de “vender seguros-bancário-vagabundo-lojista-despachante-malabarista de semáforo”. Escritor é quem escreve ou vive disso?
O Lisias e o Laub já me parecem grandes escritores. Têm um corte literário que os outros não me parecem ter. A Vanessa tem verve genial nos textos de jornalismo dela, talvez mature…o resto, francamente (ainda que, pessoalmente, o Cuenca pareça um cara legal), não me parecem ter cancha. E essa é uma opinião de sofá, de quem leu a maioria e não se importa nem um pouco com o prêmio.
Mas é uma frescuuura!
André, achei interessante essa ideia da Granta por que privilegia jovens escritores brasileiros. É claro que não dá para colocar todos os bons jovens escritores nesse livro, acredito que por isso tenha gerado alguma insatisfação de uns poucos frequentadores de tal bar e seus amigos. Um trabalho parecido foi o organizado por Nelson de Oliveira que se chamou “Geração Zero Zero”. Acho que os insatisfeitos podem fazer isso que o Nelson fez, agiu e não ficou só reclamando. No mais, qualquer um pode fazer sua lista dos 20 melhores e tal.
Ô André,
depois que você tiver lido, faz um post. Eu li a Granta e estava curiosa de saber o que outras pessoas acharam. Tem coisas boas lá e outras nem tanto. Mas fiquei com uma sensação de a seleção acabou escolhendo textos de um determinado perfil, sei lá, não é possível que todos os “melhores jovens escritores brasileiros” escrevam num registro de memória, às vezes autobiográfico. Não é que os textos sejam iguais nem nada, mas são assim de um tipo de literatura, sabe? Sei lá, me deu a sensação que todo mundo ali quer ser meio Clarice Lispector e muito pouco Carlos Heitor Cony. Dá para perceber essa veia do tempo dilatado, emoções e sensações exacerbadas, umas histórias que se você resumir, você resume em 2 linhas de tão pouca ação que rola. Não é que isso seja ruim, mas parece que quase todos os selecionados seguem por esse caminho.
bj,
Clarice
Já li cinco contos (dois hoje à tarde) e concordo com você. A primeira impressão é que os textos são confessionais, muitos em primeira pessoa, e giram em torno de memórias e sensações. Ação, não vi quase nada. Vi poucos diálogos e longos monólogos. Costumo gostar mais de “histórias”, se é que você me entende. Dito isso, gostei do texto do J.P. Cuenca, até por concordar com tudo que ele fala sobre o Rio de Janeiro. Acho que o Lisias escreve muito bem, mas realmente não é a minha praia. Vou ler tudo, claro, só não sei quando. Estou no meio de um trabalho boçal de pesquisa, com uns 20 livros que preciso ler – alguns bem chatos.
pois é, acho que o “escrever bem”, todo mundo ali escreve, mas essa linha meio que enche no final da coletânea. Talvez coletâneas sejam para ler salteado, um pouco num dia, outro pouco dali a duas semanas, sei lá. Mas a sensação final é de que tudo ficava meio parecido. Acho que no final das contas, o que me incomoda um pouco é que grande parte dos autores parece se levar muito a sério, o que é péssimo. Falta um pouco de auto-ironia, sabe?
Novamente, concordo com vc. Curioso que o Brasil tem uma longa tradição de cronistas de jornal – Nelson Rodrigues, Rubem Braga – sujeitos que contavam pequenas histórias, casos do dia a dia, mas essa tradição não parece estar presente hoje em dia. Por que será?
Acho que tem a ver com a coisa de se levar muito a sério. Pensa o seguinte: escrever crônica em jornal é coisa que tem que ser rápida, ligeira, consisa e se não é todo dia, pelo menos é uma vez por semana. Não dá para se levar muito a sério, porque tem semana ou dia que você está bem, tem outra que você não está e vai ter que escrever mesmo assim. Então você sabe que tem dias que vai sair ótimo e outros dias que vai ser só passável. Se você se leva muito a sério, isso vira uma tortura, se você não se leva tão a sério assim, sabe que no final das contas, em todas as cidades do país menos São Paulo, o que você escreveu vai servir para embrulhar peixe na feira. Não dá para se achar muito importante pensando nisso. Nada a ver com escrever bem ou fazer o trabalho bem feito, óbvio. Enfim, fiquei pensando nas duas pessoas que eu conheço que escrevem crônicas, o Antonio Prata e o Fabrício Corsaleti. Eles levam o trabalho a sério, mas não se levam tão a sério assim. Ah, sei lá, é só uma idéia…
André, as merdas das “panelas” existem de fato. E acho que elas também contribuíram para tornar nossa “cena literária” atual um saco, um espetáculo ridículo de egos. Tem muita gente boa por aí que ainda está no anonimato, mesmo publicando em blog pessoal etc, porque as “panelas” que comandam o cenário, sobretudo no eixo Rio-São Paulo, não abrem as portas, têm medo de perder espaço, ego, ego! Antigamente parece que os escritores tinham prazer em descobrir um novo talento e adotá-lo, e ajudá-lo. Porque a preocupação era com a literatura – ampliá-la, divulgá-la – e não com a fama.
“A cena literária brasileira é minúscula. Se um caminhão desgovernado errar uma curva na Vila Madalena e entrar na Mercearia São Pedro, leva metade dessa nova geração de escritores – e uns 70% de seus leitores.”
Ahahahahahaahahahahahaahahahahahahahaahahahahahahahaahahahahahahahaahah
Barcinski, mais estranha que a seleção da Granta é a seleção do Sesc para a Bienal do Livro…Se puder, dê uma lida no post de hoje da Raquel Cozer sobre o assunto.
Nossa, que coisa bizarra! Cada autor tem de mandar um vídeo?
hehehehe…isso mesmo. O mais engraçado é o item 8 – Critérios para seleção…não sei se rio ou se choro…Parece mais seleção para o Big Brother…
Bom, o ponto importante é a vigarice do título da revista (vigarice, aliás, cometida em vários âmbitos, sobre distintos assuntos, em diversos lugares do mundo, todos os dias, em jornais, revistas, TVs, sites, blogs e afins): “Os Melhores Jovens Escritores Brasileiros”. Hum. Ora, literatura não é futebol, em que você pega um grupo restrito de clubes do país (os grandes) e, dentre eles, elege o melhor, segundo critérios objetivos. No caso da literatura, além da subjetividade da análise, existe também um fator eminentemente pragmático: para escolher os MELHORES autores jovens brasileiros, TODOS aqueles que tivessem publicado suas obras, deveriam ser lidos. “Ah, isso seria impossível”. Impossível, é? Então, que fossem honestos e intitulassem a coletânea de “Grandes escritores jovens brasileiros” ou “20 dos melhores escritores jovens brasileiros” ou sei-lá-o-quê. Muita arrogância e sensacionalismo dos responsáveis pela seleção de quererem determinar quem são OS MELHORES. Não que essa seja uma prática nova ou exclusiva, como destaquei acima, mas se se trata de uma revista com tanto prestígio, deveriam ser mais cuidadosos e ter mais honestidade intelectual que, digamos, um bloguezinho de música qualquer que tasca lá: “As 10 melhores linhas de baixo da história”. Por quê dez? De que história? Quais os estilos? E, sobretudo, MELHORES pra quem?
Na Folha: Alcir Pécora, da Unicamp, é mais cético. “‘Jovens escritores’ não é categoria literária, mas de mercado: algo símile a se apresentar uma nova linha de um produto em série e se pretender que ela seja uma revolução no conceito do produto de sempre.”
Fim da discussão.
Pingback: Folha de S.Paulo - Blogs - Como se escolhe um escritor: a seleção do Sesc para a Bienal | A Biblioteca de Raquel
Escritor brasileiro relativamente moderno, que fez uma obra muitíssimo competente com seu MEMÓRIAS DE UM DIABO DE GARRAFA, é Alexandre Raposo, mas dele eu NUNCA escuto falar, infelizmente… Um cara desse merecia livre acesso às prensas das editoras.
Concordo plenamente. Nao só o diabo na garrafa, mas os outros livros do raposo merecem atencao.
Para entrar no mérito dos textos:
http://espanadores.blogspot.com.br/2012/07/granta-os-melhores-jovens-escritores.html
Mau sinal! Nos três primeiros resumos já encontrei menção a “lembranças descontinuadas”, a “narrativas fantásticas paralelas” e “misturas vozes narrativas”. Acho que isso tudo é disfarce para ocultar uma má capacidade de redação. O sujeito não tem a manha de escrever com coerência e fluência ao mesmo tempo, daí descamba para esses pretensos maneirismos literários. Conta a história, pô! Vá do ponto A para o B e pronto!
Esse mimimi chato entre “gênios” literários me fez lembrar do homem mais chato de todos os tempos, que agora — Deus meu! — está na tentativa ou já perpetrou mais um livro: HUMBERTO GESSINGER. Esse sujeito é o artista mais sensível e inspirado nascido neste humilde planeta — isso, é claro, na opinião dele mesmo. Nem a própria Mamãe Gessinger deve aguentar os escritos do filho “genial”.
Jurava que é o João Gilberto.
Estou concentrado na chatice literária. Na chatice musical o João Gilberto é faixa-preta 10º dan…
Já vi um indivíduo afirmar que HG é muito melhor que Renato Russo. Bom, liberdade de expressão tem dessas.
Não dá para culpar os autores pela indiferença do público. Fico meio de saco cheio com essa história de desqualificar um trabalho porque “só interessa para quem frequenta a Vila Madalena”. É um território à parte, como Higienópolis? A choradeira no twitter é um saco, eu nem me aventuro lá. Mas se o trabalho for bom, dane-se.
Quando os autores acham importante ficar discutindo com detratores e amigos no Twitter, acho que eles têm culpa pela indiferença do público, sim.
Até onde vi, só um autor ficou discutindo com seus detratores. E, mesmo que tenham sido dois ou três, não acho que os outros devam pagar por essa bola fora. Tem gente boa e sensata ali.
“Pagar”? Tá louco? E alguém foi condenado, por acaso?
Você entendeu, garoto. Melhor não tentar levar a conversa para outro rumo.
Eu só acho que desse jeito acaba se construindo uma oposição falsa, entre selecionados e excluídos. E a galera acaba achando que tem que tomar partido.