Todo jornalista deveria seguir Marx
19/07/12 07:05
Há algumas semanas, fui convidado pela “Folha” para substituir temporariamente Inacio Araujo – que estava de férias – na coluna de filmes para TV.
Adorei a experiência. Foi um desafio tentar incluir o máximo possível de informações em textos curtos. Um ótimo exercício de síntese.
Cinco ou seis dias depois que publiquei a primeira coluna, recebi um e-mail da assessoria de imprensa de uma rede de TV. A assessora, simpática, pedia meu endereço para mandar “alguns brindes”.
Dois dias depois, chegou mais uma mensagem, de outra emissora. No dia seguinte, mais uma.
Aconteceu a mesma coisa quando passei a fazer uma coluna sobre restaurantes populares na “Folha”: começaram a pipocar convites para almoços de cortesia, degustações de vinho, “tours” por botecos, excursões patrocinadas por marcas de cerveja e participações em júris de prêmios gastronômicos.
Não, obrigado.
Não tenho nada contra as assessoras de imprensa. É o trabalho delas. Mas isso revela como o departamento de marketing das empresas vê os jornalistas: como “parceiros”, como amigos que merecem mimos – e pior, se impressionam com eles.
Isso não é novidade. Nos anos 70, as gravadoras brasileiras já contratavam jornalistas como “assessores” e “consultores” – e esses jornalistas não viam nada de errado em dar conselhos às empresas cujos discos teriam de resenhar.
Comecei a trabalhar em jornais no Rio de Janeiro, onde a promiscuidade entre o jornalístico e o privado sempre foi intensa.
Claro que estou falando de jornalismo cultural. Mas já trabalhei em editoria de Esportes, e é a mesma coisa. Nunca trabalhei em Brasília, mas tenho certeza que a proximidade com o poder e as estatais cria uma teia que une imprensa e poder.
Como fugir disso?
Há uma frase de Marx – Groucho, claro – que resume tudo sobre o assunto. É uma de suas frases mais batidas e surradas, mas atual como nunca: “Não quero entrar para nenhum clube que me aceite como membro”.
Se eu fosse reitor de uma faculdade de jornalismo, todas as salas de aula teriam esta frase emoldurada em cima da lousa. Seria o lema da escola.
Porque nada é pior para um jornalista que fazer parte de uma patota. É uma sentença de morte. Prefira sempre a solidão.
Algumas coisas que aprendi com bons chefes que tive: não faça parte de júris ou comissões. Não vá a premiações. Não vote em prêmios oferecidos por empresas. Não opine em editais.
Sentiu cheiro de “brodagem” no ar? Então fuja. Saia correndo dali sem olhar para trás. Não tenha medo de parecer antipático ou antissocial.
Veja bem, não tenho nada contra jornalistas que resolvem mudar de ramo. Tenho muitos amigos que foram jornalistas e hoje estão felizes em cargos públicos ou corporativos. Por sorte, todos – ou quase todos – entenderam que são coisas excludentes, que não dá para ser jornalista e, ao mesmo tempo, servir aos interesses do governo ou de uma empresa.
Quando comecei a trabalhar em jornal, cheguei a escrever alguns releases de discos para gravadoras.
Eu era novo, ganhava pouco, e a grana ajudava a pagar as contas. A princípio não vi nada de errado naquilo. Era algo que muita gente fazia. Tive até tive um chefe que fazia uma boquinha na prefeitura…
Por sorte, trabalhei com editores que me mostraram que aquilo era errado, antiético e comprometedor. Nunca mais fiz e me arrependo demais de ter feito.
Porque é fácil ser tragado para o “outro” lado – um lado de tapinhas nas costas, trocas de favores, viagens de graça, jantares de cortesia, encontros com celebridades e uma efêmera sensação de importância.
É bom para o ego. Mas péssimo para a profissão.
Barcinski, você citou o Inácio Araújo e me lembrei de uma vez que saiu na Ilustrada uma crítica sua, desfavorável, ao lado de uma dele, elogiosa, a um filme, se não me engano do Clint Eastwood. Apenas uma curiosidade: rola alguma espécie de tensão quando isso ocorre? A Folha não deveria fazer mais esse tipo de coisa? Botar opiniões conflitantes me parece uma maneira de chamar mais a atenção sobre um assunto e acaba tornando mais interessante a crítica. Digo isso porque eu vibrei com os dois textos lado a lado, ambos bem escritos, mas externando opiniões tão opostas (não que eu não ache isso natural). Lembro de ter imaginado o Inácio pensando com ele mesmo: “esse moleque acabou comigo”. Brincadeira. Mas foi, pelo menos para mim, excitante.
Tensão? De maneira alguma, todo mundo acha isso ótimo. Gosto demais do Inacio, o cara é uma referência pra qualquer um que escreva sobre cinema. Só divergimos quanto ao Clint, que ele ama e eu acho um saco. Eu também acharia legal se os jornais publicassem textos antagônicos lado a lado.
Costumo dizer que não há orgão de imprensa algum totalmente isento, neutro, livre. Isso é impossível no mundo em que vivemos.
Há, sim, jornalistas isentos, embora, infelizmente, sejam muito poucos.
Por outro lado, achei “indelicado” a atitude de uma jornalista que foi fazer uma entrevista com um executivo da empresa onde trabalho. Por conta da agenda de ambos, tivemos que marcar a entrevista no horário do almoço. Por isso, organizamos um brunch simples, apenas pra ninguém “morrer de fome”. Pois ela não quis tomar nem água. Achei indelicado, não era um presente, nem um agrado, era quase que uma necessidade…
Bom, Fabiana, concordo com vc, isso é indelicadeza. A pessoa precisa ter bom senso.
Não acho indelicado a jornalista ter recusado. No máximo, um exagero dela recusar o almoço.
Agora, o outro lado da moeda: trabalho como assessora de imprensa para empresas. Cosméticos e artigos de higiene e, apesar de oferecermos amostras nas reuniões oferecidas a imprensa para apresentar novidades, todos os dias (sem exagero) recebo emails ou telefonemas pedindo “presentinhos” (como as jornlistas chamam).
Tenho certeza disso, Gabi. De verdade.
Não sei se o que vou escrever tem a ver com seu comentário, mas acho que de uma maneira meio torta tem sim: parei de ler a Folha há alguns anos por achar o jornal narcisista demais, bem a cara dos Frias. Voltei a ler algumas coisas hoje, entre elas suas colunas. Mas lembro de ter lido resenhas na Folha de peças escritas pelo Octávio Frias!!!! Como um empregado vai fazer uma critica de uma peça de seu patrão? Acho que nem deveria sair nada no jornal a respeito, pois com certeza não iria ser uma resenha imparcial. E outro episódio que me lembro bem foi quando a Folha foi invadida pela Policia Federal na época do Collor. Nunca a Folha havia manifestado tal indignação com a perseguição que o Collor estava fazendo nas empresas dos desafetos dele quanto no dia que a própria Folha foi invadida.
Abs,
Aplausos de pé. Abordagem simplesmente perfeita.
O bom crítico se disfarça de Marx, (qualquer um dos três) e faz o tour.
André, o que acha do Franklin Martins que falava sobre política/corrupção no Jornal da Globo e depois foi ser ministro do PT trabalhando em um projeto nebuloso que tentava tirar a liberdade de imprensa?
Sidney, sinceramente, não tenho como opinar sobre isso, não conheço o Franklin Martins e não sei de suas convicções. Como disse, não vejo problema nenhum se um jornalista decide mudar de ramo e trabalhar para quem quer que seja.
Putz! O cara faz um post sobre Neville D’Almeida, vem nêgo botar PT no meio, fala sobre os tais cem brasileiros, vem nêgo botar PT no meio. Fala sobre credibilidade jornalística, lá vem nêgo botar PT no meio. Daqui a pouco o André fará um artigo sobre cães yorkshire e os nêgos ainda darão um jeito de botar PT na conversa. Esse bipartidarismo que está contando conta do país é um saco, as pessoas estão piores que torcida de futebol. Se você for ler um artigo sobre “as lhamas albinas taradas dos Andes”, vai encontrar um chato falando que a culpa é do PT, do FHC e da putaqueparê…
A questão não é falar sobre PT ou PSDB … se vc leu bem o texto ele fala sobre a relação muitas vezes estreita entre o jornalista e suas fontes e de como essas “amizades” podem nas palavras do André tragar o jornalista para o outro lado! Na minha opinião é claramente o que ocorreu com o Franklin Martins!Não voto no PSDB assim como não foto no PT!
Um belíssimo soco no estômago, ainda bem que almocei com o meu próprio dinheiro.
“ainda bem que almocei com o meu próprio dinheiro” po que frase genial. É sua? Faz um belo par com aquela “Não existe almoço de graça”.
Tem jornalista que simplesmente não consegue entender que “brinde” e “cortesia” são um veneno para sua credibilidade. Eles acham que é sinal de “prestígio”.
Por isso você deixou o jornalismo de lado durante os anos da Circuito Techno e depois da Clash Club?
Ou apenas falta de tempo para cuidar das duas coisas – jornalismo e produção de eventos – juntas?
Sim, parei de escrever por um tempão.
Caro André:E o jornalista dócil ao patrão? obs:Não é o seu caso.
Perfeito. E o fato de confessar o deslize no início da carreira, por inexperiência, ingenuidade ou necessidade, dá mais credibilidade às tuas palavras. Saudações.
acho que isso casa bem com tua historia:
http://boingboing.net/2012/07/19/man-punks-journalists.html?utm_source=feedburner&utm_medium=feed&utm_campaign=Feed%3A+boingboing%2FiBag+%28Boing+Boing%29
Eu tinha visto. Isso é consequência: como a proliferação de blogs, sites e outros veículos de imprensa pouco confiáveis pode gerar notícias inventadas.
Barcinski, você falou uma vez (acho que no programa de rádio Garagem) que fazia crítica musical pela capa do álbum. Ou seja, nem ouvia o disco. Não acha isso um tipo de fraude também?
Nunca disse isso, “Adriano”.
Jamais Groucho Marx escreveria “ser aceito como membro”. Você acabou de inventar uma grande piada.
Escreveu sim. Você é que esteve desatento nas últimas décadas.
E quando as patotas ocorrem entre o dono do jornal e empresários, políticos, coisa e tal? O jornalista não dançará conforme essa música?
Olha, David, posso falar por mim: nunca me pediram, em nenhum lugar, que eu mudasse uma linha do que escrevi.
Há alguns anos, o governador do Ceará fretou um jato e se mandou pra Europa, a trabalho, durante uns dez dias. Levou a mulher e a sogra. A imprensa nacional caiu matando, já os dois jornais, propriedade de políticos ou empresários ligados ao homem, ignoraram o assunto. Só um exemplo.
E o substituído, o que acha?????????????
Maurício Stycer acabou de publicar no blog dele: “Diretor da Xuxa diz que jornalistas recebem para “publicar notinhas”. http://mauriciostycer.blogosfera.uol.com.br/2012/07/19/diretor-da-xuxa-diz-que-jornalistas-recebem-para-publicar-notinhas/
Belo texto, André!!
Concordo com o repúdio ao (des)comprometimento ideológico dessa prática que eu gosto de chamar de “jornalismo cordial”.
Abraço!
Para nossa infelicidade a promiscuidade da imprensa, ou melhor, de alguns jornalistas faz o mundo sempre um pouco mais sórdido, e como a maioria dos que pensam estar antenados se enganam, é fácil engulir uns sapos pagos. Ainda bem que em qualquer profissão existem bons profissionais e alguns outros inescrupulosos, afinal, é só seguir vendo as ondas de empurrômetro pseudo informativo de telejornais e revistas…mas vamos parar por aí. Parabens!
André, adoro ler sua coluna. É um dos poucos que escrevem muito bem e, de lambuja, ainda tem essa postura e descreve deliciosamente bem.
Parabéns!
Valeu!
Barcinski, hoje às 20h15 o Telecine Cult exibe o filme “O Palhaço que não Ri”, cinebiografia do Buster Keaton, lançada em 1957. Conheces esse filme? Vale uma espiada, ou é abacaxi? Curioso é que foi dirigido por Sidney Sheldon. Aquele mesmo… Um abraço!
Nunca vi esse filme, vou conferir.
Cara você disse tudo o que queria ouvir de um jornalista. Infelizmente, estes adeptos da boquinha e tapinhas nas costas que no jargão de uma certa categoria se chama jabaculê, são maioria entre jornalistas e por esta e outras razões temos uma imprensa dependente, subjugada ao poder e aos empresários, os verdadeiros donos do poder. Parabéns por seu texto.
Ótimo texto. Realmente cada vez mais me convenço que a profissão de jornalista é fatalmente solitária. A promiscuidade entre órgãos de imprensa e governamentais já ultrapassou o tolerável. Parafraseando a banda uruguaia Cuarteto de Nos: “Huyo de la multitud y no me electrocuto en la corriente”.
Abraço.
Fala, André
E jornalista espotivo então? Tem cara que recebe dinheiro de empresário de jogador pra falar bem do “craque”, outros que fazem propaganda de qualquer coisa só por grana.
André, qual a sua opinião sobre a prática corriqueira de jornalistas esportivos fazerem propaganda (o famoso “merchan”)? Quando Juca Kfouri começou a atacar Milton Neves por causa disso, este se defendeu dizendo que o “merchan” salvava o salário de muitos profissionais que trabalham em pequenas rádios e emissoras, principalmente as do interior, e recebem salários baixíssimos. Mas fica a pergunta: o cara entra para o jornalismo com intenção de ganhar bem? Não era então o caso de fazer outra coisa (publicidade, talvez)? Engraçado que a globo proíbe radicalmente essa prática, mas permite e incentiva a promiscuidade entre seus jornalistas e atletas. Galvão Bueno, por exemplo, joga golfe com Barrichello (entre vários outros) num dia e narra a corrida do cara no outro. Hipocrisia, não?
Acho que existe uma grande diferença entre o departamento comercial de uma emissora de rádio ou jornal procura anunciantes, e o próprio jornalista fazer anúncios de produtos. Não vejo problema nenhum com o primeiro, mas o segundo é inadmissível. Mas é só minha opinião.
Trabalhei em uma agência de comunicação em que no “Departamento de relacionamento com a imprensa” era decidido quem, onde, como, quando e porquê fulano ou betrano receberia os mimos, que não tinham nada de divulgação, eram presentes mesmo. Entre os mimos havia até tardes em spas e almoços/jantares.
Certa vez, um cliente que eu atendia ia lançar um CD e, numa reunião – aos berros – concluiu que aquele lançamento era tão importante que seria CAPA da “edição paulista de uma grande revista semanal”. Insistiu também que a melhor maneira de receber uma boa crítica era “pagar um almoço” pro especialista em música dessa revista. Insisti de mil maneiras que isso não funcionaria, que não seria garantia de boas críticas e que o cara não toparia essa abordagem.
Depois do quinto telefonema convidando o repórter para o almoço com o artista (que todos os dias me cobrava isso), o jornalista se encheu e disse “Não vou almoçar com ele e achei o CD uma merda”. Como eu já estava pra sair da empresa, com um sorriso irônico coloquei no relatório de divulgação: “Fulano, da revista tal, dispensou o almoço e não mostrou apreço pelo trabalho, decidindo por não resenhá-lo”.
André, há muitos marxistas na profissão, não?
Menos do que o ideal.
Resposta interessante…
Boa a lembrança do grande Fausto Wolff. Saudade dele. Há uns vinte anos, morando em SP, eu assinava a TVA, acho que nos primórdios da TV por assinatura no Brasil, e havia um canal, o Bravo Brasil. Nele assisti a uma rara entrevista com o Millôr Fernandes na qual ele diz tacitamente: “NÃO ME HOMENAGEIEM”. O gênio detestava ser paparicado. Serviu como uma bela lição para mim. Gravei à época em VHS, com o tempo passei para DVD, que ocupa hoje um lugar de destaque na minha estante. Quanto aos Marx, gosto dos dois, mas o Karl é o imprescindível para a história da humanidade.
Agilberto, Karl Marx, um excelente projetista cercado de péssimos executores.
Concordo, mas há exceções.
Concordo, mas há exceções.
André, off-topic total! Estou indo pra NY pela 1a. vez em agosto e sou meio avessa ao hype e drinks em rooftops. Você tem algumas dicas de restaurante, bar, casa de show?
Obrigada!
Oi Silvia, saí de NY há dez anos, não sei se as dicas vão te ajudar. Mas comer no Veselka (deli russa no Village), um sanduíche de pastrami no Eisenberg’s, dim sum em Chinatown (tente o Chinatown do Broolyn, bem mais barato e menos turístico) e comida cubana no Café Habana são sempre ótimas pedidas. Procura pelas dicas do Anthony Bourdain, lembro que tinham umas indicações boas.
Acho que jornalismo realmente independente não existe, é uma utopia (infelizmente).
No mundo de hoje, o cara tem que ser um Dom Quixote, um altruísta quase santo. Nunca vi um que não se deixasse influenciar por mimos, $, patota, amizade ou até por simpatia.
Inexiste imparcialidade, cada veículo de imprensa tem sua posição bem clara (seja movida por que interesses forem). O Reinaldo Azevedo, daqui mesmo da Folha, é um bom exemplo disso: seu blog mais parece uma circular do PSDB (e olha que eu tambem tenho asco do PT). Uma pena, o rapaz tinha potencial.
Tem certeza de que o blog dele é aqui?
Não é na Veja?
Não tem problema nenhum o jornalista tomar partido, desde que assuma. Não vale é posar de jornalista isento e imparcial e só publicar de acordo com os interesses que representa.
O que vc considera “tomar partido”? Nos EUA, é comum jornais apoiarem candidatos.
É assumirdeterminada posição política, ideológica, sei lá. Como fazem algumas rádios no futebol, tem lá o radialista que não só comenta, mas comemora o gol de determinado time, joga praga no outro.
É Veja sim. É que a convicção do cara é tanta que ele mesmo se engana.