Eles não são cachorros, não
17/08/12 07:05
Assisti a “Vou Rifar Meu Coração”, filme de Ana Rieper sobre a música brega.
Não é exatamente um documentário, mas um filme sobre o imaginário do cancioneiro cafona.
A diretora mostra diversos casos reais de pessoas que vivem situações que remetem a algumas canções.
Há o homem casado com duas mulheres, o sujeito que foi abandonado pela esposa, a mulher que se conforma em ser amante de um homem casado, etc.
As histórias são intercaladas por depoimentos de alguns ícones da música romântica brasileira, como Odair José, Lindomar Castilho, Nelson Ned, Amado Batista, Agnaldo Timóteo e outros.
Gosto muito do tema e fui otimista ao cinema, mas confesso que me decepcionei.
Achei que faltou ir a fundo nas origens do gênero, contar a história dos artistas e tentar entender o sucesso da música cafona no Brasil.
Tudo bem, a intenção do filme pode não ter sido essa, mas é frustrante ver um artista como Nelson Ned, que tem uma história de vida incrível e raramente aparece na mídia, passar tão rapidamente pela tela.
Agnaldo Timóteo e Odair José dão declarações ótimas. Timóteo questiona: “Por que o Nelson Gonçalves cantando ‘Negue’ é brega, mas a Maria Bethania cantando ‘Negue’ é um luxo?”
Eu gostaria de ter visto mais declarações assim.
Outra coisa que incomoda no filme é um aparente desdém pela informação. Os entrevistados não são sequer identificados. Como se todos os espectadores fossem obrigados a conhecer os rostos de Rodrigo Mell ou Odair José.
Algumas entrevistas que poderiam ser reveladoras tornam-se inúteis, porque o filme não se esforça em explicar certas coisas. Por exemplo: um dos entrevistados é Lindomar Castilho, que fala sobre o poder do ciúme, que, segundo ele, faz alguns tomarem atitudes impensadas.
Ora, Lindomar foi preso justamente por matar a ex-esposa, a cantora Eliane de Grammont, e o fato nem é citado. Ou seja: quem não conhece a história de Lindomar Castilho – calculo que uns 98% do público de hoje – fica boiando.
Mesmo decepcionado com o filme, recomendo a todos assistirem. A música cafona brasileira é um fenômeno musical e sociológico dos mais importantes e que ainda não foi tratado com o respeito que merece.
Há o livro de Paulo Cesar de Araújo, “Eu Não Sou Cachorro, Não – Música Popular Cafona e Ditadura Militar”, que é muito bem pesquisado, mas tem um texto acadêmico e maçante. E não há muito mais por aí.
Dos artistas, continuo me impressionando com a audácia de Odair José, um compositor que atacou temas pouco comuns – homossexualidade, prostituição, a pílula – e com o histrionismo de Evaldo Braga, o Freddie Mercury do brega, outro astro musical que, a exemplo de Kurt Cobain, Jim Morrison, Jimi Hendrix, Janis Joplin e Amy Winehouse, morreu aos 27 anos.
Não sei o porquê, mas sempre que vejo o clipe de JailBreak do AC/DC me lembro do Odair José.
Ótima resenha, mas discordo de uma afirmação sua: a de que o texto de “Eu não sou cachorro não” é acadêmico e massante. Achei justamente o contrário: a adaptação da dissertação de PCA para livro ficou ótima, e o texto ficou delicioso. Li em dois ou três dias, e queria ler a biografia de Roberto Carlos que ele escreveu, mas foi censurada pelo cantor.
Sobre o Evaldo Braga, me mandaram por e-mail este link aqui, de um doc sobre ele. Não assisti ainda: http://www.youtube.com/watch?v=4AClm87LYZA.
Odair José não é só brega. recomendo dar uma escutada em “O Filho de José e Maria”. Odair foi excomungado por conta desse disco! garanto que tem muito roqueiro que morre de inveja por não ter nem chegado perto disso. 😉
O brega não tem afetação, por isso é brega. Coloca o Falcão cantando “Ai minha mãe minha mãe, é a mulher do meu pai”. É sarro puro. Coloca a Betânia o Gal Costa: fica chique, porque fazem cara de suicidas ou histéricas e cantam no Credicard Hall, não na festa junina de Caruaru. No final das contas, a festa de Caruaru com o Falcão é mais divertida.
André, saiu a “lista das listas”, a votação da década de 2010 dos 250 maiores filmes pela revista Sight & Sound. Vale um post?
Barça, falando em música: siga este link e aproveite-o no seu fim de semana. Abraços
http://thepiratebay.se/torrent/7387894/Krautrock_-_Music_for_you_Brain
Tem na Amazon também.
Coisa linda. Já ouviu a caixa de inéditas do Can?
Você está se referindo ao Box “The Lost Tapes”?
Isso. Fantástico.
André, não assisti o documentário, mas a parte de não citar quem está na tela parece ser escolha estética e não desleixo.
O documentário do Julien Temple sobre o Joe Strummer faz a mesma coisa.
E daí? Só porque o Temple faz, quer dizer que está certo? É um desserviço ao espectador.
André, mas desde quando cinema é prestação de serviço?
Se um filme está entrevistando uma pessoa, é porque julga a opinião desta pessoa relevante. Que sentido faz então não identificá-la?
André, mas cinema não é jornalismo, não tem esta obrigação de citar fontes, dar nomes.
Cinema é (também) escolha estética.
Há um filme muito interessante de Alain Tanner, “La Salamandre”, de 1971, que é mais ou menos sobre isso. Um jornalista e um escritor estão fazendo em parceria (à pedido do jornalista, que estava atarefado com outra matéria) um roteiro para uma dramatização para a TV de um caso real. Enquanto o escritor cria o roteiro a partir de um breve relato do acontecido, o jornalista questiona o porquê de se criar a história, sendo que ela “já existe”, “há fatos a serem apurados”.
O escritor/autor estaria deixando de o ser, caso seguisse a orientação do amigo jornalista.
André, e que tipo de brega seria o Michel Teló: tipo Cirque du Soleil, tipo Odair José, ou vc não acha ele brega?????
Acho ele ruim, antes de brega.
Os críticos……. daqui a 30 anos vão dizer que Tchu,Tchá,Teló,Breganejo são maravilhas da nossa curtura.
Sem dúvida! Meu pai conta que, nos anos 60, meu avô implicava com ele por ouvir iê iê iê… 🙂
Comparar Tchu e Tcha com a raíz do rock nacional não é muito esperto.
Pode até parecer engraçado nas sempre dei mais valor ao “dito brega ” do que aos Caetanos Velosos da vida, o que é mais interessante trabalho com um cara que é da Paraíba e ele adora ese tipo de música e acabo conhecendo coisas bem curiosas e algumas até incríveis e não há canção melhor do que garçon do Reginaldo Rossi para um coração ´partido RSRS
Não curto o gênero, mas reconheço a importância desses artistas. Honestidade é tudo. Dou muito mais valor a eles do que esses auto-intitulados sertanejos da moda. André, viu que a onda agora é inventar músicas com títulos e refrões silábicos, com o objetivo assumido de facilitar a repetição por não-brasileiros? Tá dando certo, o Teló acabou de lançar um tal “Bara Bara Bere Bere” (repetido exaustivamente na canção) que já é top 10 na Itália.
É um tal de tchere tchere, tchu tcha tcha e agora, bara bara bere bere, que logo os europeus acharão que falamos o idioma dos babuínos.
Na verdade, na verdade, essa deveria ser a verdadeira MBP.
Só que a sigla MBP hoje é tão arrogante que seria até um pecado definir esses artistas assim.
Cafona e brega é a MPB atual com seus “pop florestal”.
Caros, eu devo estar tendo alucinacoes, Odair Jose’ ja’ foi comparado aqui a Lou Reed e a PJ Harvey! Que estes caras tem uma importancia historica ou sociologica pode ate’ ser, mas dizer que que eles “inovaram” alguma coisa, ai’ e’ imaginacao demais. Desculpe a crueza.
Neste link encontrei uma serie de entrevistas com 7 ícones do brega. Achei válido. Segue o link: http://g1.globo.com/pop-arte/noticia/2012/05/faco-boleros-assim-como-beatles-e-roberto-carlos-afirma-odair-jose.html
André, cresci ouvindo Nelson Gonçalves, Wilma Bentivenha (com quem ouvi pela primeira vez “Hino ao Amor”, depois com Piaf), Lana Bittencourt e Dalva de Oliveira, essa, junto com Angela Maria, reinavam no toca-disco da minha avó, e francamente, “Negue” é brega? Alias, te pergunto: recentemente um critico, falando sobre versões nacionais de classicos afirmou que todas eram pérolas “kitsch” do cancioneiro, mas eu considero muitas melhores que as originais, e o que define “brega”? Qual a fronteira? “Risque” com Linda Batista é brega? Entendo que varios cantores tiveram suas fases, melhores e piores, mas “Normalista”, “A Camisola do Dia” e “Deusa do Maracanã” com o Nelson deveriam ser tombadas, são soberbas! A respeito de Leni Everson foi dito recentemnte que era de uma “arrogancia cafona” insuperavel, meu Deus, ouço coisas fantasticas com ela, inclusive classicos do jazz roubados de cantoras americanas na boa…Qual é a fronteira?
Brega pra mim é ouvir som alto no carro. Nelson Gonçalves não tem nada de brega, tem discos sombrios pacas, é o nosso Johnny Cash.
Interessante sua analogia. Gosto muito de quase tudo do Johnny Cash, mas nunca tinha feito tão equiparação. Vou até atrás de mais coisas do Nelson Gonçalves agora que li seu comentário. Você se lembra do nome, por favor, de algum desses discos sombrios? Grato!
Explico a minha pergunta: tenho o “Fala por mim, Violão”, de 1968, aqui em casa, herdado do meu bisavô. Ele realmente tem clima que lembra “Hurt”, por exemplo. Gosto muito! Seria este LP um dos que você descreveu como sombrio? Lembra de algum outro? Obrigado!
Gosto do “Pensando em Ti” que vem antes do “Fala por mim”. Só não sei se quadra nos sombrios referidos pelo André. Vale a audição seja como for.
Fala, Barcinski! Aliás, já prestou atenção nas letras das músicas do Falcão (o brega, claro!)? Tem algumas preciosidades lá: rima preciosa (uma palavra de um verso com duas do outro), citação de filosófo, um pouco de comentário social, um cover épico de Eu Não Sou Cachorro Nâo, etc.
Se tem algo que eu gosto na música brasileira é a tal música “brega”.
Considero boa parte destes cantores como os verdadeiros cronistas do país. Lirismo cortante e verdadeiro da existência popular do cidadão comum. Nada de pseudo-inteligência, “poetices” ou finesse pra boi dormir.
Lembro-me que (nos anos 90) alguém aí na Folha fez uma comparação entre Lou Reed e Odair José. Perfeita analogia.
Confesso que me divirto com vários destes artistas e, sempre que tenho tempo livre, saio a caça de alguns desconhecidos. A internet oferece várias possibilidades.
Um dos que eu conheço há muito tempo e está entre meus favoritos desde sempre é o paraense Genival Santos e sua maravilhosa “Coração de Plástico”.
Lou Reed e Odair José aí eu já acho que força a amizade e muito. Como cronistas, sim, tudo bem, mas são universos bem distintos. Lou Reed nunca escreveu sobre a “existência popular do cidadão comum” (frase perfeita para descrever um Belchior, por exemplo), pelo menos não se pensarmos que o cara escrevia sobre temas como heroína, auto-mutilação e sadomasoquismo. O que em nada desmerece o trabalho do Odair, só acho que não tem a ver a comparação.
Acho que você seria a pessoa ideal para escrever a biografia de Nelson Gonçalves. Tenho alguns Lps dele, que voz!!! É duro ver alguns artistas brasileiros serem completamente ignorados e esquecidos como Altemar Dutra. Tem um cantor que adoro e não sei se gosta, mas ele já tem ibope demais, João Gilberto…
O problema de escrever bios hoje no Brasil são os herdeiros. Nelson Gonçalves usava cocaína. Muita. Se vc escrever isso, a família certamente o processará. A lei é fascista.
Nem um documentário? Sei lá, tem que ter um jeito, a história desse cara é demais e tem que ser contada! O único artista além do Elvis a receber um troféu da RCA pelas vendas absurdas!
Tem uma historia inacreditável que ele manteve um boliviano ou colombiano em carcere privado pro cara produzir cocaína pra ele, não sei se e lenda ou verdade.
Tem uma que acho incrível: o Nelson surrou um cara e depois ficou sabendo que o cara era um bandidaço e que portanto ele, Nelson, estava com as horas contadas. Obviamente ficou se pelando de medo. Pois bem, como na surra ele derrubou o sujeito e não continuou batendo neste, esperando que ele se levantasse, o bandido apareceu depois mas foi para cumprimentá-lo, “pela honradez de não ter batido num homem caído no chão”! Acabaram amigos.
Meu povo existe um documentário feito sob Nelsão de 1999, que inclusive mistura doc e ficção com Alexandre Borges o interpretando-o.
De na folha que editoras e empresas de televisão entraram com um processo tentado terminar com esse negócio de biografia ter que ser autorizada.
Soube que queriam mudar a lei sobre imagem pública. Me parece que nos EUA o artista quando morre vira pratimonio do povo. Não sei se estou falando besteira, mas depois que o Roberto Carlos proibiu a última biografia tem uma lei no congresso para que coisas do tipo não ocorram.
Para quem gosta ou se interessa pelo assunto, o citado livro “Eu não sou cachorro não” é muito bom e uma delícia de ler. Ao contrário do Barça, eu não o achei maçante nem acadêmico demais.
Aliás, o mesmo autor tem uma biografia excelente sobre Roberto Carlos, que foi retirado de circulação por uma ação movida por RC.
É Barça, juro que não quero polemizar, mas lendo muitos dos comentários comprova-se o que eu queria dizer. Agora Odair José virou Beethoven “Kitsch”, assim como Batman virou Hamlet…
Apenas para reforçar aqui: basta ouvir o Odair José. Ele é um compositor de uma crueza incomum no Brasil. Um PJ Harvey com órgão de requeijão, muito bom.
É bem por aí mesmo.
Você usa o google translator para (traduzir) o português?