O primeiro punk do mundo se chama Little Richard
30/08/12 07:05
A capa do disco já chama a atenção: sobre um fundo amarelo, uma foto preta e branca de um jovem negro. Ele tem os olhos fechados e a boca aberta num sorriso largo e malicioso. Parece ter sido fotografado no meio de um urro de prazer. Dá para ver seus dentes. Olhando bem, dá para ver até a língua. Em 1957, não pegava bem um astro mostrando a língua…
Na cabeça, o rapaz ostenta um topete Pompadour, batizado em tributo à famosa cortesã que incendiou os palácios franceses no século 18. E o bigodinho fino lhe confere um ar misterioso, de bruxo ou ilusionista.
Seu nome é Richard Wayne Penniman, conhecido por Little Richard. Era um bom menino. Obedecia à mãe e ia à missa. Mas quem viu Ricardinho num palco tinha certeza que ele não era desse planeta.
Seus gritos eram lancinantes (não à toa a família o apelidara, ainda criança, de “Falcão de Guerra”, pela potência animalesca de seus trinados). Tocava piano como um possuído, espancando as teclas com uma ferocidade bestial. E cantava também sob uma espécie de possessão, talvez inspirado pelos fiéis que recebiam espíritos nos cultos pentecostais que freqüentava.
Em março de 1957, chegava às lojas “Here’s Little Richard”, LP de estréia do cantor. As faixas já tinham feito sucesso em compactos: “Tutti Frutti”, “Long Tall Sally”, “Rip It Up”, “Jenny Jenny”…
O LP é o beabá do rock and roll. Marco zero. O Mobral do gênero. E acaba de ser relançado em CD, com faixas-bônus e remasterizado. “Essencial” é pouco: uma discoteca que não tem esse LP já nasce morta.
De todos os pioneiros do rock, Little Richard é meu preferido. Não só pela qualidade de suas músicas e pela intensidade de sua interpretação, mas pelo radicalismo de sua figura pública. Ninguém desafiou o sistema como ele. Little Richard foi o primeiro punk da história.
Cada vez que ouço um rockstar bilionário reclamando da fama ou um indie estatal fazendo manifesto, lembro de Little Richard: pobre, preto e gay, tocando a música do demônio no quintal da Ku Klux Klan.
Little Richard reinou numa época em que negros eram linchados e pendurados em árvores, quando tocar rock era questão de vida ou morte. Fez incontáveis shows com público dividido: brancos de um lado, negros de outro.
Tinha de ser muito macho para ser Little Richard nos anos 50. Porque Ricardinho não era um gay escondido no armário: era uma bicha louca, uma diva, um pavão misterioso que desceu de um disco voador para levar os jovens da América à perdição.
Seis meses depois de lançar esse disco, Little Richard voava para um show na Austrália quando teve uma visão: viu o avião envolto pelas chamas do inferno. Decidiu, ali, no auge da carreira, largar o rock and roll.
Foi o que fez: por alguns anos, só gravou música gospel. Abandonou as orgias que fazia na estrada – com homens, mulheres e sabe-se lá o que mais – e virou pastor.
Até que, em 1962, foi tocar na Inglaterra a convite do empresário Don Arden (pai de Sharon, futura mulher de Ozzy), com uma bandinha iniciante como atração de abertura, uns moleques chamados The Beatles.
Quando o público inglês viu Little Richard cantado gospel, começou a pedir os hits. Queriam ouvir “Tutti Frutti”, queriam ouvir “Long Tall Sally”. Richard capitulou. Tocou seus velhos sucessos e saiu do palco em êxtase. Foi o início de seu retorno ao rock and roll, a ressurreição do performer mais incendiário que o rock já viu.
Não é todo dia que relançam um disco desses hein. Com certeza vou adquirir!
André, e quem diria que o lugar onde o rock fosse relembrar um pouco da rebeldia, anarquia e da ferocidade que ele representava na época do pequeno Ricardo, fosse justamente na “democrática” Rússia do Putin????
Pois é. Little Richard já promovia suas “pussy riots” nos anos 50…
Acho que vale a pena lembrar que o público brasileiro pode ver Little Richard pelo menos uma vez. No Rio, ele tocou em dobradinha com o Chucky Berry, tendo a lagoa por cenário. E por estar abrindo, estava visivelmente invocado, querendo roubar o show. E conseguiu, na minha opinião, fazendo uma performance breve, mas bem energética. E ele já estava ali nos 70, um pouco antes ou um pouco depois…Para alguns or ck é a fonte da juventude mesmo. O paul é outra prova disso
Excelente texto!! Sempre que falam do Ricardinho eu lembro do Tião Macalé cantando (e tocando) Jenny Jenny, hahahahaha. Para quem não conheçe, vale a pena conferir: http://www.youtube.com/watch?v=2NhvnXsCkJ8
Muito clássico isso, fazia anos que não via…
Maravilhoso!!! É por essas que amo o YouTube.
Esse foi o disco que mudou a vida do Marcelo Nova, segundo o próprio.
Prefiro o Chuck Berry mas Little Richards é igualmente genial.
Sei que você já viu o filme “Lemmy”. Nele há uma conversa entre Lemmy e Dave Grohl sobre Little Richard, onde eles comentam justamente o fato de Little Richard ser “pobre, preto e gay, tocando a música do demônio no quintal da Ku Klux Klan.” E há ainda o relato de como Dave Grohl conheceu Little Richard. Não só a estória é muito boa, como a forma que Dave a conta faz ela ficar ainda mais legal.
Vi o filme e lembro de Lemmy sempre citar Little Richard como influência, mas não lembro desse papo com o Grohl, vou dar uma olhada. Valeu.
Os depoimentos da figura no Hail!Hail! Rock’n’roll! – aquele documentário sobre o Chuck Berry – são sensacionais. Rouba a cena.
São mesmo, revi o filme outro dia. Tem uma entrevista com Little Richard, Chuck Berry e Bo Diddley – juntos!
Não conheço muito do Little Richard, mas realmente sempre achei fascinante o sucesso que ele teve, sendo quem ele era, nos Estados Unidos dos anos 50.
Uma dúvida: essa visão que ele teve foi antes ou depois do acidente que vitimou o Ritchie Valens e o Buddy Holly?
Antes. Valens, Holly e Bopper morreram em 59.
Hoje em dia tá mesmo fácil se proclamar contra qualquer coisa, mas não seria assim se não tivessem existido figuras como Ricardinho.
Mto bom André, obrigado pelo texto!
Ian Gillan é um de meus cantores favoritos- e ele idolatra Little Richard, seja copiando trejeitos de voz, seja adotando músicas do repertório (New Orleans, Lucille). Quando percebi isso (ouvindo o disco de Richard,algo que fiz bem depois de conhecer Deep Purple) minha admiração por ele se multiplicou.
Também é um dos meus pioneiros favoritos, junto com os caretões Carl Perkins e Roy Orbison (Chuck Berry curto mais quando cantado por outros artistas). Little Richard era o ídolo de adolescência de Paul McCartney, que conta que a primeira música que cantou em público, num palco, foi “Long Tall Sally”. Diz a lenda que McCartney imitava Richard perfeitamente. Mas se ouvirmos a versão dos Beatles para “Long Tall Sally” veremos que não é lenda….
http://www.youtube.com/watch?v=6ibeqQA2_Yw
Imagina pros pais conservadores verem seus filhos alucinando com as músicas do cara. E pais conservadores na década de 50 são praticamente padres… Ele deve ter arrumado muita encrenca com muita gente…. Barça, achei sensacional a frase: “pobre, preto e gay, tocando a música do demônio no quintal da Ku Klux Klan.”
To contigo barça!
Dentre os pioneiros fico com ricardinho! e coloco ele no meu top five dos melhores vocais do rock!
A primeira vez que eu vi ou ouvi o Little Richard foi num filme de comédia “Down and Out in Beverly Hills” (Vagabundo na alta rota). Estava assistindo com o meu irmão mais velho e perguntei quem é esse cara??
Meu irmão:
-É o Little Richard cara!
Dias depois passou um especial sobre a história do Rock na MTV (sim a MTV já foi um bom canal) e mostrou um pouco de Little Richard, virei fã dele, comecei a escutar mais Chuck Berry, Elvis, Roy Orbison, Jerry Lee Lewis e afins, meus pais agradecem. Para a época eram bandos de doidões sim…
Dizem que Bill Haley é o pai do rock, por causa de Rock Around… mas com certeza é o Little Richard, não só do rock como música mas tbm do rock como filosofia de vida!
Little Richard é a mãe do Rock.
E o disco remasterizado vai sair ou já saiu no Brasil?
Barcinski, uma pergunta como curiosidade: para você, qual foi o personagem que realmente tocou rock pela primeira vez? Eu quero dizer o seguinte: na sua opinião, qual foi o primeiro momento em que o que ouvimos foi mais rock que rhythm & blues, ou mais rock que o country, ou mais rock que boogie woogie, ou mais rock que blues, propriamente dito. Ou seja, quem foi o primeiro sujeito que tocou ROCK, que criou o ROCK como o concebemos hoje?
Difícil dizer, existem muitos livros que discutem isso e ninguém chega a uma conclusão. Talvez “Rocket 88” (1951), de Ike Turner. Eu, pessoalmente, acho Little Richard e Jerry Lee Lewis os caras que inventaram o estilo do rock.
Não sei porque, mas toda vez que vejo o Little Richards lembro do James Brown.
Sei que apesar do James B. ter sido o pai do funk, sempre achei as titudes dele rock´n´roll total.
Talvez por eles serem da mesma geração?
São dois performers extraordinários, muito parecidos sim.
Pois é, gostaria de ter visto Little R. ao vivo. Mesmo velho.
Já o James Brown, eu nunca mais vou esquecer a apresentação dele no velódromo da USP em 94. Principalmente as dançarinas em Sexy Machine. aff…
Aliás, lembrando disso, dá pra dizer que ele começou com a idéia de dançarinas rebolantes e com pouca roupa no palco? Se sim, dá pra dizer que ele foi o pai do axé também. rs
Particularmente – dos pioneiros – minha preferência é o Roy Orbison.
Elvis concorda!
Porém, creio que faltava atitude para o Roy. E creio também que ele fora “sem querer querendo” um dos bisavós do shoegazer.
Falando em Roy, que tal um post sobre os piores filmes de astros do Rock?
Ele ainda faz apresentações, André?
Acho que sim. Ele tocou em Nova York em junho. Deve ter mais gás que um monte de bandinha por aí.
Legal, André! E já que falamos em lendas e gás pra tocar, tava louca para ver o BB King mês que vem… obviamente ele não tem o pique de antes, mas é para guardar a lembrança e um dia poder dizer pros netos que o vi o cara ao vivo ao menos uma vez na vida. Mas aqui em Curitiba um casal teria que desembolsar 1.200 pratas pra ver o show!!! Nem carteirinha de estudante falsa ou verdadeira ameniza a facada…
Vai a Nova York e veja ele no clube dele, deve custar um décimo…
Boa, também aproveito pra ver o Robert Plant, que aqui vai sair por 850,00 contos…
O Lemmy diz que Little Richard é o maior cantor de rock de todos os tempos. E é bem possível que ele tenha razão.
Concordo com ele.
Esse é Discoteca Básica MESMO! The Band mandando uma das pérolas desse album: http://www.youtube.com/watch?v=b0z0ajcDgns
(OT) André, vc já conhece a nova heroína do Brasil? Ela denunciou as mazelas de sua escola pública e sofreu represálias
http://abcuritiba.com/2012/08/27/isadora-faber-pode-ser-o-comeco-de-uma-revolucao-no-ensino-publico/
André, você já viu aquele livro “O Pequeno Livro do Rock”? Junta coisas que eu gosto: Quadrinhos e Rock N Roll. O que eu achei interessante é a cronologia que segue, porque vai realmente ano a ano, até 2009, e fala bastante dessa época dos anos 50 e 60. Pra quem quiser ter uma idéia de como é: http://screamyell.com.br/blog/wp-content/uploads/2010/04/rock_livro.jpg
E quando ao Little Richards, acho que ele, o Jerry Lee Lewis, o Eddie Cochran e o Chuck Berry são os avós do punk, com certeza.
Não conheço não, valeu pela dica.
Caro Barça…belíssimo post…embora meu preferido seja jerry Lee Lewis, mas com certeza ambos foram pessoas muito a frente do seu tempo…sinto uma enorme tristeza de nunca ter visto ambos ao vivo..deveria ser uma experiência no mínimo interessante. Comparado ao que temos hoje…realmente creio que nasci na época errada.
Abraço.
Vi os dois, mas já eram atrações nostálgicas. Mesmo assim, foi emocionante.
André, ler esse texto logo de manhã foi revigorante – long live Little Richard! Thanks a million.
O Madame Satã do rock’n’roll.
É mesmo, bela analogia.
Não sabia que foram os ingleses que trouxeram Little Richard de volta à perdição! Talvez seja o olhar incisivo e meio “afetado”, mas tem umas imagens desse maluco que me lembram o Oscar Wilde.
Verdade, nunca tinha pensado nisso.
Fala Barça, realmente Little Richard é louco, assim como Buddy Holly, Chuck Berry, Jerry Lee Lewis (que você comentou a um tempo atrás) Gene Vincent, Eddie Cochran, Richie Valens, The Everly Brothers, Johnny Cash, Fats Domino, Roy Orbinson, Carl Perkins e Elvis, isto para citar os mais conhecidos.
O triste é que a maioria desta geração ficou marcada por fins trágicos (alguns muitos jovens) ou caíram no ostracismo (com exceção do Elvis…mas este ficou tosco no fim da carreira…na minha opinião).
Mas todos foram fundamentais e influentes para toda geração dos anos 60, principalmente pelas bandas inglesas e acredito que toda discoteca básica tem que ter um disco de cada um destes caras e não aquelas coletâneas com capas toscas.
Mas estes caras possuem uma história incrível mesmo e segue como sugestão Barça, bem que você poderia indicar umas biografias das boas, sobre esta turma!!!
Abraço.
Lembro, da primeira vez que ouvi este desvairado,trilha sonora do predador 1987 pirei e um comercial das fitas Crhome da Basf com o Evandro Mesquita desde então se quero cantar dançar LR e cara.Boa lembrança André.