A contracultura não seria a mesma sem ele
19/11/12 07:05
Uma das figuras mais importantes da contracultura dos anos 60 e 70 está no Brasil. O inglês Barry Miles, 69, autor, jornalista, ativista e agitador cultural, amigo pessoal de Paul McCartney, Allen Ginsberg e dos poetas “beat”, faz um debate hoje em São Paulo e quarta, no Rio (veja a matéria que publiquei sobre Miles na “Folha”, aqui).
Entrevistei Barry Miles para a “Ilustrada”. Aqui vai o melhor da conversa:
– Você, que viveu intensamente os anos 60, como vê esse processo de idealização que existe sobre aquela década? Os 60 são vistos, hoje, como anos de liberdade total, de experimentações…
– Mas não foi exatamente assim, não é mesmo? Muito do que se fala sobre os anos 60 – a liberdade sexual, a intensa experimentação com drogas – só aconteceu, de fato, nos anos 70. Nos 60, não havia sequer pelos pubianos em fotos de revistas, era um tempo muito pudico e reacionário. Foi, claro, uma época em que as pessoas começaram a pensar em formas alternativas de vida e comportamento, por isso foi tão importante.
– Essa divisão histórica que se faz entre os 60 e os 70 também parece muito forçada, não? Como se o início de uma nova década automaticamente significasse mudanças…
– Sem dúvida. Prefiro ver todo o período de 1964 a 1978 como uma continuidade de um processo de mudanças na sociedade. Isso acabou quando o punk surgiu. E é gozado, porque muitos falam que o punk surgiu como uma reação ao movimento hippie, mas a verdade é que muitos punks gostavam da filosofia hippie. O pessoal do Clash era leitor do “International Times”, por exemplo (jornal alternativo que Miles fundou em 1966).
– De todos os personagens com quem você conviveu, quem te marcou mais?
– Difícil, foram tantos… Mas acho que foi Allen Ginsberg. Morei por mais de um ano na casa de campo de Ginsberg, no estado de Nova York, em 1970, quando ele me convidou para organizar seus arquivos e catalogar as gravações de suas leituras de poesia. Allen era uma pessoa muito generosa. Por meio dele, conheci todos os “beats”. Ele mudou minha vida.
– Você escreveu a biografia de Ginsberg. Ele era um bom entrevistado? Era do tipo que lembrava tudo sobre a própria carreira?
– Não, pelo contrário (risos), tinha uma memória muito ruim e simplesmente inventava muito sobre o próprio passado. Uma vez, me contou de um verão inteiro que passou numa fazenda de maconha com Neal Cassady (figura fundamental do movimento “beat” e inspiração do personagem Dean Moriarty, do livro “On the Road”, de Jack Kerouac). Quando fui checar as datas, descobri que tinham passado não mais de quatro dias lá. Depois me contou que, no tempo em que esteve na Marinha Mercante, nunca tinha posto um uniforme militar, mas achei fotos dele até no treinamento de tiro! Allen tinha bloqueado algumas coisas de sua memória. Mas o pior entrevistado do mundo tem de ser Mick Jagger. Ele não lembra absolutamente nada sobre a própria vida.
– E “Many Years From Now” (biografia oficial de Paul McCartney). Como foi escrever esse livro?
– O livro é baseado em entrevistas que Paul me concedeu. Paul é um artista corajoso e sempre aberto a novidades. Quando fiz o livro, confessou suas experiências com heroína, coisa que só as pessoas mais chegadas a ele sabiam. Mas não pediu para excluir nada do texto, a não ser uma ou duas passagens sobre antigas namoradas, que poderiam chatear Linda (McCartney, esposa de Paul). Na época, Linda estava morrendo de câncer, e tudo que Paul não queria fazer era magoá-la.
– Você foi uma espécie de mentor intelectual de McCartney, não?
– Não sei se chego a tanto, mas o apresentei a pessoas muito interessantes. Levei Allen Ginsberg e William Burroughs à casa de Paul, além de pintores e poetas.
– Você está trabalhando em algum livro novo?
– Sim, estou terminando a biografia de William Burroughs. Será lançada em 2014, ano do centenário de nascimento dele. As pessoas que cuidam do acervo de Burroughs me deram acesso total a tudo. Tive acesso até aos arquivos de internações psiquiátricas dele.
– Não consigo nem imaginar o que existe nesses documentos.
– Você não tem idéia: os relatórios médicos sobre a saúde mental de William Burroughs são absolutamente fascinantes e nunca foram divulgados. Não posso esperar para o livro sair.
Parabéns pela entrevista. Por favor, quais livros do Miles foram publicados em português? A moça na foto não é a Jane Asher: é a Mary Quant, dita inventora da minissaia (as gregas já usavam na antiguidade).
Valeu pela info, não sabia.
Pois é, John Lydon, ex-Johnny Rotten, dos Sex Pistols, era fã do Van Der Graaf Generator, ótima banda do rock dito progressivo, riponguíssima…
Nesse dia que você publicou a matéria sobre o Miles na Ilustrada, saiu no mesmo caderno, uma interessantissima entrevista com o Lawrence Ferlinghetti, não acha? E o fato dele recentemente, ter recusado um prêmio de € 50 mil por questões ideológicas? Esse cara também foi importante para contracultura e até hoje tem atitude.
Baita coincidência, os dois no mesmo dia da Ilustrada. Ficou demais a entrevista do Ferlinghetti.
Andre nada a ver com o post,muito legal sua participação no Redação de ontem,sua filha é um barato, com aquele camisão do Flu….massa parabens!
Valeu, Vano, ela se amarrou, só ficou um pouco tímida!
André existe alguma chance dessa biografia do William Burroughs sair traduzida por aqui ???
Abs!
Off Topic, mas veja o que acabaram de postar: um EP de natal do Mark Lanegan, com direito a cover do Roky Erickson.
http://www.youtube.com/watch?v=WhgfLvqp-xI&feature=player_embedded
Ótima forma de acabar a segunda-feira. Muito boa a entrevista. Valeu por postá-la aqui. Saudacoes tricolores wagnerianas
berlinenses !
Caro André,
Trabalho bacana o seu.Entrevista com um dos mentores do McCartney…
Boa entrevista! Esse livro sobre o Burroughs parece que vai ser imperdível!
nada a ver com o post, mas tudo a ver com o blog http://www.zazzle.com.br/ignatius_j_reilly_camiseta-235180441710428215
Cara, que coisa linda, vou comprar com certeza.
Vc sabe quem é essa mulher da foto?
Desconfio que seja a Jane Asher.
Cara, vc é muito sortudo. Claro, vc é um jornalista bastante competente e, também por isso, entrevista pessoas do quilate de Barry. Agora, qdo vc conversa com figuras como ele, qual é a sensação? Que tipo de tique nervoso passa por vc?
Foi por telefone, que é sempre chato, porque vc não está vendo a pessoa e a conversa é, geralmente, mais fria. Mas é emocionante falar com um sujeito com ele, com tanta história pra contar.
Legal a entrevista, Barça! Falando em movimento beat, você chegou a ver o filme baseado em On the Road? Recomenda?
Vi mas não gostei muito, infelizmente. Mas vale a pena assistir. Se o Barry Miles gostou, vale.
André, deve ter sido muito legal ter vivido esta época, mas concordo com o Barry, acho que os anos 1970 foram muito mais interessantes e importantes que os anos 60, digo isso, sem ter vivido ambas as épocas, mas lendo muito sobre estas.
P.S. E pelos pubianos também não aparecem hoje em dia, a moda é tirar tudo!!!!
Verdade. Estou trabalhando num livro justamente sobre os anos 70, acho a época mais interessante.
Concordo com você, mas também concordo com você e com o Miles quando observam que não existem mudanças automáticas com a entrada de novas décadas. É apenas um processo contínuo. As pessoas (principalmente jornalistas e saudosistas) se referem às décadas como se no ano 9 de cada uma tudo fosse interrompido e no ano seguinte tudo começasse do zero.
Eu gosto muito da Geração Beat. Essa biografia do Bill Burroughs será sensacional, sem dúvida!
Ler sobre o Burroughs, sempre achei, é mais interessante do que ler o Burroughs.
Caramba, já tive essa sensacao,mas preciso ler melhor a obra dele.
A minha experiência com outro Beat, o Kerouac, não foi das melhores. Achei o tão falado “On the road” um livro bem chinfrim.
Do Kerouac, também prefiro outras coisas a “On The Road”. “The Subterraneans” é bem melhor!
Bem legal isso André. Um privilégio entrevistar o Barry. Adoro tudo o que li dele.
Show de bola essa entrevista, Barça! Assim é impossível não querer vir até seu blog para acompanhar as postagens!
OFF a parte…:
http://guia.folha.uol.com.br/cinema/1185553-final-de-crepusculo-sera-exibido-em-sala-com-vibracao-de-poltrona-e-aroma.shtml
KKK…
… boa segunda de pré feriado a todos!
Mais um dos posts fascinantes que você publica frequentemente, apresentando figuras fundamentais de nossa cultura e que eu ignorava, como William Burroughs e a “geração beat”. Barça, desculpe pela minha ignorancia, mas tenho um enorme interesse em conhecer essas “figuras” que você costuma citar no seu blog. É um dos motivos que me fazem entrar no blog pelo menos duas vezes por dia esperando ansiosamente para ler seus artigos, mesmo que alguns eu não concorde muito… Muito obrigado, e vida longa à “Confraria de Tolos”!
Valeu!
E que tal a biografia do McCartney? Ela é tão sincera e reveladora como sugere o autor? Outro livro do Miles que parece bem interessante é o “London Calling”, vc recomenda? Abraço
Não li o London Calling, mas as críticas são fenomenais. A biografia do McCartney é indispensável.
É curioso como estes “facilitadores” são muitas vezes menosprezados ou relegados ao segundo plano nos grandes movimentos culturais ao longo do século XX. Muitos biógrafos são infinitamente mais interessantes que vários “artistas”, supostamente determinantes nos caminhos traçados ao longo dos anos. Acho que esta postura demanda do profissional muita segurança e maturidade intelectual. Se manter coadjuvante, na sombra, para que a luz foque exclusivamente os personagens de fronte são para poucos.
Abraço
Uma biografia sobre Borroughs é mais que bem vinda. As informações que se acha por aí a respeito dele são desencontradas e superficiais, principalmente sobre o vício em narcóticos. André, o que vc leu dele e recomenda? É dificil achar livros dele em português, não? Por qual motivo, tabu?
Bia, só li dois livros do Burroughs: “Junkie”, que achei demais, e “Naked Lnuch”, que achei um porre e nem me lembro se consegui terminar. Mas a vida do cara é incrível e a biografia também deve ser. Não sei dizer se é difícil achar em português, li no original. Mas esses dois livros vc deve achar, acredito.
Bia, só li dois livros do Burroughs: “Junkie”, que achei demais, e “Naked Lunch”, que achei um porre e nem me lembro se consegui terminar. Mas a vida do cara é incrível e a biografia também deve ser. Não sei dizer se é difícil achar em português, li no original. Mas esses dois livros vc deve achar, acredito.
Exatamente o que aconteceu comigo. “Junkie” eu achei demais, “Naked Lunch” tentei ler por duas vezes e desisti no meio do caminho. Um livro interessante de ler é o “Cartas do Yage”, que mostra as correspondências entre o Allen Ginsberg e o Burroughs, durante a viagem do Bill pela América do Sul em busca deste alucinógeno, o tal do Yage.
acho que “Junkie” é o único livro “legível” do Burroughs mesmo. eu tentei ler alguns outros e tb não consegui, muita doideira, muita experimentação. até o filme que o Cronenberg fez baseado no Burroughs é um porre. e acho que o cidadão realmente não escreveu muito. agora, já existe um livro sobre o Burroughs, um tijolão chamado “Literary outlaw”: the life and times of William Burroughs”. mas esse do Miles promete.