O hipster e a tartaruga
04/12/12 07:05
Explorar Nova York é sempre uma surpresa. Impressionante como a especulação imobiliária tem mudado a cara de muitos bairros da cidade. Você pode visitar um lugar e, ao retornar depois de alguns anos, não reconhecê-lo.
Foi o que aconteceu comigo há poucos dias, ao voltar a Williamsburg, no Brooklyn, depois de quase 15 anos sem pisar no bairro.
O dia de passeio havia começado cedo, com uma visita a Chinatown. Não o bairro chinês de Manhattan, que os turistas estão cansados de explorar, mas a Chinatown no sul do Brooklyn, em Sunset Park. Foi um dos bairros étnicos mais incríveis que já conheci. Um passeio imperdível.
Há 20 anos, aquela parte do Brooklyn estava arrasada pelo crack. Mais de 90% das lojas estavam fechadas. Multidões de mendigos e junkies vagavam pelo bairro. Parecia uma cidade-fantasma.
Foi aí que, empurrados para fora de Manhattan pelos aluguéis cada vez mais caros, famílias chinesas começaram a chegar a Sunset Park.
Hoje, a Chinatown do Brooklyn já superou, em tamanho e população, sua irmã mais famosa de Manhattan. Com a vantagem de não atrair turistas e de reunir restaurantes e comércios bem mais autênticos e baratos. Não vi ninguém vendendo Rolex falso ou bolsa da Louis Vuitton.
Andando por Sunset Park, a impressão é de estar na China. Achar um ocidental por lá, especialmente em dias de semana, é quase impossível. Passamos quatro horas no lugar e não vimos mais de quatro ou cinco não-orientais. Teríamos visto mais em Pequim, com certeza.
As ruas estão cheias de restaurantes – chineses, vietnamitas, malaios, tailandeses – e de lojas de produtos chineses. Mercearias vendem temperos, molhos e especiarias asiáticas.
As peixarias são uma atração à parte, com suas ofertas de criaturas vivas – peixes, moluscos, crustáceos, rãs, e até tartarugas. Poucos atendentes falam inglês, o que torna a experiência ainda mais surreal.
A Chinatown do Brooklyn é um caso exemplar de comunidade étnica que salvou um lugar falido e deu nova vida ao bairro. É o lugar mais surpreendente e divertido que já conheci em Nova York.
De lá, pegamos o metrô e, 20 minutos depois, chegamos a Williamsburg, também no Brooklyn. Nossa animação acabou em poucos minutos.
A última vez que estive em Williamsburg foi por volta de 1997. Na época, o bairro era dominado por fábricas e imensos depósitos. Era lá que alguns núcleos de música eletrônica alugavam espaços abandonados para promover festas.
Em 2005, a cidade de Nova York mudou o zoneamento de Williamsburg para permitir a construção de prédios residenciais. E o lugar rapidamente virou a capital hipster da cidade.
Antigas fábricas foram transformadas em prédios ao estilo Berrine. Ruas por onde passeavam famílias latinas e polonesas foram dominadas por grupos de riquinhos posando de alternativos.
Em um dos metros quadrados mais caros da cidade, yuppies tomam cafés de seis dólares e compram roupas em brechós de luxo. Um deles vendia uma camiseta “vintage” do Dead Kennedys. Preço: 60 dólares.
O lugar parece um comercial de TV. A impressão é de que todos ali estavam fazendo teste de elenco para um clipe do The XX, com aquele visual de gótico de boutique.
Nos cafés, nos bares e nas lojas, o clima blasé predomina. O vocabulário parece se resumir a poucas palavras: “orgânico”, “sustentável” e “descafeinado”. É uma turma que não ri, não trepa e não se diverte. A apoteose da assepsia politicamente correta.
Tudo é limpinho e falsamente alternativo. No banheiro de um café, os escritos nas paredes eram tão bonitos que pareciam ter sido feitos por um artista.
O hipsterismo é uma praga. Não sei o que é pior, um hipster que veste uma camiseta rasgada por um estilista hype ou os turistas que andam por Times Square com camisetas do Hard Rock Café. Acho que a turistada, pelo menos, é mais divertida e autêntica.
Hipsters conseguem se apoderar de tudo que é legal e transformá-lo em estrume. Eles até descobriram que o vinil – é, aquela velharia que o MP3 matou, lembra? – é cool. E os brechós agora vendem modernos toca-discos de visual retrô e discos de 180 gramas, que custam 25 dólares e servem para decorar as estantes de algum loft de 2 milhões de dólares.
Tchau, Williamsburg, foi bom ter te conhecido. Sunset Park, pode me esperar que tô voltando…
cara depende do tipo de turista, não generaliza, ou vc quando viaja não está fazendo turismo?
Acho que vc entendeu o que eu quis dizer.
Claro que entendi o que vc quis dizer, só não concordo. Não me afeta em nada o povo que anda pela Times square com camisas do Hard Rock, deixa eles serem felizes, estão curtindo. Quando a gente se acostuma a viajar a gente para de fazer isso, mas é muito comum nesses grupos pessoas que nunca viajaram, que não conhecem a língua do local visitado e que provavelmente não voltarão novamente. É natural que se reunam atrás do guia e frequente somente os pontos mais conhecidos.
Claro que afeta. Times Square não era assim até o fim dos anos 80, então é óbvio que eles afetaram a cidade.
Você deve ter tido a intenção de dizer outra coisa, mas ficou a impressão de que o pessoal zombado aí, do Hard Rock, não tem direito de ir ao Times Square, por que fere os olhos dos descolados (“não brinco mais, agora todo mundo conhece…”). Nenhum deles é educado? São 100% de vândalos? Duvido.
Direito tem, claro, assim como qualquer um tem o direito de achar o Hard Rock e todas as armadilhas de turista uma porcaria sem fim. Onde vc viu alguma referência a vandalismo? Tá louco? Turista não é chato porque é vândalo, é chato porque acaba com a alma de qualquer lugar.
Ficou mais claro agora. E concordo com você: tem armadilhas para turista sim e a paisagem do abatedouro não é das mais agradáveis.
Desculpa André, mas acho seu comentário um pouco elitista. Eu também acho que as armadilhas para turista seja uma droga e que acabam descaracterizando o lugar, mas eles estão no seu direito. Na primeira vez que fui em Paris, peguei uma fila de 2 horas para subir na torre, oras faz parte, não sabia se teria a chance de voltar lá e acho que é uma experiência que vale a pena passar uma vez. Agora, tive a chance de voltar outras vezes e nunca mais paguei esse mico, mas na primeira vez não foi um mico, visto que não conhecia o lugar. Todo mundo que posa de descolado e conhecedor uma vez já pagou de turista, e que atire a primeira pedra que não…
Desde quando criticar turista é elitismo? Criticar turista POBRE seria, sem dúvida.
Acho que na verdade não é Hipster… é Yndie.
uma vez reclamei disso com um amigo (de como os hipster tornavam tudo uma droga sem personalidade…na ocasiao estava falando sobre festiveis de rock) e ele me atacou com essa “qual seu problema? vc nao gosta de gente bonita?”. olha, eu sou super pro-beleza, sou pro-feiura tambem, mas porra, esse povo transforma tudo em um editorial de revista de moda.
Não sou muito bom em identificar o tipo. Com a imagem que ilustra o post vai ficar bem mais fácil. Mas um correlativo aos Hipsters novaiorquinos seriam os socialistas do Leblon?
Grande abraço Barça.
Barcinski, chegou a ler Sunset Park, do Paul Auster?
Putz, não li, bela lembrança. Que tal?
Não é o melhor dele, mas vale. Acho que você vai curtir mais por ter estado lá. O livro cita muito um cemitério que tem por lá. Chegou a ver?
Não, mas fui de metrô N, que foi onde o Friedkin filmou a perseguição de Operação França.
De uns tempos pra cá tenho achado o turista um injustiçado. Devia ter sido mais, marquei bobeira. Por isso, acho feio quando você diz que Sunset é bom por que não tem turista e acho bom quando diz que turista é melhor que o tal do hipster. Um viva para o casal de idosos japoneses com suas super máquinas fotográficas.
Turista é um saco, Neder. Só é preferível ao hipster.
Ser um turista massificado, para mim, é se tornar um puro americano contemporâneo: alheio, ignorante, ávido por algo que nunca poderá ter, frustrado de um modo que nunca poderá admitir. É macular, através de pura ontologia, a própria imaculabilidade que se foi experimentar. É se impor sobre lugares que, em todas as formas não econômicas, seriam melhores e mais verdadeiros sem a sua presença. É confrontar, em filas e engarrafamentos, transação após transação, uma dimensão de si mesmo tão inescapável quanto dolorosa: na condição de turista você se torna economicamente significativo mas existencialmente detestável. (David Foster Wallace, no artigo “Pense na Lagosta”, revista Piauí nº 72)
É bem por aí mesmo.
pior que tem lugares que passam a viver exclusivamente em função desses turistas e perdem por completo as características que outrora fizeram a sua fama.
Rsrsrs…. Eu sei a que você se refere, e também sei que conhece melhor que eu as presepadas turísticas. Apenas imagino que são diferentes entre si e tenho certeza que são importantes para muitos negócios. Uma curiosidade: os turistas da Flip são menos sacais que os demais pelo fato de serem “turistas literários”…?
Ótimo texto! Lembrei desse Tumblr que vi outro dia sobre o dicionário dos coxinhas: http://coxesportugues.tumblr.com/
A “assepsia” urbana é um fenômeno inevitável das grandes cidades.
Aqui no Rio, infelizmente, estamos vendo alguns bairros outrora legais e realmente alternativos serem transformados pela especulação imobiliária.
Santa Teresa já virou shopping muderninho para gringo, a Lapa foi invadida por pés-limpos com decoração padronizada e Botafogo agora é um grande bistrô hypster, com os preços hiper-inflacionados.
“At Home He Feels Like A Tourist”
Estive no Brooklyn este ano e gostei muito do bairro. Achei incrível a miscigenação cultural. A população negra é fantástica e é um barato ver aqueles dirigidos pelos crioulos estilosíssimos. Foi ao Village, André?
Bom, mas onde no Brooklyn vc foi? O Brooklyn é gigante. Se fosse uma cidade, seria a quarta maior dos EUA.
Eu acho que vc não esteve em Williamsburg, pq lá é povoado por assídicos e poloneses, não por negros. Ah, sim, e agora foi invadido pelos hipsters como bem colocou o Barcinski.
Respeito muito teu trabalho há décadas! Mas assim… essa coisa Hipster não está fora de lugar? Até onde sei Hipster foi novidade em 2006 durou até 2007, esticando 2008… Do que estamos falando?
Me lembro de ter entrado neste site da Finlândia em fevereiro de 2006, Hipsters em 2012?
http://www.hel-looks.com
Serão eles os próximos Hippies, o movimento que não acaba?
Ué, vai em Williamsburg pra ver. Ou vc acha que eles acabaram?
a berrine tem alguns hipsters, mas a predominância é dos zumbis corporativos. na hora do almoço, é possível ver uma horda deles como numa procissão – são os portadores de crachá e os adoradores de gestores. é claro que, durante o almoço (e no café da manhã), o assunto é um só: trabalho. é de arrepiar, lembra muito “invasion of the body snatchers”.
Barcinski, você não acha que vivemos uma “hipsterização”, principalmente em SP. Acho um saco por exemplo ir na Paulista/Augusta ou em qualquer show de rock na cidade. Virou ponto de encontro dessa galera, e f***-se o show ou qualquer que seja o evento.
O maior exemplo disso foi o seu texto sobre a exibição de “Nosferatu” no Ibirapuera.
Esse blog é muito bom: http://diehipster.wordpress.com/
Fora do assunto, mas achei interessante comentar, assisti neste fds a 2 filmes escritos pelo Nick Cave…o 1º foi a Proposta…ai descobri que o Lawless tb foi escrito por ele.
Me parece que o Nick Cave possui uma parceria com o diretor John Hillcoat (A estrada).
E eu achava que os hippies era uma m… agora vem os hipsters…
… saudade dos yuppies!
Cara, cada vez mais as coisa que você tem postado combinam com o que eu penso. Aqui no Brasil, volta e meia é criado uma linha “popular” bacana. Lembra do samba-rock? Virou moda, tinha samba-rock na PUC, no Itaim. Era grupo de samba-rock com vocalista de dreadlock! Cadê isso agora?Agora é o tal de samba de raiz. O que é isso? É chic falar que vai lá nos Arcos da Lapa no Rio escutar isso, mas duvido que alguém escute em casa, ou mesmo o Paulinho da Viola, que é bacana falar que adora o cara, mas nunca ouviu um disco inteiro. Essa história de vintage é uma tremenda cascata, tudo acaba tendo um verniz pseudo-alternativo pra cobrar mais caro. Pra terminar: caxirola ? Vão pro inferno ! Era o que faltava, uma bugiganga de plástico, até camelô teria vergonha de vender isso, e esse abjeto do Carlinhos Brown tem um projeto milionário aprovado pra produzir isso. Será que a gente não sabe torcer? Pelo menos a vuvuzela era uma tradição dos caras, não teve um cara que ” inventou” pra todo mundo usar.
andré, acho que o problema não é nem o hipster em si, mas os modismos. há cinco anos atrás havia o emo, assim como antes houve o punk de butique, surfista de pinico, clubber, coisas do gênero…A questão toda (e não quero estender a análise antropológica destes tipos) é a reprodução sem qualquer tipo de reflexão (alienação pura) – como vc mesmo falou, que idiota vai comprar uma camiseta surrada do DK por 60 dólares?
É meio tosco, mas bastava ouvir o joãozinho podre pra um cara desses cair na real “your future dream is a shopping scheme”
e pra finalizar, sábado, seguindo teu guia, fui lá no Degas e comi um cordeiro. O prato era individual, mas devia dar para umas 4 pessoas tranquilamente. Os garçons são velhos e feios e passaram no teste de servir o arroz com duas colheres e uma só mão. Uma delícia! Valeu pela dica!
André, você já viu Portlandia, do Fred Armisen e da Carrie Brownstein?
Eles tiram o maior sarro da ceninha hipster-orgânico-sustentável de Portland (Portland is where young people go to retire!). Eu acho muito bom! Abs
Não conheço, é um doc?
É uma série de sketches produzida pelo Lorne Michales; por lá passa no IFC, mas você acha muita coisa no youtube.
Não conheço, vou procurar. Parece demais.
A cena do restaurante no episódio 01 é hilária…
André, sem hypsterismo tô indo com minha noiva ver o show de encerramento da Old Ideas do Leonard Cohen em NY. Alguma dica a mais do Brooklyn?
Vá a Park Slope e passe uma tarde no Prospect Park, é bem mais legal e miscigenado que o Central Park.
Feito. Muito obrigado
Estão acabando com a gloriosa Rua Augusta. Nem veneno mata essa praga.
é o “Caoz” pré-Apocalipse
parece até, que você estava falando de “São Paulo”. Essa atmosfera blasé, é um porre…to ficando velho e, com saudades da minha vitrola.
A onda hipster já virou uma praga aqui em Belo Horizonte. São de uma arrogância imensurável.
agora imagina isso na versão tupiniquim…
Trabalhar em NY com design de web: sonho! rsrs(Me desculpem por mudar de assunto)…
Sensacional. Mas evite Wiliamsburg, a menos que possa pagar 3 mil dólares por mês numa kitchenete de 10 m2.
Caraca, eu pagava mil dólares numa kit de 21 m2 em na periferia de Tokyo.
A Hispteria é um saco mesmo…
Foi bem por isso que parei de colecionar vinis…hehe Não por causa do MP3, mas por ser “modinha”… e por ter encarecido com isso.
Admito que vejo muito desses tipos por aí, mas não sabia que eram conhecidos como hipsters. De qualquer forma, você falou tudo o que eu penso sobre essa gente. Limpinhos, posudinhos, falsamente alternativos, assépticos, alguns antipáticos e por aí vai… Não me identifico nem um pouco com eles, embora já existam em grande número.
“Sunset Park, pode me esperar que tô voltando…”
ate a nova especulação imobiliaria….
Enquanto o Brooklyn foi revitalizado, em 20 anos nossa crackolândia só aumentou e piorou….este ano o “brilhante” prefeito Kassabambi teve um plano mirabolante que só espalhou os usuários na região central. E as bandas favoritas dos Hipsters quais seriam? Foster the people? XX? ou a artista pré-fabricada Lana del Rey? Um Abraço!
Se tem coisa ridícula é uma pessoa se auto-denominar hipster e se esforçar pra ser um deles…