Tarantino vs. Spike Lee: a briga continua
24/01/13 07:05E a briguinha entre Spike Lee e Quentin Tarantino teve um segundo “round”. O primeiro aconteceu há 15 anos, quando Tarantino lançou “Jackie Brown” e Lee o acusou de usar demais no filme a palavra “nigger”, uma expressão racista extremamente ofensiva. Tarantino retrucou, dizendo que eram apenas seus personagens falando, não ele.
No fim de 2012, às vésperas do lançamento norte-americano do novo filme de Tarantino, “Django Livre”, Spike Lee chamou o filme de “desrespeitoso”, apesar de ter admitido não tê-lo visto. “A escravidão americana não foi um spaghetti western de Sergio Leone. Foi um Holocausto. Meus ancestrais foram roubados da África”.
No filme, o personagem de Jamie Foxx é um escravo que tenta libertar sua esposa de um poderoso e sádico senhor de terras (Leonardo Di Caprio).
Em uma entrevista ao programa de rádio de Howard Stern, Tarantino retrucou de novo: “O filme fala sobre a época da escravidão, um período terrível e injusto. Como alguém pode fazer um filme sobre a escravidão sem mostrar as injustiças que eram cometidas?”
A verdade é que Spike Lee se acha “dono” do tema “conflito racial”. E não é de hoje que se mostra incomodado quando um diretor branco resolve abordá-lo.
Em 1991, o cineasta Norman Jewison se preparava para rodar “Malcolm X”, cinebiografia do líder negro. Spike Lee, que havia feito sucesso com “Faça a Coisa Certa”, protestou, dizendo que um branco nunca poderia contar direito a história de Malcolm X. A chiadeira deu resultado, e a Warner tirou Norman Jewison do projeto e colocou – surpresa! – Spike Lee para dirigir o filme.
Detalhe: Norman Jewison, que na época tinha 65 anos e já era um veterano do cinema norte-americano, havia dirigido pelo menos dois grandes filmes sobre o tema do racismo: “No Calor da Noite” (1967), com Rod Steiger e Sidney Poitier, filme que ganhou cinco prêmios Oscar, e “A História de um Soldado” (1984).
Separei trechos de uma entrevista que Elvis Mitchell, excelente crítico de cinema, fez com Spike Lee para a revista “Playboy”, em 1991. Foi um papo revelador:
– Você disse que nunca se envolveria com uma mulher branca…
– Não preciso desse problema. Não gosto dessa merda. Eu simplesmente não acho mulheres brancas atraentes, é só isso. E há muitas mulheres negras lindas por aí.
– Você disse também que nenhum cineasta branco poderia fazer justiça à história de Malcom X.
– É verdade.
– Você não acha que Norman Jewison, que estava originalmente escalado para dirigir o filme, poderia fazê-lo?
– Não, não acho. Por que sempre perguntam essas merdas para os negros? Você não acha que Francis Ford Coppola trouxe algo de especial para “O Poderoso Chefão” pelo fato de ser italiano? Ou que Martin Scorsese trouxe algo especial para “Os Bons Companheiros” por ser italiano?
– Marlon Brando não é italiano e trabalhou em ‘O Poderoso Chefão’. Será que o ponto não é a baixa presença de minorias no cinema?
– Sim. E quando essa merda mudar, nós podemos conversar. Até que tenhamos muitos diretores negros trabalhando em filmes, e minorias trabalhando em filmes, a ponto de isso não ser mais uma questão, temos de tratar o assunto de maneira diferente.
– Mas e se um cineasta tiver qualidades que outro não tem?
– Eu respeito Norman Jewison, respeito seu trabalho (…) Mas acho que, nesse caso, um homem negro é mais qualificado. Mas também acredito que cineastas negros são qualificados para dirigir filmes sobre pessoas brancas.
– E como isso funciona?
– Porque nós crescemos com imagens brancas o tempo todo, na TV, no cinema, em livros. O mundo branco nos rodeia.
Depois das críticas de Spike a “Django Livre”, o ator do filme, Jamie Foxx, respondeu: “Qual é a de Spike Lee? Ele não gosta de Whoopi Goldberg, não gosta de Tyler Perry, não gosta de ninguém. Acho que ele se esgotou (…) Spike é um diretor fantástico, mas ele se torna mesquinho ao atacar seus colegas sem acompanhar o trabalho que está sendo feito. Para mim, isso é irresponsável.”
Será que vem por aí um terceiro round?
P.S.: Estarei sem acesso à Internet por boa parte do dia. Se o seu comentário demorar a ser publicado, por favor, tenha um pouco de paciência. Obrigado.
Concordo com o Spike Lee e acho que ele está sendo mal interpretado. A parte mais importante do seu discurso é: “Até que tenhamos muitos diretores negros trabalhando em filmes, e minorias trabalhando em filmes, a ponto de isso não ser mais uma questão, temos de tratar o assunto de maneira diferente”. Ou seja, enquanto existir racismo no alto grau em que existe, é preciso tratar a questão com a dramaticidade que ela merece. Acho que a postura dele, radical, na questão do Malcolm X, foi valiosíssima. Ainda mais há 20 anos atrás, quando a morte de Malcolm era ainda bastante recente. Não caberia a um branco filmá-la mesmo, a não ser que conseguisse entrar de corpo e alma na questão negra, o que é um tanto difícil de se encontrar (e talvez isso seja pior lá que aqui). Enfim, também não dá pra ficar levando ao pé da letra tudo que ele fala, é preciso tentar entender que a posição dele de não fazer concessões diante da questão do racismo diz muito sobre a sociedade americana em que ele vive (onde candidatos republicanos à presidência são boicotados por falarem francês).
E Tarantino é, ao meu ver, um adolescente boçal com grande domínio técnico de edição e montagem. Faz filmes tecnicamente interessantes, mas conta histórias sob um ponto de vista extremamente individualista, reforçando dessa forma os próprios discursos americanistas que acha que combate. Essa ideologia da vingança individual contra poderes estabelecidos corre em suas veias de forma absurda pelo menos desde aquela coisa ridícula chamada Kill Bill, passando pela tremenda estupidez ideológica de Bastardos Inglórios e este filme de agora deve ser a mesmíssima coisa, vide as entrevistas dele. Esses dois filmes intragáveis me soam como se fossem feitos por aqueles adolescentes que entram nas escolas americanas metralhando todo mundo, como se estivessem concretizando vinganças legítimas pelas injustiças que sofreram. O Tarantino parece ter prazer em lidar com massacres históricos com o patético discurso: “olha como é legal ver os injustiçados metralhando todo mundo”. É a estética do videogame. Americaníssima.
Essa faceta do Spike Lee é profundamente irritante. De nada adianta ter o terceiro, quarto, quinto round dessa história, se ele não cair na real de que está sendo um racista às avessas, e ver que está dizendo um monte de asneiras e criticando o trabalho dos outros por um delirante monopólio étnico de certos temas.
É estranho um cinesta tão inteligente ter uma opinião tão limitada e radical sobre a questão. Tudo bem que ele deve ter seus motivos pessoais, mas nada justifica esse ataque à liberdade de expressão de um colega.
E o que Spike disse sobre as mulheres brancas é de uma tolice absurda, dizendo que “não precisa dessa merda”.
Spike é um ótimo diretor, mas um grandíssimo mala.
É isso aí. Aqui no Brasil é a mesma merda, está cheio de Spikes Lees. Quer igualdade de tratamento, mas quando interessa o sujeito se declara negão. Só ele pode reclamar, só ele entende a dor dos seus semelhantes. Saco do caralho isso.
Então o Spike Lee quer pra ele a exclusividade na produção de filmes sobre racismo e preconceito contra negros? É isso?
Que tipo de post é esse, que é apenas cópia de matérias divulgadas anteriormente? O blogueiro jogou a M no ventilador e saiu correndo da sala? Enfim, tanto o Spike Lee quanto o Tarantino são ótimos diretores, mas que cometem iguais erros comercialóides no cinema. Eu assisti “Django Unchained” e achei bem fraco. Uma violência sem razão nenhuma e como as pessoas podem falar dos aspectos sociais do filme, se aquele filme é só entretenimento total, sem nenhuma associação direta com a história? Enfim, Tarantino jogou muito bem no marketing falando que o filme é sobre a escravidão. Não tem nada de histórico no filme, só um diretor com talento e uma história boba e sangrenta, com atores ruins. (exceto Waltz e DiCaprio, claro)
O que questiono é… Qdo esse assunto realmente vai ser tratado como igualdade… Que existe qualidades de ambos os lados não duvido…. Mas direitos iguais cabem todos os direitos e deveres… Impossível achar que domina tudo…
Eu admiro o trabalho de ambos e até entendo Spike Lee: ele tem um raciocínio extremamente binário. Paciência.
Melhor ver os seus filmes a ler suas entrevistas.
caro André, me lembro que comentei que um livro que você indicou sobre a Alemanha nazista, e afirmei que não utilizaria um livro jornalístico como explicação da tragédia nazista, e também não tinha lido o livro (na época sugeri Adorno como leitura sociológica). Por isso, você depreciou meu comentário… ora, por que agora a crítica de Spike Lee vale alguma coisa se ele não assistiu o filme? Não diga que você achou a crítica irrelevante, se não para quê o artigo?
sobre o fato de Spike Lee criticar um diretor branco que faz um filme sobre a escravidão, não é de se estranhar pois isso é uma postura política muito comum entre os pensadores do pós-colonialismo.
Agora, o Spike Lee gosta de usar a palavra “merda”….
Não entendi seu ponto. Tanto você criticar um livro sem tê-lo lido quanto o Lee criticar um filme sem tê-lo visto são absurdos.
Spike Lee é racista.
O maior problema de “Django…” é este: ele é previsível; na cena, por exemplo, em que um escravo sobe numa árvore, por causa dos cachorros, pensei que logo os animais receberiam ordem para devorá-lo… e, em seguida, isso acontece! Depois, numa outra passagem, homens descontraídos estão numa casa; apostei comigo que Jamie Foxx ia entrar atirando em todos… e foi exatamente o que ocorreu! Sem falar que (mais uma vez) Leonardo Di Caprio continua querendo provar que tem talento… e o próprio diretor aparece atuando, como se fosse algo inédito no cinema! Ao sair da sessão, fiquei com uma dúvida: Tarantino é muito querido pelos fãs porque é “cool” ou é “cool” porque é muito querido por eles?
Barcinski, essa arenga entre o Spike Lee e o Tarantino me fez lembrar de uma cena do filme “O Poder Negro” (Uptight!), de Jules Dassin. Conhece esse filme? É uma ótima adaptação de “O Delator, de John Ford, que se passa na época do assassinato de Martin Luther King.
O fato de Dassin ser branco jamais deveria servir de motivo para desqualificar o filme.
Idem para Norman Jewison, ainda mais por ter dirigido “No Calor da Noite”.
Acredito, Barcinski, que além da questão racial, Spike Lee tenha implicância com Tarantino porque, até o seu surgimento no mundo do cinema, Spike era um protótipo do cineasta independente dos anos 90. Com Tarantino chamando a atenção com seu cinema assumidamente pop, Spike Lee ficou meio eclipsado, ao menos enquanto ícone.
Além disso, há rumores de que o próximo filme de Tarantino será focado num pelotão de militares negros na II Guerra Mundial. Virão mais ataques chiliquentos?
Adianto que gosto mais dos filmes de Spike Lee do que dos do Tarantino. Porém, nessa briga por conta do “Django Livre”, Tarantino parece estar com a razão.
CAro Andre,
Concordo que o roteiro de Django Livre fica um pouco a desejar em relação a trabalhos anteriores de Tarantino. AInda mais agora que descobri o TARANTINO DAS LETRAS, um livro fantástico que estou lendo chamado SUFOCO, do escritor paulista Ricardo Bellissimo. Tem uma história, praticamente um roteiro de cinema, ágil e que prende o leitor, e que merece essa justa alcunha de ser chamado o Tarantino das Letras. Isso, sim, é roteiro de primeira. Recomendo a todos os fãs do gênero, depois conversamos sobre o assunto.
Parabéns pelo seu blog, abraços, Fernando
O Spike Lee é chato pra caralho e ponto.
Spike eh um racista feroz, entao nem vale a pena procurar tentar entende-lo, ele quer se vingar dos brancos como se eles todos fossem ex donos de alguma plantation. Mas ao menos o Spike tem talento. O povo de sao paulo sustenta com 200mil reais mensais o Netinho, com o mesmo complexo e nenhum talento.
A justificativa de Jamie Foxx pra Spike Lee de que ele não gosta de nada é que não foi lá essas coisas. Aliás, quem gosta de alguma coisa que Whoopi Goldberg fez de 96 pra cá ou de qualquer coisa que Tyler Perry tenha feito em toda sua carreira?
Eles que são brancos, que se entendam.