“A Hora Mais Escura”: a favor da tortura?
06/03/13 07:05Discutir cinema é fascinante porque não há verdade absoluta. Duas pessoas podem ver o mesmo filme e sair da sessão com opiniões opostas.
Um exemplo é “A Hora Mais Escura”, filme de Kathryn Bigelow sobre a caçada dos Estados Unidos a Osama Bin Laden.
Eu gostei muito do filme (leia minha crítica na “Folha” aqui). Mas tenho ouvido diversas pessoas detonando Bigelow, com o argumento de que o filme é “a favor” da tortura.
Explicando: no filme, são mostradas várias sessões de “waterboarding”, um método pavoroso de tortura por afogamento. Foi numa dessas sessões que os norte-americanos ouviram, pela primeira vez, o nome de um importante membro da Al Qaeda, que acabaria por levá-los a Bin Laden.
Mesmo nos Estados Unidos, o filme foi criticado por supostamente fazer a apologia da tortura. Vários críticos e analistas disseram que Bigelow não fazia nenhum julgamento moral do “waterboarding”.
Pergunto: e precisa? Simplesmente mostrar uma prática tão abominável não é o suficiente?
O que as pessoas queriam? Alguma cena em que um funcionário da CIA pedisse desculpas a um torturado? Algum torturador chorando de arrependimento? Isso seria, a meu ver, irreal e apelativo, e tiraria muito do poder de denúncia do filme.
Acho que Bigelow foi corajosa justamente por mostrar a tortura como parte corriqueira do processo de interrogatório. Isso foi muito mais chocante e revelador do que alguma cena em que um personagem pudesse sofrer uma crise de consciência. A diretora quer mostrar que ninguém teve crise de consciência ao torturar prisioneiros.
Há uma cena importante, em que oficiais da CIA assistem a um pronunciamento de Barack Obama, no qual o presidente diz que não há tortura nos Estados Unidos. Não consigo pensar em uma sequência mais danosa à imagem dos Estados Unidos.
Bigelow, aliás, não é estranha a polêmicas. Há alguns anos, seu filme “The Hurt Locker” ganhou em português o péssimo título de “Guerra ao Terror”, que desvirtua totalmente seu tema.
“The Hurt Locker” é uma expressão militar que significa algo como “um lugar ruim e doloroso”. Chamar o filme de “Guerra ao Terror” o fez parecer uma patriotada ao estilo “Rambo”, e até hoje vejo pessoas criticando o filme por isso.
Mas o tema principal de “The Hurt Locker”, para mim, é a dificuldade de readaptação de soldados à vida civil, depois de passarem pelos horrores da guerra. Tanto que o personagem de Jeremy Renner deixa sua família e sua filha recém-nascida para voltar ao Iraque e matar mais gente.
Inserir cena “contra” tortura no filme seria remendar a narrativa com opiniao propria , tentando humanizar a producao, torna-la policamente correta (pior); concordo.
Toda obra contem posicoes sobre o tema abordado. A sutileza que o autor/diretor usa define quao convincentes esses argumentos podem ser, para diferentes camadas do publico.
Intervencoes grosseiras (mortes; crises de consciencia; anos na cadeia; perda de extremidades) sao apendices grosseiros, tipicos do cinema de massa.
Tortura maior é a imprensa canina em peso acreditar que o Bin Laden foi morto no Paquistão em 2011
A própria Al Qaeda admitiu e jurou vingança. Mas acreditar em conspirações é sempre mais divertido
Estou esperando sair em Blu-ray. Se for como “Guerra ao Terror”, ótimo !!!
Só tem um detalhe.
Jogaram o corpo do Bin Laden no mar !!! A única prova foi jogada no mar!!!
E tem gente que ainda acredita que os americanos pousaram na Lua, que o 11/09 foi coisa de terroristas …
Pessoal, vamos se informar !!!! E comemorar a morte do Hugh Chavez !!!
Em relação ao tema de readaptação de soldados que voltam da guerra, já assistiu O Mensageiro, de Oren Moverman? É muito interessante.
Já, é ótimo.
A melhor crítica ao waterboarding é a do Hitchens, que se submeteu a um. Como nem todo mundo vai ter a oportunidade de passar por essa experiência:
http://www.vanityfair.com/politics/features/2008/08/hitchens200808
Eu li, é demais o texto.
Barça, assisti ao filme e também gostei muito. Acho uma baita de uma babaquice essas críticas a respeito das cenas de tortura. Primeiro porque ela não representa, tampouco resume o que é o filme. Segundo porque, apesar do que as críticas dizem, a escolha por retratar as cenas de tortura não pode ser inferida como um “juízo de valor” puro e simples. Nessa linha, apesar do filme não retratar com detalhes o “outro lado”, o dos terroristas, há uma clara similitude que aproxima os “vingadores” americanos dos “assassinos” terroristas: uma absoluta falta de clareza individual das motivações coletivas que os levam a tomar as suas atitudes. Focar a discussão em cima da tortura é para mim desviar a atenção de uma obra extremamente interessante e muito atual, tanto em termos de linguagem cinematográfica quanto em termos de estrutura de roteiro.
Concordo.
As pessoas parecem incapazes de entender que mostrar personagens fazendo algo não significa endossar seus comportamentos. Nas entrevistas a respeito de “Django Livre”, um inconformado Tarantino disse:
“As pessoas não entendem que os personagens são racistas, mas eu não sou?”
Será que na Inglaterra vitoriana, Bram Stoker foi acusado de de fazer apologia do consumo de sangue humano?
Acredito que o lado duro dos serviços de informação dos EUA declararam guerra aberta à Al Qaeda, e logicamente jogando para o espaço a Convenção de Genebra….
É difícil crer que um filme não toma partido de alguma coisa, de um ponto de vista que seja. Ainda não vi o filme, mas se, por exemplo, ele sugere que sem “waterboarding” não é possível combater o inimigo, que é um mal necessário e outras hipocrisias, é claro que o filme é a favor da tortura. Agora, se ele apenas relata que houve tortura em um momento da caça ao Bin Laden, o filme é, no mínimo, honesto.
Quem disse que ele sugere isso? O filme relata uma situação que existiu, não “defende” nada.
Que nóia, heim…! Quem disse que ele sugere? Onde você leu a afirmação? Precisa explicar o que quer dizer “Se, por exemplo,…” Como vou fazer uma afirmação sobre um filme que não vi? Não tenho como escapar do campo das hipóteses…(se isso, se aquilo…). Só defendo a ideia de que todo filme tem uma opinião. E logo saberei qual é a da Sra. Bigelow.
Você disse. Leia a primeira frase de seu comentário.
Pô, o que está escrito é “se, por exemplo, ele sugere”, isso não é o mesmo que afirmar que sugere.
Barça, assisti “A Hora Mais Escura” semana passada… Penso diferente de você. Fiquei com a nítida impressão de que o filme teve de alguma forma influência do governo americano… pra passar uma imagem de que você pode até fazer mal pros EUA e se esconder, mas nós te acharemos! Sobre as torturas, não acreditei muito que elas pararam depois dos escândalos….
Sobre o Hurt Locker, nem achei que o tema foi a dificuldade em readaptação dos soldados americanos a sociedade, mas sim o vício dos soldados na adrenalina da guerra.
Ué, Marcel, mas o filme relata uma caçada que terminou com a morte de Bin Laden. O que vc queria? Sobre o Hurt Locker, acho que o gosto pela guerra e a incapacidade de adaptação à vida civil estão interligados, não acha? A cena capital do filme, pra mim, é quando o Jeremy Renner está em casa com a família e está claramente com saudades de voltar ao front.
Tem razão Barça, estão interligados sim. Essa cena do Hurt Locker é demais!
Essa necessidade de maniqueísmo em tudo está emburrecendo as pessoas. Não há mais margem para interpretação, argumentação.
Perfeito seu post. Infelizmente a consequencia disso é um declínio do pensamento, uma regressão. Muito triste.
Seria um ótimo nome para um filme de suspense ou terror, eheh
pq as pessoas sempre precisam achar que o cineasta defende uma posição ou outra? Elas não param para pensar que aquela seria apenas uma informação, sem nenhum juizo de valor?
no brasil tivemos o caso do capitão nascimento, que apesar de apelar pro cabo de vassoura quando o saco plastico nao funcionava, virou herói nacional.
a tortura é o elefante no quarto. ninguem em sã consciencia é a favor, mas dependendo do caso, adora fazer vista grossa pra ela, fingir que não existe ou que no melhor estilo Jack Bauer argumentar que “os fins justificam os meios”.
Acho que quem representa bem, quem encarna ali o brasileiro em geral é o Capitão Fábio.
Realmente falar de cinema é sensacional, ainda mais quando se recebe para isso, pô!! Pode falar o que quiser e tem a voz amplificada, mas enfim, vamos lá, acho que sua visão do filme é pobre demais, dizer que a diretora foi corajosa em mostrar a tortura foi limitado demais, o filme é bom, limitado e pode ser visto como um relatório desse fato específico, Obama pode fazer cópias em dvd e entregar a todos cidadãos americanos “tá aqui, o que fizemos com dinheiro de vcs, fizemos o que tinha de ser feito.” Sobre a tortura, ela entra no filme quando a diretora podia fazer entrar, ou seja, na gestão passada!! Pois depois o próprio dialogo dos personagens dizem “agora as coisas mudaram…”, gestão atual, Obama, sem tortura, mas vida que segue, e vamos em frente, com os de antes e os de hoje, fazendo mesmo serviço. Vimos pela mídia exatamente isso, Osama foi pego em sua casa, morto e jogado ao mar; o filme faz isso, mostra bacana como pegaram em sua casa e pronto! Não vai além, não discuti nada, simples assim, pronto, entregue o relatório, ficamos com essas imagens na retina e na memória, quando formos contar como foi a história da prisão do cara mais ‘temido’ dos EUA.
Não é verdade. A cena em que Obama aparece na TV é claramente uma crítica aos métodos americanos de “interrogatório”.
André, lembro que surgiu uma discussão parecida quando saiu o primeiro Tropa de Elite. Muita gente chamando o filme de fascista, do filme defender que “bandido bom é bandido morto” etc…
Pessoalmente achei o contrário, o filme escancara uma realidade de uma polícia que mata e tortura, mas não achei que a intenção do filme era defender isso. Justamente o contrário, a intenção era denunciar.
Mas como você mesmo disse acima sobre o filme da Bigelow, entendo que no Tropa também não há uma “mea culpa” de algum personagem (ou até há, o transtorno do Capitão Nascimento pode levar ao filme fazer uma mea culpa da violência), o que leva muita gente a ter dificuldade de entender uma obra por ela não ser literal na crítica.
Concorda, ou estou viajando?
Abraços
Concordo com você. Arte não precisa de mea culpa. As pessoas é que parecem obcecadas com filmes que “tomam um lado”.
A malhação não seria a mesma sem a voz doce e cheia de angústia do Chorão. As gerações que o ouviram não seriam o que hoje são sem a voz do Chorão. Charlie Brown Jr. marcou uma época! Seria justa uma homenagem!
Vou escrever sobre chorão amanhã, ok?
Acho muito legal essas discussões morais sobre a tortura. Saíram uns três artigos na Folha nas últimas semanas, todos muito instigantes, acredito que motivados pelo filme. Pena que ainda não vi.
Mesmo que de maneira póstuma, o multi-instrumentista Chorão merece o reconhecimento de sua importância. Ao menos um post André!
André,
eu não assisti ainda “A Hora Mais Escura”, mas arrisco a dizer que o argumento de que o filme faz apologia à tortura é similar à dizer que o Lars Von Triers é misógino ou que o Tropa de Elite é uma ode à truculência policial. Quando escuto ou leio essas coisas me pergunto onde é que anda o senso crítico da galhere. É a mesma doença que criou expressões do tipo ” lindo de viver”, é uma inabilidade em ler (eu ia dizer obras de arte, mas que diabos, é qualquer coisa mesmo) as entrelinhas, as intenções. Talvez o que seja assustador, na bem da verdade, são pessoas achando que é isso aí e não putz que vergonha disso, não?
O importante desses (ainda) poucos filmes é que eles tentam retratar um pouco melhor o comportamento nada heróico dos americanos em suas guerras privatizadas.
Muita gente foi formada com o pensamento de que os EUA são a “polícia do mundo” ou que sempre são os “mocinhos” do lado certo.
Nada mais falso.
Além da prática da tortura tem muita coisa ainda que precisaria ser revelada. Que os diga Assange e Manning…
Barcinski, a crítica ao filme no que diz respeito à tortura não é pelo fato dela ter sido praticada sem remorsos, mas sim pelo fato de ter sido retratada supostamente como imprescindível à captura do bin Laden.
Este artigo sobre o tema explora bastante isso:
http://www.nybooks.com/articles/archives/2013/feb/07/disturbing-misleading-zero-dark-thirty/?pagination=false
O autor do texto diz que nem os defensores mais ferrenhos da tortura atribuem à prática um papel tão fundamental como o filme supostamente mostra.
Se isso é verdade ou não, não sei. Imagino que muita coisa ficou e vai ficar por baixo do pano.
Eu particularmente também não acho que o filme fez apologia à tortura ( e olha que eu fui muito crítico em relação ao Hurtlocker).
Olha, eu li muita gente escrevendo que o filme faz apologia da tortura sim. Sobre o fato de o paradeiro do Bin Laden ter sido descoberto, ou pelo menos que foi durante uma sessão dessas que primeiro se ouviu falar em um nome importante da Al Qaeda que, eventualmente, levaria ao Bin Laden, isso é fato.
Cadê o post sobre o Chorão?
“Pronunciamento de Barack Obama, no qual o presidente diz que não há tortura nos Estados Unidos”
Obama consegue o que parece ser impossível: Superar Bush, em matéria de assassinatos, de pessoas, e da realidade.
Minha bronca com seus posts sobre cinema é que voce não cita o nome original das obras e vai somente com o nome dado pela distribuidora. “A Hora Mais Escura” é na verdade “Zero Dark Thirty” – outra expressão militar.
Bom, Wellington, o “nome dado pela distribuidora” é também conhecido por “nome em português”.
E ae Barcinski. Vim aqui cobrar um texto seu em homenagem ao grande músico Chorão que, como se sabe, foi encontrado morto nas últimas horas sozinho em seu apartamento. Sem ele a música brasileira das últimas décadas não seria a mesma. Por isso cabe uma sincera homenagem sua ao Chorão. Fico aguardando hein. Abraço.
São mostradas outras modalidades de tortura, além do waterboarding, não menos pavorosas.
E não foi numa sessão de tortura, ao menos segundo o filmes, que os americanos ouviram, pela primeira vez, o nome de um importante membro da Al Qaeda, que acabaria por levá-los a Bin Laden. No filme, o nome é delatado fora de uma cena de tortura, durante um almoço.
O filme faz parecer que todos os torturados eram terroristas e forneceram importantes informações durante tortura. Traçar esse panorama, obviamente falso, me parece em si um incentivo.
Mas a despeito disso, acho o filme excelente.
Assisti os dois filmes. Achei os dois medianos do ponto de vista cinematografico. Alguns fatos reais a respeito da estupidez desta guerra sao bem mais interessantes:
1. O “sniper” Chris Kyle que matou mais de 150 iraquianos em combate foi morto no Texas por um outro ex-combatente que sofria de estress pos-trauma.
2. O soldado do grupo de elite SEAL que matou Bin Laden pediu dispensa do exercito e hoje esta desempregado, doente e nao tem como pagar seguro-saude.
Oi Alex, onde teve acesso a essa informação sobre o soldado que participou da morte de Bin Ladem?
Ta’ certo. Ai vai o link:
http://www.esquire.com/features/man-who-shot-osama-bin-laden-0313
O cara nao pode revelar a identidade por motivos obvios.
RIP, Chorão.
Diferentemente de vários amigos também gostei de guerra ao terror , nao sabia deste detalhe do nome.O tema de readaptação a vida civil e recorrente em inúmeros filmes até no Rambo I, nao acha?abraco.