David Bowie inaugura o pop invisível
11/03/13 09:26Chega hoje às lojas “The Next Day”, o primeiro disco de músicas inéditas de David Bowie em dez anos.
O CD marca uma nova etapa para Bowie: pela primeira vez em quase 50 anos de carreira, ele se tornou invisível. Se Bowie foi o maior expoente pop do “sound and vision”, o David Bowie de 2013 é só “sound”.
“The Next Day” não tem imagens para acompanhar. Não há fotos de publicidade. A capa é uma brincadeira com a imagem icônica da capa de “Heroes”, seu disco de 1977. Ninguém sabe como Bowie está ou o que veste.
Será uma nova jogada do camaleão? Chamar a atenção pela ausência?
Na história do pop, ninguém usou a imagem como ele. E é sempre bom lembrar que, antes de mudar o mundo pop, ele foi publicitário.
Bowie percebeu, antes de qualquer um, o caráter frívolo e superficial da imagem no pop. Foi ele que aniquilou o conceito sessentista de ídolos “reais” – Beatles, Stones, Hendrix – substituindo-o por personagens.
Os anos 70 não mereciam heróis de carne e osso, mas “produtos”, que Bowie inventou a rodo: o alienígena Ziggy Stardust, o profeta “glam” Aladdin Sane, The Thin White Duke, o hedonista crowleyano e cocainômano de “Station to Staton”, o vampiro Expressionista da trilogia de Berlim…
Suas várias faces o deixaram livre para se esconder atrás dos personagens, e Bowie se tornou o astro pop menos autobiográfico que já existiu. Música confessional não era a dele. Bowie sempre foi um cronista, um observador, uma testemunha.
Muitos o acusam de se apropriar de estilos, tendências e pessoas (Little Richard, Judy Garland, Lou Reed, Iggy Pop) para benefício próprio. E ele não nega: sua arte é a arte do mimetismo, da cópia, da homenagem, assim como fez Warhol, seu grande ídolo.
Bowie inaugurou a genialidade pop na cultura de massas. Mais importante que sua música, foi a forma como fez sua música, assumida e maquiavelicamente pensada para chocar, para sugar todo o talento que enxergava à sua volta. O modus operandi de Bowie sempre foi o mesmo: ele identifica tendências, se apropria, espreme delas a última gota de possibilidades e parte para outra. É o capitalismo selvagem do pop.
Depois de sumir por dez anos, Bowie ressurge com “The Next Day”. Será um de seus maiores discos, como estão dizendo alguns críticos? Não sei. Ainda não deu tempo de saber. Até porque os discos de Bowie precisam de algum tempo de apreciação.
O que sei é que não consigo parar de ouvir três músicas: “Valentine’s Day”, “Boss of Me” e “You Feel So Lonely You Could Die”. O resto do disco me parece ótimo, mas ainda não me chamou a atenção como essas três belezas.
O primeiro impulso quando se ouve “Valentine’s Day” é dizer como parece cópia do Pixies. Mas aí você lembra que Black Francis passou a vida toda tentando copiar “Scary Monsters”, e percebe que a comparação é injusta.
“Boss of Me” é outra pérola pop à Pixies, com aquela guitarra elegante que monstros como Carlos Alomar e Robert Fripp cansaram de gravar para Bowie. Morrissey comeria um bife para fazer uma música dessas.
E “You Feel So Lonely You Could Die” é dessas baladas épicas à “Five Years”, que Bowie faz como ninguém, com um clima meio espacial, um coral que soaria cafona com qualquer outro cantor e aquele piano no meio para dar sentido a tudo. Uma jóia.
Musicalmente, achei que o disco parece uma continuação de “Scary Monsters (and Super Creeps), o disco que Bowie lançou em 1980: tem uma pegada pop com pitadas de eletrônica, e um clima meio soturno nas letras. “Scary Monsters” foi o disco que abriu as portas para o som gótico e fez a cabeça de gente como Robert Smith, Siouxsie, Trent Reznor, Marilyn Manson e do já citado Black Francis.
Ouvindo “The Next Day” é fácil perceber como a fase “Scary Monsters” de Bowie influenciou também gente como Arcade Fire, Smashing Pumpkins, TV on the Radio e tantos outros que tentaram fazer um indie pop sombrio e – perdão, puristas – de arena. Duvida? Então ponha “Dancing Out in Space” para tocar, e veja se não é 100% Arcade Fire.
Se “The Next Day” vai ficar como um dos grandes triunfos de Bowie, só o tempo vai dizer. Mas que é engraçado ouvir Bowie sem vê-lo, é. E estou gostando da brincadeira.
Morrisey comeria um bife e uma b*ceta pra compor uma música como Boss Of Me, Andre.
Alguém já deve ter escrito por aqui, e talvez você até já tenha respondido, mas deu preguiça de ler tudo… os vídeos estão aí. Por enquanto dois, com Bowie e suas lembranças em um e no seguinte Bowie formando um “casal comum” com a Tilda Swinton, morando ao lado de um “alter-Bowie”, uma garota andógina casada com um garoto feminino… a imagem está aí, não é só “sound”. Aliás, talvez este disco novo tenha justamente a ver com a “pós-imagem”… a nova fabricação dele, agora fingindo ser autêntico, sem imagens pré-concebidas.
Não demora muito e Lulu Santos e Caetano vão sair por aí dizendo que Bowie é tão camaleônico quanto eles… Quer valer que eles vão copiar a ideia? 10 anos depois, mais ou menos.
PS: Bowie como capistalista selvagem do Pop e Morrisey comendo bife… são por sacadas como essas que eu adoro teus textos
Ser camaleão é mole, difícil é ser um bom camelão, certo?
Paulo Ricardo que o diga.
Barcinski!!! Em termos de pop invisível, que considera muito mais a música propriamente do que o ícone que a transmite, ninguém até hoje bateu o Kraftwerk nesse quesito, fala aí!!
Mas minha definição de “pop invisível’ é diferente, é um artista que realmente não aparece. E o Kraftwerk aparece, mesmo que em versões robóticas.
Sobre o Tin Machine, alguém recomenda encarar?
“O modus operandi de Bowie sempre foi o mesmo: ele identifica tendências, se apropria, espreme delas a última gota de possibilidades e parte para outra. É o capitalismo selvagem do pop.”
seria bowie um banco de investimentos?!
Muito bacanas as tuas impressões, André. Teu texto é um atrativo ao disco. É muito bom saber que David Bowie é capaz de se reinventar em meio a esse mundo carregado de excessos e delírios tolos. Virtude maior é saber lidar com a questão da imagem. Parabéns pelo texto e um forte abraço!
Excelente texto, muito bom ! Eu senti o The Next Day não só uma continuação do Scary Monsters, mas um apanhado geral em quase toda a carreira do Bowie. A última música das que vêm no bônus da versão de luxo, I´ll take you there também achei excepcional.
Bah sobre o lance de plágio, outro dia aqui um leitor escreveu que não gostava de Walk on, do U2, porque era plágio em cima de Eclipse, do Pink Floyd (toda aquela parte de ‘All that you…’). Curioso que boa parte do Dark Side of the Moon foi calcada musicalmente, segundo Waters, no mi menor-lá maior de ‘Down by the River’, de Neil Young. E este, em sua autobiografia, disse que a compôs porque o tem menor em ‘Sunny’, de Bobby Hebb, tinha grudado em seu ouvido.
Ótimo texto e ótimo disco.
Achei que no final de You Fell So Lonelly… há inclusive uma citação à Five Years…
Abraço,
Os próprios Beatles não já haviam criado a “banda do sargento pimenta”?
Qto ao vídeo clipe de The Stars (Are Out Tonight), ótima sacada do David ter convidado a Tilda Swinton, não? Gosto muito da Tilda Swinton. Barça, na verdade quero deixar um link fora do tópico. Saiu no The Guardian que a Filarmônica de Viena está começando (finalmente) a revisitar seu passado tenebroso e maldito por conta de sua conexão com Hitler e os nazistas. Talvez te interesse. http://www.guardian.co.uk/music/2013/mar/11/vienna-philharmonic-nazi-secrets
Muito interessante mesmo…
Em tempos de instagram, just jared, perez hilton, rapidez na informação e superexposição da imagem (principalmente isso) – david bowie consegue a genialidade de se manter “escondido”. de manter um disco em segredo durante dois anos enquanto estava sendo produzido… é claro que ele faria um disco incrível, mas acho que o grande x da questão é esse. enquanto todo mundo está se superexpondo, ele vem em segredo e choca o mundo com esse “sumiço”, remando contra a maré. ouvir bowie sem ver – definitivamente, uma delícia. já seria bom se ele apenas fizesse um “ótimo disco” (como, para mim, já o fez com The Next Day) – mas esse jogo de “esconde-esconde” remando contra a maré da superexposição só deixa a brincadeira mais “deliciosa”.
Para se ter uma ideia, ele já desbancou com este lançamento um monte de “artistas” ou cantores rappers que fazem miséria para promover seus trabalhos.
Sabe, talvez Bowie inaugure essa ideia daqui para a frente. O merchan estaria com os dias contados, rsrs (ufa!)
Falou tudo!
Heroes é de 1977. Em 1979 ele lançou Lodger.
Mesmo se ficar só nessas três belezas já acho ok. Heroes 1977, já devem ter falado, abs
Fala Barça! Acabei de ouvir o disco realmente a primeira impressão foi muito boa…as músicas são bem envolventes e os arranjos muito interessantes. Agora é correr atrás da discografia do cara, pelo menos os mais importantes, pois não tenho nenhum cd desta fera. Rachei o bico na parte que você falou que o Morrissey comeria um bife para fazer uma música como aquela rs…apesar de como fã dele não ter gostado deste comentário maldoso. E hoje de manhã por um acaso coloquei na rede Bobo e estava passando o programa da Fátima Bernardes e adivinha quem estava tocando lá? Teatro Mágico…realmente o som dos caras é chato pra cacete. Parece que a música deles vai ser abertura de novela, na hora que eles tocaram você tinha que ver a cara dos atores de tipo “Que bosta de música” rs….Abraço!
Sempre melhor fazer uma pérola a cada dez anos do que lançar uma porcaria por ano.
Vida longa para Bowie.
Pode crer, hein, ouvindo “Dancing Out In Space” você tem ao fundo “Ready To Start” do Arcade Fire.
Há muito tempo atrás eles já trabalharam juntos.
Acho que isso dá a Bowie o estigma de sempre, de saber reconhecer o que tem de bom e interessante atualmente.
Lembro que foi uma entrevista de Bowie que fez me interessar por Sonic Youth e Soul Asylum.
E Arcade Fire, convenhamos, é mesmo uma banda muito boa, com ótimos músicos.
Adorei a resenha, André!
Bowie foi o maior e mais genial manipulador da cultura pop como a conhecemos. O que Warhol exibia em galerias para meia dúzia, o camaleão vendia em lojas de departamento. E o mais impactante é que, mesmo que a forma fosse o foco principal, nunca faltou conteúdo ou substância em seus álbuns (quer dizer, tem Tonight e Never let me down que são as exceções que comprovam a regra).
Bowie só tirou fotos para a NME : http://www.wotyougot.com/pictures//2013/02/david-bowie-nme-020312.jpg
Que capa foda!!!
Daft Punk, Gorillaz e Radiohead já inauguraram o Pop sem imagens a mais tempo!
Não é possível que estou lendo isso. Gorillaz, “pop sem imagem”? Daft Punk?
Radiohead é pop?
Eu tinha impressão que a imagem era o mais importante no Gorillaz. Parece até, se não me engano, que os integrantes da banda são desenho animado, e esse é o grande trunfo de marketing deles. Mais imagem, impossível.
Engraçado que não citou Radiohead!… Sim. Sem imagens ou sem caras. Não entro no mérito da qualidade musical, pois isso cabe a cada julgar por si só, mas a proposta de fazer música pop sem se expor para a mídia ou para a fama com “fotos de publicidade” de seus integrantes não é nova. Portanto, não vejo nada de inaugural nisto.
Alessandro, o Gorillaz é uma banda estritamente visual, os shows são feitos com projeções, é uma experiência audiovisual.
Radiohead tem um apelo visual fortissímo, Daft Punk e Gorillaz tem o visual como grande trunfo. O grande lance é que abdicar da imagem é algo que Bowie nunca fez e ninguém esperava que fizesse. O homem é um gênio. Não para de se reinventar. E mantendo a qualidade!
WTF???????
“O modus operandi de Bowie sempre foi o mesmo: ele identifica tendências, se apropria, espreme delas a última gota de possibilidades e parte para outra. É o capitalismo selvagem do pop.” Alguém aí lembrou do Caetano?
Bom aí vai do seu conceito de “possibilidades”…
Excelente post, André! Discaço. Vai rolar um post também sobre Alvin Lee?
Tô vendo, Bia, estou no meio de um trabalho e os textos dessa semana estavam previamente programados. Vou ver se descolo um tempo pra escrever sobre o Alvin Lee.
Estava ouvindo meus discos do Ten Years After é achei incrível como ainda soam bem. Não há uma faixa com sonoridade datada (falo dos álbuns de estúdio, pois os discos ao vivo tem o “mal da época” das improvisações). Clássico e durável o som do TYA.