As tentações do jornalismo Ctrl c + Ctrl v
24/04/13 07:05Costumo receber pedidos de entrevistas de alunos de escolas e universidades. Há alguns meses, fiz duas com o mesmo tema: a carreira de Zé do Caixão.
Sou procurado para falar sobre isso porque escrevi um livro e fiz um filme (ambos em parceria com Ivan Finotti) sobre o Zé.
Outro dia, recebi links para os dois trabalhos e percebi que ambos continham os mesmos erros de informação. Na verdade, ambos continham o mesmo parágrafo, que trazia vários erros em datas de lançamento de filmes do cineasta.
Fiz uma busca rápida na Internet e achei a fonte: um blog sobre cinema. Os dois grupos de estudantes haviam copiado o parágrafo inteiro do mesmo blog. E agora, todos – o blog e os dois grupos de alunos – estavam divulgando informações equivocadas.
Está aí o maior perigo da era do jornalismo “Ctrl c + Ctrl V”: a disseminação de informações sem a checagem apropriada.
Comecei a trabalhar em jornais no fim dos anos 80, quando pesquisas em jornais eram feitas no microfilme ou em volumes encadernados de periódicos amarelados. E ninguém pode ter saudade daquela época.
É claro que trabalhar hoje é muito mais fácil e prático. Qualquer informação está acessível em poucos segundos. Mas o trabalho de informar corretamente também se tornou muito mais perigoso e traiçoeiro, por causa da imensa quantidade de mentiras, erros, suposições e boatos que vagam pelo mundo virtual.
Dois exemplos recentes: estou em meio a uma pesquisa sobre música brasileira dos anos 70. Procurei a data de nascimento do músico Robertinho de Recife. A Wikipédia diz que ele nasceu em 1965. Ora, se Robertinho fez parte de bandas de blues nos Estados Unidos no início dos 70, significa que ele tocava com feras em Memphis aos 5 ou 6 anos de idade, o que o tornaria um dos maiores prodígios da história da música.
“Ah, mas a Wikipédia não é confiável”, dirão alguns. E o que é confiável? O site oficial de um artista?
Como explicar então que o site oficial de Jorge Benjor informe que o LP “A Tábua de Esmeralda” foi lançado em 1972, quando o correto é 1974?
Se nem os sites oficiais de artistas trazem informações confiáveis, como saber se uma informação está correta?
O que eu tento fazer – não estou dizendo que é uma regra, é só a minha dica – é ir direto à fonte. Para confirmar a data de nascimento de Robertinho de Recife, por que não ligar para o próprio?
Mas e quando os entrevistados se enganam ou mentem? Não acontece?
Claro que acontece. Fazer pesquisa é igual ao filme “Rashomon”, de Akira Kurosawa: peça a quatro pessoas para contar a mesma história e você terá quatro histórias diferentes.
O segredo é não parar enquanto não tiver esgotado todas as possibilidades de conseguir uma informação válida. É falar com o maior número possível de pessoas, procurar em todos os arquivos e fuçar em todas as coleções. Resumindo: é se esforçar, que é exatamente o que a Internet inspira a não fazer.
André, se você conhece, o que acha do “Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira”..?
Muita coisa ali é idêntica ao que se acha em outros lugares, só não sei quem escreveu primeiro.
E eu pensei que vida de jornalista fosse moleza! Agora vou escolher outra profissão mais facíl e rentável. Sim porque nunca vi jornalista ficar rico com isso, exceto o willian bonner.
Fala aí Barça!
Coincidentemente, um pouco após ler o seu texto, li também outros dois com um tema bastante parecido.
Falando sobre os perigos do crowdsourcing na apuração de fatos reais:
http://bits.blogs.nytimes.com/2013/04/22/knowing-where-to-focus-the-wisdom-of-the-crowds/?hp
http://www.theatlantic.com/technology/archive/2013/04/it-wasnt-sunil-tripathi-the-anatomy-of-a-misinformation-disaster/275155/
Recomendo bastante a leitura de ambos. Acho que eles ilustram algo ainda mais temerário do que o jornalismo “ctrl c + ctrl v”
Pois é… essa má prática de repercutir “notícias” de terceiros sem checar a fonte da informação por si mesmo é um golpe na credibilidade do Jornalismo.
http://andrebarcinski.blogfolha.uol.com.br/2012/08/27/o-que-houve-com-a-democracia-corinthiana/comment-page-4/#comments
Aliás, qual o ano de nascimento do Robertinho de Recife?
Fiquei puto com uma orientadora que não parava de me advertir sobre “informar corretamente as fontes, TODAS as fontes”. Mas tenho que reconhecer, o plágio virou praga mesmo.
Fora do tópico, o Robertão, hein? Proibiu mais um: http://f5.folha.uol.com.br/colunistas/tonygoes/1267825-roberto-carlos-tem-voz-de-veludo-e-maos-de-tesoura.shtml
E vc André, já foi ou é muito plagiado em suas tribunas????
O que vejo é muito site usando textos sem créditos. Isso rola.
Bom dia, Barcinski!
Isto acontece também, e muito, em sites de relacionamento, onde muitas vezes se divulgam notícias “mascaradas” ou atribuem-se frases (tipo aforismos) a que nunca as disse.
Grato!
Oi André, tudo bem? Vc não acha que a caxirola merece um post?
abs!
Claro, tô esperando a inspiração. Vou ver se compro uma.
A Caxirola irá inspirá-lo como?
O post de hoje no blog Juca Kfouri tá descendo a lenha nesta história de caxirola:
http://blogdojuca.uol.com.br/2013/04/essa-nao-presidenta/
A caxirola não sei se merece um post, mas eu mereço descanso. Moro na região do estádio do Mineirão, onde se realiza hoje o amistoso entre Brasil e Chile. Fazem quase três horas que estou tentando chegar em casa e o engarrafamento não deixa. O trânsito de BH geralmente é caótico, hoje está dantesco. Pra piorar os professores estaduais estão realizando manifestação na principal via de acesso ao estádio e dezenas de bairros. Um inferno. Demorar 30 minutos para vencer 15 ou 20 quilômetros – ninguém merece uma m**** dessas!
Corrigindo: demorar 1:00 ou 1:30 para vencer 20 quilômetros.
Agora imagine isso COM a caxirola!
Ahahaha. Não quero nem imaginar! Vou desde já me programar para não estar aqui presente durante a copa. Ontem foi inacreditável. E não falo do péssimo futebol da seleção. Levei 3:15hs para cumprir trajeto que, mesmo com transito lento, eu demoraria quando muito 1:00hs.
À frente um festival de bandeiras do brasil se confundindo com bandeiras de sindicatos e partidos de esquerda. Gente berrando ao microfone e torcedores ensandecidos tocando cornetas. Parecia um carnaval promovido pelas legiões demoníacas. 15 dias antes da copa tiro férias e tomo voo rumo a algum lugar distante e livre disso tudo. Talvez a Groenlândia.
Barcinski, este site aqui detecta tudo que qualquer matéria tenha copiada de release, de outros jornais ou até da Wikipedia. Dá uma olhada: http://churnalism.sunlightfoundation.com/ (e neste outro link, o vídeo com a explicação de como funciona: https://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=6fvADRst_YM)
Eu achei demais. Abraço!
Não conhecia, sensacional.
Hoje em dia muitos jornais publicam na íntegra os releases que recebem das assessorias de imprensa. E no crédito, geralmente, colocam “Da Redação”.
Adorei André.
Concordo e muito com você. Em 2010 apresentei com mais dois colegas de faculdade o trabalho de conclusão de curso sobre o Mojica, um documentário – Nas Entrelinhas do Horror, uma descida ao inferno do Zé do Caixão (nome inspirado no autografo que vc me deu no livro).
Você foi uma das fontes, juntamente com outros nomes, Carlos Primati e Kiko Goifman.
Lembro que após a gravação, fazíamos questão de pesquisar as datas e demais informações do entrevistado, evitando assim esses tipos de erros.
Uma pena que futuros comunicadores não possuem mais a preocupação com a VERDADEIRA pesquisa.
“Fazer pesquisa é igual ao filme “Rashomon”, de Akira Kurosawa: peça a quatro pessoas para contar a mesma história e você terá quatro histórias diferentes.” – Aconteceu isso até com os quatro evangélios!
Mais um texto muito bom a respeito de um tema que está na ordem do dia: com todos os recursos que a amplitude de fontes e facilidade de acesso/correção de dados fornecem, como a Internet ainda fornece dados tão corroídos de erros e imprecisões, que se replicam perversamente pela rede uma vez digitados? Em minhas pesquisas, me deparei até com erros em livros (páginas suprimidas de uma edição para outra, por exemplo), mas sempre tenho em mente a verificação científica empregada pelos historiadores que, ao que parece, não é ensinada aos estudantes nem valorizada na “grande rede de informações” dos blogs da vida. Um historiador para precisar um fato (cuja interpretação, claro, é variável) precisa de fontes palpáveis para se comparar: nascimentos e óbitos possuem registros assinados; edições antigas de livros e filmes podem ser encontradas em bibliotecas mas também podem ser levantadas por testemunhos e busca de informações nas mais diversas fontes (os papéis da censura, nos anos 1970, por exemplo, são um material interessante pois todo o filme no Brasil da época recebia uma classificação etária determinada pelo governo); e por aí vai. Um efeito nocivo da Internet é a preguiça que ela parece provocar, porque a investigação aprofundada é prazeirosa, mas cansativa…
Barça…trabalho no meio acadêmico e isso também ocorre!! Pessoas saem citando outros autores citados em papers mais antigos sem buscar a informação original!!Caso o primeiro tenha feito uma citação equivocada e pronto: erros e mais erros são perpetuados ad eternum!!
O apud disfarçado provoca esse tipo de distorção mesmo, mas muitas vezes é difícil localizar o artigo original, quando não custa uma fortuna para baixar.
E os erros grosseiros de português acompanham o pacote.
Já comentei aqui antes. Umas das coisas que mais me irritam são os textos erradamente atribuídos ao Arnaldo Jabour, Veríssimo, Renato Russo, etc. Até o tal pastor feliciano caiu nessa ao citar uma frase (errada, pra variar) do Jabour no agora é tarde do Gentili.
Jabour é a Ellen…o Arnaldo é Jabor.
Ele fez o CTRL+C/CTRL+V em fonte errada. HAHAHAH!
Bom, errei o nome da pessoa, tudo bem. Mas o que eu estou apontando aqui é MUITO mais grave do que isso. Se para voces ficou engraçado tudo bem.
Tudo bem então.
Calma man…
Serious Business
Claro que ficou engraçado. Você apontou um problema do qual você mesmo é parte. O exemplo foi luminar, para dizer o mínimo.
Pois é. Dei um exemplo claro de disseminação de desinformação que acontece todo dia, mas não importa não é? O que importa é que eu coloquei um “o” antes do “u”. Não conheço a grafia do sobrenome de todas as “celebridades” voce conhece? Talvez se eu tivesse copiado e colado algum texto aqui ficaria correto. E luminar de c. é r.
A disseminação da desinformação é realmente um caso grave. Mas que foi engraçado, isso foi.
‘e grave. mas eh engracado.
Alguém que não ri de si mesmo quando faz uma bobagem deve ser chato pra cacete. Júnior, agora diga que nós não merecemos nem você e nem seu anjinho e abandona o blog.
André… e os caras que escreveram os artigos, pelo menos deram crédito ao blog de onde foi extraída a informação, ou seja, fizeram a citação? Do contrário é plágio…Mesmo que a informação esteja errada, é plágio…
Barcinski, copiar e colar informação, sem checar, é o cúmulo da preguiça mesmo…mas o triste mesmo é vc pegar trabalhos acadêmicos e não saber qual a pior…a cópia e cola ou quando as informações são escritas pelo próprio autor.
Que a equipe de jornalismo da MTV Brasil leia sua coluna hoje. Só cometem erros grosseiros por falta de pesquisa.
Tem um audio engraçado de um locutor de rádio que vai anunciar a morte de um artista (não lembro quem era, mas era algum ator ou cantor que não estava na mídia há algum tempo) e então ele começa a ler um resumo sobre a vida e carreira do sujeito. O problema é que a fonte usada foi um perfil do artista na Desciclopédia (uma versão escrachada da Wikipedia), então imagina a quantidade de coisa absurda que o locutor falou sobre o artista.
Onde conseguimos ouvir isso??? rsrsrs
Se fosse só a preguiça, nem seria tão ruim.
Além disso, temos ainda que filtrar constantemente as mentiras propositais de quem declara e/ou de quem reproduz, o viés político descarado de cada publicação, os depoimentos propositalmente vagos, as distorções passionais/emocionais de quem se recusa a lidar com a verdade, as matérias pagas disfarçadas de informação, toda propaganda enganosa, os comentários arrebatados dos fãs de algum partido, artista ou empresa de tecnologia, os comentários de quem possui ações de uma determinada empresa e não admite que ela seja criticada, os comentários de funcionários pagos por empresas para patrulhar os fóruns e não permitir que a empresa seja criticada, e até cartazes com avisos sarcásticos como “A loja pode revistar seus pertences PARA SUA SEGURANÇA.”
Tudo isso em tão gigantesca quantidade que é impossível verificar.
Grande ironia: o que a Internet nos trouxe, afinal, é a Era da Desinformação.
Concordo. Parece até que alguns textos existem para testar nosso conhecimento prévio sobre o assunto.
Cada vez mais parecemos com o filme Idiocracy.
Nos tempos que eu estava no colégio como era duro fazer lição de casa, trabalhos escolares. Era preciso ir em bibliotecas procurar livros, reunir na casa de algum colega quando o tarbalho é em grupo, escrever a pesquisa tudo a mão. Molecada hoje tudo com internet e ainda cometem esse erro de CTRL C + CTRL V, ainda bem que conheço alguns professores que obrigam os alunos fazerem os trabalhos tudo escrito a mão. Como já foi falado antes, não é só em escola, na vida profissional também, principalmente em jornalismo.
Bom tema do post!
abs
Sei que o post está se referindo a um trabalho mais sério de pesquisa e investigação, mas acabei me lembrando disto:
http://portalimprensa.uol.com.br/noticias/brasil/47080/sbt+brasil+acredita+em+parodia+e+comete+gafe+ao+divulgar+brincadeira+como+noticia
Espero que as faculdades de jornalismo estejam atentas ao fato, pois, se hoje já está assim, imagina quando a geração Facebook (esta que sai divulgando sem verificar minimamente a procedência da informação) chegar lá.
O Facebook então é centro de excelência da falta de critério em posts.
Tentei duas vezes ter facebook, para mim é humanamente impossível…
Fernanda, faça como eu: quando algum de seus “amigos” começa a encher o saco com posts que não te agradam, é só desmarcá-lo no recebimento de feeds. Resolve que é uma beleza!
Se não me falha a memória, o Tábua aparece como 72 inclusive no encarte do CD que eu tenho. Mais ainda, sempre achei que era de 72.
O CD e o vinil que eu tenho dizem 1974.
É de 74 mesmo, claro, de 72 é o (também sensacional) “Ben”.
Essa feitiçaria salvou muita gente na minha faculdade viu. Lembro de um cara que fez um TCC (Trabalho de Copiar e Colar) em um fim de semana. Fez um mega quebra cabeça de várias fontes diferentes pra disfarçar.
Na dúvida, procure um Bibliotecário.
Agora imagine o que passam os professores quando recebem trabalhos escritos. Todos já ouvimos historias de trabalhos quase idênticos. Amigos professores dizem que ocorre inclusive nas Universidades. Bibliotecas, nem pensar…
No impulso esqueci que o post partia exatamente de trabalhos de Faculdade…
já fiz isso em trabalho da faculdade.
chamei de “sampler”, e incluí, após a bibliografia, as referências de onde ‘sampleei’ os trechos que pus no trabalho.
nenhum professor chiou.
t. A questão não é utilizar um trecho para justificar um argumento seu, mas é armar todo um trabalho baseado em cópias e colagens de diferentes textos (como diz o Barcinsky) sem verificação da origem e veracidade, um verdadeiro frankstein com incorreções e que não refletem em nada uma defesa de argumento, que é o que se espera de um trabalho de Universidade. Agora ter dois trabalhos quase identicos é ainda pior.
Cara, é impressionante, mas não se restringe a trabalhos de escolas e universidades não. Em jornais e sites isso acontece muito também.
Se ao menos citassem a fonte…
Uma amiga minha que é doutora em pesquisa clínica pela USP descobriu há uns dois meses que teve a sua tese de doutorado copiada literalmente (até inclusive na redação) por um doutorando de outra instituição.
Tirou a mesma nota? 😀