Um dia para esquecer
29/04/13 07:05Semana passada, fomos a Ubatuba fechar um negócio. Era algo que estávamos querendo fazer há um bom tempo, e o clima aqui em casa era de alegria.
No caminho a Ubatuba, pela Rio-Santos, começaram os problemas: na estrada, uma caminhonete ziguezagueava perigosamente pela pista. Parecia que o motorista estava falando ao celular ou olhando a paisagem. A caminhonete era do “Departamento de Biologia” de uma conhecida universidade federal brasileira.
Tentamos ultrapassar a caminhonete duas vezes, e duas vezes o motorista nos barrou. Buzinamos para alertá-lo. Na terceira vez que tentamos ultrapassá-lo, ele fechou o caminho novamente. Ficou claro que estava fazendo de propósito.
Depois de alguns minutos, conseguimos ultrapassar a caminhonete. Havia quatro pessoas no carro. Pareciam estar se divertindo com a situação. Repito: estavam dentro de um veículo pertencente a uma universidade pública.
Chegamos a Ubatuba e fechamos o negócio. Estávamos tão contentes que esquecemos o episódio desagradável com a caminhonete.
Quando saíamos do local, ouvimos um som de freada, seguido do barulho de uma colisão. O som vinha da Rio-Santos. Estávamos a uns 300 metros da estrada, e árvores impediam a visão. Mas pudemos ver uma fumaça branca saindo do local. Chamamos o 190 imediatamente.
A pessoa com quem havíamos acabado de fechar negócio disse:
– Ih, mais um motoqueiro morto!
– Como você sabe?
– Você vai achar que é exagero, mas só ano passado morreram oito motoqueiros nessa mesma curva.
Entramos no carro para voltar para casa. Seria inevitável passar pelo local do acidente. Em poucos minutos, dezenas de pessoas haviam saído de suas casas e trabalhos para ver o ocorrido. Algumas pessoas se desesperavam. Aparentemente, um dos envolvidos no desastre morava no bairro.
Naquela área, próxima ao Saco da Ribeira, a Rio-Santos é perigosíssima, cheia de buracos e pessimamente sinalizada. Muitas comunidades cresceram ao longo da estrada e o acostamento virou calçada, lotado de bicicletas, alunos voltando da escola a pé e gente indo para o trabalho. Não se vê um ciclista andando de capacete. Motoristas zunem a cem por hora, disputando espaço com motociclistas insanos. Pessoas atravessam a via perto de curvas, carregando bebês no colo. É cada um por si.
Passamos ao lado do acidente. Havia uma caminhonete de dois lugares, com a frente toda destruída. Um plástico preto cobria o vidro da frente do carro, para esconder o morto (ou mortos?). No chão, havia uma pilha de ferro retorcido, que minutos antes fora uma motocicleta. Ao lado, outro plástico preto, cobrindo outro cadáver. Os vizinhos chegavam, reconheciam o morto e caíam de joelhos no chão, chorando.
Ficamos arrasados. Minha mulher teve dificuldade para continuar a dirigir. Não andamos nem 500 metros quando, depois de uma curva, vimos outra cena pavorosa.
No acostamento, do lado direito de nosso carro, havia um Fusca com a frente amassada. A alguns metros, uma bicicleta caída no chão e um homem de bruços, imóvel. Ajoelhada ao lado do homem, uma menina, que não deveria ter mais de 13 ou 14 anos, gritava em desespero. Não foi difícil entender o que aconteceu: o Fusca fez uma conversão à esquerda sem parar no acostamento, cruzando a pista, e pegou a bicicleta de frente. O homem devia estar guiando a bicicleta no acostamento, com a menina na garupa. O acidente ocorreu poucos segundos antes de chegarmos ao local. Ainda vimos o motorista do Fusca saindo do carro para ajudar as vítimas.
Que dia. Sair de casa para fazer uma coisa agradável e ver pessoas perdendo as vidas estupidamente. Numa hora dessas, tudo que você quer é chegar em casa o mais rápido possível, abraçar e beijas os filhos e lembrar como você tem sorte de não ter estado no lugar errado na hora errada.
Nem o Street View do Google escapou de testemunhar um acidente na Rio-Santos: http://maps.google.com.br/?ll=-23.340049,-44.745083&spn=0.022499,0.042272&t=h&z=15&layer=c&cbll=-23.340163,-44.7451&panoid=T9-tMUsUkt7e0iRt1Fqqzw&cbp=12,342.72,,0,11.96 – lastimável!
O problema é que o desgoverno do Brasil está multiplicando os lugares errados e as horas erradas.
Não sabia que vc morava em Parati, fui de férias há duas semanas, ótimo lugar. Mas fiz a besteira de voltar pela Rio-Santos pra SP no fim da tarde… As 18:30hs estava nela sentido caraguatatuba, totalmente escuro, liguei o farol alto e vim mais devagar, me guiava com meu farol e com o farol dos carros que vinham no sentido contrário sem saber se estava comendo pista, se tinha curva, qual a velocidade limite. E percebi várias pessoas andando do lado, totalmente no escuro. Só relaxei chegando em caragua e pegando a tamoios. E nunca mais pego essa estrada no escuro.
Aliás, vc poderia comentar sobre a polêmica do livro/entrevista do lobão sobre rap, tropicalia e lei de incentivo da cultura? Gostaria de saber sua opnião.
Abraço.
Vou ler com calma o que disse o Lobão, não tive tempo ainda. Valeu pela dica, e cuidado com a Rio-Santos.
Credo, o mundo está virando uma “deep web”.
andré, sem querer bancar o pessimista ou tirar onda por “ter resolvido o meu problema e foda-se o resto”, até mesmo por que minha mae e irmaos ainda moram no brasil, mas vivo na alemanha há 7 anos e há quase 9 na europa. nao tenho a menor intencao em voltar, pelo contrário. a cada ano tenho certeza de que minha Vida aqui é mais fácil, barata e rica (no sentido de experiências ricas). já desisti do brasil faz algum tempo. o pior de tudo é a mentalidade das pessoas, só pioramos. isso tem tudo a ver com a falta de protestos por melhores estradas, educacao nas escolas e no trânsito, uma sociedade melhor, cidadania. é triste, mas é a verdade. o brasil está condenado a ser o eterno país do futuro. às vezes me dá uma ponta de egoismo por pensar que larguei tudo e estou fazendo minha Vida e formando minha família em outro páis, mas qdo leio posts como esse esse sentimento desaparece na hora. abracos e que o dia de amanha seja menos intenso pra vc.
Olha, infelizmente tenho de concordar com vc. Eu adoro o lugar onde moramos, mas a ideia de ir pro exterior existe, até porque já morei fora e sei bem como a vida é melhor. Abraço.
Caro André
Não existe lugar errado, nem hora errada.
Existem pessoas erradas, prepotentes, irresponsáveis.
E da forma como as “crianças” de hoje são criadas, a tendência é se tornarem a maioria.
Seu belo e triste texto deveria terminar concluindo que você teve sorte por não encontrar a pessoa errada.
Contado assim ate me lembrou aquela estrada do Mad Max,infelizmente muito pior q isso,eh a vida real,e pior ainda,no meu pais natal.Vamos ver ate quando o brasileiro aguenta isso!Q coisa triste ver o quanto um povo consegue elastecer a sua capacidade de adaptacao ao inves de simplesmente dizer “CHEGA!” e partir pro pau,ja q os politicos nao vao dar nada de mao beijada.A reacao do Pedro acima demosntra o quanto eh mais facil se fazer de cego.”Quando quer chorar vai ao banheiro,Pedro as coisas nao sao bem assim”.Sad but true.
parece roteiro de road movie!
lamentavel
Lamento pela sua experiência André. è pra ir direto pra igreja e acender uma vela de 7 dias. Mas mudando de assunto o que achou dos baianos jogarem as cachirolas ? Sera que se Carlinhos aparecesse iriam jogar nele?
Barça,
o pior que só penalizar não adianta. É questão de educação mesmo!
E a falta de estrutura das policias complica ainda mais, sem falar na desmotivação e falta de comprometimento de alguns profissionais.
Tem muito delegado que tem preguiça de fazer flagrante de alcoolemia. Acham um crime “menor”.
Toda esta situação associada aos inumeros problemas de violencia me faz ficar em casa o maximo possivel no limite isto e vai resultar em sindrome do Panico.
É lógico que estradas em péssimo estado de conservação e mal sinalizadas agravam o problema, mas a falta de educação é o pior problema, até porque, no fundo, todo motorista sabe o que não deve ser feito no trânsito, especialmente em uma rodovia (excesso de velocidade, ultrapassagem em local proibido, trafegar pelo acostamento, etc). Além disso, apesar de o Estado deixa muito a desejar neste assunto, é simplesmente impossível que haja fiscalização em cada Km de cada rodovia do país, ou seja, cabe a cada um usar o bom senso e simplesmente fazer o que certo, independente de fiscalização ou lei tipificando o crime ou não.
Acho que podemos dizer que a falta de educação é tanto por parte de quem gerencia os bens públicos quanto por parte parte de quem os utiliza, de modo geral. A falta de caráter ou de competência no gerenciamento do patrimônio público é, a meu ver, também falta de educação.
André, desculpe aproveitar um post mais sério, mas há tempos gostaria de sugerir um post sobre o Les Savy Fav, porque já vi você comentando brevemente sobre os rapazes aqui. É uma banda tremendamente subestimada, e “The Sweat Descends” é uma das melhores músicas de rock dos anos 2000 para cá.
Abraço!
Por que “A caminhonete era do ‘Departamento de Biologia’ de uma conhecida universidade federal brasileira”? Tem que dizer o nome da instituição pra ver se algo acontece com os pilantras que estavam fazendo essa barbaridade. Pra eles pode parecer “só” uma brincadeira, porque nada aconteceu – dessa vez, ao menos – mas atitudes como essa levam a muitos acidentes fatais.
Sim, Carlos, mas eu não posso simplesmente usar o meu blog num jornal para dizer as coisa sem prova. Eu SUPONHO que ele estava fazendo isso de propósito, mas não posso acusar ninguém. Não funciona assim. Se eu tivesse filmado, ou se tivesse outras testemunhas, aí sim.
Mas o motorista estava dirigindo de forma perigosa, não importa se era de propósito ou não… Tem que divulgar sim, pelo menos é a minha opinião.
André eu também acho que vc tem obrigação de dizer qual é essa conhecida faculdade. Não precisa acusar de estarem fazendo de propósito, mas como disse o amigo, eles estavam dirigindo de maneira perigosa e imprudente. Também é crime!
Eu posso fazer uma reclamação à faculdade, mas não posso usar este espaço para acusar alguém sem uma prova sequer. É minha opinião.
Mas relato não é acusação. Você não está num tribunal, está num blog.
Fui a Paraty no início de março. Viagem de fim de semana para descansar um pouco de São Paulo, mas acabou sendo um estresse pior do que ter ficado na capital. Paraty continua agradável e tal, mas é impossível viajar pra lá num tão curto espaço de tempo. E olha que a distância é só de 250 km. As estradas estavam pavorosas (peguei a Osvaldo na ida e a Tamoios na volta). Não há sinalização, faixa, placas. A Rio-Santos fluminense então é uma piada completa. Impossível dirigir à noite. Mas o pior mesmo foram os outros motoristas. Com chuva forte e falta de faixa, a visibilidade à noite era de poucos metros, mas mesmo assim uns animais ultrapassavam na curvam pelo acostamento indo a 1200, 130 km. Sem contar os animais que colam na traseira. A região é linda, mas é impossível inclui-la num roteiro de fim de semana. É muito estresse pra dois dias.
Moro em uma rua barro e para pegar o ônibus (não tenho carteira, só minha esposa), desço até a rua paralela que também é de barro. Agora ela está passando pelo processo de asfaltamento e esses dias conversando com uma das pessoas que trabalham na obra, ele me disse: “quem mora aqui nessa rua hoje reclama só do pó, agora quando tiver asfalto as coisas irão piorar”. E ele tem razão, essa estrada será um atalho para as praias da região. E a tendência é que se torne um local perigoso e de trânsito intenso.
Putz… loguei para rir um pouco sobra a chuva de caxirolas na última partida do Bahia e tecer comentários sobre a “Maldição do Carlito Marrom”, mas o assunto do post é tão sério que não cabe piadas .
Ou quem sabe piadas sirvam para alegrar um pouco depois desse dia (mais um) fatídico no trânsito brasileiro?
Putz Barça, que situação desagradável. É realmente uma pena pessoas morrerem de forma tão trágica, mas fico feliz que vocês estão bem e conseguiram atingir o objetivo da viagem. Força Sempre.
André, o pior de tudo isso, é que enquanto o governo ficar reduzindo o IPI, ignorando a conservação objetivando futuras privatizações, as autoescolas fingindo que dão aula, e os alunos fingindo que aprendem, essa guerra civil do trânsito brasileiro vai continuar comendo solta todos os dias…
Há vezes em que eu acho que sua mudança para Parati em busca de uma vida tranquila teve o efeito contrário.
Cara, em SP era muito pior.
Continue em Paraty que está bem melhor, com certeza, o que aconteceu na Rio-Santos é fichinha com que acontece no dia a dia nas grandes cidades brasileiras.
Eu por exemplo mês que vem estou me mudando para Apiaí, longe de tudo, não tem praia mas comprei uma chácara com muito mato e espaço, sómente eu minha esposa e casal de filhos.
Falta de assunto e obrigação de escrever alguma coisa é f…
Bom, se vc não acha o assunto merecedor de um texto, problema seu.
Encontramos quem estava dirgindo a caminhonete da facul.
Boa!
sei lá pq vou me meter mas…se não gostou do texto, pra que deixar comentário? sério, não entendo.
Para ser mais irritante, só faltava o Pedro ter comentado “Mudou minha vida saber disso”…