Enfim, o livro do Lobão
03/06/13 07:05Já vou avisando: esse texto não é sobre o PT, os Tucanos, os Racionais ou lei Rouanet. Não é um texto contra ou a favor de nada. É só um texto sobre o novo livro de Lobão, “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”.
É bom deixar isso claro, para que ninguém venha me atirar no esgoto ideológico que vem dominando qualquer conversa sobre o livro e sobre Lobão.
Aliás, chamar essas discussões de “ideológicas” é errado. Não há nada de ideologia nelas. São discussões partidárias. Um verdadeiro Fla x Flu de intolerância e falta de bom senso, como têm sido a maioria das discussões “políticas” no Brasil nos últimos tempos.
A verdade é que não temos direita ou esquerda. Temos dois grupos de hooligans salivantes, que há muito abandonaram ideologias e abdicaram de qualquer senso ético e respeito aos fatos para se engalfinhar em briguinhas de jardim de infância.
Nossa “direita” é formada, em boa parte, por apologistas da ditadura, que tentam justificar 21 anos de golpe militar com a desculpa fajuta de que ele só estava salvando o Brasil de se tornar um “Cubão”.
Já nossa “esquerda” deixou de lado bandeiras ideológicas para levantar outra bandeira: a do governo. O pessoal acha super Odara dar as mãos a Renan Calheiros, Collor e Sarney, e se comporta como um cãozinho dócil comendo biscoitos na mão do governo. A “esquerda” jovem paulistana, então, é uma fofura só: quando Haddad apaga grafites dos Gêmeos, todo mundo fica na miúda e abana o rabinho; se Kassab tivesse feito o mesmo, haveria alunos da FAAP vestidos de cor-de-rosa se imolando na Praça Roosevelt.
Voltando ao livro: em meio a discussões acaloradas no Twitter, onde pessoas opinam sobre o livro sem o menor indício de tê-lo lido, resolvi andar na contramão dessa turma e li a bagaça de cabo a rabo.
“E aí? Gostou ou não?” é a pergunta que você deve estar se fazendo.
Bom, o livro de Lobão é uma coletânea de pensamentos e ideias dele. Não é exatamente um livro para se gostar ou odiar, mas para concordar ou não. E eu prefiro a turma que não respeita só o que espelha suas próprias opiniões.
Se você acompanha as entrevistas e debates com Lobão, já sabe o que vai encontrar: ele desanca boa parte da MPB, especialmente a ala “combativa” de Gonzaguinha e Chico Buarque; bate no que considera “aparelhamento” do rap e do hip hop pelo Estado, esculhamba o sertanejo universitário, elogia o funk carioca, que considera ainda livre do abraço nefasto da “intelectualidade de esquerda”, reclama do fisiologismo do PT, diz que a Comissão da Verdade deveria investigar não só os abusos cometidos pela ditadura, mas o da esquerda guerrilheira também, incluindo as atividades da presidente Dilma, bate no sistema de cotas raciais em universidades e questiona o “Manifesto Antropófago” por meio de uma “carta” a seu autor, Oswald de Andrade.
As partes mais divertidas foram as histórias em primeira pessoa, em que Lobão conta casos curiosos de sua vida. Uma delas descreve a metamorfose de amigos que, tendo aula com “professores comunistas”, subitamente abandonaram os discos de Led Zeppelin e Mutantes e apareceram com LPs de Pablo Milanés e Mercedes Sosa. Outro relato engraçado é o da noite em uma casa de shows country, onde Lobão foi investigar o fenômeno do sertanejo universitário e acabou perdido em um salão chamado “John Wayne”. Também ri muito com a história da campanha presidencial de 1989, quando Lobão apoiou o comunista Roberto Freire pensando tratar-se do psiquiatra homônimo.
Um capítulo sobre o patrulhamento da música pop nos anos 70 e 80 é interessante, apesar de conter alguns erros de informação (Guilherme Arantes não ganhou o Festival Shell de 1981, como diz Lobão, mas perdeu para “Purpurina”, o que causou uma das maiores vaias da história do Maracanãzinho, quando Lucinha Lins foi cantar a música vencedora).
Não concordo com o trecho em que Lobão diz que a morte de Julio Barroso, da Gang 90, “acabou com as esperanças em tornar viável uma estética eletrificada, potente e livre de chavões preconcebidos como o da MPB”. Esqueceu o Raul Seixas, Lobão?
Também não dá para concordar – falo por mim – com a opinião de Lobão sobre os militares, que ele vê como uns pobres coitados que “salvaram o Brasil de virar um Cubão”. Ao justificar uma ditadura com a desculpa da ameaça de outra – e ainda se enganando ao dizer que o Brasil viveu “23” anos de ditadura militar – Lobão usa o mesmo argumento dos defensores da ditadura castrista em Cuba.
Se valeu a pena ler o livro? Acho que livros sempre valem a pena. Por mais que você discorde deles, ler é bem mais prazeroso que ficar xingando no Twitter.
André, parabéns pela lucidez e bom senso. Precisamos de mais pessoas assim debatendo as idéias. Concordando, discordando… mas sabendo o porquê de ter determinada opinião. abs.
Sei não. Tô começando a achar que o Lobão quer ganhar uns trocados, aproveitando a onda dos “contra X a favor” do governo. Pelo jeito, a conta dele já saiu do vermelho. Esses lugares comuns dele, caberiam muito bem num blog. De qualquer maneira, ele fez a melhor opção, ao escrever um livro. Compra e lê quem quiser. Já, outros, cujas carreiras artísticas ou esportistas acabaram, resolveram ser vereadores, deputados, ASPONES de políticos, o que é bem pior.
Ninguém assume ser contra o PT de puro medo, o governo sustenta da Copa do Mundo a TVs, Portais de Internet, revistas. Boris Casoy que o diga, perdeu o emprego e passou a ser patrulhado. A coragem do Lobão merece reverência. Como o Mano Brown deixou bem claro, falou contra governo do PT corre risco de levar porrada. Um general tosco não ameaçaria melhor. Só que o tempo provou que mais toscos que os generais eram os esquerdistas, sem esquecer que os generais são homens que morreram honradamente, não se refestelavam, não davam mau exemplo. Já um documentário do Chico Buarque sozinho pesa mais no bolso do contribuinte que aqueles generais todos em suas vidas profissionais.
André você foi direto ao ponto. Ainda não li o livro – encomendei ontem pela livraria cultura -, mas assisti quase todas as entrevistas do Lobão sobre seu escrito e li algumas reportagem (principalmente nos sites ligados à esquerda, como o pragmatismo político). Acho que o colega Sergio Matos matou a charada: muitos criticaram sem ter lido o livro e os assuntos propostos não foram debatidos. André se você gostou das histórias pessoais do Lobão, leia “50 anos a mil”.
Tem FLA X FLU demais nos comentários dos blogs – teu inclusive – porque falta FLA X FLU em nossa imprensa, totalmente partidarizada. Vc não tem culpa, frise-se, mas é a verdade. Não devia ser assim, mas é. Abraços!
Se a imprensa é partidarizada então é porque TEM Fla x Flu, não o contrário.
Tentei ser sutil demais e me dei mal. André, a imprensa é partidarizada sim, só que para um lado só. Para qual lado deixo para o consciente jornalista que vc é pensar.
Abraços.
“Sutil” não, vc escreveu algo que não faz o menor sentido, só isso. Uma imprensa partidarizada é justamente a que promove “Fla x Flus”, não o contrário.
A imprensa é capacho do governo federal que paga blogueiros tipo o PHA.
E acho que vamos precisar de outra ditadura militar para evitar este burricionismo que estamos vivendo …
“A verdade é que não temos direita e esquerda.” — A verdade é que o que chamamos de verdade pode não ser A verdade.
Todo mundo hoje em dia quer ser contraditório. É moda.
Ao contrário. A moda é seguir a maioria, aderir às mesmas modinhas, comprar as mesmas coisas e balir junto com o rebanho.
“Esqueceu o Raul Seixas” muito bom
Mutantes? underground anos 90 e 2000?
Resenha simplesmente irreparável. Parabéns André.
O mais importante no livro do Lobão é a quantidade de questões que são jogadas no ár para serem discutidas. As idéias, coerentes ou não deveriam simplesmente serem discutidas e não cuspidas de uma forma intolerante. É muito importante uma pessoa ler, ouvir ou ver e ter uma opinião, sabendo que de outro lado uma outra pessoa terá percepções diferentes e mesmo assim saírem juntas para tomarem um chopp!!! A falta de um debate ou do entendimento do outro mostram de fato o teor de nossa democracia.
Gostei do artigo.
Apeteceu-me mais a vontade de ler o livro.
Sei lá, me parece que o Lobão resolveu seguir a trilha fácil de dizer o que todo mundo quer ouvir de um jeito polêmico que lhe é característico e fazer uns trocos jogando confete em sua própria (pseudo) intelectualidade, atitude pela qual costumeiramente acusa o pessoal da tropicália de fazer deliberadamente.
E como assim o funk está “livre do braço nefasto da intelectualidade de esquerda”? Quem mais defende o funk é a esquerda enquanto a direita é quem mais ataca, como ele chegou a essa conclusão? É só dar uma zapeada em conteúdos feministas por aí para ver.
P/ mim o Lobão se enquadra perfeitamente hoje na sua descrição de “hooligans salivantes, que há muito abandonaram ideologias”. Deve estar s inspirando no Diogo Mainardi. Acorda Lobão! Tanta vivência e conhecimento acumulado p/ ficar batendo (merecidamente) no PT deixando todo o resto de lado? Que pena, o senhor já foi melhor que isso…
Falou muito [e mal] de política e pouco do livro, infelizmente.
Desculpe, Aline, se não sou da sua turma.
Está desculpado.
Que bom que vc é uma democrata.
André, falando por mim, estamos num lugar comum de briga de torcedores que, de lado a lado, só pensam em defender seus clubinhos sem, ao menos, pensar no que estão dizendo.
Em 2022, o tema da redação do ENEM levará a uma análise crítica das idéias de Lobão, tal como foram condensadas em seu genial “Manifesto do Nada na Terra do Nunca”.
Lobão e Carlinhos Brown são gênios da raça…