Tchau, Maracanã, foi bom ter te conhecido...
04/06/13 07:05Assisti ao jogo Brasil vs. Inglaterra domingo, pela TV, para ver como estava o “novo” Maracanã. Fiquei muito, mas muito triste. Não era o mesmo lugar que visitei pela primeira vez em 1970, levado – e fotografado, veja abaixo – por meu avô, que na época ainda tentava me convencer a torcer pelo Botafogo (mas eu já tinha dois anos e, felizmente, pressenti que era roubada).
Para começar, vi uma torcida calada e comportadinha. Parecia que os torcedores estavam assistindo a um concerto no Municipal, todos constrangidos em falar alto ou parecer deselegantes.
Quando as câmeras mostravam o público, procurei um negro. Não achei. Também não vi sinal dos torcedores folclóricos que sempre habitaram o estádio.
Estou com medo de ir ao “novo” Maracanã. Fui ao último jogo antes do fechamento, Vasco vs. Fluminense, em 2010, e planejo voltar assim que acabar essa presepada dessa Copa das Confederações. Mas tenho quase certeza de que vou me decepcionar.
Não estou fazendo elogio da pobreza. Ninguém é a favor de estádios obsoletos e desconfortáveis. Só acho que é possível conciliar conforto e segurança com um certo respeito às tradições, o que, infelizmente, não aconteceu com o Maracanã.
Aliás, o Maracanã estava longe de ser obsoleto. Para quem tinha medo de machucar seu valioso traseirinho no cimento quente e áspero da velha arquibancada, vale lembrar que o cimento já sumira do estádio há mais de uma década. Desde 2000, o Maraca tinha assentos anatômicos e indolores – ao custo de meio bilhão de reais, mais ou menos.
Agora, gastamos mais 1,2 bilhão, o dobro do que seria honesto gastar em um estádio novo, para transformar um lugar único em uma “arena” banal. Bem disse Thiago Silva ao final do jogo: “Parece coisa de Europa”. Parece mesmo. Só não parece o Maracanã.
Se eu tivesse 1,2 bilhão de reais, gastaria metade construindo um estádio novo na Barra da Tijuca, batizaria o colosso de “Arena Cururu”, poria um Playstation em cada assento e deixaria o Maracanã em paz.
Pensando bem, era só questão de tempo até acabarmos com o Maracanã. O processo de “vipização” de nossas cidades já extinguiu os cinemas de rua, transformou botequins em “espaços gourmet” e embranqueceu os desfiles das escolas de samba. O passo lógico era acabar com o futebol também.
O jogo de domingo teve pouco menos de 60 mil pagantes e uma renda de nove milhões de reais. Dá uma MÉDIA de 150 reais por ingresso. Talvez o Eike possa levar os filhos ao estádio; eu não.
Podem me chamar de saudosista, de apologista da pobreza, não me importo. Mas eu realmente gostava da arquibancada de cimento, gostava de trocar de lado para ver meu time atacando no segundo tempo, gostava de andar pela arquibancada e encontrar os amigos, gostava de entrar naquele túnel estreito e ver, aos poucos, o verde do gramado aparecendo. Principalmente, gostava do eco da marquise do Maracanã. Será que o eco estaria no “padrão FIFA”?
Triste também é ver os nomes dos estádios sendo substituídos por marcas.
O estádio do Palmeiras vai mudar de nome. Em vez do tradicional parque Antárctica, Arena Allianz. O Itaquerão será oficialmente batizado de Arena-alguma marca de cerveja – desde que esta seja anunciante da Globo, claro.
Restam a Vila Belmiro e o Morumbi, ainda resistindo bravamente à desfiguração de seus passados. A Portuguesa coitada, não tem dinheiro para reformar o velho e bom Canindé.
Enfim, a padronização dos estádios vai tomando o lugar da história.
O Maraca até poderia ter aquele aspecto insípido de estádio europeu de segundo escalão. Desde de que mantivesse a Geral, reduzida ao extremo que fosse. A Geral sempre foi a alma do mais simbólico estádio do mundo. Esse pequeno círculo próximo ao campo seria um ato nobre de um governo que pensa e tem algum carinho pela galera. Mas não sou apologista e saudosista do cimento. Vamos sentar direito, jogar as costas pra trás e enxergar com clareza o jogo todo. É o mínimo que merecemos e que só recebemos porque chegou a hora de sermos saqueados. Só fiquei chateado pela perda da Geral. Desprezaram na maior o espaço mais folclórico e mítico que nossa cultura da bola criou.
Tá bom. A ideia é justamente acabar com qualquer coisa que pareça a geral. Imagine se iam deixar?
Respeito o novo mas o fetiche por esses estádios impressoras é coisa de jacu. Ver jogos em caldeirões humildes pode ser desconfortável, mas é uma delícia, interatividade a mil, xingo do jornalista ao auxiliar de arbitragem e tenho plena certeza de ser ouvido em alto e bom som. Essas arenas são caras para manter, e mais caras ainda para erguer e depois ficam todas iguais.
Bem, mas se demoliram o Palácio Monroe (cujos leões jazem em fazenda de algum político espertalhão), e se o próprio Lúcio Costa, pessoa culta e esclarecida, foi uma das principais vozes a favor da demolição (consta que ele se arrependeu, anos depois), o que mais pode surpreender no Brasil?
Esses estádios novos parecem shopping centers, aeroportos ou agências de banco: são tão padronizados que você não saberia diferenciar um do outro. O Maracanã ficou IGUAL ao Mineirão, que por sua vez é igual a Wembley, que é igual a um estádio da África do Sul. Todos sem alma.
Eu sou mineiro, não moro mais em BH, tenho longa memória afetiva do Mineirão, e fiquei tão triste quanto você ao ver esses estádios desfigurados assim só pra dar lucro à Odebrecht.
Sinceramente, não estou nem aí para o Maracanã, nem pra Mineirão, nem pra estádio nenhum… o problema é que estão fazendo toda essa gastança COM O NOSSO DINHEIRO.
E não adianta só culpar a FIFA.
A FIFA não impõe realizar a Copa do Mundo a NENHUM país.
A CBF com total apoio do governo e da presidência da república ( leia-se sr. Lula ) é que se candidatou e fez o desfavor de trazer esse absurdo de gastos para um país com inúmeros problemas como o Brasil.
A sensação de amplidão não vinha só do tamanho do Maracanã, mas também do projeto arquitetônico original. Foi pro saco o mito.
Costumamos dizer que nos anos 70 a discriminação racial e social era maior que nos dias de hoje (e era!), mas no Maracanã negros desdentados da Baixada e bebês polaquinhos da Zona Sul conviviam no mesmo espaço como torcedores. Hoje, as crianças lourinhas estão no mesmo espaço que as negros da periferia se estem forem babás. De uniforme branco, lógico.
Estava sabendo disso aqui, André?:
http://www.espn.com.br/noticia/334118_portuguesa-corre-risco-de-ser-desfiliada-pela-cbf
Não, mas nada mais me surpreende.
andré, fizeram o mesmo com o meu amado mineirao. as bandeiras já haviam sido proibidas faz tempo. nao tinha coisa mais linda do que ver 20 a 30 bandeiras alinhadas de todas as organizadas perfilarem na arquibancada e depois sairem em procissao para os lugares de sempre. durante o jogo era uma festa ver a habilidade dos chefes de torcida fazendo evolucoes mágicas com as cores do Galo. depois vieram as malditas cadeiras de plastico que só serviram pra diminuir a capacidade do estádio e arrebentar as canelas da Massa. tudo bem, até aceitável por questoes de seguranca. aí proibiram classicos com as duas torcidas em campo divididas ao meio por um cordao de isolamento e a polícia. e o tradicional “Empurra as bichas” gritado pra torcida do cruzeiro sempre em menor numero no estádio. e agora nao temos mais os ambulantes do lado de fora vendendo churrasquinho e aquele sandubao de pernil. nao se pode estacionar ao redor do estádio. o unico e inigualavel TROPEIRAO DO MINEIRAO acabou… só falta agora proibirem o grito de gol. como vc bem disse num post outro dia, o futebol brasileiro acabou.
Proibir bandeiras é o cúmulo. Ver jogo em SP ficou muito feio depois que proibiram.
Eu fui num Fla-Flu na geral uma vez e foi uma experiência antropológica muito interessante. Quando o Flu fez o gol, o cara do meu lado, muito humilde, ajoelhou e deu um beijo no chão
E o pior é que ainda existe uma legião de iludidos felizes com a Copa e com a Copa das Confederações. O que você disse do Maraca, Barça, vale pro “novo” Mineirão. Do lado de fora do Maraca também acabaram com estacionamento normal para fazer estacionamento VIP e área inútil enfeitada para gringo ver?
Essas reformas para transformar estádios tradicionais em novas arenas fazem com que aqueles, se me permitem a licença poética, percam a “personalidade”. Parecem feitos em série, com uma mesma forma. Todos poderiam se chamar “Fifão”. Uma lástima.
E eu que achei ruim quando trocaram o alambrado do Couto Pereira por fosso na década de 90? Eu era feliz enão sabia…
Sensacional essa foto!
Legal, né? Sorte de quem teve pais e avós que registravam esses momentos.
Sensacional esta foto ( além do texto que compartilho em 100% da opiniâo ) , pena que não poderei tirar uma do mesmo maraca com meus filhos que ainda não vieram…
Eu calculo ser uns três anos mais velho que você e há uma coincidência na nossa história futebolística. Meu avô não era botafoguense (era tricolor), mas incrivelmente seus 12 filhos torcem pelo Botafogo (minha mãe inclusive) e lá por 1969-70 os meus dois tios mais novos, com os quais eu convivia diariamente, fizeram de tudo para que eu fosse um botafoguense. Quase conseguiram. Duas coisas me fizeram optar pelo Fluminense: meu pai, que não era de forçar a barra mas me “protegia” dos meus tios e a final do carioca de 71. A vitória antológica do Flu levou-me a dissipar a dúvida e optar pelo tricolor. Quanto a essa história dos estádios, eu fico dividido. Tenho muita saudade do velho Maracanã, mas acho que o futebol mudou, o mundo mudou e a tendência é mesmo termos estádios menores e mais confortáveis. É claro que eu não concordo com essa babaquice de vips, rede Globo, etc…, mas sou a favor de uma mudança de mentalidade dos torcedores aqui no Brasil. Essa coisa de ficar xingando o juiz, mandar saco de urina nos outros, desrespeitar o torcedor adversário, deveria acabar. Eu me lembro de um jogo de vôlei nos anos 80 entre Brasil e URSS, na casa deles, em que os torcedores soviéticos aplaudiam com entusiasmo e educação a nossa seleção. Eu nunca esqueci disso. Então eu sou a favor de um meio termo, manter a alegria, mas com mais educação.
Os botafoguenses sabiam o que aconteceria pós-68: 21 anos de fila. Concordo com o que vc escreveu, também acho que precisamos ser mais educados, mas tenho de dizer que nunca vi “saco de urina” no estádio. Nos últimos anos do Maraca, as cadeiras azuis reuniam torcedores rivais e nunca vi brigas por lá, sempre foi muito pacífico, assim como a geral.
Saco de urina, copinho de urina… era tradição no Maracanã.
como você mesmo aponta: o jejum do Botafogo foi em protesto contra o AI-5. 😉
lamento você não ter seguido a preferência do seu avô.
e eu me lembro de sacos de mijo na Fonte Nova, em Salvador.
Falou tudo, Marcílio! Assino embaixo.
Sem contar, André, que acabaram com o “véu da noiva”. Virou o gol padrão Fifa. Não custava nada também deixar aqueles orelhões atrás do gol, você não acha? Abs!
Acho o véu de noiva fundamental. E os orelhões eram demais, muito bem lembrado.
Outra coisa André, vendo sua foto: descobri que neva em todo o país…que merda é essa bola laranja?
Também não sei, deve ser pra fazer par com a caxirola.
Será que alguma boa alma teve a brilhante ideia de compilar filmes do saudoso Canal 100 num box de DVDs, para eternizar o auge do nosso futebol e do Maracanã…?
Aqui dá para se ter uma noção de como foi o grande Maraca (com as tradicionais figuraças da geral):
http://www.youtube.com/watch?v=FhNv7Lr7wmk