Bowie, Nile, e a gênese de um disco clássico
26/06/13 07:05Escrevi ontem sobre a autobiografia de Nile Rodgers, “Le Freak”. O livro é tão bom que decidi estender o assunto e falar de um dos trechos mais interessantes, o encontro de Rodgers e David Bowie, que resultou no disco “Let’s Dance”. Foi o LP mais vendido da carreira de Bowie e acaba de completar 30 anos.
O disco foi um choque para os fãs mais ortodoxos de Bowie, acostumados ao pop cerebral do camaleão. Bowie nunca fizera um disco de “entretenimento”, feito apenas para dançar, e por isso “Let’s Dance”, pelo menos a princípio, foi mal recebido. Demorou um pouco para o público perceber como Bowie, novamente, estava pensando à frente de todo mundo.
Para entender a gênese de “Let’s Dance”, é preciso certa perspectiva histórica: no fim de 1982, a indústria musical passava por um furacão chamado “Thriller”. O disco de Michael Jackson – o mais vendido da história – inaugurou a era dos megapopstars – Madonna, Elton, Whitney – que dominaria o pop nos anos seguintes, conhecida por “Era Michael Jackson”.
A indústria do disco passava por uma grave crise. A discoteca havia vendido muito até 1978, mas o gênero sumiu de repente e causou, junto com a segunda crise do petróleo, uma hecatombe nas vendas de discos. Gravadoras passaram a concentrar esforços apenas nos artistas de maior potencial de venda e despediram artistas aos milhares. Em 1979, o número de discos vendidos no mundo caiu pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra.
No início dos anos 80, a palavra “dance” era quase um palavrão. A discoteca era ridicularizada, e artistas como Donna Summer e Gloria Gaynor, que tinham reinado pouco antes, estavam por baixo. A nova moda eram videoclipes superproduzidos e artistas pop de forte apelo visual – a MTV havia estreado em 1981, é bom lembrar.
Bowie havia acabado de assinar um contrato nababesco com a EMI – parte da “Era Michael Jacskon” – e não podia arriscar um fracasso comercial. Ele já havia combinado fazer seu disco seguinte com o amigo e colaborador Tony Visconti, que havia produzido seus cinco discos anteriores. Mas um encontro casual mudou seus planos…
Numa noite no fim de 82, Bowie foi a uma casa noturna em Nova York. Era um local freqüentado por góticos e por uma tribo curiosamente inspirada no próprio Bowie, os new romantics – movimento que geraria bandas como Duran Duran, Visage e Adam Ant.
Nessa boate, Bowie encontrou dois sujeitos pra lá de Bagdá: Nile Rodgers e Billy Idol. Rodgers e Idol eram amigos, cheiravam mais que dois tamanduás e ficaram petrificados quando viram Bowie no clube. Nile ainda tentou manter a calma, mas Billy Idol, que nunca foi conhecido pela discrição e bons modos, gritou: “Wow! Motherfucking David Bowie!!!”
Bowie e Nile Rodgers bateram papo por horas. Falaram de música e cinema. Nile foi para casa e esqueceu o papo. Semanas depois, recebeu um recado: Bowie queria que ele produzisse “Let’s Dance”. O homem por trás do Chic era justamente o sujeito que Bowie procurava para fazer um disco de dance music moderno e sem saudosismo, que apontasse novas direções para a música pop.
E foi exatamente o que aconteceu: com “Let’s Dance”, Bowie deu o salto comercial que tanto queria e fez um disco artisticamente relevante, que influenciaria toda a nova cena eletrônica/pop que surgia, como Duran Duran, Depeche Mode, A-Ha, Culture Club, etc.
O sucesso do disco foi uma surpresa até para Bowie. Ele queria, desde o início, fazer um disco dançante, mas orgânico, que não soasse excessivamente robótico ou “frio”. Por isso convidou o guitarrista de blues Stevie Ray Vaughan para tocar e pediu ajuda a Nile Rodgers, um músico que sabia, como ninguém, criar grooves marcantes.
Anos depois, numa cerimônia de entrega de prêmios, Bowie agradeceria publicamente a Nile Rodgers: “Tiro meu chapéu para Nile, o único homem capaz de me fazer começar uma música com um coro!”
P.S.: Demorou, mas veio: conforme prometido, aqui vai o link da matéria sobre viagem à Chapada Diamantina com crianças. Bom proveito…
Só agora vi as fotos da Chapada. São maravilhosas. Obrigado por compartilhar. Mas a Nina andou 14 km na boa mesmo…? Pela abundância de sorrisos lindinhos nas fotos ela tirou de letra…
Em sete horas, foi sussa…
“let’s dance” foi o último grande disco do bowie.
Grande história.
Poucos discos podem se dar ao luxo de inciar com uma trifeta de “Modern Love” (uma das músicas mais bacanas e dançantes de todos os tempos), “China Girl” e “Let`s Dance”.
Acho esse disco fantástico….e por mais que seja datado, nos remete à uma época bacana demais.
====
Muito legal o texto da sua esposa. Belas fotos. Baita viagem e aventura.
Sensacional.
Alguém aqui tem preconceito? Não? então pelamordedeus aguentem esse vídeo, por um minuto antes da surpresa garantida, we indies and hipsters, and then leave me alone! http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=VhQK-6iI7cI
Barça,
uma linda sua filhota!
E bacana o texto sobre “Let’s Dance”
abraço
Valeu!
Legal o texto. Voce coloca as informacoes dentro do contexto da epoca, o que e’ sempre importante.
Uma coisa tem que ser dita: neste disco tem a faixa “China Girl” que martelou muito nas radios. Eu era moleque e nao conhecia a versao de do Iggy Pop, co-autor da musica, de 1977. Quando ouvi pela primeira vez caiu meu queixo. Ou seja, o Bowie e o Nile transformaram uma cancao de desespero e agonia num popzinho agua com acucar para combinar bem com o clima do album.
http://www.youtube.com/watch?v=9iTNrtU15Xk
Bem lembrado, as versões são bem diferentes mesmo.
SRV tocou em Let’s Dance? Essa é nova para mim.
jAH e pessoal, sim, e foi, digamos, Bowie que, ao assistir ao SRV e Double Trouble em Montreux, levou o texano a seguir as raízes mais do blues. Isso porque, após a gravação do Let’s Dance, o pessoal do estúdio sairia em turnê, mas SRV preferiu trabalhar com seu recém-lançado Texas Flood. Eu já tinha ouvido “Let’s Dance”, mas só comprei o disco do Bowie depois de saber da presença do SRV. De qualquer forma, quem gosta da guitarra em “Let’s Dance” e não conhece SRV, procure “Texas Flood” de 83, pela Epic.
Ganhamos dos dois lados. Ambos, discos antológicos.
Barça, o trecho que você escreveu sobre como a “era disco” foi ridicularizada no começo dos anos 80 é uma das coisas que mais chama a minha atenção. Fazendo uma analogia, a febre da discoteca foi tão rápida quanto o período do Velho Oeste: durou pouco, mas rendeu um trilhão de materiais. Não vivi essa época (tenho 31 anos), portanto só imagino o choque que deve ter sido sair de uns sons dançantes e orgânicos no fim dos anos 70 para, 2 ou 3 anos depois, dançar ao som do synthpop do Yazoo, por exemplo…
O fim da discoteca quase acabou com a indústria do disco. Já viu as imagens do Disco Demolition Derby? Procura no Youtube, são impressionantes…
Ainda não vi, mas vou procurar. É uma época muito interessante (tanto musicalmente quanto em outros aspectos). Valeu, Barça!
Tô ouvindo no trampo agora (como é bom ser funcionário público hehehe) para variar mais um grande disco do Bowie…. e esse baixo pulsando a cada música? Clássico!
Um disco marcante sem dúvida, mas “clássico” eu não diria. Afinal, “Modern Love”, “China Girl” e “Let’s Dance” são realmente três canções excepcionais, mas o restante é perfeitamente dispensável de qualquer boa coletânea que se faça do Camaleão, IMHO.
Um disco ter três músicas numa coletânea de um artista com 45 anos de carreira é uma boa média, não acha?
Verdade. Mas que disco dele não tem pelo menos três grandes canções? O problema é escolher apenas três melhores em discos como Space Oddity, Hunky Dory, Ziggy ou Low, o que é justificável pelo nível de excelência que o cara estabeleceu. Enfim, é Bowie competindo consigo mesmo.
Muito se fala nesse Bowie, mas a verdade é que não conheço ninguém que realmente goste das musicas dele, a não ser os críticos e alguns moderninhos ex-leitores da bizz. Ou melhor, dizem que gostam, mas em seus IPODS genéricos as musicas do David estão lá só para dar um toque de classe á sua lista de MP3.
Nossa, que radical o Pirilampo, trata-se de um revoltadinho.
Não lembro de algum dia alguém ter me dito que ao menos escutou alguma musica de David bowie. Não vejo nenhuma genialidade nesse sujeito, não aprecio criticos e não sou revoltado.
Ui! Revoltadinho!
Sempre tive um pouco de preconceito com a disco music, achava uma queda de qualidade no funk dos anos 60 e 70, pois me interessava mais por James Brown, Parliament etc., mas depois que ouvi Chic e O´Jays até comecei a gostar um pouco mais do estilo. Agora cá entre nós esse disco do Bowie é fraco demais, tirando as 3 primeiras não sobra mais nada, bem ruinzinho.
Barça, só de curiosidade… vc gosta de Let´s Dance? Acho meio chato. Não era melhor ele ficar em Scary Monsters?
Gosto demais do disco. Como muitos discos daquela época, não envelheceu tão bem quanto outros do Bowie, hoje parece datado, mas é bom demais.
Bem observado. “Let’s Dance” tem aquela sonoridade oitentista que infelizmente datou alguns discos, mas o belo repertório e o pique contagiante permaneceram.
Acho que essa fase “futuro do pop dançante” do Bowie começou depois de Berlim. Acho o Scary Monsters bem por esse caminho. Mas concordo que o Let’s Dance deu um salto muito grande! Sensacional.
André, só uma dúvida: No texto vc diz que a disco decaiu nos EUA em 1978, mas não foi justamente quando essa “febre” chegou no Brasil?????
O Brasil por acaso é nos EUA?
Foi, com a novela Dancin Days. Mas o auge no exterior foi com Saturday Night Fever, de 77. Em 79 rolou o famoso “Disco Demolition Derby”, em Chicago, que marcou, simbolicamente, o “fim” da era disco. A verdade é que a discoteca foi um fenômeno muito rápido.
Vale lembrar que filmes e discos levavam até meses pra chegar nestas progressivas paragens de Pindorama. Muito menos informações sobre os artistas. A garotada de hoje (o tiozinho aqui incluído..rs) vive o paraíso da informação da internet (e desinformação também)…
Essa famigerada novela esticou essa onda por anos aqui nas Capitanias…
A música deixou de ser cerebral, mas os clipes…
Esses dias ainda comprei um CD/DVD The Best Of David Bowie 1980-1987. Só clássicos. Modern Love continua sendo uma das minhas músicas prediletas do cara.
“Let’s Dance” é disparado meu disco favorito de Bowie. Depois dele curto a fase clássica que vai até “Diamond Dogs”, mais o “Station to Station” e “Black Tie White Noise”. Nunca tive paciência para a chamada trilogia de Berlim. Consigo apenas, num esforço da razão, reconhecer as qualidades dos discos.
Tem história de David Bowie que não seja fascinante? Nem consigo imaginar o papo entre ele, Rodgers e Billy Idol…
André, as fotos da Chapada me lembraram muito Ibitipoca, em Minas. E lá você tem a vantagem de os três circuitos que existem poderem ser feitos cada um num dia. O mais cansativo é de 12 Km, ida e volta, sendo a ida de subida, as vezes íngreme.
Com certeza vocês vão gostar.
Muito legal o post, e valeu pelo link da viagem à Chapada Diamantina. Costumo olhar aquele blog de viagens de vez em quando, mas não tinha visto esse post e o de Paraty. Parabéns pela família e pelas aventuras!
Bons tempos, bons discos, boa música.
E excelente matéria!
Só uma coisa me causou estranheza… Tamanduás cheiram???
Formigas. Tamanduás e o Ozzy.
Lembro da época… Até na rede globo tinha um programa chamado video clip, passava nas tardes de sábado ou domingo e direto rolava esse clipe do Bowie Let’s Dance. Sobre a Chapada Diamantina, que beleza de imagens heim! E eu aqui na selva de pedra tomando chuva com frio…rsrs. Sempre quis conhecer cavernas. Parabéns!
Clip Clip.
É a mesma coisa..rsrs
Barça, só um detalhe/dúvida: esse “disco dançante, mas orgânico, que não soasse excessivamente robótico ou ‘frio'” ele já não havia feito (Young Americans)?
Mas “Let’s Dance” ia justamente contra a corrente “robótica” que imperava. No caso de “Young Americans”, foi meio que uma homenagem do Bowie à música soul americana, inspirado pelas viagens que ele fez pela América. Acho ambos discos sensacionais, mas “Let’s Dance” é mais festeiro, me parece. Vale lembrar que “YA” tem até “Across the Universe”, não é um disco escapista, só pra dançar.
A cocaína, desde “mil novecentos e bolinha” inspirando as mais belas coisas do mundo… Honey White… como diriam “meus amigos” do Morphine.
Billy Idol é foda! Genial.
Turma boa citada aqui hein?
Falando em new romantics… sempre escuto Bronski Beat com meu amigo Kassab.
O Gilberto?
Sim.
Meu ídolo…
Comprei o LP logo que saiu, gosto demais dele até hoje. Ainda me lembro perfeitamente do impacto que me causou o início de “Modern Love”.
É um absurdo aquele começo, bem lembrado.
Putz estava lendo o texto e o começo de modern love me veio a cabeça também. Foi um trabalho e tanto o desses caras.