O filme mais assustador que você já viu. E é tudo verdade...
09/08/13 07:05Como é bom ter leitores bem informados e antenados com as novidades. Foi um deles, Ricardo – não sei o sobrenome – que indicou um filme que eu, estupidamente, havia ignorado: “The Act of Killing” (“O Ato de Matar”), do americano Joshua Oppenheimer.
Chamar “The Act of Killing” de documentário é enganoso. Parece mais um filme-ensaio que parte de um tema real: o assassinato de cerca de um milhão de pessoas depois do golpe de Estado de 1965 na Indonésa, que pôs na Presidência o sádico Suharto.
Os personagens principais são dois velhinhos simpáticos, Anwar Congo e Ady Zulkadry. Eles aparecem brincando com os netos, dançando e passeando por um shopping com a família. É só quando começam a contar suas trajetórias que percebemos que são dois assassinos em massa. Anwar diz ter matado mais de mil pessoas, a maioria por estrangulamento com uma forca de arame.
Os dois eram bandidinhos comuns e viviam de pequenos golpes, quando Suharto tomou o poder e começou a arregimentar grupos paramilitares para exterminar comunistas – na verdade, qualquer um que se opunha ao regime. Anwar e Ady viraram astros da nova máquina de matar do Estado indonésio, liderando ataques a aldeias, escolas, fazendas, universidades, enfim, a qualquer lugar sob “ameaça” comunista.
O diretor Joshua Oppenheimer convenceu alguns dos membros desses esquadrões da morte a reencenar, em forma de musical, faroeste e filme de aventura, algumas das atrocidades que cometeram. E o resultado é um filme que, sem mostrar nenhuma imagem de arquivo ou cena real de violência, é um dos estudos mais impressionantes que já vi sobre a banalidade do mal.
É inacreditável ouvir velhos amigos se reunindo para relembrar os bons tempos quando estupravam meninas de 14 anos ou degolavam famílias inteiras. Mais impressionante ainda é perceber como são tratados como heróis por grande parte da população e dos políticos. Anwar, em especial, é um popstar: dá autógrafo nas ruas, tira fotos com crianças e é entrevistado em programas de televisão.
Anwar se diz assombrado por fantasmas das pessoas que matou. Ady diz dormir tranqüilo e ri quando o diretor menciona a Convenção de Genebra: “Eu sigo a Convenção de Jacarta.”
Fanático por John Wayne e filmes de gângsteres, Anwar se mostra empolgado com a chance de, finalmente, estrelar seu próprio filme. Ele percorre bairros miseráveis da capital indonésia, recrutando figurantes. Durante as filmagens, orienta os atores: “Agora você grita: Não mate meu filho! Pelo amor de Deus, poupe minha família!”
“The Act of Killing” tem cenas tão absurdamente irreais que parecem um pesadelo de David Lynch com imagens de Fellini. Um dos assassinos, um obeso chamado Herman, gosta de interpretar mulheres sendo estupradas e se veste como uma drag queen, com vestidos de cores berrantes e maquiagem pesada. Ele encena alguns dos pesadelos de Anwar, interpretando uma vítima que volta do Além parase vingar.
Dois dos maiores cineastas em atividade no mundo, Errol Morris e Werner Herzog, viram alguns minutos do filme e viraram produtores-executivos. Aqui, eles falam sobre “The Act of Killing”…
O filme estreou em cinemas nos Estados Unidos. Torço para que algum distribuidor exiba por aqui, ou que chegue logo à TV a cabo. A “Folha” fez uma reveladora entrevista com o diretor, Joshua Oppenheimer (leia aqui).
Fiquei desapontado por Herzog, cineasta dos mais respeitáveis e influentes do nosso tempo, ter ajudado nesse projeto monstruoso e de gosto pra lá de duvidoso. O filme só tende a contribuir para a sacralização de ícones da opressão sanguinária histórica, fortalecendo ainda mais a crescente banalização da violência. Não vou ver. Não farei parte disso. Assim como também não compro revista com terrorista de maratona em capa nem uso camiseta com estampa de Charles Manson. Me desculpem, mas é o meu posicionamento particular, consciente e crítico.
Que besteira. O cara não viu o filme e se acha no direito de avaliar o que não viu. O filme não tem nada de apologia aos caras, muito pelo contrário.
Talvez essa “alma de direita” aprendesse alguma coisa vendo o filme… como o Herzog constatou não devemos focar só no aspecto político do filme, embora por ai se compreenda um pouco do impacto da influência imperialista em países como a Indonésia. Valeu pela “dica” caro André, não conhecia a tua coluna mas irei consultar com frequência daqui para a frente!
Parabéns A.B pelo post. Verei com certeza!
Já viu “West of memphis”? Também é de arrepiar
Não, mas vi os outros filmes sobre o caso, inclusive indiquei aqui a série “Paradise Lost”
Um dos melhores filmes que assisti no ano foi “Nota de Rodapé”. Fica a dica para quem tiver oportunidade.
Olá André, uma pergunta de um dinossauro da vida moderna: onde encontro o filme?Fiquei muito interessado! Um abraço.
Eu baixei o filme, acabou de sair nos cinemas nos EUA e Europa, não existe em DVD ainda.
Uma das histórias mais escabrosas que já vi, vou baixar.
Por falta de tempo só ontem li a entrevista. Fiquei impressionado e estou muito curioso para assistir.
Hoje cedo ouví no rádio sobre um carteiro queimado por ter apenas 30 reais.A banalidade disso é a mesma do filme.Se fosse religioso eu poderia dizer que o Diabo está solto e teria pelo menos algo com que lutar,mas não acredito nisso,pessoas fazem essas coisas e é realmente assustador.É difícil sequer pensar sobre isso,mas é preciso.Será que o excesso de gente torna a vida barata?
Sabe a teoria do “bom selvagem” ?
Pois é, na minha opinião é exatamente o contrário.
O ser humano é vil por natureza.
A pressuposta civilização cordeiriza parte da massa e submete-a a exploração econômica e mutilação cognitiva.
Dentre os excluídos da roda-viva há aqueles que voltam-se contra seus semelhantes de forma intuitiva, sem, contudo, ameaçar o status quo.
Cabe ao pastor manter a ilusão de segurança ao rebanho para que este se encaminhe tranquilamente ao abate, ainda que perdendo uma ou outra cabeça pelo caminho; o que é irrelevante no cômputo geral.
Prezado confrade, o ser humano é um animal como qualquer outro, que evoluiu adaptado ao seu ambiente. Durante 110 mil anos, foi assim e funcionou bem; o nosso “ambiente” era o planeta inteiro, e portanto não havia motivo para violência uns contra os outros, já que havia mais do que suficiente pra todos. Ainda que fosse mais difícil obter comida do que hoje, ainda não é um paradoxo, porque a adaptação evolutiva nos dava todas as habilidades necessárias para obtê-la.
O que aconteceu é que, ao inventar a agricultura 10 mil anos atrás, o ser humano automaticamente inventou uma jaula – chamada “propriedade” – e se enfurnou dentro dela pra não sair mais. E todo mundo sabe o que acontece quando você pega animais selvagens e os põe dentro da jaula. Não importa que os descendentes deles nasçam dentro dessa gaiola, você não reescreve 110 mil anos de adaptação em 10 mil.
O homem é um bicho ruim. Ninguém duvide disso. O que o mantém sob controle é a perspectiva de perder algo que o interessa muito, como a vida, a liberdade, os bens. Quando o Estado falha nessa atividade de punir a criminalidade — e nisso o Brasil falha miseravelmente — vemos barbaridades como essa todo santo dia. A impunidade é que envenena tudo. A impunidade está arregaçando com o país! Todo mundo corre risco aqui, eu, você, o blogueiro Barcinski, todo mundo… Abandonados ao Deus dará, vendo assassinos condenados sendo colocados de volta nas ruas, resta só mesmo recorrer a… Deus!
Ingenuidade sua reduzir a possibilidade de violência aos locais onde o Estado é omisso. Paulo Brificado comentou bem, tendo como base lúcida perspectiva histórica. Se você ler “Not So Wild, Wild West”, livro muito bem embasado em 30 anos de estudos, perceberá que o período em que menos violência marcou as relações humanas, foi justamente quando o Estado se fez menos interveniente.
Uma pesquisa recente diz exatamente o contrario de vocês. A humanidade está se tornando cada vez menos violenta. O que há algumas centenas de anos era banal, rotineiro, hoje dá muito ibope nos Datenas da vida…vejam:
http://veja.abril.com.br/noticia/ciencia/estudo-humanidade-esta-mais-inteligente-e-menos-violenta
André, sobre eles serem astros na Indonésia não me espanta, afinal se ainda tem gente que gosta do Pinochet, da Maggie Thatcher, da ditadura militar brasileira e até dos Esquadrões da Morte da polícia, pq não desses psicopatas “midiáticos”…
Verdade, mas a naturalidade com que eles falam dos crimes é chocante.
Faltou adicionar o lukashenko, fidel castro e o che guevara na sua lista.
Os comedores de criancinhas…
Eu gosto da Margareth Tatcher, mas esqueçamos os ingleses. Pelo menos no campo econômico, os CHILENOS gostam da herança deixada por Pinochet. Quem é o bonzão para você, João? Stalin, Mao, Pol Pot? Estes sim, né, preservaram vidas e pouparam sua própria gente… Bom é Cuba. Bom é Coréia do Norte. Boa é essa gente acostumada a respeitar direitos humanos. Bom é o Brasil, que convive bem com 50000 mortes violentes por ano…
Os chilenos gostam mesmo é da herança da Concertacion de centro esquerda, tanto que elegeram o Pinera e pelo visto se arrependeram, porque a Bachelet é grande favorita a retornar ao cargo.
Quem gosta da herança do Pinochet, com seus 19 milhões de dólares no exterior são seus parentes – se conseguirem manter ao menos uma parte.
Curioso é que minha família passou absolutamente incólume por toda a ditadura militar. Nenhum parente meu foi torturado, ninguém sumiu em nenhum desses porões, ninguém teve direito algum cassado… Será porque sempre fomos trabalhadores, mais preocupados em prosseguir como família? Será que escapamos porque nunca ninguém quis instalar outro tipo de ditadura diferente no Brasil?
Pera aí, Matias, que papo é esse? Como assim, “ninguém da sua família teve direito cassado durante a ditadura”? Alguém da sua família votou pra presidente entre 1964 e 1989, por acaso? Tenha dó.
Puxa, Barcinski, obrigado pela lembrança de que hoje eu posso escolher meus presidentes! Isso muda tudo, tudinho mesmo! Agora posso decidir se voto na Dilma, no Eduardo Campos ou até mesmo no Lula, se eu tiver essa sorte!
No Rio, tenho um leque de opções ainda mais interessante: tenho Pezão, tenho Lindbergh, quem sabe um César Maia correndo por fora…
Realmente, agora fiquei entusiasmado com essa coisa chamada democracia! Como posso ter ignorado por tanto tempo essa maravilha benfazeja para o país?
Meu desejo, agora que fui iluminado, é curtir muito essa nova onda. Meu desejo é transferir meu título para o Maranhão, onde poderei escolher, dentro a multiplicidade de nomes distintos que a política local oferece, algum dos Sarney como meu líder e guia.
Discordo de quase tudo que vc escreve, mas sempre achei pertinente e me esforcei para responder em alto nível. Mas agora você apelou. Abraço.
Matias, tem um lugar ótimo para vc viver: Coréia do Norte. Se precisar fazemos uma vaquinha e te despachamos para lá.
Beleza?
Nessas horas, há que se lembrar de Churchill: a democracia é o pior regime, à exceção de todos os outros.
Sim.
Se a sua familia era adepta do mote jesuítico “ora et labora”, com certeza passou e sempre passará incólume.
Cordeiro, gado, o que seja …
Quem faz o papel que lhe foi designado/permitido e não questiona não corre risco de ser maculado. Esculachado. Torturado.
Os que sofreram na ditadura não foram os cegos e sim aquele que de posse de ao menos um olho tomaram para si as dores da sociedade.
Pois é, Decio, aí estão os seus grandes heróis hoje mandando no país. Tiveram a ousadia de sair do esquema reza-e-trabalho e hoje estão aí, nos proporcionando tudo de bom que a magnífica “visão” que eles tinham e têm do mundo. Agradeço aos nossos visionários governantes a carnificina de gente de bem, a corrupção descarada, a inépcia administrativa e a merda nossa de cada dia. Antes rezar e trabalhar que compactuar com esse governo de bandidos filhos-da-revolução. Você me comparou a gado e nisso me comprazo, já que você nem chega a ser o capim que eu rumino e lanço fora.
Ops !
Esse lema “ora et labora” é Beneditino !
Acho que o Papa influenciou meus dedos !
A cena final do Anwar sentindo nas tripas o horror que causou é pesadíssima. Baixei, assisti e deletei do computador: esse filme é muito, muito sinistro.
André, muito obrigado pela recomendação de Deep Water.
Gostou do Deep Water? Filmão, não?
Demais. O Donald Crowhurst é uma das pessoas mais interessantes que já vi em um documentário. Aqueles delírios montados com os trovões e o mar agitado… que história. O Bernard Moitessier também é um personagem incrível.
Verdade, os personagens são fantásticos. O Moitessier, sozinho, daria um documentário.
Não vi o filme, já suficientes documentários e ficções sobre o lado escuro da espécie humana, mas independente disso o sonho de um dos velhinhos foi realizado: é a estrela do filme.
Vai ter muita gritaria dizendo que este filme deveria ter restrição como aquele CD do Queens of The Stone Age: proibido para todos os horários, todas as idades e todos os lugares.
Basta algum governo decidir que torturar e matar é normal que muita gente se adapta na hora. Faz parte da natureza humana, queiramos ou não.
Bobagem é não encarar este tabu.
Ilustrar o passo a passo de como isto acontece é um serviço de utilidade pública.
Realmente é um filme perturbador. Quem diria que existisse um lugar onde assassino torturadores estupradores seriam considerados heróis nacionais? Ser gângster seria motivo de orgulho? Outro filme aterrorizante, e também real, que eu vi recentemente foi “Taxi to the Dark Side”. Já viu Barça?
Esse tb é punk, com a singela diferença que as atrocidades cometidas tinha conhecimento e anuência do governo dos EUA, bastião da justiça e moralidade do planeta [not]!
Suharto tb foi apoiado pelo Ocidente…
Guardada as proporções numéricas, no Brasil já tivemos esse tipo de situação na Ditadura. Onde agentes públicos tinham licença para torturar ou matar “comunistas” e oposicionistas do regime.
E tem gente que hoje é “saudosa” daqueles tempos.
A propósito agora mesmo integrantes da ROTA de SP ameaçam o cartunista Carlos Latuff de morte no facebook por uma declaração polêmica que deu nas redes sociais contra essa mesma ROTA.
Já foi notícia até na AlJazeera: http://noticias.terra.com.br/mundo/brazil-no-radar/blog/2013/08/09/cartunista-brasileiro-e-ameacado-por-apoiar-menino-suspeito-de-matar-pms-diz-al-jazeera/
Que babaca este cartunista….o cara mata a família e merece uma medalha porque eram policiais? Tem que descer o cacete neste cara mesmo….
De maldade já basta a do dia-a-dia. Corro de filme assim. Eu assistiria só mesmo para marcar a cara desses dois monstros, para despachá-los caso um dia eu os encontrasse na rua.
o documentário foi capa da ilustrada da última segunda feira…
Sim, acabei de linkar a entrevista no meu texto, obrigado..
Assassinos são tratados como deuses e heróis…realmente tem algo acontecendo com esse planeta, e não é nada bom.
“A ignorância é o maior peso que a terra suporta”.
Mas André…
Não foi sempre assim desde que o mundo é mundo???
Ja ouviu falar de Imprint, do Takashi Miike?
Já. Mas não é de verdade. Esse é.
Não entendi a associação com “Imprint”. É por ser mais assustador? Mas é uma ficção, outra proposta. E até o Miike tem coisas mais assustadoras (ex.: “The Audition”). Sobre esse “Act of Killing”, parece grotesco e perturbador. E a história mostra que o destino de muitos torturadores e ditadores é sombra e água fresca. Infelizmente…
O lance nao eh a violencia e sim o choque.