Afinal, temos cena musical independente?
14/08/13 07:05Anteontem, escrevi aqui no blog sobre o Fora do Eixo. No mesmo dia, li na “Folha” uma entrevista do grande Miranda, produtor musical e jornalista, em que ele elogiava a cena musical do Pará e descia a bordoada na MPB de Seu Jorge, Ana Carolina e Jorge Vercilo: “Virou MPB de barzinho.” (leia a íntegra aqui).
O produtor afirma que a cena paraense se sustenta e cita artistas como Lia Sophia, Aluê, Gang do Eletro e Dona Onete. Miranda não pode ser considerado um analista isento – é curador de eventos musicais no Pará e produziu o primeiro disco de Gaby Amarantos – mas viaja muito pelo país, conhece de perto as cenas musicais de diversos estados e sua opinião é relevante.
O que leva a uma questão que levantei ontem: existe cena musical independente no Brasil? Existem artistas que sobrevivem fora do circuito corporativo de festas de peão, rodeios, festivais patrocinados por cerveja ou por estatais?
Não vou a Belém há anos e conheço a cena local apenas por reportagens. Não sei se artistas paraenses conseguem sobreviver de sua música. Se a cena paraense se sustenta, como diz Miranda, então palmas para ela.
Já sobre as cenas de Rio e São Paulo, continuo achando que só existem na imaginação otimista de alguns. Falo de uma cena autossustentável, em que artistas vendam músicas e shows, tenham locais para tocar e um público que pague por isso.
Não estou dizendo que não existem artistas relevantes e que façam bons trabalhos. Claro que existem. A maioria dos artistas batalha e muito para divulgar sua música. O problema, a meu ver, é que se criou uma dependência tão grande dos artistas em relação a eventos bancados com verba pública, que ninguém consegue criar uma “cena” de verdade, que ande com as próprias pernas.
Esses dias, conversei com um amigo que toca numa banda de rock independente e faz o circuito de casas de show e baladas alternativas. Ele me dizia estar cansado de tocar às 3 da manhã para um público muito mais interessado em encher a cara e xavecar do que na música. Cachês decentes, só quando toca no SESC ou em algum centro cultural público. E o SESC, como sabemos, faz um trabalho ótimo, mas é bancado por um imposto compulsório, tem muito dinheiro, e pode cobrar ingressos muito baixos.
Se de todos os impostos que pagamos, tivéssemos o retorno que o SESC da a população, o Brasil seria um país de primeiro mundo.
Musica regional sempre existiu e teve seu público que o sustentou, o que não existe é rock independente que seja viável. Seu Jorge é um dos poucos artistas da MPB que ainda faz uma musica criativa que vale a pena escutar. Não da pra ir atrás da opinião de alguém que não viu talento no mamonas assassinas.
O Mamonas Assassinas basicamente fazia covers… e de músicas bem simplórias. Chegou a escutar as músicas do cd póstumo? As “novas”… sem graça demais…
O cenário independente do sul é interessante,tanto que a banda “survive” do Acre se mudou para SC para tocar,mas a situação do resto do pais é triste
Que o estado seja o grande mecenas acho até que seja muito bom. Tem muito projeto interessante que não iria pra frente sem o apoio público. Acho que é uma função que o estado deve cumprir. A questão, no meu ponto de vista, é : O estado investe naquilo que é relevante, que traz benefício para a sociedade? E quem é que decide o que, e com qual critério ? Alguém lá acha que a Cláudia Leitte, o Technobrega e o blog de 1 milhão são a prioridade.. na minha opnião isto é tudo uma m****.
Vejo muita preguiça das bandas de hoje em dia também. São poucas as bandas que correm atrás, juntam equipamentos e conseguem cativar os amigos pra ir em shows. A cultura da fita demo/fanzine acabou e as pessoas acham que ter um blog, facebook e músicas no soundcloud, é tudo que eles precisam fazer pra “se divulgar.
Muito parecido com o que acontece com a cena de música eletrônica.
Falta tesão pra essa geração, tudo é meio blasé, ninguém é humilde o suficiente pra querer produzir um evento com outras pessoas, todo mundo só quer ser chamado pra tocar e acha que vai conseguir viver de música fazendo isso.
Muito bom Bokudo!
Eu não tenho certeza absoluta, mas acho que aqui no sul do país, as bandas de bailões e música gaúchesca conseguem manter uma cena de sucesso fazem muitos anos. É uma tradição daqui.
Tomara.
Barça, aproveitando o gancho pois era uma ssunto q tava me incomodando. Fui comprar ingresso prum show no Sesc no teatro do pompeia. A atendente me mostrou a tela e disse, escolhe algum lugar em branco, todos estavam ou vermelhos ou em cinza, apenas uns 4 em branco. Perguntei o que seriam os em cinza (uns 50% dos lugares), ela me disse que esses estavam reservados para a produção. Nao vou me alongar em consideraçoes ou reclamações sobre a dificuldade de se conseguir ingressos para os shows do sesc, mas é correto isso?
Cara, desculpe, não tenho como opinar, não conheço o funcionamento do sistema de venda de ingressos do SESC.
Já vi entrevistas sobre a cena paraense e eles conseguem se manter muito bem. O público é bem fiel e comparece em massa. O “funk” atual, a mesma coisa, até pelo fato de contar com ajuda gigante da TV.
Atualmente, só vejo essas duas cenas que conseguem se manter de maneira “confortável” no independente.
Pra ter uma ideia, há uns 3 meses atrás foi planejado um evento chamado “Extreme Noise” aqui em Spo. Seriam cinco finais de semana consecutivos com shows de bandas novas e conceituadas do HC nacional (exemplo, Dead Fish e G. Fuzz). Na terceira semana, o evento foi cancelado por falta de público.
No caso do HC e punk, a cena continua ativa, mas hoje em dia ela é prejudicada demais porque o lucro se tornou algo mais importante que o simples prazer de tocar e também por serem estilos com baixo alcance popular e pouco citado na mídia.
Já outros estilos musicais, é contar com a sorte e com eles mesmos. Nem cena há.
Tenho uma banda de rock desde 2005, não precisamos fazer lob para participar de festivais bancados por editais públicos e outras maracutaias para continuar divulgando nossas músicas e fazendo shows. Acredito também que a cena musical se forma naturalmente, quando várias bandas estão interessadas somente na música. O que vemos, é que a maioria, temendo o anonimato aceita qualquer proposta em nome de uma “cena”.
Ola’ Fabio. Curiosidade: voce consegue se sustentar com a sua banda ou tem alguma outra fonte de renda? Quais sao as perspectiva para quem quer ter uma banda de rock a longo prazo e viver disto no Brasil?
Morei por 5 anos em São Paulo e nesse período tive bandas formadas por gente muito boa. Penamos pra conseguir tocar meia dúzia de vezes, pois mesmo no circuito “independente” existe a velha e maldita panela. Agora imagina aqui, no Espirito Santo, o primo pobre da Região Sudeste?
Você toca no Dead Fish?
Não. Conheço os caras, estudei com o Rodrigão inclusive. Vi a primeira apresentação deles num quiosque na praia em 1992. Mas o Dead não tocou meia dúzia de vezes em SP…rs! Os caras se deram muito bem!
Sou da época em que eles tocavam Hardcore de verdade.
Sou de São Paulo mas sei que Dead Fish estavam na batalha ha muito tempo, reconhecido meio que tardemente ainda no programa Alto Falante da TV cultura aqui em SP se falava muito da banda. Se fosse nos tempos áureos de bandas demos no começo da década de 90 na MTV, Dead Fish hoje teria reconhecimento maior ainda.
ES começou com HC nacional. Tem meu respeito 🙂
Nop! Existe na Europa e nos EUA pq é muito mais fácil de se deslocar, tem mais público, centenas de festivais de mega/pequeno/médio porte e mídia (os sites/ blogs mais famosos de música nos EUA hj são direcionados para a música independente, é o caso do Pitchfork e Brooklyn Vegan que inclusive fazem curadoria de shows e festivais de música independente). Nos EUA e Europa uma banda antes de lançar o primeiro disco já está tocando em tudo que é clube e mega festival dos EUA e Europa (só para falar algumas recentes: Haim, Deap Vally, Parquet Courts, Foxygen).
o underground ainda resiste a isso, o D.I.Y e a vontade de curtir uma cena são mais relevantes.
Acho que até meados dos anos 90 ainda existia muita banda que se mantinha de com shows. Mas eram bandas já tidas como grandes, vindas dos anos 80.
Hoje em dia parece até que existe uma panelinha que um grupo de bandas faz sempre os mesmo shows nos mesmos tipos de eventos.
E estou por fora disso também, mas é raro ver hoje uma casa noturna que ofereça além da discoteca um show banda…..isso era bem comum nos anos 80 e 90…mesmo com bandas covers, mas era um chamarisco pra outras bandas.
O reflexo da nossa música hoje é reflexo da sociedade atual, totalmente pasteurizada.
OFF: Acho que você já viu, mas isso saiu na Folha hoje: http://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcosaugustogoncalves/2013/08/1325051-chega-de-twitter.shtml
Vi sim, William, achei bem legal o texto do MAG. Abração.
Parece-me que a arte no Brasil, em suma, restringe-se a entretenimento.
Quanto mais hermética a expressão artística, menor adesão recebe do público disposto a consumir.
Já os “antenados”, sensíveis a arte, se recusam a “gastar dinheiro” para ter acesso a uma exposição, um show, uma peça, um filme.
É óbvio que alguns preços se apresentam proibitivos mas, em geral, a arte não é vista como prioridade pela sociedade.
Sobre o comentário do seu amigo que toca em uma banda independente, eu acho que esse público que ele gostaria de tocar não existe. Eu já desisti há tempos de ir a show de bandas nas pequenas “casas de espetáculos” de São Paulo. Não há show, há balada. Marcam o show para um horário tarde e ainda começa bem atrasado, o público não cala a boca para assistir ao show e fica circulando durante o show(mesmo com a casa lotada). Mas esse é o público que existe, ao menos em São Paulo.
Recentemente fui conhecer o Cine Jóia, no show do Breeders. Antes mesmo do show já fiquei contrariado. A casa fica no centro da cidade, ao lado do metrô, mas marcam o show para às 22h30 e acaba depois que o metrô fecha. Mas eu até entendo os donos do Cine Jóia. Se marcam o show para às 21h (como faz o SESC), o público chega em cima da hora, forma uma fila imensa na porta e dá confusão. Parece que foi assim no show da Cat Power. Em resumo: temos a cena (ou a falta dela) que o público de São Paulo merece.
Pois é. O show da banda Beach House vai começar às 23h30. Vergonha!
sem discutir qualidade musical, mas você não acha que o funk carioca e o novo funk ostentação em sp sejam talvez os únicos exemplos, em sp e no rj, de cenário musical que se sustente?
Não saberia dizer se são os únicos, mas, de fato, se sustentam.
Pois é André, veja, só para citar um exemplo, o caso da banda Velhas Virgens, que existe há uns 20 anos. Os caras até fazem bastante shows pelo país afora, mas que eu saiba todos tem um emprego paralelo para poderem se sustentar. Abs.
Normal, conheço pouquíssimos músicos da cena alternativa que vivem só de música.
E saindo do assunto, o que você achou do novo vocalista do Beastie Boys, a Yoko Ono??? Sim é a Yoko Ono finada do Fab4… Dá uma escutadinha na belezura: http://yopob.com/take-me-to-the-land-of-hell/04-bad-dancer-with-adam-horovitz-and-mike-d/
Já que o Macca foi pro Nirvana, nada mais sensato.
Quando você pensa que viu tudo nesse mundo, vem a Yoko e muda tudo que você pensou…
Vou mais longe: há evento (música, teatro, dança, exposição, feira) sem dinheiro público? Sabe, tá valendo algo que seja do tamanho da Feirinha da Pompéia…
Barciski, acho que essa tua pergunta se amplia para a “crise” que as artes vivem atualmente, nao so’ na musica. Pois quem se interessa de verdade? Onde esta’ o destinto publico? Eu diria que sao poucos, pois vivemos numa sociedade dominada pela cultura de massa, todo adolescente conhece, ou pelo menos ja’ ouviram falar de Lady Gaga (acho que ate’ a Britney Spears ja’ ficou para tras) e quase nenhum conhece Billy Hollyday. Vivemos a epoca que quanto mais retardado o sujeito, melhor. Vivemos num lago enorme mas raso.
Alex
Melhor perguntar por aí se conhecem a Billie Holiday pois vão pensar que é homem…e rapper…
Ta’ certo, foi mal mesmo. E ainda teve o “destinto”. Arhhh.
Também foi mal por aqui. Era pra ser “Melhor (nem) perguntar por aí…”
*Yawn*
No quarto parágrafo você escreveu “há Belém”.
Obrigado, corrigido!
E essa dependência estatal acaba interferindo no conteúdo da música. Será que um artista fará alguma letra mais forte contra o governo (seja ele qual for) com a sua banda recebendo grana municipal, estadual ou federal?
Abs
Acho que se tiver são bem poucas bandas que conseguem se sustentar apenas com a música, acho que a única desse circuito que eu conheço deve ser o Autoramas, e nem sei se pertencem a este circuito alternativo. Acho que esse lance de festival bancado pelo governo deu uma muxada boa nessa cena, pois antes, pelo menos aqui no norte do PR, tinha vários bares e sempre rolava bandas decentes do Brasil inteiro e até de fora. Mas quanto ao circuito alternativo acho que realmente não existe.
Pode ser autossustentável… mas que a “cena” do Pará, com aquelas “festas de máquina” – acho que é isso – technobrega são chatas pra cacete!!!
O pessoal não dá valor a musica regional, faz um bagulho “novo” – com elementos claro de musicas antigas – e que, incrivelmente soa datado!
Horrível!
Ao menos os Raimundos e o Chico Science ao fazerem seus “melôs” além de dar valor ao passado, misturavam estes com elementos novos, originais e de bom gosto.
Raimundos é fantastico
Concordo! Ainda entregam um showzásso!
Bom dia, Barça!
Já leu isso aqui? http://blogs.estadao.com.br/combate_rock/
Então, FdE está só fedendo mesmo…, quando será que o ministério público vai fazer alguma apuração, já que coação e trabalho escravo são crimes?
Desde a ditadura que nada mais é independente no Brasil na área das artes. O estado é um verdadeiro mecenas. Penso que se houvesse investimento em educação e em infra estrutura decente para as artes com teatros públicos, cinemas públicos, museus e bibliotecas o governo já estaria cumprindo e bem a parte dele. Como você disse, quando se sustenta bandas, produtores e eventos não há estímulo para que floresça um cena independente. Outra coisa é falta de preocupação e respeito com o nosso patrimônio cultural. O governo financiou centenas de filmes nacionais, mas a maioria da população não tem acesso a esse acervo de forma fácil e ágil, faltam canais de exibição. Na TV, apenas o Canal Brasil e olhe lá.
Ops, quarto parágrafo…
Putz André, na boa, corrige o segundo parágrafo: “Não vou há Belém há anos…” Abs
Já corrigi, dois “há” juntos. Valeu.
O Estado está no controle, e a gente sabe o perigo disto. Se não sabemos o perigo disto a coisa é bastante grave.