Elmore Leonard e a difícil arte de escrever simples
21/08/13 08:11Morreu ontem, aos 87, Elmore Leonard. Fiz um pequeno texto para a “Folha” sobre filmes adaptados de suas histórias (leia aqui).
A morte de Leonard não foi uma surpresa. Ele havia sofrido um derrame em julho e não conseguiu terminar seu 46º romance. Desde ontem, a Internet está cheia de ótimos obituários do escritor (leia aqui o publicado pela “Folha”).
No lugar de mais um texto biográfico, gostaria de tentar explicar o que, na minha opinião, fez de Elmore Leonard um escritor tão especial.
Em primeiro lugar, seus livros eram simples e diretos. Na segunda ou terceira página, a história já andava. Não havia peso morto. “Tento evitar trechos que os leitores costumam pular”, era um de seus motes.
Por mais cinzentas e pesadas que fossem as histórias, sempre tinham humor.
Os personagens, por mais breves, sempre traziam algo de interessante ou único, nunca estavam lá apenas como figuras de cartolina, só para levar um tiro ou ser atropelado.
E os diálogos eram muito bons.
Leonard nunca escondeu que se inspirou nos livros de George V. Higgins (1939-1999) para escrever diálogos, especialmente em “The Friends of Eddie Coyle” e “Cogan’s Trade” (este recentemente esculhambadoo em uma adaptação para o cinema como “O Homem da Máfia”, com Brad Pitt).
Higgins era advogado e costumava analisar minuciosamente gravações de tribunais e depoimentos de bandidos para entender como se expressavam. Escreveu 14 romances e jogou todos no lixo antes de se dar por satisfeito e mandar para a editora seu livro de estreia.
Os diálogos nos livros de Elmore Leonard são fluidos como os de Higgins. E é preciso muito, mas muito esforço para fazer tudo soar tão natural. Como disse o escritor Dennis Lehane, ler um diálogo de Leonard é como “ouvir uma conversa por uma porta entreaberta”. Martin Amis entregou um prêmio a Leonard e disse: “sua prosa faz Raymond Chandler parecer atrapalhado”.
Dos 45 romances que Leonard escreveu, li 12 ou 13 (faroeste não é meu gênero predileto, então me dediquei aos policiais). O último foi “Djibouti” (2010), passado entre piratas modernos na Somália, mas não me empolguei. Parecia ter sido escrito por alguém imitando Elmore Leonard.
Dos que li, gostei muito de “Pronto” (1993), “Swag” (1976), “Rum Punch” (1992), “Maximum Bob” (1991), “La Brava” (1983) e “Get Shorty” (1990). Uma tarde chuvosa na companhia de qualquer um desses é alegria na certa.
Barça, entrevista do Elmore Leonard: http://www.vice.com/pt_br/read/elmore-leonard-v1n1
Tem um tempo que tenho curiosidade de ler Elmore Leonard, mas nunca sabia por onde começar. Acho que vou pegar um desses que vc citou no texto.
Agora, off-topic. O engenheiro responsável pela reforma do Maracanã fala sobre a derrubada da cobertura.
http://globoesporte.globo.com/futebol/copa-do-mundo/noticia/2013/08/responsavel-pela-obra-do-maracana-desabafa-chorei-muitas-vezes.html
Eu li ontem, um absurdo. Quer dizer que a cobertura ia cair? Conta outra.
eu só discordo com relação ao James Ellroy.
andre esqueceste don delillo entre os grandes escritores da atualidade.
Verdade, esqueci mesmo, bem lembrado. E o Pynchon tá vivo também.
tentei ler um livro do Pynchon e não consegui. pensei de novo quando vi um livro dele na livraria, mas o tamanho não me atraiu. o hiper realismo de pynchon não me convence muito. li meu primeiro livro do philip roth “a marca humana” é um grande romance. daqueles que voce comenta discute empresta…
Experimente “Pastoral Americana’, primeiro da trilogia.
O Paul Auster não entra nessa também?
Olha, gosto dos livros do Auster, mas não acho que esteja no nível desses aí. Mas é só minha opinião…
“Tudo o que é fácil de ler é difícil de escrever, e tudo o que é difícil de ler é fácil de escrever” – Telmo Martino
O rei dos diálogos, sem dúvida. Um dos meus autores favoritos. Legal você ter citado “La Brava”. Espero que alguém tenha interesse em conhecer este livro.
Você não citou o livro “Out of Sight”, mas a adaptação no cinema eu acho bem divertida.
Os livros que você citou tem traduzidos?
A maioria tem sim, hoje na “Folha” saiu uma matéria sobre os títulos disponíveis aqui.
Valeu André.
Se tivesse acessado o link que você colocou no post, não precisava ter feito essa pergunta.
E não sabia que “Jackie Brown” era adaptação de um livro dele. Sou um dos poucos que acham esse o melhor filme do Tarantino.
Mas o filme é bem diferente do livro.
Off topic :
http://f5.folha.uol.com.br/saiunonp/2013/08/1329138-o-nascimento-e-o-sumico-da-misteriosa-criatura.shtml
Divertidíssimo !!
Sensacional o Bebê-Diabo!
Cruzando o oceano, li alguns livros da Ruth Rendell e da P. J. James. Gostei.
André Veiga, concordo totalmente com seu comentário “… sensação de estar lendo um filme.” Ou um roteiro, pois, afinal, Leonard estava muito ligado ao mundo do cinema e TV e foi roteirista ou consultor de vários filmes baseados em seus livros.
Para conseguir o que André Barcisnki curte (fluência narrativa) o melhor caminho é esse mesmo, pois as digressões filosóficas não cabem (Proust não seria bem vindo aqui). Hemingway foi um dos poucos que conseguiu unir profundidade com fluência (não é fácil), mas a grande leva de imitadores transformou o estilo em um clichê (embora os imitadores nunca tenham chegado do perto do nível do original). Rubem Fonseca, no meu ponto de vista, consegue isso na grande maioria dos seus livros. Li Rum Punch por causa de Jackie Brown e, realmente, achei melhor que o filme (que não está entre os melhores do Tarantino), mas não é sempre assim? Como um filme (que você não fez) superará a sua visão captada das páginas do livro?
Abração, André!
Mas fluência narrativa não pressupõe, necessariamente, ausência de digressões, sejam filosóficas ou não. Há livros pequenos e sem “digressões” que são tão mal escritos que se tornam enfadonhos. E há livros mais “complexos” – cheios de idas e vindas no tempo, descrição de memórias, etc. – que são lidos muito facilmente. Um exemplo é “A Estrada”, de Cormac McCarthy.
Pô, André! O Homem da Máfia é legal…
Vc leu o livro? Acho que vc mudaria de ideia.
Não li, mas o filme é bacaninha…rs
André, e vc gostou da adaptação que do Rum Punch, se não me engano, o Jackie Brown, que o Elmore inclusive foi o roteirista, eu sinceramente acho o filme mais fraco do Tarantino, mas não li o livro, pode ser uma boa pedida agora…
Olha, não lembro do Leonard ter sido roteirista desse filme, o Tarantino mudou muito a história. Gostei do filme na época, preciso rever.
Nos últimos anos (com as mortes de Vonnegut, Vidal e Mailer), era o melhor escritor americano vivo.
Eu ainda prefiro Philip Roth, Cormac McCarthy e James Ellroy…
Estou no começo ainda mas Justified é ótimo.
Senti falta de uma menção ao ótimo seriado Justified ,(não li a matéria da Folha), que foi baseada em “Pronto” e “Riding the Rap”. O próprio Elmore era produtor executivo e gostou muito da adpatação para a TV. Sabe-se que os bastidores dessa série eram tão “movimentados” quanto a série em si.
Não vi o seriado, Marco, vale a pena?
Muito!!! A série e cativante, Timothy Olyphant que vive o “xerife fodão” Raylan Givens está perfeito no papel. A história se passa nos dias de hoje, mas é como se estivéssemos vendo um belo de um faroeste. Como nos livros de Elmore tudo é muito direto. Só que nada é de fato o que parece ser. Praticamente todos os personagens tem “esqueletos” nos armários e o grande lance da série é revelar isso no desenvolvimento dos episódios e da trama central. Assista o episódio piloto que ele já mostra bem o que se pode esperar.
Aqui o trailer da série. “Raylan Givens só atira se for para matar”.
http://www.youtube.com/watch?v=9TWkCL3GwOA
Acho Chandler imbatível. Basta citar dois filmes nos quais foi roteirista ou sua obra foi inspiração: pacto de sangue e à beira do abismo (com Bogart).
Caro André,
Sou um ávido consumidor de policiais, desde o velhinho Edgar Walllace à PD James, passando pelo Peter Cheney e, acima de todos, a Agatha Christie, de um lado, e o Simenon, do outro. Nunca li o Elmore Leonard, mas se é assim como diz, com diálogos que são como ouvir uma conversa por portas entreabertas, não me interessa muito. Se essa é a meta, muito melhor será escutar por entre portas entreabertas mesmo. A internet e a televisão estão cheias de reallity. E com um pouco de forward, evitam-se os tempos mortos. Melhor e mais interessante do que a imitação da realidade, é a realidade ela mesma. No que leio, prefiro o desenvolvimento demorado e complexo da trama, descrições lentas e personagens larger than life. No hard boiled, divirto-me com o Cheney. Mas agora que o homem morreu, vou experimentar, nem que seja folhear na prateleira de uma livraria.
Bom, mas aí é que está: você nunca conseguiria ouvir esses personagens por portas entreabertas. O barato é justamente imaginar isso. Gosto de diálogos fluidos, não de textos engessados, como vejo por aí, em que o autor parece mais preocupado em causar impacto e parecer esperto do que em fazer a narrativa andar.
Como fazer a narrativa andar, pelo Woody Allen: “I took a speed-reading course and read War and Peace in twenty minutes. It involves Russia.”
😉
Frase divertida, mas não tem nada a ver com fluência narrativa. Sobre o tema, prefiro “Tente evitar os trechos que leitores costumam pular”, do próprio Leonard.
Boa. Ótima dica. Vale um curso de escrita literária.
Não sei quem disse, mas tem outra frase boa: “escrever é a arte de cortar palavras”
Tentei ler Maximum Bob e Rum Punch, mas acabei desistindo. Por tudo que eu leio a respeito de Leonard, sempre achei que ele é o escritor que eu deveria gostar. Mas parece que não bate. A sensação que eu tive, nas duas vezes, foi a de estar lendo um filme.
De qualquer forma, uma grande perda
Não conheço a fundo a obra de Leonard, mas sou grande fã de Justified, que passa no canal Space e que foi inspirada em um de seus contos. Costumo dizer que quem assiste a Justifed consegue entender porque Prison Break, apesar do hype, é tão chata a partir da segunda temporada.