Uma bomba no coração do Nazismo
05/09/13 07:05Lídice é uma pequena cidade no sudeste fluminense, a 170 km do Rio de Janeiro. Tem cerca de cinco mil habitantes e fica numa região muito bonita, cortada pela rodovia BR-155, que liga o sul de Minas Gerais a Angra dos Reis.
Já passei várias vezes por Lídice, mas nunca havia pensado na origem de seu nome até poucos dias atrás, quando terminei de ler “HHhH”, do francês Laurent Binet.
Lançado no Brasil pela Cia. das Letras, o livro conta um dos episódios mais conhecidos e espetaculares da Segunda Guerra: o atentado, em 27 de maio de 1942, contra o nazista Reinhard Heydrich, temido Chefe da Segurança do Reich, líder da Gestapo e um dos principais articuladores da “Solução Final”, nome pomposo para o extermínio de judeus em territórios ocupados pela Alemanha.
O que uma bucólica cidadezinha no Rio de Janeiro tem a ver com “O Açougueiro de Praga”, “O Carrasco da Europa” e “A Besta Loura”, o sádico a quem o próprio Hitler apelidou de “O Homem com o Coração de Ferro”?
Um pouco de paciência, que chegamos lá…
O atentado contra Heydrich, batizado “Operação Antropóide”, foi arquitetado por militares britânicos com apoio do governo exilado da Tchecoslováquia liderado pelo presidente Edvard Benes.
Dois paraquedistas, o tcheco Jan Kubis e o eslovaco Josef Gabcik, saltaram de um avião inglês em território tcheco, à época sob controle da Alemanha nazista. A missão era interceptar e metralhar o carro que levava Heydrich de sua casa ao Castelo de Praga, transformado em quartel-general alemão.
Spoiler: se você não sabe como terminou o atentado a Heydrich, sugiro parar de ler aqui.
Atacar Heydrich em Praga era uma missão suicida. Heydrich se julgava tão seguro em seu “quintal” que sequer usava seguranças.
O livro de Binet traça o perfil de Heydrich e reconstitui, passo a passo, os preparativos de Kubis e Gabcik para o ataque. Binet fez um tipo diferente de romance histórico, intercalando a narrativa documental clássica com trechos em que conta a sua própria saga de pesquisas para o livro e questiona a forma como romances históricos “deturpam” a realidade para torná-la mais atraente ao leitor.
O estilo é interessante, mas achei que o autor forçou um pouco a mão. Me peguei torcendo para ele deixar as digressões pessoais de lado e voltar logo ao atentado, mesmo já sabendo como a história terminava.
Voltando a 27 de maio de 1942: naquela manhã, conforme planejado, Kubis e Gabcik interceptaram o Mercedes conversível que levava Heydrich. Gabcik chegou a poucos passos do nazista e abriu fogo com sua submetralhadora Sten. Quer dizer, tentou abrir fogo, porque a geringonça travou. Enquanto Heydrich e seu motorista abriam fogo contra Gabcik, Kubis lançou uma granada que explodiu embaixo do carro.
Heydrich sobreviveu ao ataque e foi levado a um hospital. Estava se recuperando bem. Sete dias depois do atentado, sofreu um ataque súbito e morreu de septicemia, provavelmente causada por fragmentos do estofamento do carro que penetraram em sua corrente sanguínea.
Assim que soube do ataque, Hitler ordenou a seus comandados que dez mil tchecos fossem reunidos em Praga e fuzilados. Mas o Führer acabou convencido, por assessores, de que isso poderia dar ao mundo a impressão de que havia um levante da população local contra a ocupação nazista.
A ordem então foi investigar o atentado e matar todos os envolvidos com a operação. Assim como suas famílias e amigos, claro.
Vinte dias depois do atentado, Kubis, Gabcik e outros companheiros foram traídos por um tcheco, Carol Kurda, e descobertos em um porão de uma igreja ortodoxa de Praga. Depois de oito horas de tiroteio, todos acabaram mortos.
Uma pista falsa levou os nazistas a concluir, erroneamente, que o ataque teria sido ajudado por habitantes de Lidice, uma vila de 500 habitantes perto de Praga. Tropas nazistas foram à cidade, prenderam os homens acima de 15 anos – 173 no total – e fuzilaram todos. Mulheres e crianças foram levadas aos campos de extermínio de Chelmno, na Polônia, e Ravensbruck, na Alemanha. Depois, tanques destruíram toda a cidade e escavadeiras literalmente eliminaram Lidice do mapa. No total, mais de 1300 pessoas foram assassinadas durante as investigações do atentado a Heydrich.
O massacre de Lidice comoveu o mundo. Em vários países, cidades foram batizadas com seu nome. Em 1944, a cidade de Santo Antônio do Capivari, a 40 km de Angra dos Reis, foi rebatizada de Lídice. Em sua praça foi erguida a estátua de uma fênix, símbolo do renascimento, e uma escola pública ganhou o nome de Edvard Benes, presidente em exílio da Tchecoslováquia.
Nunca mais vou passar em Lídice sem lembrar a história de Jan Kubis, Josef Gabcik e dos habitantes de Lidice que morreram nas mãos dos nazistas.
Por isso eu digo e repito, sem nenhum problema de consciência: nazista bom é nazista morto. E num ponto, o fedepê do Stálin estava certo, que Nuremberg que nada, era pra passar fogo nos líderes nazis. Vingança? Não, acerto de contas.
e o proprio Stalin??? Nao deveria ser julgado pelos milhoes (nao apenas de nazistas, mas tchecos, bulgaros e russos) assassinados brutalmente por este medonho dirigente?? Ou sera por ser socialista, deve ser divinizado??? Afinal de contas, moramos num pais onde um presidente omisso, mas socialista, nao recebe criticas…..e reeleito e colocado num pedestal.
Dizem que Heydrich gostava de se vestir de mulher! E o carro usado por ele quando sofreu o atentado está preservado em um museu de Praga.
Belíssima história André!
Só uma correção: Lídice não é uma cidade, mas sim um distrito da cidade fluminense de Rio Claro. Moro em Barra Mansa (cidade vizinha) e não conhecia essa interessante história.
Além da cidade brasileira, muitas outras no mundo todo receberam o nome de Lidice em homenagem a que foi destruída. Pelo mesmo motivo muitas meninas foram batizadas com esse nome pelo mesmo motivo, uma delas fui eu.
Sério? Que legal, parabéns aos seus pais,bela homenagem.
a tal “pista falsa”, que levou os nazistas supor que cidadãos de Lidice poderiam estar envolvidos no atentado, foi uma singela carta de amor. a Gestapo da região de Kladno, municipalidade à qual a vila de Lidice pertencia, informou o comando em Praga sobre a pista falsa, mas o SS-Obergruppenführer Karl Hermann Frank, que tinha a ambição de substituir Heydrich, queria usar Lidice como um exemplo da sua “mão forte”. a operação começou já ao anoitecer do dia 9 de junho, com o cerco de Lidice. na manhã de 10 de junho, K.H.Frank veio pessoalmente supervisionar a destruição do vilarejo.
não sei ficou claro: a Gestapo local sabia que a pista era falsa e avisou o comando em Praga.
Sim, foi uma carta de amor a causadora de tudo.
este é o melhor filme sobre sobre o episódio.
http://en.wikipedia.org/wiki/Atent%C3%A1t
Sensacional, mesmo lendo a matéria toda, a vontade de ler o livro é maior.
Superdica!!
Barça, uma dica: tem um filme bacana que é livremente inspirado no atentado do sujeito. ‘Os Carrascos Também Morrem’ (‘Hangmen also die’), de 1943, é um filme bacana dirigido pelo craque Fritz Lang, com base numa estória dele e do camarada Bertolt Brecht. Em Praga, ocupada pelos nazis, um médico da Resistência mata o número 2 da SS e se esconde na casa de um professor. Em represália, o Reich promete ir assassinando cidadãos de hora em hora até que a população entregue o responsável.
É um thriller com aquele climão noir típico dos films do Lang. Não é tão fodão quanto um ‘M, o Vampiro de Düsseldorf’, ‘Fúria’ ou ‘Almas Perversas’, mas vale muito a pena. Abraço.
Esqueci de dizer: saiu em DVD faz pouco tempo.
Bem lembrado. Não lembro ter visto esse filme do Lang.
Belíssima história!
Moro no Rio ( Baixada Fluminense ) e sempre que vou para paraty ou Ubatuba faço esse caminho por Lídice que acho mais bonito, história que não conhecia.
Já passei uma vez por Lídice e não sabia do fato… Muito triste realmente esse período da história da humanidade…
Que história sensacional.
Belíssimo post, André.
Valeu!
Barcinski, é por essa e outras que eu visito seu blog. Pelas boas histórias. Continue.
Boa!
Oi Andre
Incrivel como assuntos relacionados a segunda guerra mundial linkam outros assuntos que me interessam tb, como esse se Lidice. mas falando de nusica,o emblema do trobbingle Gristle é o mesmo da bandeira british union and national socialist. Me parece tb que entre 43 e 45 a cidade da eslovenia Ljubljan durante a ocupação nazista voltou a ser chamada de Laibach e banda Death in June tem esse nome em referencia a “noite das facas longas’em que hitler mandou matar Ernest Rohm acusado de ser homosexual cujo simbolo da banda é uma Totenkopft com um numero 6. Ernest foi morto em 02/06/34.
André, Reinhard Heydrich comandou a encenação do atentado polonês a rádio alemã em Gleiwitz, um dos fatos usados como argumentação por Hitler para a invasão da Polônia, e é uma estória macabra que mostra bastante bem a personalidade assassina desse homem, que utilizou prisioneiros do campo de concentração de Sachsenhausen, mortos por injeções letais, apresentados como autores do atentado, e cuidadosamente “arrumados” na cena para a imprensa alemã (um terceiro culpado foi levado para o local já morto a tiros), e toda a equipe da rádio foi substituida por soldados da SS. Eu estou lendo, ja há 3 meses, a trilogia do Richard J. Evans sobre a Alemanha nazista, uma radiografia da “estrela da morte”, fascinante e aterrador. O primeiro volume (cada um tem o tamanho de uma casa, mas a leitura é hipnótica, pq a Alemanha nazi “é” hipnótica), “A Chegada do Terceiro Reich”, é extremamente esclarecedor sobre como uma ideologia tão tosca, politicamente nula, pode ascender e preencher as expectativas politicas de um povo relativamente bem informado e culto (alias Evans mostra como o desmonte das universidades alemãs no pós-guerra, já na Rep. de Weimar, tem papel relevante na formação de uma geração propensa a aceitar paradigmas politicos fáceis e pouco elaborados, te lembra algo??), e agora estou no “O Terceiro Reich no Poder”, e é muuuito pertubador observar que a liderança de Hitler só foi possivel graças ao tecido social já existente na Alemanha ao final da década de 20: desinformado, eivado de preconceitos (sendo o anti-semitismo, como em outros paises europeus, assimilado e praticado cotidianamente como um “bom dia”..) e especialmente arrogante (a patriotada nazista é uma organização em fileiras de um sentimento classe-média pré-existente). É de fato assustador compreender que a denuncia e a cumplicidade no assassinato foi um recurso de toda uma classe social, a classe média alemã, para ascender social e financeiramente (a cobiça por imóveis de propriedade de judeus, e as artimanhas para desocupa-los, era um estratagema de vizinhos que se tornou corriqueiro). O medonho é que identifico em muitos comentarios nesse post uma compreensão dos fatos e da história tão tortuosa quanto a daqueles “cidadãos” do Reich, que de fato construiram e permitiram todo o horror, dando carta branca a uma cupula de psicopatas. A desinformação e o ódio pelo próximo foram o barro do nazismo, aliado a uma vontade de consumo de uma classe desprovida de cultura e ética social, mas que tinham na ponta da língua “explicações” plausiveis para despachar crianças para fornos, a maior parte nascidas de teorias da conspiração endossadas e propagandeadas pelo governo hitlerista. Não existe Bach ou Bauhaus que possa frear a barbárie da classe-média quando essa resolve se impor como solução politica, com sua mesquinhez e mediocridade. Essa trilogia é talvez o estudo mais completo e diverso que ja li sobre o tema, de fascinio macabro.
Muito boa dica, Celso, não li a trilogia.