Os mestres e os picaretas
30/09/13 07:05Dia desses, escrevi um texto para a revista “São Paulo”, da “Folha” sobre o cineasta, ator e produtor Carlo Mossy, responsável por algumas das pornochanchadas mais populares do cinema brasileiro, como “Giselle” e “Como É Boa Nossa Empregada”.
Mossy tem uma história curiosa: no meio dos anos 60, era um rato de praia e vivia em Copacabana jogando frescobol. Um dia, viu um homem se afogando, pulou na água e salvou o sujeito. Era o egípcio Fernand Legros (1931-1983), figurinha conhecida do jet set europeu. Mossy e Legros começaram um romance, e o brasileiro acabou viajando à Europa com ele.
Saca o naipe do Legros…
O que Mossy não sabia – ou diz que não sabia – era que Legros estava sendo procurado em todo o mundo por vender obras de arte falsas. Legros e o parceiro, Réal Lassard, haviam inundado o mercado de arte europeu e norte-americano com telas falsas de Picasso, Renoir, Matisse, Dufy, Modigliani, Braque, van Dongen e outros, pintadas pelo maior falsário que o mundo das artes já conheceu, o húngaro Elmyr de Hory (1905-1976).
Ano passado, saiu em e-book um livro há muito fora de catálogo: “Fake – The Story of Elmyr de Hory”, de Clifford Irving. Se você lê em inglês, recomendo demais. É curtinho – 256 páginas – custa cinco dólares, e é sensacional (o livro não cita o nome de Mossy, apenas menciona “um secretário brasileiro”, mas diz que Legros esteve várias vezes no Brasil e que mantinha um “harém” de jovens lindos em seu apartamento de luxo em Paris).
A vida de Elmyr de Hory daria um belo filme. Aliás, deu: “F For Fake” (1974), o último longa de Orson Welles, outro gênio que curtia uma mentira criativa (em 1938, Welles fez um programa de rádio simulando um noticiário que descrevia uma invasão marciana na Terra – e muita gente acreditou).
Nascido em uma família húngara riquíssima, Elmy de Hory era um playboy homossexual e vivia em festas no high society europeu. Perdeu tudo durante a Segunda Guerra e acabou preso em um campo de concentração nazista. Depois da guerra mudou-se para Paris, sem um centavo no bolso.
Era um pintor medíocre, mas tinha uma habilidade impressionante para imitar outros artistas. Nos anos 40, começou a vender Picassos falsos. Passou uma temporada no Brasil, onde, segundo o livro, vendeu alguns quadros – falsos, claro – e pintou retratos de Osvaldo Aranha e do general Castelo Branco.
De Hory foi ao Texas e vendeu pilhas de obras falsas para novos-ricos do petróleo (um magnata comprou 56!). Só foi desmascarado uma vez, por um dono de galeria que o expulsou a pontapés. Durante mais de 20 anos, o falsário enganou centenas de especialistas, que atestavam a autenticidade das obras. Calcula-se que ele tenha pintado mais de mil quadros falsos.
Nos anos 60, de Hoty mudou-se para a Ilha de Ibiza, na Espanha, e começou a parceria com Fernand Legros e Réal Lassard, dois gênios do trambique.
Lassard era tão esperto que convenceu o pintor holandês Kees van Dongen (1877-1968), então quase nonagenário, a assinar atestados de autenticação de suas próprias obras. Só que os quadros eram falsos. O pintor simplesmente não se lembrava de ter pintado as obras, mas foi convencido pela lábia de Lassard.
A parceria dos três poderia ter durado muitos anos, mas as brigas explosivas do casal Legros e Lassard puseram tudo a perder. Depois que Lassard tentou dar um golpe em Legros, este o denunciou à polícia, que não demorou a descobrir as picaretagens.
O livro sobre de Hory saiu em 1969 e foi um grande sucesso. Dois anos depois, o autor, o jornalista norte-americano Clifford Irving, anunciou que havia terminado uma biografia – na verdade, uma autobiografia – ainda mais espetacular: a do excêntrico bilionário Howard Hughes (1905-1976).
Hughes era um dos homens mais ricos e misteriosos do mundo. Herdeiro de uma poderosa família do ramo de petróleo, foi cineasta e um dos aviadores mais importantes de todos os tempos (Scorsese fez um filme bem comportado sobre o sujeito, “O Aviador”).
Nos anos 60, Hughes havia sumido de circulação. Sofria de TOC e incontáveis fobias. Tinha medo de germes. Virou um recluso. Morou em uma série de hotéis, cercado por uma trupe de ajudantes. Boatos diziam que ele havia desistido de tomar banho, cortar o cabelo e fazer as unhas.
Na série de livros “Underground USA”, o autor James Ellroy descreve Hughes como um racista e pervertido sexual, que acreditava que o único sangue “puro” era o de mórmons e fazia transfusões diárias de sangue, pagando vários mórmons para serem doadores (quando Ellroy esteve no Brasil, perguntei o que havia achado do filme de “Scorsese”: “Você está falando de ‘The Gayviator’? Botar Di Caprio pra fazer Hughes foi a coisa mais nauseabunda que já vi!”).
Quando Irving anunciou que havia convencido Hughes a publicar sua autobiografia, foi uma surpresa geral. Para provar, Irving mostrou cartas escritas pelo próprio Hughes, autorizando o livro. As cartas foram autenticadas por especialistas em caligrafia. Irving recebeu um adiantamento de 750 mil dólares da editora McGrayw Hill – muito dinheiro para a época – e o lançamento do livro foi marcado para março de 1972.
Em janeiro de 1972, no entanto, veio a bomba: quebrando um silêncio de muitos anos, Howard Hughes deu uma entrevista coletiva por telefone. O livro de Clifford Irving era uma farsa. O jornalista havia falsificado as supostas cartas de Hughes. Irving foi preso e passou 17 meses na cadeia.
Em 2005, foi lançado o filme “O Vigarista do Ano”, sobre a farsa de Clifford Irving. Richard Gere interpreta o jornalista. Se você não viu, recomendo.
Clifford Irving está vivinho da silva. Tem 83 anos. É um farsante talentoso que ficou famoso com dois livros, um sobre um pintor igualmente farsante e talentoso e outro, uma biografia falsa de uma celebridade reclusa.
Fica a pergunta: quanto da biografia de Elmyr de Hory é verdadeira? Ou alguém acredita que dois mentirosos juntos são capazes de só dizer a verdade?
No fim do livro de Irving, ele levanta a hipótese de Elmyr de Hory ter inventado a própria morte para escapar da prisão, o que tornaria sua história ainda mais incrível.
Uma vez um falsário, sempre um falsário.
Cara, vc tem um dos 2 melhores blogs da FSP. Fato! Parabéns. Post imperdível!
Legal que vc gostou, Bruna, a história do de Hory é muito boa mesmo.
Andre, vejo todos os episódios do programa do Nasi. Você que estava fora da van no episódio do Carne Frita?
Eu mesmo. E a equipe toda.
E o Mossy hein ? Nascido e criado na Pavuna…
Mais um mito que cai.
Como assim? Mas ele é da Pavuna, pelo que sei. Pavuna rules.
Barça, esse post(história) foi sensacional. Vc já pensou em criar uma página blog tipo dangerous mind que vc indicou aqui. ? Essas histórias q só vc conta são típicas.
Mto bom!!
Boa ideia, mas prefiro publicar aqui no blog mesmo. Fazer mais um blog?
Que post foi esse?! Só tem “gente fina”. Os trambiqueiros de “Cães de Aluguel” são escoteiros perto dessa turma.
Sensacional, André. Sensacional.
Pois é, só gente fina.
Barça, off topic.
Você leu ou vai ler a autobiografia do Max Cavalera? O que achou?
Pelo que li no texto do link abaixo acho cada vez mais difícil o retorno da formação clássica do Sepultura.
http://blogs.estadao.com.br/combate_rock/max-cavalera-nao-entrega-tudo-o-que-promete-em-autobiografia/
Cara, recebi o livro, mas estou com uma baita preguiça, até porque vivi a história de perto. O Max havia concordado falar comigo quando fiz o livro do Sepultura, mas a empresária/esposa não deixou.
Adorei a história. Dia desses estava estudando inglês e num teste do Cambridge tinha uma matéria que falava sobre arte falsa sendo vendida e bem paga.
Aqui vai o link da matéria publicada no The Telegraph em 2003.
http://www.telegraph.co.uk/culture/art/3597658/Fake-art-meets-real-money.html
Abração
Ah! E para te irritar:
http://gourmetizacaodavida.tumblr.com/?og=1
Muito bom o post mesmo. Sobre a história do Mossy com o Legros, vale lembrar que por causa desse envolvimento, o Legros pagou curso de cinema para o Mossy na Europa e deu a grana para o primeiro equipamento de filmagem com o qual foram filmados os primeiros filmes. Não é exagero dizer que sem o Legros, não haveria pornochanchada (ou pelo menos ela seria um pouco diferente).
Segue um link com o Mossy contando o causo.
http://estranhoencontro.blogspot.com.br/2005/11/biografia-entrevista-carlo-mossy_10.html
Pera aí, Pedro: não haveria pornochanchada DO MOSSY, certo? Não foi o Mossy que criou o gênero, apesar de ser um de seus cultores mais importantes.
Sim, me expressei um pouco mal. Não foi ele que criou, mas foi um dos que ajudou a popularizá-la e os seus primeiros filmes tiveram influência na formação de uma identidade para o gênero. Além disso, esse crédito deve ser repartido com o Victor di Mello.
Verdade, o Di Mello dirigiu muitos filmes produzidos pelo Mossy. Mas o Mossy nunca contou essa história do Legros direito, pra mim ele sabe bem mais do que conta…
eae barça, como que é nauseabunda em ingles?
Olha, pelo que lembro – faz 2 anos – foi um palavrão impublicável, mas o sentido era esse.
Vale mencionar que o Fernand Legros dividiu cela com o Ronnie Biggs, isso no Brasil.
Isso eu não sabia, sério mesmo? No Brasil? Mas o Biggs foi preso no Brasil? Também não lembro isso.
Foi preso por 3 meses. Logo que a Scotland Yard descobriu o seu paradeiro.
Salvei a página em favoritos, muito boa história…
tem um filme bem legal do jonathan demme sobre o howard hughes, chamado “melvin and howard” (1980), com o jason robards fazendo o hughes…a história é do tipo “lenda urbana”…vale a pena procurar e conferir.
Demais essa história, é por essas e outras que eu acho a realidade mais interessante do que a ficção. Se o cara é um falsário que conseguiu enganar tanta gente, então é por que ele tem um talento fora do normal e isso deveria ser melhor reconhecido.
Já estou para ver esse filme do Richard Gere faz um tempo, agora verei mesmo. Curioso que o cara se envolve na biografia de dois caras que nasceram e morreram no mesmo ano: 1905-1976.
Tem um documentário norueguês de 1992 chamado Almost True sobre o Elmyr de Hory, é excelente. Traz raras entrevistas com o amante dele e você fica áinda mais intrigado com a personalidade do de Hory. Você vê também a arrogância dos museus que caíram nessa e que se recusam a admitir. E mostra que hoje há exposições no Japão com obras do de Hory e que são vendidas por uma fortuna. Aliás, a edição da Criterion do F for Fake tem também uma hora de entrevistas com Clifford Irving, é demais.
Excelente dica, Alex, não conheço o filme. Tenho a edição da Criterion do F for Fake (aliás, tenho em laserdisc também, hahahaha!), é boa mesmo.
Laserdisc. Sensacional! Morava no ABC e peguei um busão para ir até uma loja de discos em Sao Caetano só pra ver o laserdisc do PULSE, do Pink Floyd que tinha acabado de chegar.
André, a primeira vez que ouvi sobre Elmyr de Hory foi nos diarios de Anaïs Nin (sim, eu os li, não ria…), aonde ela o descreve como um “louco de festa”, o sedutor “Mitzi”, que era seu apelido (era famoso no circulo boemio de Paris por levar para a cama heteros convictos, como o próprio Picasso, e é dele a primeira descrição “monstruosa” da pica de Picasso…). Anaïs conta que Picasso, ja na época muito falsificado, achava uma boa piada Mitzi dizer que o falsificava, assim como Matisse, pq seu desenho era facil e ruim!!! De qualquer forma, isso tudo me lembrou um filme fabuloso: “Schtonk!”, sobre uma dupla de falsificadores que resolvem “encontrar” os diários de Hitler, até perderem a cabeça e resolverem falsificar roupas intimas de Eva Braun (o processo de “envelhecimento” das calcinhas de Eva é uma verdadeira alucinação, um dos momentos mais hilarios que ja assisti em cinema..), se não me engano o filme ganhou o Oscar de melhor estrangeiro em 93, mas posso estar enganado (se não ganhou, merecia!!). Falsificação eu amo, principalmente de dinheiro e arte, os totens fetichistas de nossa época (quando falsificarem jogadores de futebol sera o ápice!!). Quanto a Hughes, bem, Katharine Hepburn, que teve um caso com ele, quando ainda era medianamente “normal”, resolveu que não dava mais qdo no meio de uma trepada ele interrompeu tudo e exigiu que ela tomasse um banho (segundo Katharine, para que ele a tocasse ela tinha que tomar um banho diante dele). O que dizer?? Ja o filme de Scorcese tem problema de casting bem pior que Di Caprio como Hughes: Kate Beckinsale é Ava Gardner!!!??? Por Cristo, quando e aonde???
Pior que isso só Michelle Williams como Marilyn Monroe, ahahahahah!!!! Mas é o que temos e podemos quando Jennifer Lawrence é chamada de “diva”… Mas eu gosto do filme de Scorcese no todo, fazer o que?
Legal, Celso, não sabia que Nin tinha escrito sobre de Hory, muito interessante. O filme do Scorsese é OK, mas Hughes é bem mais dark do que o filme mostra. Conversei bastante sobre Hughes com o James Ellroy, o cara é obcecado pela história do Hughes e entrevistou muita gente sobre o cara. De fato, Kate Beckinsale de Ava é brincadeira, parece uma versão teen da diva, sem nada do perigo sexy da original. Ah, e vi “Schtonk”, é legal demais, muito bem lembrado. Abração.
“(quando falsificarem jogadores de futebol sera o ápice!!)”
Celso, procure a história de Carlos “Kaiser”, um golpista jogador de futebol que enganou até raposas casca grossa como o bicheiro Castor de Andrade e Eurico Miranda.
O caso do Kaiser é diferente (já entrevistamos ele no programa do Zé do Caixão): ele não gostava de jogar e simulava contusão para não entrar em campo. É um trambiqueiro profissional.
Vcs acharam a Michelle Williams como Marilyn Monroe tão ruim assim? Pior que a Kate é sacanagem…
Assisti a “F for Fake” e é realmente maravilhoso! Além de ser uma história incrível, ainda mostra o absurdo que é o “mercado” das artes. A melhor cena é a que Elmyr queima uma quadro na lareira e diz: “Oops, lá se vão alguns milhões de dólares…”…
Posso estar enganado, mas nesse programa de rádio do Orson Welles, algumas pessoas cometeram suicídio acreditando que fosse verdade.
Histórias que só vemos aqui na Confraria. Demais!
Baita exemplo daquela teoria dos seis ou sete graus de separação. Começa com Carlo Mossy e vai até Howard Hughes!
Pois é, pensei o mesmo: Mossy, Welles e Hughes – três cineastas – na mesma história…
Caramba, as histórias são tão cheias de reviravoltas que li duas vezes para entender tudo. Ótimo texto!
Sensacional essa história do Hory e do Irving. Existe outra famosa do falsificador holandês Han Van Meegeren. acusado de vender Vermeers para os nazistas, durante a guerra. Depois, descobriu-se que estes “Vermeer” eram de sua autoria,inclusive o conhecídissimo “A ceia de Emaús”, uma das maiores picaretagens da história da arte e que havia sido autenticada como um genuíno Vermeer: http://en.wikipedia.org/wiki/File:VanMeegeren_The_Disciples_at_Emmaus.jpg
É muito boa essa história…
Barça, totalmente OFF porém gostaria de compartilhar.
Seria o Bernie Taupin o Rubens Barrichello do Schummy Elton John?
O que leva um cara “bem apessoado”, ótimo letrista e muito competente como cantor viver “na sombra” – se bem que muito bem financeiramente hehehe – do mundialmente famoso Elton?
Já chegou a escutar os trabalhos dele – Bernie – solo e com a banda Farm Dogs?
Popzinho de primeira!
Hory a esta hora deve estar tomando um Martini na fazenda do Colin Chapman no Matro Grosso do Sul…
Ah sim, e possivelmente abriu uma igreja evangélica..
Mesmo assim, como filme, achei “O Aviador” melhor que “Os Infiltrados”.
Os Infiltrados não chega nem aos pés do original chinês, o Conflitos Internos.
Barça.
Esse é o tipo de coisa que você nasceu para escrever. Muito bom o post de hoje.
Valeu, mas a história que é boa demais!
Cara.
Você é insuperável quando traz pra gente esse tipo de “causo”.
Abraço!
ahuahaah..beleza vou tentar ver e ler..tao fantastico que merece lugar na historia..
falando sobre falsário, vc já viu um documentário “The Imposter”?
http://www.imdb.com/title/tt1966604/?ref_=fn_al_tt_1
Rapaz, esses caras são mesmo mestres E picaretas…
Bom dia.
Lembrei da música “Last Cup Of Sorrow” do Faith No More. Lá tem a frase “F for fake”. Que agora creio que saiba de onde tinha vindo. Além do videoclipe; que é baseado no “Vertigo”.
Lembrei do filme “o golpista do ano” – i love you phillip morris – com o Carey e o McGregor. Conta uma história verídica onde o protagonista vive de golpes. Quando preso – em uma das melhores passagens do filme – ele trabalha em uma biblioteca e vai desviando as canetas verdes, quando utiliza as mesmas para tingir sua roupa branca – os médicos penitenciários nos EUA utilizam roupas verdes. Sensacional!
O livro é legal, vale a pena ler.
Já vi no Discovery um programa sobre o Steven Russel
Que por sinal também era homo… kkk
Vi no Discovery também antes. Quando fui ver o filme… aí associei… “O cara do Discovery!”.
Não é da ”Last Cup of Sorrow” a frase ”F for Fake” mas sim da ”Stripsearch”, música do mesmo album, o ”Album of the Year”.
Fato.
Valeu pela correção!
Lerei e assistirei. Obrigado.