Caetano e a arte de escrever muito sem dizer nada
12/10/13 23:13Em sua coluna do jornal “O Globo” (leia aqui), o compositor Caetano Veloso deu sua versão sobre a polêmica das biografias não autorizadas.
Li o texto algumas vezes e continuo sem entender por que Caetano defende a exigência de autorização a biografias.
No início da coluna, ele diz ser contra a exigência de autorização prévia de biografados:
“Todos que me conhecem sabem que essa é minha tendência. Na casa de Gil, ao fim de uma reunião com a turma da classe, eu disse, faz poucos meses, que ‘quem está na chuva é para se molhar’ e ‘biografias não podem ser todas chapa-branca’.”
No mesmo parágrafo, no entanto, o compositor admite que faz parte do grupo “Procure Saber”, que defende a exigência de autorizações para biografias. E pergunta:
“Então por que me somo a meus colegas mais cautelosos da associação Procure Saber, que submetem a liberação das obras biográficas à autorização dos biografados?”
Procurei na coluna a resposta a essa pergunta, mas não achei.
Achei, sim, ataques à imprensa, a “autores americanos” que o criticaram (Caetano os chama de “vira-latas”) e à “esquerda entalada”.
O compositor diz que os termos do Código Civil merecem ser mudados, mas não explica de que forma.
No lugar de defender objetivamente suas posições, lança frases como:
“Ficaremos todos mais ricos se virmos que o direito à intimidade deve complicar o de livre expressão.”
e
“Aprendi, em conversas com amigos compositores, que, no cabo de guerra entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, muito cuidado é pouco. E que, se queremos que o Brasil avance nessa área, o simplismo não nos ajudará.”
Sim, Caetano tem razão, o simplismo não ajuda. Também não ajuda fugir pela tangente e não responder a três questões simples:
Por que você defende a exigência de autorização para biografias?
Por que você diz que isso não é censura (“Censor, eu? Nem morta!”)? Ao escolher quem não pode escrever sua biografia, você não está exercendo censura?
O que você acha que a iniciativa do “Procure Saber” vai representar para o futuro da pesquisa histórica no Brasil?
No trecho mais confuso e misterioso da coluna, Caetano escreve:
“Sou sim a favor de podermos ter biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho. Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo de proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir.”
Por que Sarney e Roberto Marinho foram citados como exemplos de pessoas públicas merecedoras de biografias não autorizadas? Estaria o compositor insinuando que algumas pessoas podem ser biografadas sem autorização e outras não?
A ver.
Barça, chegaste a ver isso? Talvez a agenda não seja exatamente as biografias (livro) em si… e, sim, como disse Alceu: vil metal indeed!
http://farofafa.cartacapital.com.br/2013/10/13/procuraremos-saber/
O caso em si vale por um curso de Sociolologia do Brasil. Todos os ingredientes da “alma nacional” estao ali.
Os artistas não tem exclusividade à privacidade e intimidade,então todos as pessoas,inclusive ,os políticos deveriam ter este direito resguardado. Ao meu ver, ele querem apenas ter o direito dos lucros da vendas deste material.
Barcinski,
Eu e minha mulher somos muito fãs do The Soup. Trata-se de um programa incrivelmente engraçado do canal E! no qual o apresentador, Joel McHale, destrói sem dó nem piedade as celebridade e sub-celebridades norte-americanas.
E o mais incrível: boa parte dos sacaneados aceita fazer parte do programa porque entende que a indústria do entretenimento comporta todo tipo de abordagem. Das mais camaradas às mais críticas e ácidas.
Uma coisa que sempre falamos é que um programa como esse jamais passaria no Brasil.
E se passasse talvez durasse uns três episódios antes de ser tirado do ar crivado de processos e ameaças.
Temos por aqui esse pudor e esse aparato legal em torno das nossas celebridades. Como se o sucesso financeiro e artístico fosse uma espécie de blindagem capaz de colocá-las acima de qualquer pensamento crítico.
Pode reparar: no meio artístico brasileiro todo mundo é amigo de todo mundo, todo disco é genial, todo filme é incrível e todo mundo se ama.
Bem diferente dos EUA, onde as celebridades vivem se alfinetando e programas como The Soup, South Park, Family Guy e Beavis & Butthead têm licença plena para mostrar o quão ridícula pode ser a cultura pop.
Uma pena, pois acredito que esse comportamento de censura e cerceamento de criatividade e opinião atrapalha e muito a criação de uma indústria cultural realmente interessante e criativa.
Não conheço o programa, mas é verdade que os famosos gringos parecem entender melhor o conceito de democracia. Aqui a Monarquia ainda não acabou.
Faz muito tempo que os grandes nomes da MPB (desde a abertura política em 1979) articulam nos bastidores da política entre o patrocínio estatal e o jabá dos meios de comunicação, agindo quase como máfias culturais tomando de assalto centros acadêmicos e cadernos culturais. Como bem disse o Forastieri, a MPB pena para se manter relevante para um grupo cada vez menor. Se tirarmos o esquema SESC, o jabá, a captação de recursos, as leis de incentivo e o patrocínio de governos e estatais, o que sobra de MPB?
Confesso que não entendo por que tanta indignação com essa posição desses totens da MPB, eles estão sendo coerentes com tudo que eles vem fazendo há mais de 30 anos.
Os gaúchos dos Replicantes, lá nos anos 80, já “cantavam a pedra”:
http://www.youtube.com/watch?v=tebwgV2pqtA
Barça, só o título do post já diz tudo! Esse texto do Globo já merecia entrar para a antologia dos pitacos do Caê!
Abç.
É simples: biografias de gente “do mal”, tipo Sarney e Roberto Marinho, pode. Mas de gente “do bem”, tipo Caetano e seus amigos, tem que perguntar antes. E quem diz quem é do mal e quem é do bem? Acho que vão sugerir uma comissão, sei lá….
Caro Barcinsky, off-topic: estarei em Paraty pelos próximos dias. Há alguma dica bacana de culinária ogra na cidade?
Fizemos um site só com dicas da cidade, dá uma olhada: http://www.paratycool.com.br. Imperdível é almoçar no Quiosque Cheiro de Camarão, bom demais.
Obrigado, caro Barcinsky, já estamos aproveitando as dicas do site.
Voltando às biografias, li há pouco tempo “O Último Lugar da Terra”, sobre a corrida entre os capitães Scott e Amundsen para ver quem chegava primeiro ao Pólo Sul. O autor, Roland Huntford, incluiu nos agradecimentos uma posição do filho de Scott, que forneceu vasto material para a obra: “para fazer um estudo comparativo de Amundsen e Scott, não era necessário denegrir Scott, e muito menos sua esposa.” O auto escreve que “não acho que eu tenha feito isso, mas lamento imensamente qualquer dissabor.”
Nos tais “países desenvolvidos” é assim: a família do biografado fornece material sem mesmo concordar com a visão do autor. E o autor registra isso. Mas como não somos um país desenvolvido, nas palavras do Djavan, por aqui o biografado tem o direito de censurar tudo o que achar que deve.
Não somos um país desenvolvido porque os biografados têm o poder da censura ou os biografados têm o poder da censura porque não somos um país desenvolvido?
Acho que uma coisa puxa a outra. No fundo, é resultado do coronelismo arraigado. Ainda não superamos a monarquia, acredito.
Que foto é essa do Caetano? Até hoje me pergunto em quem Deus caprichou menos, na Bethânia ou no Caê. Acho que foi na Zélia Duncan, o rascunho mais feio que já vi na vida. Sei que o assunto é outro, mas baixou um John Casablancas…
Se a Dilma está a favor, já tendo a ficar contra. Por mim podem escrever à vontade (mesmo porque, quem sou eu pra proibir?), mas não contem comigo para ler, principalmente se for sobre esses malas em questão. Tenho coisas mais importantes para ler.
Geneton Moraes também se pronunciou sobre o caso.
http://g1.globo.com/platb/geneton/
É proibido permitir.
“Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo de proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir.”
Por essa frase e pelas coisas que o Djavan falou, fica evidente que o pessoal do Procure Saber está convicto que o público é incapaz de discernir entre uma biografia sensacionalista e um trabalho sério de pesquisa, e repudiar a primeira.
O fato desses artistas subestimarem tanto a inteligência dos leitores, a parcela mais esclarecida da população, é lamentável. É uma visão coronelesca e preconceituosa.
E fica a pergunta: Quem tem esse discernimento no Brasil? Quem é capaz de separar o que é “intimidade pela intimidade” do que é pesquisa pertinente? Eles? Serão os únicos iluminados com essa sabedoria num país de estúpidos?
Sobre o último tópico, entendi que ele quis dizer que devem ser publicados a revelia fatos de interesse público mas sensacionalismo barato, não. Não entendi como se não se pudesse escrever sobre Gloria (ou Daniela) Perez, mas que usar o crime como gancho seria indelicado e desnecessário. Foi o que entendi, mas acho que este argurmento – e todo o artigo – dá a enteder que ele não refletiu muito antes de entrar na onda e aceitou os argumentos que pareciam plausíveis.
É por que ele é o avesso do avesso do avesso.
Roxa de tanto rir…
E o papo dele é qualquer coisa…
Barcinski,
Esse debate realmente trouxe muita coisa à tona, é muito mais que “direito de imagem”. Um exemplo, estava relendo a cronica “há 25 anos”, do livro do Ruy Castro. A versão do livro tem mais detalhes do que a que foi publicada na folha.
Pois bem, em sua estada na clínica, lembrou-se das biografias de grandes escritores beberrões.. Hemingway, Fitzerald, etc… E notou que havia uma lacuna na história de seus “heróis”…nenhuma mencionava aquela fase em que ” os drinks vêm cobrar a conta”… Passam do apogeu criativo para a morte, quase com uma legenda do tipo: “5 anos depois….” Da mesma maneira, muitos escritores dos anos 1800 ou 1900 não permitiam que sua homossexualidade fosse exposta em biografias… E isso ajudou a perpetuar grandes traumas de outros homossexuais… Hoje, podem querer proibir que feridas sejam colocadas e discutidas da mesma maneira.
Aprecio grandes escritores, cantores, etc.. E tb aprecio muito a bebida… tenho um “fraco” muito “forte”… Mas sempre que vejo que estou abusando, releio alguns trechos de vidas que me ensinaram e deixaram muitas coisas… As hemorragias de Leminski, seus amigos putos com ele no enterro por ter se deixado chegar àquele estado… As internações de Simonal, a dores abnominais de Raul e sua quase demência alcoolica.. por aí vai….. A mesma coisa com ácido, cocaína, etc…. Enfim, todos querem ser como um rockstar, um poeta, uma cantora que admiram… são pessoas publicas que influenciam, principalmente os jovens… ter acesso aos fatos reais é importante… sem pedestais… teríamos menos “raulzitos” , o personagem, que pegaram a estrada com seu baseado e sonhos de sociedade alternativa nos anos 80 e hoje estão fumando crack em qualquer beco (conheço vários, esse camarada entre eles:http://cineinblog.atarde.uol.com.br/wp-content/uploads/2009/04/fa.jpg) .
Chico Buarque foi seduzido por um grupo de ultra-direita quando estudava no colegio religioso… e é bom saber que isso tb aconteceu com ele, e comigo,que não nasceu com um banquinho e violão, e que, por melhor que seja a formação ( todos sabem sua bagagem do pai), jovens são jovens… anos depois ele estava roubando carro pra dar um rolê… pra um rapaz que faz merda de vez em quando e se culpa, é legal ver os vacilos da vida de pessoas que ele admira e que a vida é assim mesmo…
Por menos “Raulzitos” e mais “Raul Seixas” nas Biografias.
Um brinde à Liberdade, é tudo da lei !
Bom, é isso… nao costumo comentar nada na internet, quanto mais um “mega-comentário” como este… mas li seu post e depois, coincidentemente, li essa cronica do Ruy… nao consegui passar em branco…
abraço.
Caetano ???
Sendo um pouco medieval, artista devia se ater a sua arte. E o público, imprensa e todo o resto deveria apenas achar graça quando tentam fazer outra coisa. Quando se começa a dar muita importância para o que pensa quem ganha a vida entretendo as pessoas, a coisa tende mesmo a degringolar.
Pelo que eu entendi, ele vai entrar na briga porque estão falando mal da Paula Lavigne… A família do Paulo Leminski acabou de proibir uma biografia que ia para a quarta edição, se não me engano. Enfim, para esse povo, a democracia e o direito à informação são legais somente quando lhes interessa. O pior é que todos começam falando “Eu sou totalmente contra a censura, mas…” O mais ridículo é a proposta de receber royalties sobre biografias. Será que Roberto Carlos paga pra sua mãe por Lady Laura, Caetano paga Regina Case por Rapte-me Camaleoa? Jorge Ben até mudou a letra de Fio para Filho Maravilha para não ter que pagar um capilé, não o ninja, para o ex-jogador do Flamengo. Off-post: Bob Mould no Rio foi demais, mas se tinha 50% da lotação do Circo foi muito.
Graças a família fiquei sabendo desse “detalhe sórdido” de Pedro Leminski, pra que comprar a biografia? A viúva e as filhas deixam claro o mau caratismo disfarçado de qualquer outra coisa da “família” dos artistas…
resumindo, a emenda ficou pior que o soneto.
mas o que acha desta homenagem ao nosso Coffin´Joe:
http://dangerousminds.net/comments/coffin_joes_awakening_of_the_beast_vs._lou_reeds_guitar
ah, recomendo a carta que Benjamin Moser escreveu para Caetano sobre o assunto das biografias.
Ou não… entende?
Primeiramente, um registro especial à foto ma-ra-vi-lho-sa do dicotômico Caê. Parabéns pela escolha, André. Segundo, na minha opinião, o senhor em questão é um bom compositor, melhor como cantor de meia voz, e não muito mais que isso. Deveríamos deixá-lo devorando Leonardo di Caprio ao invés de considerar tanta abobrinha, que não vem de hoje. Talvez o segredo da riqueza seja comprar Caê pelo que ele vale, e vender pelo que ele acha que ele vale. E pra fechar ao melhor estilo ambíguo: vergonha na cara, MTV!
Barça, não adianta. Tentar entender o que Caê escreve é tarefa vã, ainda mais quando o assunto lhe diz respeito. O pior é que o padrão se repete, basta procurar o artigo em que ele meio que apoia os Black Blocs. O número de metáforas só perde para o de contradições, parece que o baiano, numa mesma frase , defende uma coisa e seu contrário. Pra ele, confusão mental seria a receita contra o simplismo. Ou não!
Barça, leu o texto do Sérgio Augusto no Estadão, “Afaste de nós este cale-se”?
Acabei de ler, tá certíssimo o Sergio Augusto.
Como já falou o barbeiro de Um Príncipe em Nova York sobre Rocky Marciano, esse Caetano é um bolha .
UM BOLHA !
Sou apaixonada por música brasileira. As vezes ela parece tão clara e libertária que é difícil entender algumas figuras por trás dela. Isso merece inúmeras biografias e estudos da melhor espécie, não autorizadas…
O Caetano é um babaca que se rendeu ao sistema.
Não, querida. É um pouco pior que isso. O Caetano é um babaca querendo CRIAR um novo sistema, bem alinhado aos interesses políticos de alguns partidos brasileiros com os quais ele e seus colegas se alinham.
É Caetano, o que era velho ficou novo e você não acompanhou a novidade. Lembra dessa do Belchior?
“…Você pode até dizer
Que eu tô por fora
Ou então
Que eu tô inventando…
Mas é você
Que ama o passado
E que não vê
É você
Que ama o passado
E que não vê
Que o novo sempre vem…”
Pois é.
André, Caetano é um homem inteligente, que sabe ser claro quando quer. Portanto, a confusão do texto não é um acidente. Fico com a impressão de que ele é contra a censura e contra as ideias desse grupo “Procure saber”, porém não quer contrariar sua ex-mulher nem a “turma de classe” que é a favor da censura (Roberto Carlos, Gil etc.). Em outras palavras: ele está exercitando o direito constitucional de ficar em cima do muro, o que é uma vergonha para um artista como ele, que sempre pareceu bastante direto e engajado.
Tenho a mesma percepção que você, Rômulo. O Caetano se saiu com esse monte de evasivas porque sabe dos interesses que a empresária (e ex-mulher) dele tem e não quer prejudicá-la.
Só faltou terminar a coluna com a já célebre frase “Ou não.” para deixar as coisas menos claras ainda. Deve ser difícil tentar posar de
“legal” sem contrariar a “ex”.
Hoje me senti frustrada. Também achei que encontraria as repostas na coluna de Caetano. “Meus heróis morreram de overdose”. (ops, será que posso citar Cazuza sem ser pedir autorização?!)