Adeus, Lou Reed, príncipe da escuridão
27/10/13 17:30O rock, como nós o conhecemos, não existiria se não fosse por Lou Reed.
Em meados dos anos 60, quando Reed conheceu John Cale, Sterling Morrison e Moe Tucker e juntos montaram o Velvet Underground, o rock era jovem – tinha 15 ou 16 anos – e, basicamente, rural e adolescente. Rock era música de caipiras enfezados, fossem negros como Little Richard ou brancos como Jerry Lee Lewis e Elvis Presley.
O primeiro disco do Velvet, o mitológico “Velvet Underground & Nico”, de 1967 – o disco da banana – inventou o rock urbano.
Enquanto os hippies contemplavam viagens psicodélicas e balançavam as cabeças ao som da lisergia de “Sgt. Pepper’s”, Reed e sua trupe criavam a trilha sonora de metrópoles cinzas, sujas e perigosas, em canções sombrias sobre heroína, prostitutas, gigolôs e masoquistas.
Contra a complacência tecnicolor do hippismo, o Velvet só usava preto. Preto era a cor daquela época, em que napalm era despejado em aldeias do Vietnã e heroína infestava a Nova York que Reed e Cale conheciam tão bem.
Woodstock era para amadores. Troco meio milhão de hippies num pasto imundo por uma puta falando com seu cafetão em uma esquina imunda do Harlem, parecia dizer Reed, sempre dez anos à frente de todo mundo.
Dizem que o Velvet Underground nunca vendeu muitos discos, mas todo mundo que comprou montou suas próprias bandas. É verdade.
Em um disco, o Velvet levou o rock à maturidade, criando um modelo sonoro, estético e temático difícil de ser igualado.
Não dá para imaginar o glam rock, o punk, o gótico, o noise, o drone e o pós-punk sem Lou Reed. Ele inventou tudo.
Ele foi o transformer, o metal machine music, o guru que transformou microfonia em arte e podou os exageros sonoros do pop. Solos de guitarra tornaram-se obsoletos depois de Lou Reed.
Foi-se o príncipe da escuridão, o narcisista genial, o homem que parecia eternamente entediado com a mediocridade à sua volta e não escondia isso de ninguém.
Foi-se um dos artistas mais influentes e importantes da música dos últimos 50 anos.
DEZ GRANDES MOMENTOS DE LOU REED
Uma lista pessoal – em ordem cronológica – dos discos fundamentais do gênio
The Velvet Underground & Nico (1967) – Um dos discos mais importantes da música pop. Onze faixas clássicas que definiram o rock. Uma obra de arte, começando pela capa, passando pela voz gélida de Nico e chegando à distorção tonitruante de “The Black Angel’s Death Song”. Absolutamente essencial.
White Light White Heat (1968) – Último disco com John Cale, até hoje inigualado em termos de ousadia e experimentação sonora. Difícil imaginar que Jesus & Mary Chain, My Bloody Valentine e até o Buzzcocks existissem sem “Sister Ray”, com seus 17 minutos de barulho, improviso e inspiração.
The Velvet Underground (1969) – Sem John Cale, o VU virou praticamente a banda solo de Reed. Esse disco não traz os experimentalismos da era Cale, mas qualquer LP que tenha “Pale Blue Eyes”, “Candy Says” e “Beginning to See the Light” é um marco.
Loaded (1970) – O adeus de Reed ao Velvet foi uma tentativa de tocar no rádio. E deu certo, com músicas acessíveis e lindas como “Who Loves the Sun”, “Rock & Roll” e “Sweet Jane”.
Transformer (1972) – Obra-prima produzida por David Bowie e Mick Ronson, um disco capital para o glam rock e, posteriormente, o punk. Traz um dos maiores sucessos comerciais de Reed, a emblemática “Walk on the Wild Side”, mas os grandes momentos são “Satellite of Love”, “Perfect Day” e “Vicious”.
Berlin (1973)– Reed troca a guitarra pela orquestra e comete uma “ópera” sobre um casal em crise, num dos discos mais sombrios e tristes já gravados. A trilha sonora perfeita para uma época de depressão profunda e impulsos suicidas de Reed.
Sally Can’t Dance (1974) – Reed não estava bem da cabeça nessa época, tanto que andava pelo Village com uma suástica na cabeça. Mas fez esse discaço que influenciou toda a cena punk da cidade, com músicas viscerais como “Kill Your Sons” e “NY Stars”.
Coney Island Baby (1975) – Um dos discos mais subvalorizados da carreira solo de Reed , marca a volta do cantor ao rock depois das divagações orquestrais de “Berlin” e do experimentalismo noise de “Metal Machine Music”.
The Blue Mask (1982) – Com a ajuda do super guitarrista Robert Quine, Reed faz um disco triste e soturno, que emula os dias – ou melhor, as noites – de Reed com o Velvet.
New York (1989) – Uma ode a sua Nova York amada e um dos melhores discos da carreira solo de Reed. Difícil escolher a melhor canção: “Romeo Had Juliette”, “Dirty Blvd.”, “Halloween Parade”… O mais perto que Reed chegou de fazer um disco pop.
Muito bom texto. Agradeço ao Lou Reed por sua vasta obra e nunca esquecerei o que senti na primeira vez em que escutei “Heroin”.
Barça, ontem (27/10) assisti na Mostra De Cinema o documentário “Conversas Com JH” que entra bem no universo das tais biografias não autorizadas, vale muito a pena conferir.
Depois a UOl Cinema fez uma reportagem bem legal sobre o filme. Segue o link:
http://cinema.uol.com.br/noticias/redacao/2013/10/25/documentario-mostra-ameacas-de-joao-havelange-e-analisa-biografias.htm
Muito legal o texto.
Meu preferido é o New York, que ouvi muito na época em que saiu. Uma pena, R.I.P.
Gosto muito de Legendary Hearts, de 1983, mas acho que sou minoria. Rooftop Garden e Make up my mind são as minhas preferidas desse álbum meio desconhecido.
Sei que não é um clássico dele, mas eu adoro o “Set the Twilight Reeling”. Tem algumas das minhas canções favoritas.
Barça, já reparou que quando vossa senhoria está afastado… seja por algumas horas ou alguns dias… SEMPRE morre algum artista importante neste intervalo?
Medo de quando entrares de férias…
Pensei exatamente a mesma coisa, ia postar quando resolvi ler os comentários para ver se mais alguém tinha chegado a mesma conclusão.
Estou com você, F, morro de medo das férias do Barça…
pensei o mesmo. André, vc tem escrever no blog mesmo nas férias!
Uai, medo por quê? Vocês são famosos?kkk
Escutei muita pouca coisa do Lou Reed, mas estava lendo bastante as letras traduzidas da compilação “Atravessar o fogo – 310 letras de Lou Reed”. O lirismo sórdido e transgressor faz dele não só um letrista, mas um poeta de alto nível.
Será que os filhos de Frank Zappa vão no velório?
E nos EUA a noticia mereceu 5s na CNN com a seguinte legenda: “Morre o cantor Lou Reed. Ele teve 1 hit entre os top 20.”
Po, e que timing do blog! Marcado para voltar no dia 28, um dia depois da morte do Lou Reed. Acho que o André tem poderes de premonição.
É o Barça “dar uma saidinha” e alguém parte desta para a melh… parte desta para outr… ahh morre!
Ontem foi um dia difícil de engolir, Lou Reed me influenciou em muitos aspectos como meu gosto musical, pela poesia “marginal” e nas bandas que tive ao decorrer desses anos. Fiquei um pouco abismado pela cobertura da imprensa ontem que fez um uso do ctrl/c + ctrl/v excessivo e da quantidade de besteiras ditas também. Confesso que dormi ansioso para ver o que você tinha a dizer (e mais uma vez não me decepcionei). O Jamari França escreveu um texto bonito ontem que transcrevo aqui se me permitir:
“Lou Reed foi o menestrel da América subterrânea, dos refratários ao sonho americano, dos que se escondem à noite em ambientes escuros, das sombras que vagam em becos e ruelas, dos que afogam nas drogas o desespero de uma vida sem sentido, dos que não sonham, nada esperam da vida e nem se importam me deixá-la. Dos que vivem o aqui e agora, dos que trazem no future tatuado na alma.”
“[…] dos que trazem no future tatuado na alma […]” Talvez isto explique – e bem – o olhar de desdém que o Lou sempre teve em relação a tudo; afinal de contas… dizem que os olhos são as janelas da alma… correto?
É bem por aí mesmo F de I.
André, gostei muito de seu texto.
Sinceramente, sinto que perdi alguém da família. Um companheiro que está comigo já faz 15 anos (conheci o Velvet e o Transformer tarde, com 20 anos), cujas músicas significaram muito. Minha maior dor é lembrar que seu último show foi no Sesc e que os ingressos “sumiram” com um minuto do início das vendas, ou seja, foi para poucos. Infelizmente (parece que ele não curtiu muito o Brasil, não sei) eu nunca o assisti ao vivo, fica uma lacuna importante em minha vida.
Concordo com tudo que você escreveu e, para mim, Coney Island Baby é demais e pouco falado. Abraço e obrigado pelo texto!
esta sua frase me diz tudo..Foi-se o príncipe da escuridão, o narcisista genial, o homem que parecia eternamente entediado com a mediocridade à sua volta e não escondia isso de ninguém..grande Lou..RIP..he took the walk to the wild side now..
Viu a entrevista “bombástica” do Rei no Fantástico? Em suma: não há censura, não há necessidade de autorização prévia (palavras dele), o que há é “necessidade de discutir as coisas”. Certos temas são exclusivos do biografado. “E como saber quais são, Roberto?”. “Precisa ser discutido. Precisa ser discutido”, repetiu como um autômato. Mas deixou escapar: ninguém escreveria melhor sobre ele do que ele mesmo, e isto provavelmente não caberá em 1 volume apenas, talvez em 2, 3… Só esqueceram de avisar a ele que não existe meia-liberdade, assim como não existe meia-gravidez. Se precisa discutir previamente, é autorização (ou proibição), sim; logo, é censura.
Pra variar, mais um defensor da censura que não fala as coisas claramente.
Em 2008 ou 2009, não lembro bem, assisti a apresentação de Berlim no Royal Albert Hall em Londres. Apesar de ficar frustrado por não ouvir Sweet Jane e outros hits, fiquei emocionado de poder vê-lo ao lado de outras feras como o baixista Fernando Saunders e o sensacional Steve Hunter. Tudo isto emoldurado por um coral de ninfetinhas loiras. Bem Lou Reed.
Barcinski! pelo amor de deus! vc’s precisam gravar um Garagem especial Lou Reed, o cara merece!!!
Fala Barcinski!
Legal o texto, mas vc esqueceu de mencionar a passagem de Lou Reed pela sétima arte interpretando a si mesmo no filme “Get Crazy”. É um dos filmes de rock mais engraçados que eu já vi!
abs
PS: SEGUE O LINK
http://www.youtube.com/watch?v=zrIRmMNi800
André, Lou Reed foi um dos primeiros artistas que eu, na adolescência, passei a “consumir” sistematicamente, todos os discos. Antes mesmo de Beatles, Stones e outras coisas menos “ofensivas”. Comprei o “disco da banana” e pirei. Não entendi direito, achei tudo estranho, fui traduzir as letras, o som era esquisito… mas aquilo tudo me tocou profundamente. Depois disso virei fã de carteirinha. Pena que o “homem”, ao menos na minha opinião, nos últimos anos estava meio “tia velha” demais. Acho que ele envelheceu mal. Ele pessoalmente, não a obra, que fique claro. Uma última coisa: Songs for Drella não entraria nessa sua lista?
Gosto muito do disco, mas escolher só dez é difícil mesmo,muita coisa boa fica de fora.
E a uol me bota do lado da foto do Lou Reed uma foto do Luan Santana….
Ah, e tem tbm o Live MCMXIII, cuja execução do Sticking with you é celestial, com a voz da Moe Tucker no auge da doçura (seria a palavra certa? haha), e da Rock’n’Roll que me fez ouvir talvez umas 5 mil vezes a mesma música, com um Lou Reed totalmente maduro na guitarra…
Pô Barcinski, tarefa inglória de achar só 10 álbuns, rs. Mas concordo com as tuas escolhas. E incluiria o Velvet Underground Live At Max’s Kansas City, nos estertores do Lou no VU. É um dos álbuns ao vivo mais sensacionais da história do rock: improvisado pra cacete, mas as execuções são emocionantes, especialmente da Sweet Jane, da New Age e da Lonesome Cowboy Bill. Aliás, é nesse do Max’s Kansas City que, lá pelas tantas, alguém da plateia grita “Heroin!” e o Lou Reed, secamente, responde “We don’t play Heroin anymore.”…
Como alguém aí disse, poucas vezes eu senti o aperto no peito com a morte de um ídolo como eu senti hj… já basta que em maio, o Ray Manzarek tbm se foi.
Barça que bela homenagem! Realmente o cara é muito importante para o rock só lembrar algumas bandas que regravaram suas músicas como Duran Duran, R.E.M., Morrissey, Nirvana entre outros:
http://orockaindanaomorreu.blogspot.com.br/2013/10/tributo-lou-reed.html
Um abraço!
Não sei se vc concorda, mas de certa maneira, sempre achei que Lou Reed e o próprio Velvet Underground sucederam aqueles grandes mestres “urbaníssimos” do Jazz, incorporando as influências e temáticas jazzísticas dos anos 40, 50, 60 no rock. Tipo Chet Baker, Coltrane, Monk, Davis e etc. Todo aquele lance meio barra pesada, drogas, vícios, depressão e etc
Não só esse contraponto aos hyppies que vc citou mas uma consequencia do estilo de vida urbano desses grandes nomes do Jazz e das experimentações que esses caras faziam na música. Creio que desse caldo todo emergiu a genialidade de Reed. Até no final de vida, quando assisti o show dele aqui em SP, o cara continuava a experimentar e chocar um público cada vez mais imbecilizado.
O mundo hoje ficou bem mais quadrado e burro.
Sunday Morning total.
Acho que vc tem razão, muito boa análise.
Dêem uma espiada no livro de Kind of Blue, de Ashley Kahn. Ele teoriza sobre a influência do álbum de Miles sobre a música pop que o sucedeu. Muito interessante.
Na verdade, é o livro “Kind of Blue – Miles Davis e o Álbum Que Reinventou a Música Moderna”, do Richard Williams, que discorre sobre esse assunto.
O “Kind of Blue”, do Ashley Kahn, que é superior, trata mais especificamente da obra-prima do Miles e do mundo do jazz, sem avançar muito na questão de sua influência na música pop.
O capítulo sobre o Velvet Underground no livro do Williams, no entanto, é mais focado no John Cale.
Tá certo, confundi os dois autores.
Barcinski, uma homenagem a altura da importância deste artista, que não só revolucionou a estética e a temática do pop, mas também teve a coragem buscar a fusão do rock à arte.
“But anyone who ever had a heart
they wouldn’t turn around and break it”
Adeus, Lou Reed.
Hoje lembrei das vezes que ia ao Museu do Disco, via os LPs do Velvet e não tinha dinheiro para comprar, até que consegui comprar 3 de uma vez. Me apaixonei pelo Lou Reed antes mesmo de ouvi-lo, quando li a letra de “Vicious”. Quantas vezes ficava ouvindo seus LPs e traduzindo as letras maravilhosas que só ele era capaz de escrever. Valeu por tudo que você nos deu, Lou!
http://www1.folha.uol.com.br/serafina/2013/10/1362066-conheca-leonard-cohen-o-bob-dylan-com-fas-menos-histericos.shtml
Só uma correção: é “Walk in the Wild Side”, não “Wide Side”. Abraços.
Corrigindo a correção: Walk on the Wild Side.
songs for drella & magic and loss… inesquecíveis
Gostei bastante do ensaio, Barça. Apenas acho que teria enriquecido ainda mais sua perpspectiva se tivesse jogado o Dylan na mistura. Acho que teria delimitado ainda mais o quao inovadores foram os VU, ja que, convenhamos, o velho Bob sempre foi um desses “caipiras revoltados” cuja riqueza lírica provinha principalmente do fato de ele sempre se sentir desterrado em NY, onde Lou e John se sentiam em casa como nenhum outro lugar.
Concordo, mas não classificaria Dylan como um artista “do rock”.