Confissões de William Friedkin, pai do Exorcista
07/11/13 07:05
Este livro deveria ser obrigatório em qualquer escola de cinema: “The Friedkin Connection”, autobiografia do cineasta William Friedkin, diretor de “Operação França”, “O Exorcista” e “Viver e Morrer em Los Angeles”, entre outros filmaços.
Na verdade, chamar o livro de “autobiografia” é errado. Ele é muito mais sobre cinema do que sobre o próprio Friedkin.
O autor quase não toca em assuntos pessoais, passa voando por sua infância e adolescência, e leva 400 páginas para fazer a primeira menção à esposa e aos filhos. E olha que ele foi casado com atrizes conhecidas, como Jeanne Moreau e Lesley Anne-Down, e é casado com Sherry Lansing, ex-chefona da Paramount e da Fox.
Mas para quem quiser conhecer os bastidores de Hollywood e ler histórias reveladoras sobre a produção dos filmes de Friedkin, o livro é imperdível. Há muito tempo não me divertia tanto lendo as memórias de um cineasta.
Friedkin nunca foi de medir palavras. É considerado um sujeito de temperamento explosivo e imprevisível.
Ele confessa que usava essa fama para evitar problemas com produtores e estúdios. Não foram poucas as vezes em que fingiu ser maluco e violento só para assustar executivos.
No set de filmagem, uma de suas técnicas para extrair uma interpretação mais convincente de atores era surpreendê-los com tabefes no rosto (Friedkin diz que só usou essa técnica pitoresca três vezes na carreira).
Suas brigas com atores e fotógrafos são lendárias: ele despediu o compositor Lalo Schifrin de “O Exorcista” no meio da gravação da trilha sonora, diante da orquestra, e brigou com Max Von Sydow, o mitológico ator dos filmes de Bergman. Quando Von Sydow não conseguiu atuar convincentemente numa cena de “O Exorcista”, Friedkin simplesmente o mandou para casa e reescreveu a cena para que outro ator fosse o protagonista.
No set de “Operação França”, o diretor entrou em choque com Gene Hackman, então um ator desconhecido. Para provocar explosões de fúria em Hackman, que interpretava o intempestivo detetive “Popeye” Doyle, Friedkin o xingava por trás da câmera e fazia comentários grosseiros que tiravam o ator do sério. “Quando você vê Gene espancando alguém no filme, ele estava reagindo a mim, pode acreditar!”
O processo de pesquisa para seus filmes era intenso. Quando fez “Parceiros da Noite”, em que Al Pacino interpretava um policial infiltrado no submundo gay de Nova York, Friedkin passou meses freqüentando clubes de sadomasoquismo, inclusive usando, segundo ele próprio conta, sungas de couro e outros apetrechos. Brigou tanto com Pacino que o ator, até hoje, se recusa a falar do filme.
Estudantes de cinema vão se fartar com as descrições minuciosas das filmagens de algumas de suas sequências mais conhecidas.
A famosa perseguição de um carro ao metrô em “Operação França” só ficou do jeito que Friedkin queria depois que ele, em meio a um porre com o dublê, disse que ele era covarde e desafiou o sujeito a mostrar que podia fazer melhor. “Ah é? Você quer ver o que é dirigir?”, retrucou o dublê, torto de bebida. “Eu faço, mas você vai sentado no banco da frente.” Friedkin aceitou o desafio: na manhã seguinte, o dublê dirigiu um carro a 150 km por hora por 30 quarteirões no Brooklyn, passando por cima de calçadas e apavorando pedestres. Com Friedkin no banco da frente, segurando a câmera.
Algumas passagens são engraçadíssimas. Friedkin conta que pediu para o produtor contratar, para o papel do vilão em “Operação França”, Paco Rabal, que havia trabalhado com Luis Buñuel em “A Bela da Tarde”. mas o produtor contratou, por engano, Fernando Rey, que também havia trabalhado com Buñuel, mas em “Tristana”. O engano só foi descoberto na véspera da filmagem, quando Friedkin encontrou Rey: “Não lembrava que você usava cavanhaque!”
P.S.: Aqui vai uma pequena homenagem ao grande Jorge Dória, figura inesquecível de nosso cinema, teatro e TV:
André, saindo um pouquinho do assunto do post.
Eu vi o filme sobre o Liberace no HBO e algumas idéias passaram pela minha cabeça. O empresário do Liberace na época falou que ele morreu em decorrência de complicações por causa de uma dieta. Depois é revelado que foi de aids mesmo.
O Zacarias dos Trapalhões até hoje eu não sei se morreu de aids ou não. Mas falam que a saúde dele se fragilizou em função de uma dieta tambem. Voce conhece alguma biografia não autorizada sobre o Zacarias? Sabe a real causa de morte dele?
E uma solução que eu acho aceitável para a questão das biografias não autorizadas: todas elas deviam vir com um comentário do biografado no final, falando os pontos em que ele discorda da biografia e dando a sua versão. Assim o leitor fica livre pra escolher em qual versão acreditar.
Passei 4 anos estudando na ECA-USP e não conheci um aluno de Audiovisual (antigo curso de Cinema) que conhecesse William Friedkin. É assustador ver para onde estamos caminhando.
Biografia boa é essa que o sujeito é honesto em relação aquilo que fez de melhor. É um saco ler aquelas biografias em que o sujeito fica acertando contas ou posando de gatinho para a posteridade.
André, mezzo off-topic, já que tb se ambienta nos anos 70: acho que vc vai gostar de ler essa matéria sobre os roasts do dean martin, feita em função do lançamento de uma caixa de dvds com os principais.
http://www.villagevoice.com/2013-11-06/film/dean-martin-celebrity-roasts-dvd/full/
Cara, esses roasts são sensacionais, tem vários no Youtube. Muito obrigado pela dica.
Sr. Barcinski, Paco Rabal trabalhou em vários filmes de Buñuel, Fernando Ryes em inúmeros, e não apenas nos dois filmes que você cita. Ambos eram amigos de Buñuel. Aproveite e leia “Meu último Suspiro” biografia de Buñuel.
Sr. Edgard, eu escrevi que Rabal e Rey fizeram “Bela da Tarde” e “Tristana” com Buñuel, mas não SÓ esses filmes. Quanto a “Meu Último Suspiro”, li nos anos 80. E não é uma biografia, mas uma autobiografia, em primeira pessoa, que Buñuel fez com a ajuda de seu roteirista, Jean-Claude Carrière.
Não esquecer de Sorcerer Comboio do Medo no Brasil do Friedkin, que foi um fiasco de bilheteria e quase acabou sua carreira e hoje é um filme cult e um dos preferidos do Tarantino.
Eu adoro esse filme. E o Friedkin também.
André, uma pena para o fãs do cinema que o Friedkin atualmente esteja tão à margem de Hollywood. O Operação França é um filme policial de respeito e ele foi ótimo na direção, mas eu acho que no Oscar e no Globo de Ouro daquele ano (1972, se não me engano), o mais justo era a vitória do Laranja Mecânica, do Kubrick, mas aí não sei se vc concorda…
Concordo. Acho “Operação França” demais, mas eu votaria em “Laranja Mecânica”, sem dúvida.
Revi ambos recentemente e sinceramente acho que Laranja Mecânica ficou muito datado, enquanto Operação França ainda é sensacional, ou seja, hoje acho OF bem melhor de ver.
Concordo com você, paulo. Adoro os dois, mas “Operação França” resistiu melhor ao tempo.
Os dez mandamento do rei do boteco.
http://www.youtube.com/watch?v=-kFUSv6dreE
Obrigado pela dica Barça, não vejo a hora de ler… Sempre gostei muito dos filmes de Friedkin. O estilo dele me lembra um pouco o de John Frankenheimer que dirigiu “Operação França 2” e também começou fazendo trabalhos para a televisão.
Frankenheimer era o maior ídolo do Friedkin. O Friedkin começou na TV, e o Frankenheimer era o rei dos dramas de TV ao vivo.
Eu acho “Operação França 2” tão bom quanto o primeiro. Mas em geral gosto mais dos filmes de Friedkin.
TB acho os dois filmes muito bons.
Legal ele mesmo contar suas escrotices. Jamais seria aceito no “Procure Saber”. Onde já se viu revelar que, apesar de grande artista, é humano e com defeitos como todo mundo…
Hurricane Billy… um apelido desses já dá a ficha do sujeito… o livro está comprado e na fila de leitura, é só o final de semana começar que eu mergulho nele.
Pelo livro “Easy Riders, Raging Bulls” de Peter Biskind da para ter uma boa idéia das maluquices de Friedkin. Imagine um livro inteiro. Tá na lista. Como já te falei “Werzog on Werzog” tb é sensacional. Mas esta semana quero comprar esse sobre Corman (já leu? Tenho a impressão que vc já indicou algum sobre o Corman mas não sei se é esse): http://www.rakuten.com/prod/crab-monsters-teenage-cavemen-and-candy-stripe-nurses/240454158.html?listingId=302705964&s_kwcid=
Caramba, não sabia desse livro sobre o Corman. Tenho a autobiografia dele, “How I Made a Hundred Films in Hollywood and Never Lost a Dime”. Vou comprar esse novo imediatamente.
André sou fã do William Friedkin,meu filme preferido dele é Viver e morrer em Los Angeles ! O problema é que não falo Ingles,o livro foi traduzido ?
Cara, saiu há pouco no exterior, não sei se tem edição nacional.
Muito lamentável a morte de Jorge Dória. Belo ator em todos os gêneros mas com timing incrível para comédia.
Vendo a morte de mestres como Chico Anysio e José Vasconcelos e a idade avançada de Lucio Mauro e Agildo Ribeiro tenho a impressão de que a comédia e o humor brasileiros estão ficando cada vez menos engraçados.
Cara.. E aí, como ela está lidando com a perda da cachorrinha? Foi tudo bem?
Por enquanto sim, até porque ela visita a cachorrinha de vez em quando na casa da pessoa que ficou com ela. Abraço.
William Friedkin é muito bom, quando achei em DVD a edição especial de Operação França não hesitei em comprar.
Barça, uma das cenas clássicas envolvendo um tabefe do Friedkin é aquela do Exorcista em que o padre Dyer dá extrema unção no padre Karras logo depois dele se jogar pela janela do quarto. Quando a gente vê o William O’Malley tremendo, é de raiva pela bofetada que tinha acabado de levar! Demais!
Exato. Ele contou a história.
E no livro o Friedkin leva alguma porrada? Senão fica parecendo o poema do Fernando Pessoa.
Toma sim, várias.
“O Exorcista” merecia um livro só dele, se é que já não tem. Contando tudo sobre a produção e, depois, a recepção do público. Esse filme aterrorizou muita gente durante muitos anos. Ainda hoje, não deixa de ser um bom filme de terror.
olha, tem uma edição especial, acho que dos 25 anos do “Exorcista”, em que são contados alguns detalhes interessantes da produção, inclusive a atriz que faz a mãe da endemoninhada conta, se não me engano, uns entreveros com o diretor, que ficou com raiva dele, algo nessa linha. o problema é que NUNCA encontrei essa edição especial pra comprar. esteve nas locadoras na época, mas que eu saiba nunca foi posta à venda….
Barça, já leu Bardot, Deneuve, Fonda, as Memórias de Roger Vadim? Tem muito tempo que li e o livro é cheia destas histórias surpreendentes. Uma passagem interessante é quando ele encontra o Jack Nicholson delirando na beira da praia.
Claro que li, esse é clássico demais.
Roger Vadim entendia muito mais de mulheres do que de cinema, a julgar por aquelas com quem casou…
…e pelos filmes que fez.
Falando nisso, voltou a comer coxinha?
Valeu, Barça. Friedkin virou meu diretor favorito depois de Operação França que, por sua vez, ouvi vc indicando no Garagem há uns 10 anos mais ou menos. Seus post só aumentam minha lista de livros e filmes pra buscar. Grande Abraço!!!
André, já que você o mencionou no texto, existe alguma biografia do Al Pacino em português?
Não conheço, Emerson, desculpe.
William Friedkin é ídolo. As maluquices dele no set de O Exorcista renderam um capítulo no sensacional – e obrigatório – Como a Geração do Sexo, Drogas e Rock’N’Roll Salvou Hollywood. Ele dava tiros de espingarda no set para apavorar o elenco, detonou com a coluna da Ellen Burstyn, e esbofeteou a cara do padre William O’Malley (o padre Dyer), para que ele tivesse a reação que o diretor precisava em uma determinada cena. Sobre essa treta com o Lalo Schifrin, palavras do Friedkin, sobre a música: “parece música mexicana com marimbas. E eu odeio a porra da mexicana!”. Depois, ele pegou a fita onde a música estava gravada, jogou pela janela do estúdio (o objeto caiu em uma sarjeta do outro lado da rua) e gritou: “é aí que a música mexicana com marimbas tem de ficar!”. E segundo o livro, o chefão da Paramount, naquela época, quase teve um ‘ataque de caganeira’ quando viu a scanagem que o Friedkin fez com uma foto dele em Sorcerer. Apesar do aparente descontrole, tudo isso era calculado para ele conseguir o que queria.
Esse livro existe em português?
Acho que ainda não.
ta no treco de ler coisas tb conhecido como tablet. ja sei o que vou começar qdo matar o vol 2 do getulio ( que é um puta livro)
Resta saber se estas histórias são verdadeiras.
Barcinski, qual o nome do livro?
Ué, tá no texto: “The Friedkin Connection”.
Juro que reli o texto mais 2x, mas não achava. Lendo depressa, eu lia como “The French Connection”. Obrigado pela resposta, abs!
Todo artista de peso tem uma pitada de loucura, mas acho que pra ser cineasta essa pitada tem que ser uma mão cheia de loucura-rs. Alias, Barcinski, na sua opinião, do que você já leu, qual seria o cineasta mais perto de ter que usar uma camisa-de-força na história do cinema ? -rs
Ed Wood, Mojica ou Jodorowsky.
Pode colocar o Werner Herzog aí no meio também…completamente pirado
Como posso ter esquecido do cineasta que comeu um sapato?
hahaha foi uma das minhas experiências mais surreais em termos de assistir produções audiovisuais…
mas pelo menos podemos admitir que o Herzog cumpre a sua palavra
Barça, não sei se já viu, mas tem um vídeo em que o Herzog está dando uma entrevista no alto de um prédio e de repente toma um tiro (sim, um tiro). Em vez de se desesperar, ele faz questão de continuar a entrevista e diz que não foi nada (meio constrangido, até). Isso é que é ter bolas.
Já vi sim, postaram até aqui no blog.
Lerei. Sem mais. Barça…aproveitando…saiu o teaser trailer de The Raid 2 – Berandal…sequência de um dos melhores filmes de ação de todos os tempos (né?) . Um filme q tem uma personagem chamada “Hammer Girl” não tem como errar http://www.empireonline.com/news/story.asp?NID=39295