Como já havia antecipado aqui, acompanhei o Lollapalooza da “Pista Premium” aqui de casa, mais conhecida por “sofá”. Desisti de festival grande há uns quatro ou cinco anos, e o prego no caixão foi aquele show do Radiohead no estábulo.
Tenho de dizer que o Sofapalooza foi muito bom: as atrações eram muito melhores que as do ano passado, e me diverti pacas.
Quer dizer, me diverti até a noite de domingo, quando o Multishow anunciou que o Pearl Jam não havia autorizado a transmissão de seu show.
Sinceramente, essa história está muito mal explicada. Acho que banda e emissora deveriam se pronunciar oficialmente sobre o assunto.
O Multishow passou semanas divulgando que transmitiria o show do Pearl Jam. Ora, se havia risco de a banda não aceitar, isso deveria ter sido avisado antecipadamente.
Imagine a situação de um fã do Pearl Jam que não tem os 300 ou 400 reais para ir ao Lollapalooza e que confiou na publicidade do Multishow?
Bem que Eddie Vedder, sempre tão rebelde e iconoclasta, poderia pensar um pouco mais nos fãs. Afinal, o ingresso era caríssimo, a banda certamente ganhou uma fortuna para tocar, e muita gente gostaria de ver o show pela TV. Achei uma falta de consideração do grupo com seus fãs.
Essa presepada pegou muito mal, especialmente para uma banda que diz prezar sua independência e que chegou a acusar a Ticketmaster, gigante do ramo de venda de ingressos para shows nos Estados Unidos, de inflacionar preços de ingressos. Muito feio. No mínimo, a banda deveria ter divulgado sua versão dos fatos.
O que funcionou:
Queens of the Stone Age – Tinha visto 45 minutos do show, que estava sensacional (curti ver o novo baterista, Jon Theodore, ex-Mars Volta e Royal Trux), quando a Ampla, nossa valorosa prestadora de serviços de iluminação, conhecida aqui na região pelo carinhoso apelido de “Trevas”, desligou a luz do bairro todo durante os últimos 30 minutos do show da banda. Detalhe: estávamos com luz em meia-fase desde 8 da manhã, e o SAC da Ampla havia prometido uma solução até meio-dia. A luz só voltou às 8 da noite, quando o Perfect Circle assassinava “Imagine”, de John Lennon. Verei o QOTSA inteiro na reprise.
Flaming Lips – Todo festival que se preza deve misturar bandas “de festival”- aquelas que tocam hits, que fazem de tudo para agradar ao público e levantar a galera – e artistas mais ousados e experimentais, que não têm medo de arriscar e de mostrar músicas desconhecidas.
O Flaming Lips havia tocado no Brasil em 2005, e aquele show agradou por dois motivos: porque a banda fez covers de Black Sabbath e Queen e porque Wayne Coyne entrou numa bolha de plástico e se jogou na galera. Mas a verdade é que a banda é pouco conhecida no Brasil.
Assim, quando uma banda que não tem hits resolve tocar músicas lentas e “estranhas” de um disco que ainda não saiu, acho óbvio que o resultado não seria dos mais agradáveis para a maior parte do público.
Foi o show “ame ou odeie” do festival. Quem conhece e gosta da banda estava louco para ouvir as músicas novas. Achei todas lindas e não posso esperar pelo disco. Mas acho que o grupo poderia ter sido escalado num palco menor, talvez simultaneamente a alguma grande atração mais pop. Ajudaria muito.
Lembrando que a banda, há pelo menos quatro anos, entrou numa fase de experimentações sonoras bem mais melancólicas e lentas do que os hinos alegres e festivos da época dos discos “Soft Bulletin” e “At War With the Mystics”. Quem fica parado é poste.
Tomahawk – Muita gente talentosa junta: Mike Patton, o baterista John Stainer (Helmet, Battles), o guitarrista Duane Denison (Jesus Lizard) e o baixista Trevor Dunn (Mr. Bungle, Melvins Lite). Barulheira sensacional. Mais um ótimo projeto de Patton, o Robin Hood do som alternativo, que rouba dinheiro dos grandes festivais com o Faith no More e usa a grana para alavancar sua gravadora, a Ipecac, e seus vários projetos paralelos. Grande sujeito.
Black Keys – O show foi bom, o público adorou, mas eu realmente não consigo entender tanta devoção ao Black Keys. Acho uma banda competente de blues/rock, mas sem nenhum atrativo especial. O White Stripes fez o mesmo, antes e melhor. Mas é fato que o Dan Auerbach tem ótimas influências, e só por ter produzido o último discaço do Dr. John, merece respeito demais.
Alabama Shakes – Tenho um certo preconceito com cantoras que parecem estar morrendo quando cantam. Nunca consegui gostar de Janis Joplin ou de nenhuma de suas imitadoras. Mas não dá para negar que a tal da Britanny Howard tem uma voz privilegiada. A banda faz um country rock de bar, divertido e totalmente genérico. Mas o show foi muito bom e o público adorou.
Kaiser Chiefs e The Hives – Duas bandas cheias de hits, que fazem rock adolescente com muita energia e que fizeram shows empolgantes. Não vão mudar o mundo, mas sabem disso.
Planet Hemp – Confesso que não é a minha praia, mas são excelentes no que fazem e que mostraram um ótimo show. Muito legal ver uma banda brasileira no topo da programação de um festival e que o público respondeu tão bem.
O que não funcionou
The Killers – Não dá. O Killers joga no time de Snow Patrol e Coldplay, todos filhotes do U2. É pop de arena ultraproduzido. Bem feito e tal, mas tão limpinho e politicamente correto que dá vontade de subir no palco e despentear o gel na cabeça do tal Brandon Flowers.
Two Door Cinema Club – Todo festival tem seu representante indie-hipster-dance: bandas com o groove de uma orquestra de gaita de foles. Duvido que alguém consiga diferenciar TDCC de Friendly Fires, Bombay Biclycle Club, We Are Scientists, ou de qualquer outras dessas bandas de branquelos universitários que sonham em ser o Chic.
Deadmau5 – Se eu tivesse 17 anos e estivesse cercado de meninas pulando enlouquecidamente, teria adorado o Deadmau5. Mas ver show de música eletrônica pela TV, tirando espetáculos audiovisuais como Chemical Brothers e Daft Punk, é muito chato.
Som da transmissão da TV – Que mixagem ruim, não? Acho que o pior show foi do Killers, em que só se ouvia a voz do Brandon Flowers.
Jornalismo do Multishow – Impressionante como a produção consegue ferrar a vida dos repórteres. Por que deixar Didi Wagner, que conhece as bandas e tem experiência de entrevistá-las, jogada no fundo do palco, onde a maioria dos grupos se recusa a dar entrevistas antes do show? Por que não gravar entrevistas com os grupos antes e exibir trechos do papo? Ou fazer pequenos clipes sobre a história dos grupos? Foi triste ver a Didi se limitando a mostrar por onde Brandon Flowers iria passar.
Os comentaristas, Guilherme Guedes e Rodrigo Pinto, não parecem ter se preparado muito bem para o evento. Pinto disse que o Queens of the Stone Age não tocava no Brasil desde o Rock in Rio, em 2001 (o grupo tocou em 2010) e cometeu a heresia de dizer que “Jimmy Page e Eric Clapton devem ter ‘inveja branca’ de Dan Auerbach (do Black Keys)”. Tenho certeza que o próprio Auerbach ficaria envergonhado se ouvisse.