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André Barcinski

Uma Confraria de Tolos

Perfil André Barcinski é crítico da Folha.

Perfil completo

Filme desvenda o mistério de Rodriguez, o astro desaparecido

Por Andre Barcinski
22/01/13 07:05

“Searching for Sugar Man” é um dos documentários musicais mais surpreendentes que vi em muito tempo.

Nessa era da informação imediata, é cada vez mais difícil se surpreender com uma história. Mas a saga de Sixto Rodriguez, pelo menos para mim, foi uma ótima novidade.


Rodriguez foi um cantor folk que surgiu nos anos 60, em Detroit, nos Estados Unidos. Chegou a ser chamado de “o Dylan urbano” por suas letras inspiradas, que falavam de pessoas e situações das ruas.

Rodriguez gravou alguns discos que não venderam nada. Nada mesmo. O dono da gravadora diz que um deles vendeu um total de seis cópias. Tão rápido quanto surgiu, Rodriguez desapareceu.

Quase 20 anos depois, um disco de Rodriguez chegou a uma rádio da África do Sul. A emissora começou a tocar algumas músicas, que viraram enorme sucesso no país, que então sofria com o regime racista do “Apartheid”.

Canções de Rodriguez viraram hinos dos sul-africanos que lutavam contra o “Apartheid”. Bandas tocavam suas músicas. Rodriguez, sem saber, virou um astro no país.

Dois sul-africanos, fãs do cantor, começam a pesquisar sobre ele. Mas esbarram na falta de informações.

Os boatos são muitos: Rodriguez teria sido um radical, que foi preso e morreu na cadeia; Rodriguez teria cometido suicídio no palco, botando fogo no próprio corpo; Rodriguez se matou com tiro na cabeça.

O filme vira uma investigação jornalística: dois fãs em busca de informações sobre seu ídolo.

Atenção: se você não quer saber como a história termina, pare de ler aqui.

Depois de anos de pistas falsas e caminhos tortuosos, os dois acham Rodriguez, ainda morando em sua casa num bairro pobre de Detroit.

Não vou contar mais para não entregar os detalhes, mas é difícil não se emocionar com a surpresa de Rodriguez ao descobrir que é ídolo num país longínquo.

“Searching for Sugar Man” foi indicado ao Oscar de melhor documentário. Tomara que lancem o filme no Brasil, junto com a trilha sonora. Porque a música de Rodriguez, assim como sua história, também é surpreendente.

P.S.: O Canal Brasil começa hoje, à 0h15 (de terça para quarta), uma retrospectiva com dez filmes de José Mojica Marins, o Zé do Caixão.  Toda terça será exibido um filme, em ordem cronológica. E o filme de estreia é “À Meia-Noite Levarei Sua Alma” (1963/64), primeira aparição de Zé do Caixão no cinema.

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Wilko Johnson vai morrer e convida para a festa

Por Andre Barcinski
20/01/13 19:51

Se eu tiver chance de ir, não perco: dia 4 de março, em Londres, Wilko Johnson, líder do grupo Dr. Feelgood, fará o primeiro de quatro shows de despedida.

E “despedida”, aqui, não é figura de linguagem: Johnson, 65, foi diagnosticado com câncer terminal.

 


 

O guitarrista, que em 2004 perdeu para o câncer a esposa, Irene, com quem estava junto desde a adolescência, decidiu que não fará tratamento e que se despedirá dos fãs com quatro shows no Reino Unido. Difícil imaginar a emoção que será.

Em 2011, fiz um texto sobre “Oil City Confidential”, excelente documentário de Julian Temple sobre o Dr. Feelgood (leia aqui).

Wilko Johnson não poderia escolher um lugar melhor para se despedir do que o palco. É o lugar onde ele se sente mais à vontade.

Nunca vi o Dr. Feelgood ao vivo, mas já vi Wilko com sua banda solo, e é impressionante. Impossível vê-lo tocando e não pensar na influência que teve em Andy Gill (Gang of Four), The Edge (U2) e em tantos outros guitarristas.

Recentemente, Wilko fez um papel na série “Game of Thrones”, da HBO, que nunca vi.

O Dr. Feelgood é uma banda que merece ser reavaliada. Depois da explosão do punk, foi meio que jogada de escanteio na vala do “pub rock”, como uma velharia qualquer, mas seu blues acelerado influenciou o punk e ainda é uma pedrada.

Isso periga acontecer depois da despedida de Wilko Johnson, que certamente atrairá a atenção de toda a mídia.

Não lembro outro artista que tenha agendado a despedida do palco por causa de sua morte iminente. David Bowie fez isso com “Ziggy Stardust”, mas era um personagem. Wilko Johnson, não: esse vai morrer de verdade pelo rock’n’roll.

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Tarantino erra o alvo em “Django Livre”

Por Andre Barcinski
18/01/13 07:05

Goste ou não de Tarantino – e eu gosto de alguns (“Cães de Aluguel”, “Pulp Fiction”, “Bastardos Inglórios”) e nem tanto de outros (“Kill Bill”, “Prova de Morte”) – uma coisa é preciso admitir: o cara sabe escrever diálogos.

Ou melhor, sabia: porque os diálogos de “Django Livre” parecem ter sido escritos por algum aluno de cinema, imitando Tarantino. São ruins de doer.


E a história? Duas horas e quarenta e cinco para contar uma trama chinfrim de revanche? Com o mesmo tempo, Kurosawa contaria a saga de 37 gerações de samurais.

Mas o que mais me incomodou não foi tanto a ruindade do roteiro ou a história arrastada, mas a opção de Tarantino em fazer um filme tão fiel aos princípios do “faroeste spaghetti”, que copiou até os defeitos do gênero.

Todo mundo sabe que Tarantino é um plagiador talentoso, à Brian de Palma: faz filmes sobre outros filmes.

Mas uma coisa é assistir a um faroeste italiano dos anos 60, dublado mal e porcamente em inglês, com locações na Sicília imitando o Arizona, vilões mais canastrões que o Sargento Pincel (há exceções, claro) e diálogos pomposos e ridículos. Isso é divertido e faz parte do charme do gênero.

Outra coisa é ver uma produção de quase cem milhões de dólares fingindo ser um filme vagabundo, mimetizando diálogos ruins, com cenas de tiroteio propositalmente exageradas (um dos tiros arremessa uma mulher para fora do quadro, parecendo a Linda Blair em “O Exorcista”) e bandidos absurdamente caricatos. Mel Brooks fez isso melhor em “Banzé no Oeste”.

Faroestes são simples: homem é injustiçado, homem jura vingança, homem se vinga. Não é preciso arrastar uma história por quase três horas só porque Sergio Leone ou Sam Peckinpah fizeram isso antes.

Em alguns momentos de “Django Livre”, os diálogos eram tão ruins, que achei que Tarantino estava pregando uma peça na gente. E quando ele próprio aparece, “atuando” com a desenvoltura do Cigano Igor, tive a certeza de que aquilo era uma piada. Mas uma piada sem graça ou leveza.

E a cena da explosão? Alguém mais achou que Jamie Foxx, depois de explodir uma casa e mandar bandidos pelos ares, vira para a câmera e dá um sorriso safado igual ao do Pica-Pau?

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Não veja esse filme antes do jantar...

Por Andre Barcinski
17/01/13 07:05

…ou seu jantar certamente será uma decepção.

Falo de “Jiro Dreams of Sushi”, um documentário de 2011 sobre a vida de Jiro Ono, 86 anos, considerado por muitos o maior sushiman do Japão (leia aqui minha coluna sobre o filme no caderno “Comida”, da “Folha de S. Paulo”).

 


 

O diretor, David Gelb, disse que sua idéia inicial era fazer um filme sobre os grandes mestres do sushi em todo o mundo. Mas, assim que entrevistou Jiro pela primeira vez, decidiu focar o filme nele.

Mais que um filme sobre a arte de fazer sushi, o documentário de Gelb é sobre a busca pela perfeição.

Há mais de 70 anos, Jiro Ono só pensa em sushi. Pensa tanto que até sonha com ele.

É fascinante acompanhar o trabalho insano de preparação dos alimentos e a escolha de ingredientes.

O filho mais velho de Jiro, Yoshikazu, é o responsável por ir diariamente ao mercado de Tsukiji, em Tóquio, comprar os peixes que serão servidos.

O restaurante de Jiro, o Sukiyabashi Jiro, tem apenas dez lugares e fica escondido numa estação de metrô em Tóquio.

Dei uma fuçada na Internet para ver o quão difícil é conseguir uma reserva. Os sites que encontrei dizem que é uma tarefa quase impossível, se você não conhece alguém para lhe indicar. Mesmo se conhecer, pode levar meses.

Uma refeição de Jiro custa em torno de 400 dólares, sem bebida, e dura menos de 20 minutos. Consiste em 20 peças de sushi, que são servidas uma a uma e devem ser consumidas no ato. Não há pratos quentes.

No filme, Jiro conta que faz cada peça de sushi de acordo com o tamanho de cada cliente. E, pela cara de alegria deles, o jantar parece ter valido cada centavo.

O leitor Ricardo Vieira escreveu para a “Folha” dizendo que o filme é exibido de vez em quando pelo canal Max, com o nome “O Sushi dos Sonhos de Jiro”. Se tiver chance, não perca.

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Ty Segall: MC5 para a geração Instagram

Por Andre Barcinski
16/01/13 07:05

O dia de Ty Segall deve ter 72 horas, não é possível.

O sujeito tem 25 anos, começou a gravar em 2005 e já lançou uns 40 discos. Só em 2012 foram três LPs, com vários projetos diferentes.


Segall toca em pelo menos sete grupos e acaba de criar mais uma banda, Fuzz, pela qual lançou um compacto com duas músicas muito boas. Ele lança discos com mais rapidez do que eu consigo ouvi-los.

Não sou maluco e nem tenho tempo para falar de tudo que ele gravou. Deixo isso para quem tem 20 anos e mais tempo livre. Mas posso dizer o seguinte: tudo que ouvi de Ty Segall é muito bom.

A praia dele é o rock de garagem sessentista, o pré-punk de Sonics, MC5, Stooges, 13th Floor Elevators e seus discípulos, como Mudhoney, Dinosaur Jr. e Scientists. Mas Segall não parece ser um daqueles obsessivos que acha que qualquer coisa gravada depois de 1974 não presta.

Ele também tem um pé no lado mais podre do rock. A prova é que colaborou num disco de tributo a G.G. Allin.

Torço para que Ty Segall diminua o ritmo. Não é possível gravar tanto sem comprometer a qualidade. Tomara que ele não vire um Guided By Voices, banda que eu desisti de acompanhar por falta de estamina (minha, claro, não da banda).

Vendo os vídeos de Ty Segall no Youtube, percebi três coisas: a primeira é que o sujeito faz ótimos shows. A segunda é que boa parte de seu público é de moleques de 15, 16 anos. Fantástico. A terceira é que  é impossível não se sentir um decrépito: o cara tinha um ano de idade quando o Mudhoney lançou o primeiro disco. E você sabe que está ficando velho quando as bandas de que gostava já viraram “old school”…


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Phil Spector: como fazer um clássico do pop

Por Andre Barcinski
15/01/13 07:05

Dia desses, meu blog favorito, o “Dangerou Minds”, desenterrou uma versão arrepiante do clássico pop “Baby, I Love You”, gravado em 1963 pelo grupo vocal The Ronettes e produzido por Phil Spector. Ouça. Se você não se emocionar, é porque está morto e não sabe.

 


 

Dei uma fuçada na Internet e achei outra versão sensacional de “Baby, I Love You”: uma raríssima gravação só da parte instrumental, tirada das fitas brutas de Phil Spector. A gravação está na caixa de 4CDs chamada “Phil Spector Sessions”. Dá para ouvir Spector orientando os músicos. De arrepiar.

 


 

E aqui está a versão final: uma obra-prima do pop, composta por Jeff Barry, Ellie Greenwich e Phil Spector. Uma das gravações mais famosas de Spector.

 


 

As Ronettes eram as irmãs Veronica Bennett (depois Ronnie Spector) e Estelle, e a prima delas, Nedra Talley. Das três, apenas Ronnie gravou “Baby, I Love You”. Estelle e Nedra estavam em turnê e, para o lugar delas, Phil Spector chamou Cher e Darlene Love.

Spector é um dos mais cultuados e revolucionários produtores da música pop. Foi o inventor da “Parede de Som” (“Wall of Sound”), uma técnica de superposição de instrumentos que usava uma câmera de eco para obter um som mais “denso”.

Uma típica sessão de Spector tinha um baterista, dois baixistas, quatro tecladistas, quatro guitarristas, quatro flautas, dois trompetes, dois trombones e inúmeros músicos fazendo percussão.

Para obter a “Parede de Som”, Spector captava o som da banda no estúdio com microfones  e o transmitia para caixas de som dentro de uma câmara de eco, um quarto que ficava no porão do estúdio. Na câmara, o som ecoava nas paredes, era captado por outros microfones e mandado de volta ao estúdio, onde finalmente era gravado.

O resultado final era um som rico, denso e cheio de mistério, que soava bem tanto em rádios AM quanto em “jukeboxes”, aqueles aparelhos populares nos anos 60 em que você botava uma moeda e ouvia um disco.

Spector era obsessivo: usava quase sempre o mesmo estúdio – o Gold Star, em Los Angeles – e os mesmos instrumentistas, um grupo de músicos de estúdio chamado “The Wrecking Crew”, que incluía, entre outros, a baixista Carol Kaye, os pianistas Leon Russell e Mac Rebenack (que depois se consagraria com o nome de Dr. John) e o baterista Hal Blaine.

Blaine é considerado o músico que tocou no maior número de discos de sucesso em todos os tempos. Numa carreira de mais de 50 anos, gravou mais de 35 mil músicas, incluindo clássicos de Elvis, Beach Boys, Simon & Garfunkel, The Carpenters, The Byrds, Franks Sinatra e muitos outros.

E Spector?

O “Wagner” da música pop, como ele gostava de ser chamado, cumpre prisão perpétua numa prisão na Califórnia, depois de ser condenado pelo assassinato, a tiros, da atriz Lana Clarkson, em 2003

P.S.: Aumente o volume e ouça com muita atenção a faixa só com os vocais de “Baby, I Love You”, a primeira que incluí nesse texto. Você ouvirá, bem baixinho, a parte instrumental da música. Será que algum produtor ou técnico de som pode responder como isso acabou gravado na faixa? Será o som que vazou para os microfones das cantoras? Não achei a resposta…

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Não acabem com a Javari!

Por Andre Barcinski
14/01/13 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

Morei muito tempo em São Paulo, adoro a cidade, e me sinto à vontade para falar: alguns dos prédios mais feios do planeta ficam lá. Se o mundo fosse justo, boa parte daqueles espigões de metal e vidro seriam demolidos. Morei ao lado de um conhecido prédio roxo em Pinheiros, e ainda tenho pesadelos com os reflexos apavorantes que o monstrengo espalhava pelo bairro.

Mas nada poderia me preparar para o Hotel Juventus. Especialmente porque, como alerta o leitor Valdir Canado, o prédio faz parte de um “complexo” que tomaria o lugar do Palácio Grená, o salão de festas do Juventus, tradicional e amado clube da Moóca.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O projeto inclui também a transformação do Estádio Conde Rodolfo Crespi,  construído em 1925 e popularmente conhecido por Rua Javari, em “Arena Juventus” (clique aqui para ver o projeto da nova Arena).

Para quem não é de São Paulo, vale explicar que a Rua Javari é um tempo do futebol “de antigamente”: a torcida do Juventus fica colada ao campo, tão perto do goleiro adversário que já virou tradição ficar ali só para atormentar o coitado.

Não sou freqüentador da Javari. Fui algumas vezes ver jogos do Juventus, e foram algumas das experiências mais divertidas que já tive num estádio de futebol. Nada de camarotes com wi-fi ou lojas de conveniência, o negócio ali é sentar no cimentão e comer cannoli, o tradicional doce italiano.

Sei que o progresso é inescapável, e que aquele terreno do Juventus deve valer uma fortuna. Mas torço muito para que deixem a Rua Javari como está. Ou melhor: poderiam melhorar o estádio, mas sem acabar com ele.

Alguém precisa dar o exemplo de que nem tudo na cidade está à venda. Existem tradições locais e décadas de história que não podem sumir só porque é um “bom negócio”. Bons negócios existem aos montes por aí. A Rua Javari, só tem uma.

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Paz, amor e processos: o fim dos Beatles

Por Andre Barcinski
11/01/13 07:05

O jornalista inglês Peter Doggett escreveu o livro definitivo sobre o longo e doloroso processo de separação dos Beatles: “A Batalha Pela Alma dos Beatles”, que acaba de sair no Brasil pela Editora Nossa Cultura.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Doggett trabalhou na revista “Record Collector” e lançou diversos livros, como “Are You Ready for the Country”, sobre a fusão da música country com o rock, e o sensacional “The Man Who Sold the World – David Bowie in the 70s”, análise de todas as músicas que David gravou nos anos 70. O livro sobre Bowie foi meu lançamento favorito de 2012.

Fiz, para a “Folha”, uma entrevista com Dogget sobre o livro dos Beatles (leia aqui). Como o papo não coube todo no jornal, resolvi publicar a íntegra aqui. Aproveite.

 

Em seu site, você diz que é fã dos Beatles desde 1970, o ano em que eles se separaram. Que lembranças vocês tem da separação?

Posso honestamente dizer que a separação dos Beatles não teve nenhum impacto em mim na época. A notícia só foi manchete por um dia, e você precisa lembrar que a idéia de uma reunião deles rolou durante muito tempo, nos anos 70, então eu achava que era só uma questão de tempo até eles voltarem.

 

Quanto tempo você levou pesquisando e fazendo entrevistas para o livro?

Não foi o processo normal de escrever um livro, em que você começa do zero e estabelece um prazo de um ou dois anos para escrever o livro. Eu já tinha a idéia há algum tempo, e tinha uma grande caixa em que guardei, por muitos anos, muitos artigos e documentos. Por um bom tempo eu não me senti preparado para escrever o livro. Quando senti que estava pronto, já tinha entrevistado muitas das pessoas relevantes da história nos 20 anos anteriores e juntado material desde 1970, primeiro como fã, depois como jornalista. Eu tinha tanto material que o processo de escrever e fazer as entrevistas que restavam durou apenas um ano.

 

De todas as entrevistas que você fez para o livro, qual foi a mais surpreendente e reveladora?

Entrevistar Derek Taylor (1932-1997), o assessor de imprensa dos Beatles, foi uma grande revelação. Falei com ele pela primeira vez em 1988. Ele foi incrivelmente honesto sobre as qualidades e fraquezas dos Beatles como seres humanos e sobre os problemas que tiveram com a Apple. Foi muito interessante falar com Yoko Ono, claro. Mas duas das últimas entrevistas que fiz para o livro foram fascinantes: Louise, irmã de George Harrison, não só explicou em detalhes como George recebeu a notícia da morte de John, como foi muito franca sobre o que ocorreu com os bens de George desde sua morte. Infelizmente, muito do que ela disse não pôde ser publicado por razões legais. E finalmente teve Al Stecker, braço direito de Allen Klein em Nova York durante os anos em que Klein empresariou John, George e Ringo. Stecker explicou, pela primeira vez, por que os três largaram Klein. Não foi, como se supunha no passado, porque os três não confiavam em Klein, mas porque eles queriam voltar a tocar com Paul em 1973, mas sabiam que isso não aconteceria enquanto Klein estivesse envolvido.

 

Você soube de alguma reação de McCartney ou Ringo sobre o livro?

Não, mas não esperava que eles reagissem. Suponho que eles não devem ter gostado do livro. Mesmo que eu tenha tentado ser justo e imparcial ao relatar suas disputas e problemas, eu ainda estava revelando aspectos dolorosos do passado, e tenho certeza que eles não queriam voltar a pensar nisso. Uma coisa interessante, no entanto, foi que pouco antes de o livro ser publicado na Inglaterra, o escritório de Paul McCartney recebeu uma cópia. Sem razão aparente, McCartney deu uma série de entrevistas para grandes publicações, enfatizando como ele e Lennon estavam próximos antes da morte de Lennon, em 1980, embora, como informo no livro, ele e Lennon nunca mais se viram depois de 1976. Talvez tenha sido uma coincidência, mas acredito que Paul tenha lido meu livro, percebido o quadro triste que o texto passava sobre o relacionamento dele com Lennon depois de 1968, e tentado dar a sua versão, mais alegre, antes que as pessoas pudessem ler a minha.

 

A separação dos Beatles parece ser um dos momentos decisivos do colapso do sonho dos anos 60, junto com as mortes de Brian Jones, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Jim Morrison, o fiasco em Altamont (quando um show dos Stones terminou em violência e morte) e os assassinatos cometidos pela gangue de Charles Manson. Que impacto teve a separação dos Beatles na cena musical da época?

Acho que o impacto da separação dos Beatles tem se tornado mais importante à medida que os anos 70 vão ficando para trás. Havia um sentimento real, em revistas de rock como “Rolling Stone”, que algo havia mudado na cultura, que o idealismo dos anos 60 havia sido ferido ou morto. No entanto, havia tanta coisa sendo escrita sobre uma possível volta dos Beatles, que existia uma grande esperança de que eles voltariam. Então, na época, o desastre em Altamont, os crimes de Manson e as mortes que você citou tiveram um impacto cultural mais forte. Foi só depois que as pessoas começaram a perceber que a separação dos Beatles foi o símbolo perfeito de uma cultura em ruínas.

 

O aspecto mais surpreendente do livro, para mim, foi descobrir como a banda era ingênua na condução de seus negócios. Isso também te surpreendeu?

Acho que eu já sabia que eles não eram bons negociantes. ELES sabiam que não eram bons negociantes. Fiquei triste por eles. Eles cresceram confiando nas pessoas que estavam próximas. Depois de 1969, no entanto, se viram sem ninguém em quem pudessem confiar. Foi fascinante pesquisar montanhas de documentos e descobrir quantas empresas surgiram da fama e riqueza dos Beatles. Tudo que eles queriam era fazer música e viver com certo grau de conforto, mas acabaram responsáveis por centenas de corporações em todo o mundo e milhares de advogados. O que mais me impressionou foi que eles continuaram a fazer música nos anos 70, mesmo tendo reuniões diárias com advogados e quando todo mundo estava querendo processá-los e eles estavam processando uns aos outros.

 

Os Beatles começaram muito novos e ingênuos, sonhando em mudar o mundo, mas não conseguiram suportar a dura realidade da vida corporativa. Você acha que a trajetória deles, de certo modo, espelha o que foi a década de 60, quando a juventude caiu na real?

A resposta simples é “sim”. Os Beatles descobriram algumas grandes verdades: você não pode se envolver em negócios sem se tornar um negociante; você não pode entrar no mercado sem se tornar um capitalista; você não pode supor que, só porque você tem ideais fortes, o resto do mundo vai dividi-los com você. Eles receberam uma lição dolorosa, que foi divida por toda a geração deles.

 

Alguma chance de seus outros livros saírem no Brasil? Você está trabalhando em um novo livro?

Estou no meio de um livro que conta a história da música pop nos últimos cem anos, tentando explicar como a música afetou tudo, da maneira como andamos na rua à forma como fazemos compras e nos vestimos. Só termino esse livro em 2014. Espero que saia no Brasil, já que vai refletir a incrível influência que a música brasileira teve na cultura musical do mundo desde os anos 30. Alguns anos atrás, escrevi um livro chamado “There’s a Riot Going On”, sobre as ligações entre o rock e as políticas revolucionárias dos anos 60 e 70, e escrevi sobre a Tropicália de Gilberto Gil e Caetano Veloso.

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Intriga e traição no quintal de Hitler

Por Andre Barcinski
10/01/13 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O livro saiu no Brasil em março de 2012 e não sei por que demorei tanto a recomendá-lo aqui: “No Jardim das Feras”, do norte-americano Erik Larson.

Larson conta a história de quatro anos (1933-1937) na vida de William E. Dodd, um professor e historiador norte-americano que, mesmo sem ter experiência diplomática, é convidado pelo presidente Roosevelt para ser embaixador dos Estados Unidos em Berlim.

Ainda adolescente, Dodd havia estudado na Alemanha e adorava a cultura germânica. Mas o país que encontrou em 1933 era muito diferente da Alemanha de sua juventude: Hitler era chanceler, com um controle cada vez maior sobre o país, e os ataques sistemáticos contra judeus eram prenúncio de que algo muito sério ocorria por ali.

“No Jardim das Feras” é um livro de não-ficção, mas parece um “thriller de espionagem”, com personagens misteriosos, traições, conspirações e reviravoltas surpreendentes.

A filha de Dodd, Martha, é a grande figura do livro: uma mulher sensual e de espírito livre, que enlouquece uma série de homens na Alemanha, incluindo um espião soviético e até o chefe da Gestapo, a temida polícia secreta nazista.

A narrativa de Larson é objetiva e jornalística. Ele vai traçando, pouco a pouco, o perfil de um país que começava a entrar num processo de loucura coletiva, que culminaria na Segunda Guerra.

É uma história cujo final já conhecemos, mas a forma como Larson conduz a trama, com perfis interessantes dos principais arquitetos do nazismo, como Hitler, Goebbels, Goring, Hess e Rohm , ajuda a entender como a barbárie tomou conta de uma nação.

É surpreendente também perceber como o governo norte-americano demorou a enxergar o real perigo da ascensão de Hitler, apesar dos inúmeros alertas dados por Dodd. Em 1933, seis anos antes de Hilter invadir a Polônia, Dodd já alertava Roosevelt contra a ameaça nazista.

Acontece que Dodd sofria um certo boicote dentro do governo de Roosevelt, por ter criticado a ineficiência e os luxos exagerados das embaixadas do país na Europa. Muita gente no governo pedia sua demissão, e seus relatos eram sistematicamente ignorados. Quando perceberam que Dodd estava certo, já era tarde demais.

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Sangue e caos: na estrada com o Ministry

Por Andre Barcinski
09/01/13 07:05

Em 22 de dezembro do ano passado, o guitarrista Mike Scaccia, do grupo industrial Ministry, participava de um show no Texas quando sofreu um colapso no palco e morreu.

A autópsia revelou que Scaccia, 47 anos, tinha sofrido um ataque cardíaco. Numa coincidência mórbida, a banda com que ele estava tocando se chamava Rigor Mortis.

A morte de Mike Scaccia me inspirou a rever o documentário “Fix – The Ministry Movie”, de Douglas Freel. O filme é um relato íntimo e sem censura da vida do Ministry na estrada. Periga ser o documento mais sombrio e pesado que já vi sobre qualquer banda.


Há muitas cenas de shows, mas a maior parte do filme traz entrevistas com amigos e colaboradores de Jourgensen e imagens da banda no ônibus e em hotéis, onde eles aparecem invariavelmente injetando heroína, cheirando pó ou quebrando alguma coisa. Nada parece armado para as câmeras. O dia a dia do Ministry era esse.

Algumas entrevistas são assustadoras. David Yow, grande vocalista do Jesus Lizard, diz que conheceu Al numa estação de ônibus, onde Yow e seu amigo, Gibby Haynes, do Butthole Surfers, ganhavam uns trocados fazendo boquetes nos banheiros. “Daí surgiu Al, e tomou nosso negócio”, lembra Yow. “Ninguém fazia boquete melhor que ele!”

Dave Navarro, do Jane’s Addiction, conta um episódio que rolou durante o primeiro festival Lollapalooza, em 1991, quando ele, Perry Farrell e Trent Reznor, do Nine Inch Nails, estavam injetando heroína no camarim e Al Jourgensen apareceu para dar um alô. “Al estava completamente insano”, lembra Navarro. “Perry, Trent e eu olhamos uns para os outros e dissemos: ‘Esse cara está fodido!’”

Jello Biafra, ex-Dead Kennedys, falou sobre a amizade de Al com dois papas da contracultura – e das drogas, Timothy Leary e William Burroughs. “Um dia, Leary chegou para mim e disse: ‘Jello, precisamos ajudar Al. Ele é tão talentoso, mas vive sempre tão chapado!’. Lembre-se: quem me disse isso foi o homem que ensinou o mundo a tomar ácido.”

Al Jourgensen não é entrevistado no filme. Quer dizer, ele aparece a toda hora falando mil coisas, enquanto injeta seringas no braço. Mas quase nada do que diz faz sentido. E Mike Scaccia também aparece, sempre com uma colher ou uma seringa na mão.

No palco, o Ministry foi uma das bandas mais poderosas do mundo. Nivek Ogre, vocalista do Skinny Puppy e um homem que não costuma se assustar facilmente, lembra da mitológica turnê do álbum “The Mind is a Terrible thing to Taste” (1989), em que a banda era separada do público por uma grade. Até hoje, ninguém sabe se para proteger a banda ou o público.

Assistir a “Fix” é uma experiência e tanto. O filme é triste e emocionante. Ali está um sujeito, Al Jourgensen, que tem conseguido expor a sua visão do mundo – um lugar sombrio e pavoroso – há mais de 30 anos. No caminho, acumulou inimigos, brigou com gravadoras e virou um farrapo humano. Mas nunca se curvou a ninguém e sempre fez as coisas à sua maneira.

Tive bastante contato com Al no início dos anos 90. Em 1992, ele deveria ter vindo ao Brasil para o lançamento do meu livro “Barulho”. No dia do embarque, não apareceu, deixando Jello Biafra e seu companheiro do Ministry, Paul Barker, esperando no aeroporto.

Paul depois contou que já esperava pelo sumiço de Al. Segundo Paul, Al estava em uma de suas “fases difíceis”, tentando largar a heroína. Al estava usando fraldas geriátricas por causa dos freqüentes “acidentes” que ocorrem devido à abstinência da droga. Teria sido uma experiência e tanto ver Al Jorgensen no Brasil…

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