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André Barcinski

Uma Confraria de Tolos

Perfil André Barcinski é crítico da Folha.

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O Maraca é nosso. Será mesmo?

Por Andre Barcinski
11/12/12 07:05

A cada notícia sobre o “novo” Maracanã, aumenta a angústia de quem conheceu o velho

 

 

 

 

 

 

 

 

Veja aqui a reportagem da TV Globo sobre o primeiro camarote montado do “novo” Maracanã. E responda: você gostaria, realmente, de ver um jogo ali?

Eu não gostaria. E acho que ninguém que goste, de verdade, de futebol, gostaria de ver um jogo dentro de um lugar que parece saguão de hotel.

A cada notícia sobre o “novo” Maracanã, fico mais deprimido. Cresce o medo – agora, quase uma certeza – de que o estádio vai virar um verdadeiro shopping center de mauricinhos.

Apesar de o repórter da Globo dizer, com ares ufanistas, que o “Maraca é nosso”, eu duvido.

Ou você acha que qualquer um vai chegar no dia do jogo e poder entrar nesse camarote? Só rindo. A essa hora, o local já deve estar sendo disputado por políticos, anunciantes, assessorias de imprensa, celebridades e um batalhão de ex-participantes do “BBB”.

Não se trata de negar o conforto. Claro que todo mundo espera um estádio bonito e ótimo para ver futebol.  Mas isso, o Maraca já era. Não precisava de reforma.

O problema é que não parece mais existir, no Brasil, um meio-termo entre o confortável e o suntuoso.  E nossos espaços públicos – sim, o bilhão de reais usados para a obra, que se somam a quase 500 milhões gastos em outras obras no estádio desde 2000 – foram todos pagos por nós – vão se tornando gigantescas áreas VIPs.

Ir ao estádio, no Brasil, está um saco. Não bastasse jogos de uma torcida só e partidas tarde da noite ou sob sol assassino, para agradar à TV, agora chega a moda das áreas exclusivas, entradas particulares e clubes de vantagens.

Alguns chamam a isso de progresso. Eu vejo mais como uma obsessão consumista originada em nosso profundo complexo de inferioridade. Nada dá mais prazer ao brasileiro que ficar do lado “certo” de uma corda de veludo.

Desde quando ser bem tratado é sinônimo de ser VIP? Só aqui, onde não-VIPs se acostumaram a ser maltratados.

Espero queimar a língua. Torço para que o “novo” Maracanã melhore ainda mais a visibilidade e a acústica do antigo. Torço para que mantenham pelo menos uma área semelhante às cadeiras azuis, onde crianças entravam de graça e torcedores rivais se misturavam.

Mas, no fundo, duvido que isso aconteça. Estamos na torcida.

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Onde está a filmoteca do Sr. Kim?

Por Andre Barcinski
10/12/12 07:05

Uma das maiores e mais desejadas coleções de filmes do mundo desapareceu  

 

 

 

 

 

 

 

 

Em 1987, um coreano chamado Yongman Kim fechou a lavanderia da família, localizado numa área barra pesada de Nova York, e abriu uma locadora de filmes.

Dez anos, depois, a Kim’s, como ficou conhecida, era um império, com cinco lojas que vendiam filmes e discos, e a melhor coleção de filmes para locação dos Estados Unidos.

A locadora, Mondo Kim’s, ficava num prédio de cinco andares em Saint Mark’s Place, tinha mais de 55 mil títulos e era especializada em cinema de arte, filmes raros e filmes B, que não eram encontrados em locadoras comuns.

Em qualquer dia, você podia dar de cara com Jim Jarmusch, Todd Solondz ou até mesmo Quentin Tarantino alugando um filminho na Kim’s.

Os atendentes da Kim’s Video eram famosos por seu conhecimento enciclopédico de cinema e sua arrogância. Era o único lugar da cidade – possivelmente do mundo – onde você pedia o filme “Blue” e alguém perguntava se era o do Kieslowski ou o do Derek Jarman.

Uma história famosa sobre a Kim’s Video envolve Tarantino, que foi à loja atrás do raríssimo documentário “From the Journals of Jean Seberg”, de Mark Rappaport, mas não pôde levar a fita porque havia esquecido seu cartão de sócio.

Com a queda no mercado de locações, no início dos anos 2000, a Kim’s fechou quatro de suas cinco lojas. Hoje, só existe uma unidade, na First Avenue, que vende DVDs e CDs.

Em 2009, a Mondo Kim’s fechou. No lugar, abriu um restaurante de tofu.

E os 55 mil filmes, onde foram parar?

Uma reportagem recente do jornal “The Village Voice’ (leia aqui) conta a saga da coleção.

Segundo o jornal, a maior e mais desejada coleção de fitas e DVDs dos Estados Unidos está em Salemi, uma cidade de 11 mil habitantes na Sicília.

Kim teria doado a coleção à cidade depois que o publicitário e fotógrafo italiano Oliviero Toscani, famoso por seus polêmicos anúncios para a Benetton, convenceu o prefeito local a abrigar o acervo.

A idéia era que a prefeitura de Salemi cuidasse da manutenção e organização da coleção e liberasse seu uso gratuitamente a qualquer cinéfilo do mundo.

Mas não foi o que aconteceu: dominada pela Máfia local e por uma burocracia kafkiana muito semelhante à brasileira, a cidade simplesmente escondeu os 55 mil filmes num depósito, onde estão até hoje.

O prefeito e Toscani brigaram, e ninguém sabe qual será o destino desse verdadeiro tesouro.

Leiam a matéria do “Voice”, é sensacional. E mostra bem as armadilhas que podem surgir quando arte e burocracia se misturam.

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Vamos comprar o Ibirapuera?

Por Andre Barcinski
07/12/12 07:05

Parece mentira: o governador Geraldo Alckmin quer vender o Conjunto Esportivo Constâncio Vaz Guimarães, no Parque do Ibirapuera (leia aqui a coluna de Juca Kfouri ).

 

 

 

 

 

 

 

 

Não vou escrever aqui, pela enésima vez, sobre o desapego que nossos governos têm por tudo que é público e valioso às nossas cidades.

Não vou tentar imaginar o dia em que passaremos pelo Ibirapuera para ver mais um shopping, ou mensurar a falta que fará o Conjunto na vida de tanta gente.

Também não vou ficar repetindo a ladainha de que “é mais fácil se desfazer de algo do que tomar conta dele”. Isso todo mundo sabe.

Em vez de choro, proponho ação: que tal fazer um “crowdfunding” para comprar o Ibirapuera?

O preço pedido pelo governador é uma pechincha: R$ 168 milhões por um terreno de 100 mil m2 e quase 90 mil m2 de área construída. Menos de dez vezes o valor de imóveis na região.

Com um milhão de pessoas dando 168 reais, seríamos donos de um complexo desportivo que os próprios vendedores descrevem como “um dos maiores e mais equipados da América Latina” e que “muito orgulha o governo do Estado de São Paulo”. Orgulha tanto que o estão pondo à venda, certo?

Voltando aos negócios: além de manter o complexo esportivo, poderíamos promover shows no Ginásio do Ibirapuera e, assim, fugir dos ingressos proibitivos cobrados por festivais.

Vamos lá, baluartes do “crowdfunding”, quero ver se vocês são bons mesmo…

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“Ensina-me a Viver” celebra o gênio de Ashby

Por Andre Barcinski
06/12/12 07:05

Anote na agenda: sábado, dia 8, às 22h, o Telecine Cult exibe “Ensina-me a Viver” (“Harold and Maude”), que Hal Ashby dirigiu em 1971.

É um dos grandes filmes dos anos 70, obra de um sujeito estranho demais até para os padrões da época.


“Ensina-me a Viver” é uma comédia de humor negro sobre um jovem de tendências suicidas, Harold (Bud Cort) e uma idosa bem humorada, Maude (Ruth Gordon). Os dois têm o hábito de visitar funerais de desconhecidos, e é num enterro que se conhecem e começam uma bizarra amizade. Contar mais da história seria estragar as surpresas, que são muitas.

O filme foi um fracasso absoluto na época. O cinema americano vivia um período de obsessão pelo realismo, com histórias inspiradas pela experiência do país no Vietnã e pelos conflitos sociais e raciais que afetavam o país.

O público não parecia preparado para os tons surrealistas do filme de Ashby e não captou a ironia de seu comentário sobre os abismos geracionais do período.

Filho de uma família de mórmons de Utah, Ashby teve uma infância traumática, marcada pelo suicídio do pai. Sofrendo de depressão e psicoses, conseguiu fugir de casa e foi para a Califórnia, onde se tornou um dos melhores montadores do cinema americano (ganhou até um Oscar em 1967, pelo drama racial “No Calor da Noite”).

Em 1970, Ashby dirigiu seu primeiro filme, o surpreendente “The Landlord” (passa de vez em quando na TV, sempre no meio da madrugada, fique de olho): Beau Bridges interpreta o dono de um prédio que pretende expulsar todos os moradores, na maioria negros, mas que acaba de afeiçoando às pessoas e choca a própria família ao iniciar um romance com duas inquilinas negras.

O filme já trazia a marca do cinema de Ashby: dramas urbanos sobre a dificuldade de relacionamento e o preconceito, mas sempre com um viés de humor negro e um tom ácido. Um cinema político sem chatice professoral e panfletária.

Ashby fez grandes filmes: “The Last Detail” (1973) é uma comédia negra e antimilitarista sobre dois marinheiros (um deles, Jack Nicholson) que precisam levar um prisioneiro, um jovem marinheiro interpretado por Randy Quaid, para a cadeia. O final é arrasador.

Depois, teve grande sucesso com ”Shampoo” (1975), comédia sobre as extravagâncias ególatras de Hollywood, “Amargo Regresso” (1978), um pesado drama sobre o Vietnã, e “Muito Além do Jardim” (1979), a melancólica comédia surrealista com Peter Sellers..

O gosto de Ashby por cocaína e heroína e sua incapacidade de jogar pelas regras de Hollywood, vivendo sempre às turras com produtores e estúdios, acabaram com sua carreira. Ainda fez vários filmes antes de morrer, em 1988, de câncer no pâncreas. Mas “Ensina-me a Viver” permanece como seu filme mais pessoal.

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Obrigado por existir, Steve Martin!

Por Andre Barcinski
05/12/12 07:05

Passando mal de rir há vários dias com “Steve Martin – The Television Stuff”, caixa de três DVDs com o melhor de Steve Martin na TV americana.

A caixa reúne vários especiais de TV, shows de “stand up” e participações de Martin em “talk shows” e programas humorísticos (veja aqui o quadro clássico de “Turtle Boy”, o “Menino-Tartaruga”).


O nível dos roteiros é brilhante e o material de Martin foge completamente das fórmulas fáceis da comédia “stand up”, sem o tom confessional ou confrontacional da maioria de seus colegas de profissão.

Steve Martin não conta piadas, ele mostra como contar piadas é um clichê ridículo.

Sua comédia, mais que a de qualquer outro humorista norte-americano, tem um tom surrealista e absurdo, que o aproxima do humor inglês.

Martin não é um comentarista social como Richard Pryor ou Lenny Bruce, e não tem o talento histriônico de Jim Carrey ou Eddie Murphy. Seu interesse parece ser o de desmontar o humor, surpreendendo o público com variações inusitadas na forma de contar uma história.

Steve Martin se formou em filosofia, e baseou toda sua comédia nas questões existenciais discutidas em aula. “Eu estudei lógica, e eles falavam em causa e efeito”, disse ele. “Aí você começa a perceber que isso não existe, que não há lógica! (…) Comecei a pensar no que aconteceria se não houvesse clímax, se não houvesse final para a piada… O que aconteceria se eu criasse tensão mas não a liberasse? (…) o que a platéia faria com essa tensão? Eventualmente, ela teria de ser liberada de alguma forma, mas, se eu continuasse a negar ao público a saída fácil de um clímax, as pessoas acabariam escolhendo um lugar para rir, nem que fosse por desespero.”

Um dos shows de “stand up” da caixa, filmado em 1976 no clube Troubadour, de Los Angeles, mostra essas experiências absurdistas e bizarras de Steve Martin. Ele começa o show com a frase “Boa noite, eu sou Steve Martin e vou sumir daqui em um minuto”. Não há piadas – ou pelo menos piadas contadas da forma tradicional – mas uma performance absurdamente bem escrita e interpretada, de tons surrealistas e de humor negro. Coisa de gênio.

“Gênio”, aliás, é a palavra mais comumente associada a Martin. Um amigo entrevistou Ben Fong-Torres, famoso jornalista da revista “Rolling Stone”, e Fong-Torres disse que nunca havia conhecido uma pessoa mais inteligente que Martin. Diane Keaton disse a mesma coisa.

Aos 23 anos, Martin ganhou um Emmy – o Oscar da TV americana – pelos roteiros que escreveu para o programa do duo cômico The Smothers Brothers.

No fim dos anos 70, Steve Martin era o cômico mais famoso dos Estados Unidos, se apresentando em arenas para 10 ou 20 mil pessoas. Seus discos de “stand up” chegaram a vender mais de um milhão de cópias cada.  Ele abandonou o “stand up” em 1981 para fazer cinema.

Em 1977, escreveu e dirigiu um curta, “The Absent-Minded Waiter”, indicado a um Oscar. É uma obra-prima e está na caixa de DVDs. Veja aí abaixo. Depois, faça um favor a você mesmo e compre logo a maldita caixa.


Hoje estarei com acesso limitado limitado à Internet e alguns comentários podem demorar a ser publicados.

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O hipster e a tartaruga

Por Andre Barcinski
04/12/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Explorar Nova York é sempre uma surpresa. Impressionante como a especulação imobiliária tem mudado a cara de muitos bairros da cidade. Você pode visitar um lugar e, ao retornar depois de alguns anos, não reconhecê-lo.

Foi o que aconteceu comigo há poucos dias, ao voltar a Williamsburg, no Brooklyn, depois de quase 15 anos sem pisar no bairro.

O dia de passeio havia começado cedo, com uma visita a Chinatown. Não o bairro chinês de Manhattan, que os turistas estão cansados de explorar, mas a Chinatown no sul do Brooklyn, em Sunset Park. Foi um dos bairros étnicos mais incríveis que já conheci. Um passeio imperdível.

Há 20 anos, aquela parte do Brooklyn estava arrasada pelo crack. Mais de 90% das lojas estavam fechadas. Multidões de mendigos e junkies vagavam pelo bairro. Parecia uma cidade-fantasma.

Foi aí que, empurrados para fora de Manhattan pelos aluguéis cada vez mais caros, famílias chinesas começaram a chegar a Sunset Park.

Hoje, a Chinatown do Brooklyn já superou, em tamanho e população, sua irmã mais famosa de Manhattan. Com a vantagem de não atrair turistas e de reunir restaurantes e comércios bem mais autênticos e baratos. Não vi ninguém vendendo Rolex falso ou bolsa da Louis Vuitton.

Andando por Sunset Park, a impressão é de estar na China. Achar um ocidental por lá, especialmente em dias de semana, é quase impossível. Passamos quatro horas no lugar e não vimos mais de quatro ou cinco não-orientais. Teríamos visto mais em Pequim, com certeza.

As ruas estão cheias de restaurantes – chineses, vietnamitas, malaios, tailandeses – e de lojas de produtos chineses. Mercearias vendem temperos, molhos e especiarias asiáticas.

As peixarias são uma atração à parte, com suas ofertas de criaturas vivas – peixes, moluscos, crustáceos, rãs, e até tartarugas. Poucos atendentes falam inglês, o que torna a experiência ainda mais surreal.

A Chinatown do Brooklyn é um caso exemplar de comunidade étnica que salvou um lugar falido e deu nova vida ao bairro. É o lugar mais surpreendente e divertido que já conheci em Nova York.

De lá, pegamos o metrô e, 20 minutos depois, chegamos a Williamsburg, também no Brooklyn. Nossa animação acabou em poucos minutos.

A última vez que estive em Williamsburg foi por volta de 1997. Na época, o bairro era dominado por fábricas e imensos depósitos. Era lá que alguns núcleos de música eletrônica alugavam espaços abandonados para promover festas.

Em 2005, a cidade de Nova York mudou o zoneamento de Williamsburg para permitir a construção de prédios residenciais. E o lugar rapidamente virou a capital hipster da cidade.

Antigas fábricas foram transformadas em prédios ao estilo Berrine. Ruas por onde passeavam famílias latinas e polonesas foram dominadas por grupos de riquinhos posando de alternativos.

Em um dos metros quadrados mais caros da cidade, yuppies tomam cafés de seis dólares e compram roupas em brechós de luxo. Um deles vendia uma camiseta “vintage” do Dead Kennedys. Preço: 60 dólares.

O lugar parece um comercial de TV. A impressão é de que todos ali estavam fazendo teste de elenco para um clipe do The XX, com aquele visual de gótico de boutique.

Nos cafés, nos bares e nas lojas, o clima blasé predomina. O vocabulário parece se resumir a poucas palavras: “orgânico”, “sustentável” e “descafeinado”. É uma turma que não ri, não trepa e não se diverte. A apoteose da assepsia politicamente correta.

Tudo é limpinho e falsamente alternativo. No banheiro de um café, os escritos nas paredes eram tão bonitos que pareciam ter sido feitos por um artista.

O hipsterismo é uma praga. Não sei o que é pior, um hipster que veste uma camiseta rasgada por um estilista hype ou os turistas que andam por Times Square com camisetas do Hard Rock Café. Acho que a turistada, pelo menos, é mais divertida e autêntica.

Hipsters conseguem se apoderar de tudo que é legal e transformá-lo em estrume. Eles até descobriram que o vinil – é, aquela velharia que o MP3 matou, lembra? – é cool. E os brechós agora vendem modernos toca-discos de visual retrô e discos de 180 gramas, que custam 25 dólares e servem para decorar as estantes de algum loft de 2 milhões de dólares.

Tchau, Williamsburg, foi bom ter te conhecido. Sunset Park, pode me esperar que tô voltando…

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Nunca houve um baterista como Ginger Baker

Por Andre Barcinski
03/12/12 10:02


 

Confesso que conhecia pouco sobre Ginger Baker. Sabia que ele era um grande baterista, que tinha tocado no Cream e no Blind Faith, claro, e passado algum tempo com o grande Fela Kuti na África.

Por isso, foi um choque tão grande assistir a “Beware of Mr. Baker”, documentário do americano Jay Bulger. Foi uma revelação. Ginger Baker surge como um dos personagens mais fascinantes – e irritantes – da música pop dos últimos 50 anos.

Rebelde precoce, perdeu o pai na Segunda Guerra, aos 4 anos de idade, uma tragédia que marcaria o menino para sempre. Ginger cresceu obcecado por jazz e pelo som das big bands americanas. Aos 15, conheceu o grande baterista inglês Phil Seamen, que o apresentou a duas companheiras que o acompanhariam por toda a vida: percussão africana e heroína.

Depois de tocar com o blueseiro Alexis Korner – onde tirou o lugar de um baterista “com o qual ninguém estava muito satisfeito”, um tal de Charlie Watts – Ginger passou alguns anos no grupo Graham Bond Organisation, onde ganhou fama de exímio instrumentista e de encrenqueiro.

Em 1966, juntou-se a dois outros monstros instrumentistas, Eric Clapton e Jack Bruce, no Cream.

A entrevista de Eric Clapton é reveladora. Ele diz que se sentia tolhido – e estamos falando de Eric Clapton, o “Deus” – tocando entre dois gênios ególatras como Baker e Bruce, que ficavam o tempo todo tentando superar um ao outro e chegavam a sair na porrada no palco.  Nenhum grupo era grande o suficiente para tanta genialidade – e tanto ego.

As imagens de arquivo do Cream são impressionantes. A platéia parece sempre embasbacada com tanto virtuosismo.

Carlos Santana diz que o Cream foi uma das melhores bandas que jê viu ao vivo: “Eles chegaram, ligaram os instrumentos, e tocaram o que só posso chamar de ‘música supersônica’”, diz o guitarrista mexicano. “E por ‘supersônica’, quero dizer música que você toca sem saber de onde veio, que só pode ter vindo de algum lugar misterioso dentro da alma. Foi um choque.” Não à toa, diz outro entrevistado, o Cream era a única banda com quem Jimi Hendrix gostava de fazer “jams”.

Quando o entrevistador pede a Eric Clapton para comparar Ginger Baker a dois outros bateristas frequentemente citados como os melhores do rock, John Bonham (Led Zeppelin) e Keith Moon (The Who), a cara de espanto de Clapton diz tudo: “Não tem comparação. Esses dois são grandes bateristas, mas Ginger habita outra esfera. É um músico completo, um grande arranjador, não dá para compará-lo a ninguém.”

O próprio Ginger, sem nenhuma modéstia, esclarece: “Bonham tinha grande técnica, mas não tinha suingue. Se Bonham e Moon estivessem vivos, eles mesmos diriam que não chegavam perto de mim”.

Bateristas como Neil Peart (Rush), Stewart Copeland (The Police), Nick Mason (Pink Floyd), Chad Smith (Red Hot Chili Peppers) e Lars Ulrich (Metaliica) falam do choque que foi ouvir Ginger Baker pela primeira vez. E quando Ulrich diz que o Cream “ajudou a inventar o heavy metal”, Baker retruca: “Heavy metal? Aquela merda deveria ter sido abortada!”

Baker sempre se viu como um baterista de jazz. Para provar que não devia nada a nenhum percussionista, promoveu duelos inesquecíveis com lendários bateristas de jazz como Art Blakey, Elvin Jones, Max Roach, e com o amigo Phil Seamen. As imagens de arquivo desses duelos são de chorar.

De chorar também são imagens em que Baker aparece chapado e delirante. Numa delas, em um programa de TV ao vivo, está tão anestesiado de heroína que cai de costas do banquinho da bateria e levanta às gargalhadas.

Em 1970, depois do fim do Blind Faith, supergrupo que montou com Clapton e Steve Winwood, Ginger simplesmente desaparece da Inglaterra. Sem avisar a ninguém – nem à mulher e aos filhos – ele decide explorar a música africana e se muda para a Nigéria, onde conhece Fela Kuti, astro do “Afrobeat” e ativista político. Ginger passa os seis anos seguintes em Lagos, anestesiado de drogas, música e “groupies”.

Baker gravou discos com músicos africanos e gastou uma fortuna montando o primeiro estúdio de 16 canais da Nigéria, mas precisou sair correndo de Lagos depois de brigar com Fela. O motivo? Sua obsessão por cavalos e pólo, esporte que Fela via como passatempo das corruptas elites do país.

Ginger volta à Inglaterra e à família, para depois abandonar tudo de novo por uma amante de 18 anos.

O produtor Bill Laswell, que recebera de John Lydon a missão de encontrar Baker e convidá-lo a tocar no Public Image Ltd., lembra que encontrou o baterista morando em um casebre perdido numa região montanhosa da Itália. “O lugar era um barraco”, lembra Laswell. “Não tinha luz, não tinha água, não tinha nada. Ginger só tinha uma bateria, que tocava e cujo som ecoava por milhas e milhas naquelas montanhas. Ele tocava, e logo depois você ouvia a voz de um camponês, gritando, ao longe: ‘Ginger! Toca ‘White Room’!”

As aventuras não param por aí: Ginger depois vai a Hollywood, onde atua em filmes de ação de quinta categoria (veja a impagável cena dele com a metralhadora, no trailer) e chega a colocar um anúncio em jornais de Los Angeles, pedindo emprego em alguma banda. Triste demais.

O documentário encontra Ginger Baker, em 2008, morando na África do Sul. Parece um velhinho inofensivo, caminhando pelos jardins e afagando os cavalos que cria. Mas basta o entrevistador fazer uma pergunta que o desagrada, que o velho Ginger ressurge, e simplesmente ataca o jornalista com uma bengala. Assustador.

Espero que alguma boa alma programe esse documentário para algum festival por aqui. A história de Ginger Baker não pode ficar tão bem guardada.

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Uma noite com Petrucio Melo

Por Andre Barcinski
30/11/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estarei fora até 3/12. Até lá, vou republicar alguns textos desses últimos dois anos e meio. Infelizmente, não poderei moderar os comentários, que só serão publicados em 3/12, quando o blog volta com textos inéditos.

Você já teve a sensação de estar em meio a uma situação tão bizarra e surreal que mais parecia um sonho?

Eu já. Várias vezes. Graças a um amigo, José Mojica Marins, que é um verdadeiro ímã para esse tipo de situação.

Certo dia, Mojica me ligou. Precisava de alguém para acompanhá-lo a uma “festa de gala”. Eu não tinha nada melhor para fazer mesmo.

A tal festa de gala seria num clube de samba no Bixiga. Era aniversário do apresentador Petrucio Melo.

Os mais velhos certamente lembram Petrucio Melo participando de programas de TV nos anos 80. Hoje ele é presidente e apresentador da TV Orkut.

Chegamos ao clube e logo fomos levados a uma mesa, onde já estavam alguns convidados. Fomos apresentados a um senhor, dono de um bufê em Valinhos ou coisa parecida. Ele estava nervosíssimo: “Vou entregar o prêmio de comunicador do ano para o fulano (não me lembro o nome), preparei até um discurso.”

Ele leu o discurso todo ali na mesa, para que déssemos nosso veredicto. A única coisa que lembro é que citava Gutenberg. A mesa toda aplaudiu.

Logo depois, começou um empolgante show de samba. Um corpo de baile formado por duas mulatas e um rapaz encenou coreografias que traçavam um panorama da história do Brasil.

No meio do show, Petrucio passou de mesa em mesa, cumprimentando todos os amigos. “Aqui está um dos maiores batalhadores do nosso cinema: José Mojica!”, disse Petrucio. Mojica retribuiu com elogios a “um grande homem das nossas comunicações”. Bonito.

Depois foi a vez de um dos momentos mais esperados da noite: a entrega do troféu “Artista do Ano”. O vencedor foi o cantor Ovelha.

Ovelha subiu ao palco. Emocionado, ouviu discursos de vários amigos, ao melhor estilo “Esta é Sua Vida”. Um senhor, dono de alguma rádio do interior, lembrou a primeira vez que viu Ovelha em cima de um palco: “Ele era um menino, estava muito nervoso e inseguro. Mas eu já tive a certeza, desde aquela primeira vez, que ali estava um dos maiores talentos de nossa música.”

O final da festa foi apoteótico: as duas mulatas do corpo de baile passaram de mesa em mesa, distribuindo – juro – máscaras de papel com o rosto de Petrucio Melo. E todos os convidados, fantasiados de Petrucio, entoaram o “Parabéns Pra Você”, enquanto o aniversariante soprava as velinhas. Inesquecível.

Da festa, levei, além de memórias eternas, uma linda máscara de Petrucio Melo. Mas a máscara não durou muito. Resolvi fazer uma surpresa para minha mulher e entrei em casa vestido de Petrucio. Ela estava lendo, deitada, e tomou um susto tão grande que saltou a uns dois metros de altura. Eu não via nada parecido desde Linda Blair em O Exorcista. Descontrolada, ela rasgou a máscara. Adeus, Petrucio!

Publicado originalmente em 8/9/2011

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Russ Meyer, o homem que sujou a América

Por Andre Barcinski
29/11/12 07:05


 

Estarei fora até 3/12. Até lá, vou republicar alguns textos desses últimos dois anos e meio. Infelizmente, não poderei moderar os comentários, que só serão publicados em 3/12, quando o blog volta com textos inéditos.

O Walt Disney do sexo, o Fellini do couro negro, o homem que criou o sonho molhado da América com suas deusas peitudas rebolando ao som do rock’n’roll imundo enquanto espancavam machos indefesos em estradas poeirentas. Isso é Russ Meyer.

Caso raro de moralista ferrenho que emputecia os moralistas ferrenhos, Meyer levou para as telas suas taras e obsessões. E ajudou a criar uma iconografia do submundo americano que influenciou cineastas (Tarantino, Almodóvar), estilistas (Gaultier) e desenhistas (Crumb).

Por uma dessas grandes coincidências da vida, me correspondo há algum tempo com Jimmy McDonough, um senhor escritor e autor de uma biografia essencial de Neil Young, “Shakey”. Pois McDonough também escreveu “A” biografia de Meyer, “Big Bosoms and Square Jaws”.  E aceitou responder a algumas perguntas sobre o homem:

 

– Quando começou o seu interesse pelos filmes de Russ Meyer?

Frequentando drive-ins em Indiana quando jovem. Um adolescente revoltado e explodindo de hormônios – a vítima perfeita. Vi “Supervixens” e minha cabeça explodiu.

 

– Você acha que Russ Meyer tinha consciência de que seus filmes se tornariam tão famosos e cultuados?

– Duvido. RM era movido por suas obsessões. Dinheiro, fama, as mulheres de verdade, tudo isso veio de brinde.  Russ era como uma criança. Ele só queria fazer o que ele queria fazer. E ele FEZ!

 

– Por que você acha que seus filmes se tornaram ícones da cultura pop americana?

– Porque os Estados Unidos simbolizavam um certo exagero grandioso. Especialmente no auge de RM.  Carros como o Cadillac Eldorado Biarritz, de 1959, que era um brilhante monstro de aço curvo e barbatanas exageradas. Meyer descobriu mulheres que eram o equivalente a esses carros, e criou para elas um altar cinematográfico. Usou também um estilo visual chocante e atraente, chupado de histórias em quadrinhos, que nocauteavam o espectador antes que ele pudesse ver de onde vinha o soco.  Se eu morasse num país do Terceiro Mundo e desse de cara com “Supervixens”, provavelmente nadaria pelo Amazonas e daria um jeito de chegar até os Estados Unidos só para conhecer essas mulheres. Infelizmente, a América de Russ Meyer não existe. É só o sonho molhado de um homem. Ou será o seu pesadelo?

 

– Russ Meyer criou um estilo de cinema muito pessoal, especialmente na escolha de suas atrizes. Você acredita que suas decisões artísticas foram motivadas apenas por suas obsessões pessoais?

– Como RM costumava dizer, ele precisava ”sentir na virilha”. TUDO era pessoal para Russ. Ele babava e suava sobre cada fotograma de seus filmes. A sua maneira de possuir essas mulheres era prendê-las em celulóide. É por isso que suas visões eram tão intoxicantes. E tão infantis.

 

– Onde podemos ver a influência de Russ Meyer hoje (além de em “À Prova de Morte”, de Tarantino, claro!)?

– É só ver os clips de Lady Gaga. Nos “reality shows” também. Meyer foi o primeiro a explorar esse estilo de edição alucinado. Está em todos os lugares hoje. RM é parte de nosso estofo cultural hoje em dia.

 

– Em seu livro, você diz que a indústria pornô “passou por cima” de Russ Meyer. O que houve? Ele não conseguiu se adaptar aos novos tempos?

– RM estava interessado na fantasia, não na “realidade” de mostrar sexo. Ele não estava preparado para abrir mão da fantasia para documentar os mecanismos pegajosos da genitália, particularmente abaixo da linha de cintura. O sexo explícito fez os excessos de Meyer parecerem  velhos, até ingênuos. Russ Meyer sem fantasia é como “O Mágico de Oz” sem os macacos voadores. Veja um de seus últimos trabalhos, “Pandora Peaks”: o tesão desapareceu, mas a obsessão mamária continua. Mas é tudo que restou, e nesse ponto já se tornou grotesco.

 

– Se você tivesse de sugerir três filmes de Russ Meyer para quem não assistiu a nenhum, quais seriam?

– “Faster, Pussycat, Kill! Kill!”, “Beyond the Valley of the Dolls” e, só por perversão, “Mondo Topless”. Veja cinco minutes desse filme e você não esquecerá, embora deseje esquecer.

 

– Quais seus filmes prediletos de Russ Meyer?

– “Faster, Pussycat”, “Common Law Cabin” e “Good Morning… and Goodbye!”. Todos têm a pena venenosa do roteirista John Moran, o colaborador mais desprezado de Russ Meyer. Seus diálogos ácidos são o complemento perfeito para o assalto visual de agressão total de Russ Meyer. Também tenho um fraco por “Mondo Topless”, porque é puro RM, não diluído por coisas como história, significado ou NADA além de gremlins go-go sacudindo suas mamas na sua cara e te desafiando a chegar só… um… pouquinho… mais…perto! Loucura, eu digo! É loucura! Mas que jeito de dizer adeus!

 

– Quais são seus próximos projetos?

– Estou trabalhando num romance sobre as MINHAS próprias obsessões nojentas. E talvez um livro sobre um crime verdadeiro. Sou muito supersticioso para dizer mais.

 

Publicado originalmente em 6/8/2010

 

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Frente a frente com Dee Dee Ramone

Por Andre Barcinski
28/11/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Estarei fora até 3/12. Até lá, vou republicar alguns textos desses últimos dois anos e meio. Infelizmente, não poderei moderar os comentários, que só serão publicados em 3/12, quando o blog volta com textos inéditos.

Em meados dos anos 90, me envolvi num projeto com os Ramones. Seria um filme sobre a turnê de despedida da banda, que passaria inclusive pela América do Sul.

A idéia era filmar todos os shows e entrevistar fãs, amigos e ex-integrantes.

Isso me levou a Dee Dee Ramone. Na época, ele morava entre a Europa, Argentina (sua mulher, Barbara, era de lá) e o mítico Hotel Chelsea, em Nova York. Foi no Chelsea que o encontrei pela primeira vez para falar do projeto.

O Chelsea é um lendário antro de depravação nova-iorquino, habitado há décadas por artistas e malucos em geral. Foi lá que Sid Vicious  matou Nancy (ou não, como veremos a seguir…) William Burroughs, Leonard Cohen e Jim Carroll moraram no hotel, o que dá uma boa idéia do clima geral.

Eu nunca tinha entrado no Chelsea.E a primeira coisa que me impressionou foi a sujeira. O hotel era, literalmente, um pulgueiro. Só que as suítes custavam  400 dólares por noite, que os turistas idiotas pagavam só para viver sua noite de Johnny Thunders…

O quarto de Dee Dee e Barbara deveria estar competindo em algum torneio de lugar mais desarrumado do planeta. Parecia que um furacão havia passado. Roupas, discos e todo tipo de utensílios estavam espalhados. A bagunça era tanta que, quando Dee Dee pediu comida chinesa, tivemos de sentar no chão para almoçar.

Se Joey era a consciência dos Ramones, Dee Dee era o porra louca. Ele era o verdadeiro gênio por trás de tudo. Só que não sabia disso.

Ex-michê, ex-delinquente, ex-assaltante, ex-heroinômano (ex? será?), e um dos sujeitos mais instintivamente brilhantes que já conheci. Era praticamente analfabeto e mal conseguia juntar duas frases, mas escreveu letras autobiográficas de um minimalismo poderoso e atordoante, como “53rd and 3rd”.

Nesse dia, descobri outra coisa sobre Dee Dee. Não sei se era alguma doença ou resultado de alguma medicação, mas o fato é que ele sofria de um grave déficit de atenção. Ele simplesmente não conseguia se concentrar em nada por mais de cinco minutos.

Dee Dee chegava ao cúmulo de parar frases no meio, ficar em silêncio por alguns segundos e depois emendar outro assunto, sem ter terminado o anterior. Digamos que clareza não era o seu forte. Conversar com ele, especialmente para um jornalista, era enlouquecedor.

Certa hora, começamos a conversar sobre o Chelsea, e eu comentei como era impressionante a quantidade de pessoas que vinham todo dia ao hotel pedindo para ficar no quarto onde Sid matara Nancy (só de curiosidade, o quarto não existe mais).

“O quê? Sid matou Nancy? De onde você tirou isso?”, disse Dee Dee. “Todo mundo sabe que não foi isso que aconteceu!”

Seria esse o furo jornalístico do fim de século? Dee Dee revelaria ao mundo o nome do verdadeiro assassino?

“E quem foi, Dee Dee?”

“Porra, foi aquele traficante que vendia heroína pra Nancy… Como é o nome dele… Fuck…Daqui a pouco eu lembro o nome do cara!”.

Foi a última vez que ele tocou no assunto.

Conversamos por pelo menos duas horas. Dee Dee contou algumas histórias sensacionais.

Falou do fracassado projeto que juntaria em Paris ele, Stiv Bators (Dead Boys) e Johnny Thunders – algo como a santíssima trindade da heroína.

Depois, contou em detalhes a morte de Stiv.  Segundo Dee Dee, Stiv foi atropelado por um táxi, mas estava tão entorpecido de heroína que simplesmente foi andando de volta para casa. Quando os amigos perceberam que ele estava muito mal, o levaram a um hospital, de onde saiu sem avisar e acabou morrendo de hemorragia interna.

Depois, Dee Dee confirmou a lenda de que teria sido despedido dos Ramones depois de roubar o caminhão da banda e vender todo o equipamento.

Eu tinha um compromisso e precisei me despedir. Dee Dee me convidou para encontrá-lo dali a algumas horas numa galeria de arte no Lower East Side, que iria abrir uma exposição de fotos da época do CBGB’s.

Fui para casa, empolgado com a chance de finalmente conhecer Dee Dee Ramone.

Algumas horas depois, cheguei à tal galeria. Era uma noite badalada: Henry Rollins estava lá, assim como membros do Dictators e metade da cena nova-iorquina de 77.

Dee Dee chegou logo depois. Fui cumprimentá-lo: “Oi, Dee Dee…”

“Who the fuck are you?” disse ele, puto da vida.

“Como assim? Estive te entrevistando a tarde toda, não lembra?”, disse, ainda atordoado.

“Hoje? Tem certeza?”

“Sim, nós marcamos de continuar a entrevista daqui a alguns dias…”

“Ah, tá certo. Tá bom, tá bom, passa no hotel no sábado então”.

Sábado, no horário marcado, eu estava lá. Quem não estava era Dee Dee, que havia saído do hotel na quinta. Nunca mais o vi.

O projeto do filme morreu logo depois.  E Dee Dee, em 2002.

Publicado originalmente em 17/1/2011

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