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André Barcinski

Uma Confraria de Tolos

Perfil André Barcinski é crítico da Folha.

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No tempo dos ETs comunistas

Por Andre Barcinski
08/11/12 07:05


 

Hoje, às 20h25, o Telecine Cult exibe “Vampiros de Almas” (“Invasion of the Body Snatchers”), que Don Siegel dirigiu em 1956.

Não só é um dos melhores filmes de terror e ficção-científica já feitos, mas um dos maiores exemplos de uma vertente muito popular do cinema hollywoodiano: a dos filmes anticomunistas.

No filme, uma pequena cidade é invadida sorrateiramente por seres do espaço, que crescem em casulos semelhantes a vagens gigantes e viram clones dos habitantes locais. Esses são, pouco a pouco, substituídos e viram pessoas frias e desprovidas de sentimentos. Um clássico da paranóia.

O cinema norte-americano sempre combateu o comunismo. Em 1919, apenas dois anos depois da Revolução Soviética, Hollywood já fazia críticas ao regime comunista, como na comédia pastelão “Bullin’ the Bolsheviki”.

Pelos 70 anos seguintes, centenas de filmes foram produzidos nos Estados Unidos – dramas, ficções-científicas, documentários, comédias – que pregavam a superioridade de Tio Sam e ridicularizavam a União Soviética.

O auge desse tipo de cinema ocorreu nas décadas de 1950 e 60, quando a Guerra Fria ameaçava o planeta.

E tome filmes sobre invasões alienígenas, ameaças atômicas e espiões infiltrados na imaculada América do Norte.  “O Dia em que a Terra Parou” (1951), “Invasores de Marte” (1953) e “Sob o Domínio do Mal” (1962), cada qual a seu modo, mostravam o que poderia acontecer em caso de uma vitória vermelha. Grandes cineastas como Roger Corman, John Frankenheimer e Don Siegel embarcaram na onda.

No início dos anos 70, Hollywood descobriu que a ameaça estava mais perto do que se imaginava: em meio à Guerra do Vietnã e a protestos sociais e raciais no próprio país, o cinema parou de se preocupar tanto com os russos e voltou suas armas, literalmente, para o próprio povo americano, em especial para os hippies, maconheiros e “bandidos” que protestavam contra o governo em universidades e nas ruas das metrópoles.

Foi a época de “Dirty Harry” (1971) e “Desejo de Matar” (1974), em que Clint Eastwood e Charles Bronson encarnaram John Wayne e pregavam a volta a uma América ordeira e obediente.

O cinema anticomunista voltaria com força nos anos 80, junto com a onda conservadora que levou Ronald Reagan à Casa Branca.

Foi quando Sylvester Stallone, na pele de Rambo, pirou ao ter “flashbacks” das torturas que sofreu nas mãos dos vietcongues, e Rocky desafiou para uma luta o campeão soviético, o sanguinolento Ivan Drago (Dolph Lundgren).

Foi também nos anos 80 que John Milius dirigiu “Amanhecer Violento” (“Red Dawn”, 1984), em que Patrick Swayze e Charlie Sheen lideram um grupo de estudantes de uma pequena cidade americana, que resistem à invasão de soldados russos, cubanos e nicaragüenses. Um delírio paranóico que hoje só provoca gargalhadas. Passa de vez em quando na TV. Não perca.

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Soderbergh vai ao “Clube das Mulheres”

Por Andre Barcinski
07/11/12 07:05


 

Entre os cineastas que transitam no “mainstream” hollywoodiano, Steven Soderbergh é um dos mais interessantes. Um dos poucos que consegue fazer filmes comerciais não direcionados a seres lobotomizados.

“Traffic”, “Irresistível Paixão”, “Onze Homens e Um Segredo” e “Contágio” são filmes que conseguem unir apelo comercial a um mínimo de qualidade artística. Não mudaram o mundo, mas pelo menos não ofendem a inteligência de ninguém.

O filme mais recente de Soderbergh, “Magic Mike”, estreou sexta em São Paulo.  Fui ver sem grandes esperanças. Mas tenho de dizer que o começo me surpreendeu.

A história gira em torno de um meio raramente explorado no cinema: o dos “strippers” masculinos.

Dallas (Matthew McConaughey) é um “stripper” e dono de um clube de “strip” na cidade de Tampa, na Flórida. Dallas sonha em expandir os negócios e abrir um clube na principal cidade do Estado, Miami.

Para isso, conta com a ajuda do maior astro de sua casa, Magic Mike (Channing Tatum), um veterano da cena e que também tem suas ambições.

Um dia, Mike conhece Adam, um vagabundo que vive desempregado e mora de favor com a irmã. Percebendo “potencial” no rapaz, Mike o convence a tentar a sorte como dançarino.

A primeira metade do filme é surpreendente: Soderbergh mergulha fundo nos segredos do ramo, mostrando a dura realidade por trás das luzes e do néon. Vemos as drogas, os trambiques e os excessos.

Pena que o filme, despenque para soluções fáceis e moralistas em sua segunda metade. Parece que, no cinema americano, tudo termina em mensagens positivas e lições de moral.

Enquanto se limita a relatar o dia – ou melhor, a noite – dos “strippers”, o filme funciona. É engraçado, ágil e interessante. Soderbergh consegue até a façanha de extrair uma boa atuação de Matthew McConaughey, um Cigano Igor que fala inglês.

Mas quando “Magic Mike” apela ao tom condescendente e vira uma fábula moralista, põe tudo a perder. Uma pena.

P.S.: Hoje estou com acesso limitado à Internet e, por isso, comentários podem demorar a ser publicados. 

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"Nosferatu" no Ibirapuera foi show de horror

Por Andre Barcinski
06/11/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sexta-feira, indiquei aqui no blog o filme “Nosferatu”, (1922), clássico do cinema Expressionista alemão, que seria exibido ao ar livre, no Parque Ibirapuera.

Gostaria de pedir desculpas pela indicação. Por favor, me perdoem se botei alguém numa roubada.

Segundo o relato de vários leitores e amigos que foram à exibição, “Nosferatu” foi um verdadeiro show de horror. Não o filme, claro, mas o comportamento do público.

Meu amigo Fred Botelho é um dos maiores cinéfilos que conheço. Poucas pessoas sabem tanto de cinema quanto ele. Fred levou a esposa, Lilian, e o filho adolescente, Léo, ao Ibirapuera. Aqui vai o relato dele:

“Chegamos meia hora antes do filme e conseguimos um lugar a cerca de 60 metros da tela. O parque estava muito iluminado. Havia luzes muito fortes que jogavam claridade na tela e prejudicaram muito a projeção. ‘Nosferatu’, como todos os filmes Expressionistas, tem um contraste muito acentuado na imagem, mas a projeção ficou ‘lavada’, o contraste não aparecia. Também havia poucas caixas de som. De onde estávamos, o som da orquestra estava muito baixo.

Mas o pior foi o público: nunca vi tanta gente batendo papo, twittando e tirando fotos. Tinha gente de costas para a tela, conversando em voz alta, sem a menor consideração pelas outras pessoas.

Ao nosso lado, havia um casal. O rapaz estava sentado e a menina, deitada, com a cabeça no colo dele. O rapaz ficava lendo as legendas em voz alta para a namorada.

Do outro lado, um grupinho de rapazes tomava vinho e conversava tão alto que a gente conseguia ouvir tudo. Um deles ficou contando o dia dele todo: as fofocas no trabalho, onde ele almoçou, etc. Dali a pouco, acenderam vários baseados. Não tenho nada contra, mas havia um monte de crianças ali. Mas foi bom, porque o sujeito fumou, ficou com sono e dormiu. Pelo menos assim ele parou de falar.

Minha conclusão: evento cultural gratuito ou com multidão no Brasil não dá mais, não vou. As pessoas não têm o menor respeito nem pela cultura, nem pelas outras pessoas. Parece que o filme era só uma desculpa para elas se comportarem mal.”

P.S.: Só para esclarecer: quando o Fred diz “nunca mais”, ele está dizendo que ele não vai mais a um evento desses, não que eventos gratuitos não devem mais acontecer.

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Leonard Cohen: "você sabe mais sobre a minha vida do que eu mesmo"

Por Andre Barcinski
05/11/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Semana passada, publiquei na “Ilustrada” uma entrevista com a jornalista inglesa Sylvie Simmons, que acaba de publicar uma emocionante biografia de Leonard Cohen, “I’m Your Man – The Life of Leonard Cohen”. (leia aqui).

Simmons, colaboradora da revista inglesa “Mojo”, é obcecada pelos “malditos” da música, tendo escrito livros sobre Johnny Cash, Neil Young, Tom Waits e Serge Gainsbourg (este último, “Um Punhado de Gitanes”, lançado no Brasil).

Como o papo não coube inteiro no jornal, resolvi publicá-lo aqui, na íntegra. Aí vai:

 

– Me parece que Leonard Cohen tem, hoje, um público maior do que teve em toda sua carreira. É verdade?

– Sem dúvida. Especialmente na América do Norte, onde ele era muito pouco conhecido até pouco tempo atrás. Sendo inglesa, me acostumei a ver Leonard fazer sucesso na Europa, e até seus discos mais sombrios venderam muito por lá. Quando me mudei para os EUA (Simmons vive em São Francisco) e falava de meu amor pela música de Leonard Cohen, as pessoas me olhavam de forma estranha, poucos o conheciam. Foi só há três ou quatro anos, depois que ele voltou aos palcos depois de uma ausência de 15 anos, que os norte-americanos perceberam que ele era tão cool, sexy e bacana.

 

– O episódio do roubo de suas economias também rendeu muita publicidade (Em 2005, Cohen, então com 71 anos e aposentado da música, vivia num monastério budista na Califórnia, quando descobriu que sua agente lhe havia passado a perna e roubado todas as suas economias. Foi isso que causou sua volta aos palcos)…

– Sem dúvida. Acho que esse episódio fez as pessoas se interessarem mais ainda pela volta dele. Todo mundo gosta de torcer pelo azarão, não é mesmo? Mas a rapidez com que a fama dele se espalhou foi impressionante. O primeiro concerto depois de sua volta aos palcos foi num teatro pequeno no Canadá, para 700 pessoas, e meses depois Leonard estava tocando para 100 mil pessoas em Glastonbury (famoso festival inglês).

 

– Quando você descobriu a música de Cohen?

– Em 1972, ainda adolescente, vi meu primeiro show de Leonard Cohen. Eu era muito jovem e não consegui entender completamente o que estava ouvindo, mas já sentia que ali havia algo de especial. Vi todas as turnês que ele fez desde então.

 

– Cohen colaborou com o livro?

– Ele me concedeu duas entrevistas longas, bem no final de minha pesquisa. Não é uma biografia autorizada, o que significa que ele não teve controle sobre o que eu escrevi. Leonard não sugeriu nada e não pediu que nada fosse omitido. Usei também material de uma entrevista de três dias que eu havia feito com ele para a “Mojo”.

 

– Ele é um bom entrevistado?

– É uma pergunta difícil. Leonard é um homem privado e um tanto misterioso, um mestre em dizer só aquilo que quer. É preciso lembrar também que ele tem 78 anos e não tem uma memória infalível. Por várias vezes, ele me contou um acontecimento e eu o corrigi. Ele só dizia: “Sylvie, você sabe mais sobre eu do que eu mesmo!”. Eu queria que o livro tivesse a voz dele. Mas muita gente costuma ser hagiográfico ao descrever Leonard Cohen, mas a verdade é que ele não é Moisés. Acredite, passei uma semana entrevistando Johnny Cash para um livro e Johnny Cash, sim, é Moisés! Leonard tem uma personalidade mais leve, mais bem humorada, com um sarcasmo judaico.

 

– Quantas pessoas você entrevistou para o livro?

– Falei com 110 pessoas, muitas das quais nunca tinham sido entrevistadas antes, como rabinos, monges budistas, e várias mulheres que passaram pela vida de Leonard.

 

– Você sabe se Leonard já leu o livro?

– Sinceramente, não. Sei que alguns membros da banda dele leram. Para falar a verdade, não sei se ele tem muito interesse em reviver o passado. Ele sempre me dizia: “Sylvie, eu não sou mais aquela pessoa. Não vivo mais naquela realidade.”

 

– No livro, você revela um aspecto até então desconhecido da vida de Leonard, que é o interesse pela Cientologia. A espiritualidade é parte fundamental da vida dele, não?

– Sem dúvida. Leonard sempre foi um explorador. Ele sempre buscou conhecer coisas novas, novos caminhos, e sua música reflete essa busca incessante. Acho que isso explica, pelo menos em parte, o fervor que as pessoas sentem por sua obra. Ele também sempre foi um “outsider”, um rebelde: nasceu numa comunidade judaica dentro de outra comunidade protestante. Depois, tornou-se obcecado pelo imaginário católico, pesquisou hinduísmo e virou monge budista.

 

– O livro também relata a batalha dele contra a depressão.

– Sim, isso é uma parte muito importante da vida dele. Leonard sofreu de uma depressão crônica e muito intensa. Isso certamente moldou seu estilo de compor e tornou suas canções ainda mais sombrias e profundas. Ele é também um artista muito inseguro e perfeccionista, capaz de trabalhar numa letra por oito ou nove anos. Ele me disse: “Às vezes, acho que uma letra está terminada, mas aí vou cantá-la e percebo que não estou dizendo a verdade.”

 

– E as mulheres da vida dele? Todas ficaram contentes em colaborar?

– Sim, até porque todas são suas amigas até hoje. Ou melhor, quase todas. Joni Mitchell, que foi muito influenciada por Leonard quando eles foram amantes, nos anos 60, agora tenta esconder isso, o que é uma pena. Mas a grande maioria delas gostou de colaborar. Era engraçado, porque sempre que eu ia a algum show e dizia que estava fazendo um livro sobre Leonard, tinha alguma senhorinha que me dizia: “Ah, então você precisa falar comigo! Eu conheci Leonard muito bem!”

 

– Vi um show recente dele na Espanha, e o tom era de despedida. Leonard tocou por quatro horas e disse coisas do tipo: “Não sei se voltaremos a nos encontrar”. Você acha que essa é será a última turnê dele?

– Olha, Leonard é grande adepto de despedidas! Desde que tinha 50 anos, ele fala em se aposentar, então eu não me preocuparia com isso. Ele me disse que tem cinco músicas novas prontas, quer gravar outro disco, e que planeja excursionar até depois dos 80. Também prometeu que, se chegar aos 80 na estrada, vai voltar a fumar!

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Vai perder “Nosferatu”?

Por Andre Barcinski
02/11/12 07:05


 

Se você estiver hoje em São Paulo, é impossível achar um programa melhor que ir ao Parque Ibirapuera, às 20h, e assistir à exibição de “Nosferatu” (1922), clássico do cinema Expressionista alemão dirigido por F.W. Murnau (veja aqui uma reportagem sobre o evento, publicada ontem na “Folha”).

O filme terá acompanhamento da Orquestra Petrobrás Sinfônica e um coro de 24 vozes, regidos pelo alemão Pierre Oser, que também escreveu a música. A entrada é grátis.

Ver filmes mudos – especialmente os clássicos Expressionistas – com música ao vivo é uma experiência emocionante. Quem tiver filhos, recomendo levá-los. Eles vão te agradecer para sempre.

Sei disso, porque aconteceu comigo: quando eu tinha 12 ou 13 anos, meus pais me levaram a uma sessão de “O Gabinete do Doutor Caligari” (1920), de Robert Wiene. Logo depois, tive a sorte de ver “Metropolis” (1927), de Fritz Lang.

Anos mais tarde, comprei dois livros fundamentais sobre o gênero, milagrosamente lançados no Brasil: “A Tela Demoníaca” (1952), de Lotte Eisner, e “De Caligari a Hitler” (1947), de Siegfried Kracauer. Dá para achar os dois em sebos por aí.

Os livros contam a história e analisam a estética do movimento Expressionista que dominou o cinema alemão entre 1913 e 1930.

Os filmes eram radicais: personagens grotescos em cenários propositalmente irreais, histórias delirantes sobre vampiros, cidades futuristas dominadas por máquinas, figuras de cera que ganhavam vida, médicos dementes, assassinos, bandidos e degenerados de todos os tipos.

O movimento revelou diretores como Murnau, Lang, Robert Wiene, Paul Wegener, Paul Leni, Pabst e tantos outros, que abriram novos horizontes estéticos para o cinema e influenciaram todo mundo.

Não dá para ver o preto e branco contrastado e os cenários distorcidos por lentes grandes de “Cidadão Kane”, por exemplo, sem perceber a influência que o cinema alemão do início do século 20 teve em Orson Welles. Ou em Hitchock. Ou em Samuel Fuller.

Ver “Nosferatu” numa tela grande, com orquestra e coro, é uma das melhores experiências que um cinéfilo pode ter. Tenho certeza que muita gente vai sair de lá sem a mesma paciência para o 3D e para filmes vagabundos.

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João Gilberto em busca do acorde perfeito

Por Andre Barcinski
01/11/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

Admitir a genialidade de um artista não significa ser fã de sua obra. Como já escrevi várias vezes aqui no blog, não sou grande admirador dos filmes de Stanley Kubrick ou dos discos de Bob Dylan, embora tenha a convicção de que são dois dos artistas mais importantes do século 20.

O mesmo acontece com João Gilberto. Entendo e concordo com todas as teses sobre seu talento quase sobrenatural e sua técnica revolucionária de tocar violão, mas realmente não suporto ouvir bossa nova. É um problema meu, e não da bossa nova (se você quiser entender como João Gilberto faz o complexo parecer simples, clique aqui e leia um texto muito bacana de Zuza Homem de Mello).

O que não quer dizer que eu não goste de ler as histórias fantásticas sobre João e suas idiossincrasias, ou relatos de outros músicos sobre a influência do violão gilbertiano.

Recentemente, entrevistei Jards Macalé, amigo e fã obcecado de João, que me contou uma história sensacional. Como todas as lendas a respeito do mito, essa não tem origem ou fonte.  Também não sei se já circula entre fãs de João. De qualquer forma, aí vai, na interpretação de Jards…

“João Gilberto fazia um show no Japão. E ele adora o Japão, porque os teatros têm uma acústica perfeita. Até o técnico de som do João é japonês.

O show corria maravilhosamente. O público japonês ouvia o João com uma reverência religiosa. De repente, no meio de uma música, João tenta um acorde diferente. Era uma coisa tão bonita, tão pura, que até ele mesmo se surpreendeu. João parou de cantar e ficou de olhos fechados, ouvindo a beleza daquele acorde. Ficou espantado pela própria criação.

Os japoneses nem respiravam, para não perturbar a concentração do João. E o som do acorde foi morrendo, morrendo, e o João parado ali, de olhos fechados…

João ficou dois, três minutos assim, sem mexer um músculo, profundamente concentrado. Parecia que estava em transe. Na platéia, ninguém dava um pio.

O Otávio (Terceiro, agente do João) estava ao lado do palco e agiu rápido: pegou um copo d’água e foi até o João. Chegou ao lado dele e disse, bem baixinho: “João, tamos no Japão…” O João acordou daquele transe e recomeçou a música exatamente no lugar onde tinha parado. A japonesada não acreditou.

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Parabéns, Alfred E. Neuman!

Por Andre Barcinski
31/10/12 08:15

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

A revista “Mad” está fazendo 60 anos. Veja aqui uma matéria que meu amigo Thales de Menezes publicou ontem na “Ilustrada”, sobre as seis décadas de uma das publicações juvenis mais engraçadas e influentes da cultura pop.

A “Mad” nasceu junto com o rock and roll, James Dean e Marlon Brando. Nasceu junto com o próprio conceito de “adolescente”, que é uma invenção do pós-Guerra.

Os adolescentes dos anos 50 nos Estados Unidos formaram a primeira geração de consumidores que não precisaram trabalhar para ajudar a família. Podiam ir ao cinema, ler gibis, tomar milk shake em drive-ins e ouvir rock and roll no rádio.

Foi ali que nasceu o conceito de “cultura pop”, quando a indústria percebeu o potencial de consumo dessa massa e passou a produzir para ela. Até então, o “teenager” ouvia os discos dos pais e via os mesmos filmes. Devia ser um saco.

A “Mad” surgiu nessa onda, e praticamente inaugurou um tipo de humor que se tornaria o mais popular e influente nos Estados Unidos: a paródia à cultura pop.

Impossível pensar em “Saturday Night Live”, nos filmes de Zucker-Abrahams-Zucker (“Apertem os Cintos, o Piloto Sumiu”, “Corra que a Polícia Vem Aí”) e em “South Park” sem falar da “Mad”.

Foi a “Mad” que começou a parodiar filmes, cantores e séries de TV. Quando a cultura pop dominou a sociedade americana, a “Mad” estava lá para lembrar que nada estava à prova de esculacho.

Nenhum astro de Hollywood, por mais famoso e rico que fosse, estaria imune a uma boa sacaneada. A revista parecia dizer: “Não se deslumbre pela fachada de respeitabilidade; no fundo, somos todos idiotas.”

O mesmo aconteceu com políticos. Sobrou para todo mundo. E quando Richard Nixon caiu, em 1974, os leitores da “Mad” já estavam acostumados a vê-lo esculhambado de todas as formas.

A revista também nunca ligou para a correção política. E nem deveria, já que nasceu antes do próprio conceito existir.

Já li entrevistas com Matt Groening (criador dos “Simpsons”), Mike Judge (“Beavis e Butthead”) e Steve Martin, em que diziam que suas vidas mudaram depois que conheceram a “Mad”. Se para melhor, ninguém sabe. Mas, com certeza, mudaram.


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Neil Young canta a derrota de sua geração

Por Andre Barcinski
30/10/12 07:05


 

“Eu vim aqui para confundir, não para explicar.” A frase é de Chacrinha. Mas poderia muito bem se aplicar a Neil Young.

Quem mais abriria um disco com uma “jam session” de 27 minutos?

Quem mais lançaria, num espaço de seis meses, dois discos e um livro?

Só Neil Young.

“Psychedelic Pill” é o 35º disco de estúdio da carreira de Young e seu segundo este ano. Há poucos meses, ele lançou “Americana”, uma coleção de interpretações de clássicos “folk” norte-americanos. E publicou também sua autobiografia, um livro que pouco revelou e só serviu para realçar sua aura de misterioso.

Quem busca significados ou mensagens nas letras de Neil Young, melhor procurar em outro lugar. Ele não é letrista de entregar nada de mão beijada. “Pense em mim como aquele que você nunca compreendeu”, ele disse em “Powderfinger”. É bem por aí mesmo.

O que não quer dizer que os discos de Young não tenham temas gerais. E a julgar por seus últimos LPs, Neil Young não está lá muito otimista. “Fork in the Road” (2009) era uma coleção de canções saudosistas, inspiradas por seu amor por automóveis velhos. “Le Noise” (2010) foi um experimento sônico de distorção e efeitos de guitarras, um álbum esparso e melancólico.

Já “Psychedelic Pill”, primeiro disco com o Crazy Horse em nove anos, parece uma admissão de derrota da geração que sonhou em mudar o mundo. O disco tem uma atmosfera de resignação e tristeza com o mundo moderno.

A faixa que abre o disco, “Driftin’ Back”, é uma digressão épica, cheia de microfonia e distorção, em que Young lamenta o presente, uma época em que “Picasso virou papel de parede” e “as coisas não soam como deveriam”.

“Ah, mais um hippie velho lembrando como o passado era bom”, dirão alguns.

Pode ser. Mas Neil Young nunca foi artista de desprezar o presente ou de abdicar do otimismo. Lembrar o passado é uma coisa, viver nele é outra. E Young nunca viveu no passado.

Mas os temas saudosistas não param em “Psychedelic Pill”. Parece que escrever a autobiografia fez Young reviver seu passado de uma forma que ele nunca tinha feito em disco antes.

“Ramada Inn”, a faixa mais bonita do disco, é outro épico – 17 minutos – sobre um casal convivendo com a ausência dos filhos, já crescidos. Tem um dos refrães mais bonitos já cantados pelo Crazy Horse.

“Born in Ontario”, por sua vez, é curta, tanto em beleza quanto em conteúdo. Uma música supérflua e simplória, um rockinho chinfrim com uma letra idem.  Bola fora.

Em “Twisted Road”, Young celebra alguns de seus heróis:  Dylan, Hank Williams e o Grateful Dead. “She’s Always Dancing” traz o Crazy Horse abdicando do barulho e tentando fazer uma música pop mais acessível. Seria a faixa “pra tocar no rádio” do disco, se não durasse quase 9 minutos.

Já “For the Love of Man” é uma baladinha singela, que parece meio descolada no meio do disco. Quem conhece os LPs piratas de Young vai reconhecê-la; costumava aparecer com o nome de “I Wonder Why”, e foi composta há pelo menos 30 anos. Por que Young resolveu ressuscitá-la, só ele pode responder.

Por fim, há “Walk Like a Giant”, música que já está rolando em shows e Youtubes por aí. Mais um colosso “grunge”, 16 minutos e tal de riffs pesados, um refrão para cantar – e assobiar – junto, a desafinação das vozes do Crazy Horse colaborando para o clima de “jam session” que Young e seus três comparsas do Horse sabem criar como ninguém.

“Psychedelic Pill” não é um disco fácil. É um CD duplo, com quase 90 minutos de música e três canções que, somadas, dão quase uma hora de som. É desigual e, em partes, pouco inspirado. Mas quando acerta, chega bem perto dos melhores momentos que esses quatro caipiras enfezados já gravaram.

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LCD Soundsystem e a vergonha do sucesso

Por Andre Barcinski
29/10/12 07:05


 

Gosto muito do LCD Soundsystem. James Murphy, o DJ, músico e produtor que inventou o grupo, conseguiu criar uma mistura empolgante de dance music e punk rock, atualizando o som de Tom Tom Club, Talking Heads e The Fall. É uma banda especial.

O que não quer dizer que os shows eram bons. Vi três, e foram todos chatíssimos. O próprio Murphy não é um “frontman” de impor respeito, com seu jeitão tímido e seu carisma zero.

No início de 2011, Murphy anunciou o fim do grupo. A notícia pegou muita gente de surpresa, já que a banda estava no auge: o álbum “This is Happening”, terceiro do grupo, chegou a ficar no topo da parada de música eletrônica da “Billboard”, desbancando Lady Gaga.

A despedida do LCD Soundsystem seria em um grande concerto no Madison Square Garden, em Nova York, cidade natal da banda. Foi anunciado que o show seria filmado e lançado em DVD.

O que pode ser mais emocionante que um show de despedida cercado de fãs e amigos? Quem viu “O Último Concerto de Rock”, a obra-prima que Martin Scorsese fez sobre o show de despedida da The Band, sabe o que estou falando.

Infelizmente, a emoção passa longe de “Shut Up and Play the Hits”, o filme-despedida do LCD Soundsystem. É um tédio só.

O filme sofre de uma síndrome cada vez mais comum entre essa casta de artistas sensíveis e que parece incomodada com o sucesso: a “síndrome indie”.

É um filme arrogante e excludente. Parece feito só para James Murphy ter alguma lembrança dos últimos dias da banda.

Para começar, não há a menor preocupação em ser informativo. O filme não entrevista ninguém, a não ser o próprio Murphy, que passa 90% do tempo andando pela rua com ar de intelectual francês e afagando seu buldogue na cama. Gracinha.

As pessoas que aparecem no filme sequer são identificadas, como se todos os espectadores tivessem a obrigação de conhecer a cara dos integrantes do Soulwax ou do Arcade Fire. Uma sequência longa mostra Murphy sendo entrevistado pelo autor Chuck Klosterman, mas também não o identifica.

O filme lembra um “Onde Está Wally?” indie.

Pior é o tratamento dado aos companheiros de banda, que entram mudos e saem calados. Nem os nomes dos coitados o filme informa.

Custava falar com eles e saber seus sentimentos em relação à morte abrupta da banda?

O show em si é outro exemplo de empáfia. É o maior concerto da carreira do grupo, com 18 mil pessoas lotando uma arena lendária. Mas a banda toca como se estivesse numa boate de 200 lugares, envergonhada de estar ali, sem a preocupação de adaptar o show ao local e ignorando os coitados que estão lá na última fileira (no fim, Murphy até se desculpa: “Obrigado a vocês, que não estão vendo nada aí de cima!”).

Como as câmeras estão dentro do palco e coladas à banda, não temos a noção do gigantismo da coisa. Mas dá para imaginar a chatice que deve ter sido ver esse show da 67ª fileira do Madison Square Garden.

O filme não conta a carreira da banda, não fala dos discos e não se preocupa em explicar quem é James Murphy ou de onde ele veio. Nem o nome das músicas é informado. Se você não conhece o LCD Soundsystem, vai continuar sem conhecer. Uma pena. Documentário indie é isso aí.

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O melhor disco do ano já chegou

Por Andre Barcinski
26/10/12 07:05


 

Faz um mês que não escuto outra coisa. Quer dizer, até escuto, mas não presto atenção. Porque “The Seer”, do Swans, é daqueles discos que aniquila a concorrência. Qualquer coisa perto dele soa desimportante.

“The Seer” não é um disco fácil. É um CD duplo, com quase duas horas da música mais intensa e suja que você já ouviu. Mas nada que o Swans fez nesses últimos 30 anos foi de fácil digestão.

O Swans, na verdade, é um projeto solo de Michael Gira. Desde 1982, ele se cercou de parceiros, colaboradores e fãs, para criar sua visão particular de música e de mundo.

A banda surgiu no início dos anos 80, na cena “No Wave” nova-iorquina, que revelou Teenage Jesus and the Jerks, Glenn Branca e Sonic Youth (Thurston Moore tocou baixo numa das primeiras encarnações do Swans).

O grupo andou aos trancos e barrancos até 1997, quando Gira formou o Angels of Light. Em 2010, o Swans voltou com um álbum sensacional, “My Father Will Guide Me Up a Rope to the Sky”.

E voltou também às turnês. Os concertos confirmaram o que fãs mais novos só tinham ouvido falar: no palco, o Swans é insuperável; uma experiência sonora marcante, não só pela intensidade, mas pelo volume desumano a que Gira submete banda e público.

Se alguém tivesse de resumir o som do Swans, colocaria a banda na estante do “industrial”: um som eletrônico, pesado e lento, que influenciou Ministry e Nine Inch Nails.

Mas Michael Gira não concorda. Para ele, Swans tem mais a ver com o blues, com a eterna repetição de um riff até criar um efeito hipnotizante.

“The Seer” é assim: mantras de distorção e “drone” que transportam o ouvinte para um lugar longe, longe daqui. Às vezes, é insuportavelmente doloroso; em outras, bonito de chorar.

Se puder, compre a versão “deluxe” do disco, que vem com um DVD de apresentações ao vivo.

Gira diz que “The Seer” é a culminação de 30 anos de Swans, o disco que ele se preparou a vida toda para fazer. Fica a pergunta: depois que você faz a sua obra-prima, o que fazer?

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