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André Barcinski

Uma Confraria de Tolos

Perfil André Barcinski é crítico da Folha.

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O cineasta que Hollywood estragou

Por Andre Barcinski
26/06/12 07:05


 

De terça para quarta, às 2 da manhã, o canal Max exibe “O Ano em Que Vivemos em Perigo” (1982), do australiano Peter Weir. Não perca.

Foi o quinto filme de Weir e o último antes de ele começar a fazer filmes em Hollywood.

É triste assistir a essa beleza e depois perceber como o talento de Weir foi desperdiçado nos Estados Unidos com besteiras do tipo “Sociedade dos Poetas Mortos” e “Green Card”.

Não que todos seus filmes norte-americanos sejam ruins. Em Hollywood ele fez “A Testemunha” (1985), um ótimo policial com Harrison Ford, “O Show de Truman” (1998), uma comédia sobre “reality TV” com Jim Carrey, e “Mestre dos Mares” (2003), com Russel Crowe.

Mas comparar esses filmes com “Picnic na Montanha Misteriosa” (1975), “The Last Wave” (1977), “Gallipolii” (1981) e “O Ano em que Vivemos em Perigo” é covardia.

São quatro filmes que giram em torno do mesmo tema: a convivência de um mundo “civilizado” com outro, “selvagem”.

É um tema comum a muitos filmes australianos, um lugar onde essa contraposição é marcante, com cidades modernas erguidas próximas a áreas inóspitas e habitadas por populações aborígenes.

Em “O Ano em que Vivemos em Perigo”, um jovem Mel Gibson faz Guy Hamilton, um jornalista australiano que vai à Indonésia em 1965, nos dias que antecedem à guerra civil que derrubou o presidente Sukarno.

Lá, conhece um fotógrafo misterioso e estranho – tanto na atitude quanto na aparência – Billy Kwan (Linda Hunt) e tem um romance quente com uma funcionária da embaixada inglesa, interpretada por Sigourney Weaver.

Linda Hunt ganhou um Oscar de melhor atriz coadjuvante, o primeiro ganho por um ator interpretando uma pessoa do sexo oposto.

O filme tem um clima à Graham Greene, com uma história que mistura política, espionagem e intriga internacional. E Sigourney Weaver correndo na chuva é sempre uma visão do paraíso.

O mais bonito no filme é a forma como Weir mostra a Indonésia e as tradições culturais afetando a vida e as idéias de “forasteiros” como Guy Hamilton e Billy Kwan.

“O Ano em que Vivemos em Perigo” um filmaço. E quem se interessar pelo estilo deve procurar outros filmes feitos por uma turma talentosa de cineastas australianos, todos cooptados posteriormente pelo dinheiro hollywoodiano: George Miller, Bruce Beresford, Gillian Armstrong e Phillip Noyce.

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Fui à Rio+20 e tudo que ganhei foi este apito

Por Andre Barcinski
25/06/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

“Ê ê ê ê ê… Índio quer apito, se não der, pau vai comer.”

Nenhuma frase resume tão bem o Brasil. Mais de 512 anos depois de Cabral pintar por aqui, o Brasilzão continua dando apito para índio. E os índios, claro, somos nós.

Nada aqui é feito para resolver. É tudo cosmética. “Tudo perfumaria”, como diz um amigo.

Este país só funciona quando tem alguém de fora olhando. E a Rio +20 foi mais uma prova.

O trânsito está péssimo? Fácil: suspendam-se as aulas.

O Edward Norton não consegue chegar do hotel à praia do Leblon? É só dar folga para o funcionalismo público.

Aqui perto de casa, o posto da Polícia Rodoviária em Mambucaba (RJ), fechado há dois anos por falta de efetivo, foi reaberto – mas só para a Rio+20. Depois que a Hillary for embora, fecha de novo. E os bananas dos moradores que se danem.

Um amigo, velejador, navega com a família há anos pela costa do Rio de Janeiro e raramente vê um barco da Marinha patrulhando os mares. Durante a Rio+20, seu veleiro foi parado QUATRO VEZES em dois dias, incluindo uma inspeção com direito a oficiais armados entrando na embarcação.

Dá para levar a sério uma conferência que teve palestra de Luciano Huck, multado pela Justiça por crime ambiental, ao cercar uma praia com bóias para impedir a entrada de “indesejáveis”?

“Ah, mas o que importa na Rio+20 é o documento final”, dirão alguns.

Discordo. Não interessa o documento. Porque o Brasil não vai cumprir nada. Não existe vontade política de fiscalizar nada. É só blablabá. Só perfumaria.

Veja só: uma conhecida, que trabalhou na montagem do stand de um órgão público na Rio+20, disse que o custo do stand, cujo objetivo era “divulgar as ações sociais e sustentáveis” do tal órgão, equivale a três vezes o orçamento anual de uma APA (Área de Preservação Ambiental) daqui da região, que protege uma área de 33 mil hectares.

Esta APA não tem verba, não tem apoio, não tem nada. Uma de suas funções é fiscalizar obras irregulares na costa, mas nem barco ela tem. Só falta o governo mandar os fiscais saírem a nado por aí.

Curiosamente, alguns dos muitos crimes ambientais na costeira – e que deveriam ser fiscalizados por esta APA – são cometidos por bilionários que construíram mansões em áreas de preservação. E alguns destes ricaços estavam na Rio+20, divulgando suas ações em prol da natureza e da humanidade. Não é lindo?

Dá para acreditar em sustentabilidade num país que diminui o IPI de carros para satisfazer às montadoras, enquanto sucateia o transporte coletivo?

Já me conformei. Não acredito em mais nada. Quando alguém vier falar em sustentabilidade, vou soprar meu apito até que o chato vá embora.

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Todo cinéfilo deve muito a este sujeito

Por Andre Barcinski
22/06/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Você gosta de cinema? Tem seus diretores preferidos? Gosta de discutir o estilo e influência de cada diretor?

Então você deve muito a Andrew Sarris.

Sarris, um dos mais polêmicos e importantes críticos de cinema norte-americanos, morreu quarta-feira em Nova York, aos 83 anos, de um vírus estomacal. Era casado com a também crítica de cinema Molly Haskell.

Ele foi o maior defensor da “teoria do autor” no cinema. Em 1962, Sarris publicou no jornal norte-americano “The Village Voice” um artigo chamado “Notas sobre a teoria do autor”, em que defendia a idéia de que o diretor seria o verdadeiro “autor” de um filme.

Se hoje isso parece óbvio, naquela época foi considerado por muitos um absurdo.

O cinema era dominado pela figura do produtor, que era o verdadeiro “dono” de um filme (não é à toa que o produtor recebe o Oscar de “melhor filme”). O diretor era quase um coadjuvante, uma figura sem moral e que só obedecia a ordens.

O cinema, em geral, não era visto como grande arte, mas como entretenimento de massa.

No fim dos anos 50, Sarris passou um tempo em Paris, onde conviveu com cineastas da Nouvelle Vague e críticos da revista “Cahiers du Cinema”, como François Truffaut , Jean-Luc Godard e Claude Chabrol.

Foi a turma da Nouvelle Vague que começou a tratar o cinema com a deferência que merecia. Cineastas como John Ford, Nicholas Ray, Howard Hawks e Hitchcock, até então considerados competentes peões na linha de montagem de Hollywood, ganharam status de gênios.

Inspirado pelos franceses, Sarris voltou aos Estados Unidos disposto a divulgar suas idéias. Mas elas não foram tão bem recebidas.

A famosa adversária de Sarris foi a grande crítica Pauline Kael. Em 1963, antes mesmo de entrar para a revista “The New Yorker”, Kael escreveu um artigo furioso, desancando Sarris e suas idéias sobre o “cinema de autor”.

Kael via o cinema mais como um empreendimento colaborativo e zombava dos “devaneios” de Sarris.

Os dois tornaram-se inimigos e passaram a brigar por meio de suas respectivas publicações. Foi uma época de ouro da crítica de cinema nos Estados Unidos, quando cinéfilos se dividiam entre defensores de Sarris e de Kael.

Mesmo quem não concordava com as idéias de Sarris não podia negar sua importância.

Seus textos sobre cinema europeu e asiático no “Village Voice” ajudaram gerações de cinéfilos a descobrir Ingmar Bergman, Michelangelo Antonioni e Akira Kurosawa. Seu fascínio pela “Nouvelle Vague” popularizou Godard e Truffaut.

Sarris também teve grande importância na valorização de cineastas norte-americanos como John Ford, Howard Hawks e Orson Welles, e ajudou a acabar com a barreira que existia entre “cinema de arte” e “cinema comercial”. Para ele, só existia “cinema bom”.

Em 1967, Sarris escreveu: “Hoje, é possível falar de Hitchcock e Antonioni na mesma frase e com a mesma terminologia crítica.”

Sarris foi também um dos primeiros críticos a fazer listas de melhores filmes do ano, prática hoje corriqueira (veja aqui todas as listas que Sarris publicou entre 1958 e 2006).

E torço para que termine logo essa semana maldita, em que se foram Carlos Reichenbach e Andrew Sarris.

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Dois amigos separados pela guerra

Por Andre Barcinski
21/06/12 07:05


 

Há uma semana, escrevi sobre a morte do boxeador cubano Teofilo Stevenson e sobre como a Guerra Fria impediu confrontos entre esportistas dos mundos capitalista e comunista.

Vários leitores lembraram um documentário que mostra como outra guerra – a da Bósnia – acabou com uma longa amizade entre dois jogadores de basquete.

O filme se chama “Once Brothers” e foi produzido em 2010 pela ESPN para celebrar o 30º aniversário da emissora. Se achá-lo em alguma reprise ou DVD por aí, não deixe de ver.

“Once Brothers” conta a história da grande seleção iugoslava de basquete surgida no fim dos anos 80. Liderada pelo gênio Drazen Petrovic, o time contava ainda com ótimos jogadores, como Vlade Divac, Tony Kukoc e Dino Radja.

A Iugoslávia foi vice-campeã olímpica em 1988 e depois ganhou os títulos mundial e europeu. Um timaço. Seus melhores jogadores foram para a NBA, a milionária liga de basquete profissional norte-americano.

Vlade Divac, um pivô meio desengonçado mas eficiente, dono de um temperamento alegre e brincalhão, foi para o grande Lakers de Los Angeles, onde jogou ao lado de Magic Johnson.

Já Drazen Petrovic, um armador de talento quase sobrenatural, foi para o Portland Trailblazers, onde sofreu com a concorrência de grandes jogadores da posição (Clyde Drexler, Terry Porter) e nunca conseguiu se firmar.

Nos Estados Unidos, Vlade e Drazen tornaram-se grandes amigos. Vlade ajudou muito Drazen quando este entrou em depressão por causa dos problemas com o time. Depois, Drazen foi trocado para o New Jersey Nets e começou a se firmar como um dos grandes craques na NBA.

Mas foi aí que a realidade atrapalhou: depois da queda do Muro de Berlim e da iminente dissolução da União Soviética, a Iugoslávia começou um processo de separação entre suas repúblicas. Até então, os jogadores se consideravam iugoslavos. Mas Vlade era sérvio, enquanto Petrovic era croata.

Um acontecimento piorou as coisas: em 1990, quando a Iugoslávia ganhou o campeonato mundial na Argentina, um torcedor invadiu a quadra carregando uma bandeira croata. Vlade se irritou e arrancou a bandeira da mão do torcedor. Vlade diz que o ato não foi uma reação aos croatas, mas um gesto de revolta com as brigas que dividiam o povo iugoslavo.

O ato foi visto como um insulto pelos croatas e um gesto heróico pelos sérvios. E Vlade, um ser apolítico e até ingênuo, se viu no meio de um conflito étnico que ajudou a piorar a situação na Iugoslávia.

Logo depois, quando a guerra entre Sérvia e Croácia começou, e o governo sérvio iniciou um processo sangrento de “limpeza étnica” na região, Petrovic rompeu com Vlade.

Em 1993, durante uma excursão da seleção croata na Europa, Drazen Petrovic morreu num acidente de carro. E Vlade nunca conseguiu fazer as pazes com o amigo.

“Once Brothers” traz imagens impressionantes: quase 20 anos depois do “incidente da bandeira”, Vlade anda por Zagreb, capital da Croácia, e é hostilizado por croatas. Prova de que as feridas ainda vão demorar muito para cicatrizar por lá.

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O caixa eletrônico, nosso inimigo

Por Andre Barcinski
20/06/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

No banco, fila longa para os caixas eletrônicos. Como de hábito, só duas das quatro máquinas estão funcionando.

Na minha frente, um casal de idosos. Quando chega a vez deles, o senhor me pergunta:

– Meu filho, você pode nos ajudar?

– Eu não confio nessas coisas – diz a coroa, apontando para o caixa eletrônico.

O casal me dá um papel com a senha do cartão. Digo que isso é loucura, que eles não podem ficar dando a senha para um desconhecido qualquer.

– Eu tenho medo de usar isso – continua a senhora – Um conhecido apertou um botão errado e perdeu mil reais!

Lembrei imediatamente da minha avó, que também tinha pavor de qualquer máquina e fazia questão de ir TODO DIA ao banco checar o saldo, que continuava sempre o mesmo, já que ela nunca mexia na conta. Acho que a fila fazia bem a ela.

Para idosos, deve ser realmente difícil conviver com tanta novidade.

Um amigo conta que deu de presente para a avó um celular, mas que ela logo se irritou porque só recebia ligações de um tal de “Moto”.

Minha avó tinha um problema sério com secretárias eletrônicas. Ficava tão nervosa que desembestava a deixar o recado por cima da gravação. A gente só sabia que era ela porque os recados estavam sempre pela metade: “…Me liga, um beijo!”

Essa aversão de idosos à tecnologia transcende origem, escolaridade ou classe social.

Por coincidência, esses dias li uma entrevista ótima de Woody Allen no “Wall Street Journal” (veja aqui) em que ele diz:

“Eu não tenho um computador. É mais que incompetência. Tenho aversão a qualquer coisa mecânica. Nunca gostei de câmeras, gravadores ou carros. Tenho um carro, mas não dirijo. Não tenho câmera. Em casa, nas raras vezes em que quero ver um DVD, preciso que minha mulher ligue o aparelho. Nunca, em um milhão de anos, eu saberia o que ela faz para ligar aquilo.”

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Anthony Bourdain em busca do prato perfeito

Por Andre Barcinski
19/06/12 07:05


 

Anthony Bourdain é uma celebridade da TV. Esse ex-junkie, fã de punk rock e chef de talento é conhecido mundialmente por seu programa “No Reservations”.

O restaurante onde Bourdain trabalhou – e onde ainda é “chef executivo” – o Les Halles, é uma instituição nova-iorquina, caso raro de lugar hypado pelos turistas e que serve comida de primeira.

Bourdain surgiu para o mundo com um livro, “Cozinha Confidencial”, lançado em 2000, onde contava os bastidores do mundo da gastronomia.

O livro desmistificava a imagem de chefs como pessoas tranqüilas e sérias, trazendo relatos de sexo, drogas e disputas de ego. Uma espécie de “Medo e Delírio” entre as paredes de uma cozinha.

De Bourdain, eu só havia lido “Cozinha Confidencial”. Mas acabei de ler “A Cook’s Tour”, lançado em 2001 (no Brasil, “Em Busca do Prato Perfeito”), e gostei ainda mais.

O livro é uma espécie de guia de viagens em que Bourdain visita diversos países em busca de experiências gastronômicas únicas.

Ele vai ao Vietnã e bebe sangue de cobra, come caviar com mafiosos russos, acompanha o abate e preparo de um porco gigante no norte de Portugal, se junta a uma tribo de nômades no deserto do Marrocos para assar um carneiro, explora uma cidade do Camboja ainda dominada pelo Khmer Vermelho e visita alguns dos melhores restaurantes do mundo, como o French Laundry, na Califórnia.

Além de ter histórias ótimas, o livro é muito bem escrito, num estilo gonzo/punk sem frescura e cheio de ironia.

O relato de uma manhã no mercado de peixes Tsukiji, em Tóquio, acompanhado do mestre sushiman Kiminari Togawa, e do banquete preparado depois por Togawa, é inesquecível. Dá vontade de pegar o primeiro vôo para o Japão.

Bourdain descreve como Togawa usa uma faca e um arame fino para deixar um peixe vivo paralisado, basicamente num estado comatoso, para que fique fresco até o momento de ser servido. É demais.

Bourdain é um baita escritor. Gosto não só do seu estilo, mas de suas opiniões e visão de mundo.

Ele é um tradicionalista que abomina frescura na cozinha, adora comida popular, despreza o “hype” tão comum ao mundo gastronômico, mete o pau no xiitismo vegetariano, na correção política e na destruição de velhas tradições culinárias em prol de uma suposta “modernização” da indústria alimentícia.

No caminho, ofende bastante gente. Desce o cacete em Jamie Oliver e em Ferran Adrià, é só elogios para Gordon Ramsay.

Leio que Bourdain lançou, ano passado, o livro “Ao Ponto” (Cia. das Letras), a continuação de “Cozinha Confidencial”. Vou pedir o meu.

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Filme revela o gênio excêntrico do piano

Por Andre Barcinski
18/06/12 07:05


 

O Multishow HD está exibindo “Genius Within – The Inner Life of Glenn Gould”, um documentário sensacional sobre o pianista canadense Glenn Gould (1932-1982), uma das figures mais enigmáticas e geniais da música.

Gould foi uma espécie de James Dean do piano: um galã misterioso, excêntrico e carismático, que surgiu como um clarão e morreu cedo demais.

Gould fez seu primeiro recital solo aos 15 anos. Sua primeira gravação, das “Variações Goldberg”, de Bach, caiu como uma bomba na cena de música clássica.

O disco foi um sucesso inesperado de vendas e colocou Gould entre os grandes solistas da época, disputado pelas melhores orquestras e regentes.

O documentário traz imagens de arquivo impressionantes: Gould, ainda adolescente, tendo aulas com seu mestre, o chileno-canadense Alberto Guerrero;  Gould em seu primeiro dia de gravação das “Variações Goldberg” e em imagens de uma triunfal turnê pela União Soviética, em 1957.

É inacreditável que a carreira de um pianista tenha sido tão bem documentada, mesmo antes de seu sucesso. Compare isso com as imagens de arquivo da história do futebol brasileiro, por exemplo, e chore.

Há um trecho surreal, em que o condutor Leonard Bernstein, antes de um concerto de piano de Brahms com Gould de solista, se dirige à platéia e se exime da responsabilidade pelo que o público estava prestes a ouvir. “Num concerto, quem é o chefe, o condutor ou o solista?” pergunta Bernstein, para risos do público.

O gesto de Bernstein foi uma reação à exigência de Gould de que o primeiro movimento da obra fosse tocado na metade de seu andamento normal.

O filme relata as idiossincrasias e esquisitices de Gould: ele insistia em usar luvas para proteger as mãos, cantava as notas enquanto tocava – o que irritava técnicos de estúdio, que muitas vezes não conseguiam eliminar a voz de Gould das gravações  – e tinha um estilo esquisito de tocar piano.

Gould usava um banco muito baixo, construído pelo pai. A altura do banco o obrigava a levantar os braços para alcançar o teclado e lhe dava, segundo especialistas, uma maior autonomia dos dedos em relação ao braço. Isso conferia a Gould um som próprio e um estilo particular.

Mas as esquisitices de Gould não conseguiram eclipsar o grande artista que foi. Um artista que sempre preferiu o estúdio de gravação ao palco – onde, dizia, a arte era substituída pela competição – e que abandonou os concertos aos 31 anos.

Ao explicar sua decisão, disse uma das frases mais bonitas que já ouvi sobre o significado da arte:

“O sentido da arte é a combustão interna que provoca nos corações dos homens e não suas manifestações públicas, vazias e externas. O propósito da arte não é uma momentânea ejeção de adrenalina, mas a construção gradual e perene de um estado de deslumbramento e serenidade.”

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Ministra da Cultura acha que Cinema Marginal é cinema feito por marginais

Por Andre Barcinski
15/06/12 12:48

Peço licença para voltar ao assunto da morte do querido Carlão Reichenbach. Só que, dessa vez, para reclamar.

Li, há pouco, a declaração da Ministra da Cultura, Ana de Hollanda, sobre Reichenbach:

“Um cineasta inquieto, vanguardista que, por trilhar caminhos menos usuais entre os cineastas tradicionais, foi taxado como autor de filme marginal e da Boca do Lixo. No entanto, apaixonado pelo cinema em si, foi autor de obras-primas como ‘Anjos do Arrabalde’ e ‘Alma Corsária’, entre outras.”

É uma das declarações mais preconceituosas, desconexas e ignorantes que já li.

Saber que a Ministra da Cultura declarou isso dá depressão. Mostra um total desconhecimento da história do cinema brasileiro e do cinema paulista em particular.

Vamos lá: em primeiro lugar, Carlão não foi considerado “marginal” e “da Boca do Lixo” por “trilhar caminhos menos usuais entre os cineastas tradicionais”.

Isso dá a entender que ele era um “cineasta tradicional” (daí o “entre” usado pela Ministra, incluindo Carlão no grupo) que optou por “trilhar caminhos menos usuais”.

“Menos usuais” para quem, cara-pálida? Para a geração de Carlão, formada nos cineclubes e fora do circuito estatal de financiamento, a liberdade criativa da Boca do Lixo era a única opção. Ou foi, por um bom tempo.

O “foi taxado” implica quase num xingamento, como se “cineasta marginal” e “da Boca do Lixo” fossem estágios menores na carreira de um homem de cinema. Além do erro grosseiro de usar “taxado” no lugar de “tachado”, claro.

Só lembrando que “tachado” significa “a que se apontou defeito ou tacha”.

Aí vem a pior parte: “No entanto, apaixonado pelo cinema em si, foi autor de obras-primas…”

“No entanto”? O que isso quer dizer? Será que Ana de Hollanda quis dizer que “apesar de ser da Boca, ele era um ótimo cineasta?

E “apaixonado pelo cinema em si”? Quer dizer que o cinema da Boca não era cinema? Ou era um tipo de cinema que não se incluía no “cinema em si”?

A frase inteira, começando em “no entanto”, dá a entender que Carlão fez obras-primas “apesar” de ser associado ao cinema marginal e da Boca do Lixo.

Ministra, um toque: Cinema Marginal não é cinema feito por marginais. Não é cinema menor e não é demérito para ninguém estar incluído nesse grupo “marginal”.

A Boca do Lixo foi um dos capítulos mais bonitos de nosso cinema, um oásis de liberdade e independência, uma célula de resistência que teimava em sobreviver num cinema quase sempre dependente do Estado.

E o Estado brasileiro, desde sempre, fez questão de varrer o cinema da Boca do Lixo para baixo do tapete oficial.

Agora, que morreu um dos maiores nomes do cinema rebelde, autoral e independente brasileiro, só peço à ministra que não continue a varredura.

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O cinema segundo Carlão Reichenbach

Por Andre Barcinski
14/06/12 20:51

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Sempre admirei Carlos Reichenbach à distância.

Não posso dizer que fui amigo dele, até porque só o encontrei pessoalmente umas cinco ou seis vezes. Mas foram todos encontros marcantes para mim.

Lembro o dia em que o apresentei a Roger Corman, numa retrospectiva deste que eu ajudei a organizar. Foi impressionante: Carlão parecia saber mais sobre a carreira de Corman que ele próprio.

Os dois passaram um bom tempo falando de “The Intruder” (1962), um drama racial com William Shatner que, segundo Corman, foi o único de seus mais de 300 filmes como produtor ou diretor a dar prejuízo. Carlão considerava o filme uma obra-prima. E era mesmo.

Nunca conheci alguém que amasse tanto o cinema e se esforçasse tanto para divulgá-lo. Carlão estava sempre falando de algum obscuro diretor dinamarquês ou de um filme alemão desconhecido que você não podia perder de jeito nenhum.

Eu não o admirava apenas como cineasta, mas como “homem de cinema”. Porque ele não foi só um diretor de filmes: escreveu sobre cinema como poucos, exibiu filmes, discutia cinema 24 horas por dia, nunca recusava um convite para falar de cinema. Seu blog, Olhos Livres, era uma das melhores coisas da Internet.

Carlão sempre simbolizou, para mim, um tipo de artista em extinção no Brasil: o que vive à margem da cultura “oficial”, alguém que tinha conquistado seu próprio espaço e não precisava fazer concessões.

Adorava vê-lo falar sobre a Boca do Lixo e os filmes rebeldes que vieram de lá. Adorava ler seus textos sobre os subterrâneos do cinema no Brasil e suas louvações a ídolos como Samuel Fuller e ao cinema autoral, pessoal e único.

Quem diz que o Brasil nunca teve uma indústria de cinema não sabe o que diz. Carlão e seus comparsas da Boca foram heróis de um cinema off-Embrafilme. Para mim, o melhor e mais ousado cinema que se fez no país.

Há pouco, ouvi a notícia: Carlão Reichenbach morreu, no dia em que fazia 67 anos. Me deu um arrependimento danado de não tê-lo conhecido melhor.

Para mim, Carlão será sempre um farol. Um artista único e uma figura única. Um cara que batalhou pelo cinema não como a maioria, em abraços coletivos e corporativos que escondem a mediocridade, mas sempre defendendo a individualidade dos criadores e o cinema dos inconformados. Um gigante.

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"Herdeira" de Rodrigo Faro é uma estrela... e nem nasceu ainda

Por Andre Barcinski
14/06/12 07:05

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Recebi um release de imprensa que gostaria de dividir com os leitores. O título é “Rodrigo Faro e Vera Viel anunciam seu terceiro milagre.” Aí vai:

“Rodrigo Faro (…) e sua esposa Vera Viel são os novos embaixadores da marca ‘x’ (nome ocultado para não fazer merchandising corporativo) no Brasil, juntamente com a apresentadora Angélica.

Para comemorar a parceria, Faro e Vera Viel confirmam, em primeira mão, a gravidez do terceiro pequeno milagre no You Tube, Twitter e Fan Page da marca no Facebook.

Vera, que está no terceiro mês de gestação, se emociona ao falar da filha. ‘Estávamos aguardando com muita alegria mais esse pequeno milagre’, conta. (…) Rodrigo já chama a filha de Heleninha e não perde oportunidades para mimar a esposa, que já está com a barriguinha aparente.

‘X’ acredita que todo bebê é um ‘pequeno milagre’ e merece a melhor proteção e cuidado. Ao manterem seus ‘pequenos milagres’ secos e confortáveis, as mães estão completando o ciclo de proteção dos recém-nascidos, que começa com amor, dedicação e cuidado, terminando com a escolha de uma fralda que atenda a todas as necessidades da pele delicada do bebê.”

Rodrigo Faro e Vera Viel são maiores de idade e fazem o que bem entenderem com seus filhos.

Se eles acham legal explorar comercialmente um momento tão bonito e íntimo como a gravidez, quem pode repreendê-los? Cada um na sua.

Só acho que essa obsessão da mídia e da indústria pela prole de famosos está atingindo um nível orwelliano.

Celebridades estão assinando contratos para criaturas que nem nasceram ainda. Algumas – não estou dizendo que é o caso de Faro – usam os filhos como verdadeiros “outdoors” e divulgam datas e horários em que estarão passeando com os pequenos na praia.

E essa mania de associar a gravidez a um “milagre”, como se fosse uma epifania mística?

Pena que Ray Bradbury morreu. O que diria sobre isso?

A única explicação que posso imaginar para esse fenômeno é a saudade da monarquia. Ou alguém acha que é à toa que revistas de fofocas chamam bebês de “herdeiros”?

A mídia de fofocas no Brasil nunca foi combativa como a britânica, que vive de escândalos e traições. O brasileiro, ser cordial por natureza, parece achar de mau gosto qualquer revelação pouco elogiosa sobre seus ídolos.

Já notícias sobre “herdeiros” são vistas com bons olhos. É a “fofoca do bem”.

Para as celebridades, nada melhor que uma gravidez para impulsionar a carreira: a chegada de um bebê garante um bom período de exposição constante na mídia.

A exposição começa antes da gravidez, quando fulana anuncia que planeja engravidar, continua pelos nove meses da gestação e se estende aos primeiros anos do bebê, quando fulana aparece mostrando sua nova “vida de mãe” e exibindo a boa forma readquirida depois do parto.

Mais que um “milagre’, um bebê é um belo investimento na carreira. Recomendo a todos.

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