Riquelme e o futebol sem dancinhas
14/05/12 07:08
Sou fã do argentino Riquelme. Prestes a completar 34 anos, ele está lento e não tem a movimentação de antes, mas vê-lo jogar é sempre uma surpresa.
O que mais me impressiona em Riquelme é que ele não parece um craque. Nem postura de jogador ele tem, com os ombros caídos, uma pequena corcunda e um jeito de correr que lembra aqueles filmes de jogos dos anos 50.
Riquelme não é um meia “elegante”, só para usar uma expressão que define um craque como Paulo Henrique Ganso, por exemplo.
O que Riquelme fez nos dois jogos do Boca Juniors contra o chileno Union Española, pelas oitavas da Libertadores, beirou o sobrenatural. O cara ganhou os dois jogos sozinho.
No primeiro jogo, em Buenos Aires, Riquelme marcou um gol e começou a jogada do segundo. O Boca ganhou por 2 a 1.
No segundo, no Chile, elemarcou um golaço e ainda deu passe para os outros dois gols do Boca. Resultado: 3 a 2.
Mas o impressionante mesmo foi o que Riquelme fez sem a bola.
No jogo em Buenos Aires, o Union Española jogou melhor que o Boca. O time argentino saiu na frente, mas os chilenos empataram e perderam vários gols.
Riquelme passou a bater boca com o capitão do Union, Diego Scotti. Dava para perceber que a irritação de Scotti crescia a cada instante, enquanto Riquelme mantinha um sorrisinho irônico no rosto.
O Boca desempatou no fim. Mas o 2 a 1 não era um resultado ruim para o Union Española, que só precisaria de uma vitória por 1 a 0 no jogo da volta para se classificar.
No último minuto da partida, Scotti perdeu a cabeça e deu um chute em Riquelme. Foi expulso.
Não sei o que o argentino disse para Scotti, mas deve ter sido um xingamento daqueles cabeludos e de “timing” impecável – como o de Materazzi para Zidane, na final da Copa de 2006.
Resultado: o time chileno perdeu seu capitão para o jogo da volta.
No Chile, Riquelme “cozinhou” o jogo como só um maloqueiro profissional sabe fazer: demorava uma eternidade para bater escanteios, olhava para a torcida com ar desafiador, prendia a bola no meio de campo e irritava os adversários.
Numa falta perto da área, ele fingiu que ia cruzar alto e bateu rasteiro, atravessando a pequena área. Jogada ensaiada, um a zero. No segundo, pressionou o zagueiro chileno, que perdeu a bola. Riquelme esperou o goleiro sair, tirou-o da jogada com um drible de corpo e deu um toquinho de lado, sem olhar, deixando o companheiro livre para marcar.
O terceiro foi uma pintura: Riquelme recebeu do lado esquerdo da defesa e entrou em diagonal, passando por três chilenos e batendo no contrapé do goleiro. Gol de craque.
Gosto ainda mais de Riquelme porque ele é o oposto do biótipo do jogador “moderno”. E o futebol moderno, convenhamos, já encheu, com sua objetividade de laboratório e seus esquemas táticos montados em computador.
Ao irritar o adversário ou provocar sua expulsão, Riquelme desmonta qualquer esquema desses. É a vitória da psicologia sobre a tecnologia.
Outra coisa que gosto em Riquelme: ele nunca foi visto fazendo dancinhas, correndo para a câmera ou ajeitando o penteado antes de entrar em campo.
Sempre torço por Riquelme. Com exceção dessa semana, quando ele joga contra meu Flu. Quero que ele se exploda.
P.S.: Tributo a Donald “Duck” Dunn
O texto acima estava pronto quando soube da morte de Dunn, baixista do Booker T. & the MG’s. Amanhã publico um post sobre ele e seus quase 50 anos de carreira.