Meus dois centavos (em reais, não Cubo Cards) sobre o Fora do Eixo
12/08/13 07:05Vários leitores pediram um texto sobre as recentes polêmicas envolvendo o coletivo Fora do Eixo.
Nos últimos dias, pipocaram na web muitos depoimentos – a favor e contra – o Fora do Eixo. Selecionei trechos marcantes de dois deles.
O primeiro, de Rafael Vilela, é a favor (leia a íntegra aqui), e pinta uma imagem lúdica e elogiosa da vida dentro da Casa Fora do Eixo, em São Paulo:
Passei a fazer parte do famoso Caixa Coletivo. É tipo mudar de combustível – de um poluente pra um biodegradável. Você continua se alimentando, tomando banho, tendo os equipamentos que precisa, as roupas que gostaria de usar mas o que te move já não é mais o mesmo. A ânsia por ter cada vez mais e ser cada vez menos já não nos alcança. É trocar um modelo de salário, de acúmulo e de fetiche pelo pertencimento por uma vivencia comunitária, compartilhada em bens, serviços e afetos, onde o medidor máximo de sucesso é o FIB – a Felicidade Interna Bruta.
O segundo, de Laís Bellini (íntegra aqui), vai no caminho oposto: descreve uma série de problemas e situações desagradáveis que a autora diz ter vivido, na mesma Casa Fora do Eixo:
Você vive dentro da Casa Fora do Eixo São Paulo e isso é a sua vida. Se você quer visitar seus pais no interior… olha sinceramente, que você tenha um bom motivo… e que não venha “pedir” dois meses seguidos. Sim, porque ali o verbo era esse. “Posso ir visitar minha mãe essa semana?”, coisas do tipo. (…) Agora, ai de você perguntar por que o Pablo tá saindo. Por que a Lenissa vai passar 3 dias fora. Você não tem que perguntar. Ela vai sair, vai usar o dinheiro do caixa coletivo, não vai pedir a ninguém o quanto vai usar. Mas claro, veja bem, ela tem “mais lastro que você”. O Pablo resolveu dormir até mais tarde e perdeu o vôo. Não importa, ele nem se deu a obrigação de cancelar o vôo. “Você vai ligar lá Laís, vai dar um jeito de trocar a passagem.” “Mas já passou a hora do checkin” “não importa, troca, ou compra outra, tem que comprar outra, rápido Laís, já resolveu (o gtalk bombando!!!) vai Laís, vai logo, menina, tá lerda hoje, você é lerda mesmo né, parece retardada”.
Sobre a convivência dentro da Casa Fora do Eixo, acho que só quem esteve lá pode opinar. Se um maior de idade decide fazer parte de um culto onde as pessoas falam etrusco, vivem peladas e usam perucas de frutas da Carmen Miranda, ninguém tem nada com isso. A menos que as perucas tenham sido compradas com dinheiro público.
O que leva à pergunta que ainda não vi respondida de forma convincente: o Fora do Eixo é um coletivo “independente”, como apregoa, ou apenas usa esse discurso para captar verbas – públicas e privadas – sem dividi-las com os artistas?
A acusação mais freqüente que ouço contra o Fora do Eixo é de que ele coopta o trabalho de muitas pessoas, quase sempre sem pagar – ou “desmonetariza”, como diz o jargão do coletivo – só para inflar sua própria importância e, assim, captar mais verbas.
Não sou contra o uso de verbas públicas em cultura. É para isso que existem leis e editais. Sou contra usar verba pública em eventos com ingressos caros. Acho que grana estatal deveria ir para eventos gratuitos ou muito baratos. Também acho que iniciativas de preservação e recuperação de acervos e arquivos precisam de ajuda estatal. Mesmo os eventos gratuitos precisariam passar por uma peneira mais fina, para evitar casos como o da Virada Digital, um evento bancado por estatais e que prometia levar “tecnologia de ponta” à cidade de Paraty, mas que deixou um rombo gigantesco de contas não pagas na cidade e prejudicou muitos comerciantes locais (por coincidência, um dos palestrantes foi Pablo Capilé, do Fora do Eixo – leia mais aqui).
Há alguns anos, eu era sócio de uma casa noturna em São Paulo e fui convidado a participar de um evento em Recife, patrocinado pela Petrobras, chamado Feira Música Brasil (antes que perguntem, não recebi nada pela participação, apenas passagem e hospedagem).
Segundo o site da Petrobras, a Feira Música Brasil é “um evento voltado para o incentivo à indústria cultural, a partir de ações que movimentem a cadeia produtiva de economia da música, em todas as suas etapas e desdobramentos.” Achei o site do FMB de 2010, que aconteceu em Belo Horizonte, e que tem o logotipo do Fora do Eixo por todos os lados (veja aqui).
O que vi em Recife me impressionou, e não positivamente: durante três ou quatro dias, falei com dezenas de grupos e artistas, especialmente nordestinos, maioria no evento. E nenhum deles – não é exagero – vivia sem algum tipo de ajuda estatal.
Quase todos os CDs que recebi tinham o selo de alguma prefeitura ou governo estadual. Todos os shows que as bandas faziam eram pagos por alguma prefeitura.
Comecei a perguntar às bandas quantos shows elas tinham agendados em locais privados. Depois de horas, encontrei uma, que dizia ter um show marcado num bar em Porto Alegre. Mas as passagens estavam sendo custeadas pelo governo de Pernambuco.
Na casa noturna da qual fui sócio, fizemos dezenas de shows de bandas brasileiras. A média de pagantes era baixíssima, insuficiente até para pagar o staff da casa. Das muitas bandas alternativas brasileiras que tocaram lá, lembro apenas uma – o Matanza – que parecia ter público para se sustentar.
Talvez os artistas consigam se sustentar no mundo do Fora do Eixo, onde recebem em moeda própria e trocam sua arte por “serviços” ou coisa que o valha. Mas isso não vale no mundo real, onde ninguém sabe o que é o tal Cubo Card. O Fora do Eixo recebe em reais e paga em Cubo Cards. É o verdadeiro Milagre Econômico.