Semaninha miserável para a música: terça-feira passada, Dominguinhos se foi. Sexta, foi a vez de J.J. Cale. O guitarrista norte-americano morreu aos 74 anos, de um ataque do coração.
Cale é muito menos conhecido do que merecia, mas não parecia se importar com isso. Era um artista que não gostava de entrevistas e odiava até tirar fotos. Dizia se sentir mais feliz num estúdio, experimentando com novas tecnologias – nunca fui um purista do blues e sempre adorou novidades tecnológicas e bugigangas – do que falando de si mesmo.
Para o grande público, Cale foi só o compositor de “Cocaine”, grande sucesso na voz de Eric Clapton. Mas para guitarristas, ele foi um mito, um instrumentista que, sob a aparente simplicidade de seu som e modo de tocar, escondia uma técnica primorosa.
Não é à toa que gente como Clapton, Santana, Neil Young, Waylon Jennings, Jack White e tantos outros morriam de amores pelo estilo espartano, quase zen de J.J. Cale. É preciso muito treino e talento para ser simples. De certa forma, J. J. Cale foi o oposto do “guitar hero”.
E pensar que ele quase abandonou a música. Em 1970, Cale ganhava a vida fazendo bicos de motorista, quando Eric Clapton gravou “After Midnight”, que Cale havia lançado em 1966. Foi a bênção de Clapton – e os royalties de “After Midnight”, claro – que persuadiram Cale a gravar seu primeiro LP, “Naturally”, em 1972.
Achei no Youtube a íntegra de um documentário sobre J.J. Cale – “To Tulsa and Back”. Vi os primeiros 20 ou 30 minutos e parece muito bem feito.
O curioso é notar que o filme começa com um show de Cale, em que os músicos vão subindo ao palco, um a um. E ele, o líder da banda e “estrela” do show, sobe ao palco antes do resto da banda, o que diz bastante sobre esse anti-herói da guitarra.
Otis Redding morreu em um desastre aéreo em 10 de dezembro de 1967. Tinha 26 anos. Repito: 26 anos.
No acidente morreram, além de Redding, quatro integrantes de sua banda, The Bar-Kays, responsável, junto com o Booker T. and the MG’s, pela maioria das gravações da Stax, a gravadora de Memphis que lançou Isaac Hayes, Wilson Pickett, Sam and Dave, Albert King e Eddie Floyd. A morte de Otis e dos Bar-Kays quase acabou com a Stax.
Acabou de sair nos Estados Unidos uma caixa de três CDs, “The Complete Stax/Volt Singles Collection”, com as 70 músicas lançadas em compactos por Otis Redding. Já encomendei a minha.
A caixa traz os grandes sucessos de Redding – “Respect”, “Try a Little Tenderness”, “Knock on Wood” e, claro, o hit póstumo (“Sittin’ On) the Dock of the Bay – e todos os lados B dos compactos.
“Dock of the Bay” foi escrita por Redding em parceria com o guitarrista Steve Cropper, do Booker T. and the MG’s, e deixava claro o caminho mais sofisticado para o qual Redding parecia querer levar sua música.
A canção – composta em agradecimento à acolhida calorosa do público hippie do festival de Monterey, em junho de 1967 – não foi bem recebida pela gravadora, que não viu nela o mesmo potencial comercial de outras músicas do cantor. Mas acabou liderando as paradas depois que Redding morreu e “Dock of the Bay” virou seu epitáfio.
A carreira de Otis Redding foi tão breve, e interrompida de forma tão abrupta, que só resta imaginar o que ele poderia ter feito se tivesse mais tempo de vida e carreira.
Aos 26 anos, já era um dos maiores cantores de soul music de todos os tempos. O que teria sido aos 30? Aos 40? Aos 50?
P.S.: Por falar em gênios da soul music, não posso deixar de indicar essetexto antológico do “Fora do Beiço” sobre a “caônização” do cantor Criolo. Não sei quem escreve, mas o parabenizo.
A música brasileira perdeu um de seus grandes artistas na terça-feira, quando morreu, em São Paulo, Dominguinhos, 72. Meu colega Lucas Nobile, da “Ilustrada”, escreveu um texto bacana sobre o sanfoneiro, a quem chamou de “sucessor direto de Luiz Gonzaga” (leia aqui).
A importância de Dominguinhos não foi apenas como um grande instrumentista e compositor. Claro, ele tocou com quase todos os grandes nomes da MPB, do forró e do sertanejo, mas acho que sua maior colaboração foi a imensa divulgação que fez da música nordestina, nos últimos 40 anos.
Até Dominguinhos despontar na cena musical brasileira, no início dos anos 70, o “Sul Maravilha” conhecia muito pouco a música do Nordeste, e em especial o forró e o xaxado.
Luiz Gonzaga, Jackson do Pandeiro e Marinês eram batalhadores pelas tradições musicais nordestinas, mas a verdade é que ainda havia um grande preconceito contra esse tipo de música.
Nos anos 70, surgiu no Brasil uma nova geração de artistas nordestinos, que misturou a música tradicional ao pop: gente como Fagner, Alceu Valença, Elba Ramalho, Zé Ramalho, Amelinha, Robertinho de Recife, Belchior, Ednardo, Geraldo Azevedo e muitos outros.
Nenhum deles podia ser classificado como um purista do forró ou do som dos violeiros, mas todos demonstravam uma clara veneração por suas raízes musicais, e ajudaram a divulgar a música nordestina em todo o país. E Dominguinhos estava nessa turma.
Entrevistei o sanfoneiro duas vezes, e ele sempre falou do orgulho que sentia ao ver como a música tradicional nordestina havia se tornado “nacional”.
Achei no Youtube trechos de apresentações de Dominguinhos com Yamandu Costa, que eu não tinha visto. Aqui, eles tocam “Pedacinho do Céu”, de Waldir Azevedo. Bonito demais esse encontro musical do sul com o nordeste.
P.S.: Valeu, Cuca!
Fiquei muito feliz com o título do Cuca. Ele merecia. Há anos, é o melhor técnico do Brasil, o único – quem mais? – que joga um futebol ofensivo e que não tem medo de arriscar em substituições ousadas.
Foi muito engraçado o desabafo dele ontem – “Não tem mais azarado p… nenhuma!” – depois do jogo.
Esse negócio de azar é uma besteira. Antes de chegar ao Corinthians, em 2010, Tite também era considerado um técnico de pouca sorte. E deu no que deu.
Cuca pegou o Atlético quase rebaixado, em 2011, e levantou o time. Conseguiu fazer alguns jogadores de passagens péssimas por outros times – Ronaldinho Gaúcho, Jô, Tardelli – jogarem muita bola.
Parabéns a ele e ao Galo. Foi o melhor time da competição e mereceu o titulo.
Anteontem, morreu nos Estados Unidos o ator Dennis Farina, 69, conhecido do grande público por sua atuação na série policial de TV “Law and Order”.
Entrevistei Farina nos anos 90, quando ele atuou em “O Nome do Jogo” (“Get Shorty”). Farina foi um dos grandes coadjuvantes do cinema americano dos anos 80 e 90, sempre em papéis de gângsteres ou policiais. Aqui vai uma seleção de cinco filmes marcantes nos quais ele atuou.
Thief (Michael Mann, 1981)
Confesso que nem lembrava que Farina atuava nesse filme. Se você não viu, procure, porque é excepcional. James Caan faz um ladrão de jóias que decide fazer um último trabalho – sempre assim, não? – para um gângster. Willie Nelson faz uma ponta – sem trocadilho – e a trilha sonora é do Tangerine Dream. Não dá para querer mais.
Manhunter (Michael Mann, 1986)
Mais um filmaço de Michael Mann. No Brasil, chamou “Caçador de Assassinos” e foi a primeira aparição no cinema do personagem Hannibal Lecter. Foi refilmado – e muito bem, por sinal – em 2002 com Edward Norton e Ralph Fiennes, com o título de “Dragão Vermelho”. William Petersen (de “Viver em Morrer em Los Angeles”) faz um investigador atrás de um assassino serial. Dennis Farina interpreta um chefe do FBI.
Fuga à Meia-Noite (Martin Brest, 1988)
Passa direto na TV e é divertido demais. Robert De Niro faz um caçador de recompensas que precisa prender e trazer de volta um advogado (o ótimo Charles Drodin) que roubou uma fortuna de um chefão mafioso, interpretado por Dennis Farina. Joe Pantoliano (“Sopranos”) faz um rival de De Niro.
O Nome do Jogo (Barry Sonnenfeld, 1995)
Baseado no livro “Get Shorty”, de Elmore Leonard, tem a melhor atuação de John Travolta no cinema e um elenco espetacular, com Gene Hackman, Rene Russo, Danny De Vito, James Gandolfini, Delroy Lindo e Bette Midler (pisque e você perderá Jane Fonda). Travolta faz um gângster que tem sonhos de trabalhar em cinema, e Hackman, um produtor picareta de filmes classe “Z”. Dennis Farina é o rival de Travolta e passa o filme todo sendo espancado.
Irresistível Paixão (Steven Soderbergh, 1998)
Outro bom filme, baseado num livro de Elmore Leonard. George Clooney, na primeira de muitas colaborações com Soderbergh, faz um ladrão de bancos que, na fuga da prisão, acaba dividindo a mala de um carro com uma gostosíssima policial (Jennifer Lopez). É outro filme com elenco de peso: Ving Rhames, Don Cheadle, Catherine Keener e Steve Zahn. E quem gostou do comediante Albert Brooks no papel do mafioso de “Drive” pode conferir que não foi a primeira vez em que ele interpretou um sádico.
P.S.: Esse texto estava pronto e programado quando foi anunciada a morte de Dominguinhos. Amanhã farei um texto sobre o grande músico.
Estive em São Paulo esses dias e, como sempre, chamei meu amigo José Mojica Marins, o Zé do Caixão, para jantar e botar o papo em dia.
Mojica me contou um caso sensacional e me autorizou a dividi-lo com os leitores. A história envolve seu amigo e parceiro Mário Lima, ator de vários de seus filmes.
– Não posso jantar, só almoçar, porque de noite vou encontrar o Mário – disse Mojica.
– Que Mário?
– O Mário Lima.
– Mas o Mário Lima não morreu?
– Morreu faz alguns meses, mas ele procurou a Federação Espírita e disse que precisava falar comigo.
– E o que ele quer com você, Mojica?
– Deve ser alguma coisa sobre um projeto. Três dias antes de morrer ele me disse que tinha dois projetos pra fazer comigo. Talvez seja isso.
– Mas como ele vai fazer o projeto com você se está morto?
– Isso não sei, vou descobrir. Ou então ele quer me pedir alguma coisa, você sabe como era o Mário. Ele vivia lá em casa, ia todo dia comer doce.
– Comer doce?
– É, ele era maluco por bolo e cocada, vinha lá de Ferraz de Vasconcelos todo dia pra comer cocada numa confeitaria perto da minha casa. Eu sempre pagava pra ele. Só falta ele me pedir dinheiro emprestado, porque tô duro!
Combinamos que eu ligaria depois para saber como havia sido o encontro com o espírito. Mojica pediu para eu telefonar dali a dois dias, porque no dia seguinte iria encontrar um amigo, George, um empresário e ator egípcio – George interpretou o vendedor de balões necrófilo no fantástico episódio “Tara”, do longa “O Estranho Mundo de Zé do Caixão” – que estava com um projeto incrível: fazer um filme de terror sobre “o encontro do rio Nilo com o Amazonas”, a ser filmado em Peruíbe. Segundo Mojica, George fez fortuna com uma rede de escolas de dança do ventre, mas os negócios estavam sofrendo por causa da recente crise política no Egito. Dois dias depois, liguei para ele:
– E aí, conseguiu falar com o Mário?
– Consegui sim, ele baixou num “aparelho” e conversamos um pouco, mas não foi legal.
– Como assim?
– Ele disse que estava muito confuso no lugar pra onde foi, e que precisava botar a cabeça em ordem pra falar melhor comigo. Ele ficou de marcar outro dia.
Dia desses, assistimos a um documentário absolutamente espetacular: “Deep Water” (2006), de Jerry Rothwell e Louise Osmond, sobre a trágica e histórica regata solitária de volta ao mundo promovida pelo jornal inglês “Sunday Times” em 1968.
Não achei informação sobre lançamento no Brasil. Nos Estados Unidos, foi exibido no Netflix. A íntegra do filme pode ser encontrada no Youtube.
“Deep Water” foi baseado no livro “Uma Viagem para Loucos”, de Peter Nicholls, lançado no Brasil em 2002 pela editora Objetiva. Está fora de catálogo, mas achei quatro exemplares no site Estante Virtual. Sugiro correr e comprar, porque a história é inacreditável.
O Sunday Times teve a ideia de promover a regata em 1966, depois que o navegador inglês Francis Chichester completou sua lendária volta solitária ao mundo em nove meses e um dia, a bordo do veleiro Gipsy Moth IV.
Chichester velejou sozinho pela “Clipper Route”, uma rota tradicionalmente usada por navios ingleses do século 18 para chegar à Austrália. A rota consiste em descer o Atlântico, circundar a África pelo Cabo da Boa Esperança e dar a volta ao globo, retornando pelo sul da América do Sul e fazendo a volta à Europa pelo Cabo Horn. No trajeto, Chichester fez uma parada na Austrália.
Depois da viagem de Chichester, só havia um feito que nenhum navegador havia tentado: dar a volta ao mundo sem parar.
Em 1968, o jornal inglês “Sunday Times” anunciou a primeira regara solitária ininterrupta do mundo, oferecendo ao vencedor um prêmio de cinco mil libras. Os barcos podiam partir da Inglaterra em qualquer data entre 1º de junho e 31 de outubro, e os tempos de viagem seriam comparados para se chegar ao vencedor.
Nove barcos foram inscritos. Apenas um chegou ao destino.
“Deep Water” foca em três competidores: o francês Bernard Moitessier e os ingleses Robin Knox-Johnston e Donald Crowhurst.
Moitessier e Knox-Johnson eram velejadores de primeira categoria, acostumados a longas travessias oceânicas, e logo passaram a disputar a liderança da prova.
Já Donald Crowhurst era um velejador de fim de semana, que viu na corrida a chance de ganhar algum dinheiro e ajudar a família. Ele construiu o próprio barco, um trimarã de 40 pés (12 metros) chamado Teignmouth Electron, e partiu para a volta ao mundo, sem ter experiência em longas travessias. Era quase uma missão suicida.
Atenção: o texto a seguir contém spoilers; se não quiser saber o fim da história, pare por aqui.
Quando os velejadores começaram a enviar, por rádio, suas coordenadas, todo mundo levou um susto: Crowhurst estava liderando a prova. Por várias semanas, a imprensa de todo o mundo noticiou que um azarão estava à frente da regata mais famosa de todos os tempos.
Na verdade, a situação era oposta: Crowhurst mentia quanto às suas coordenadas; dizia estar perto da Austrália quando, de fato, flutuava na costa brasileira. Seu plano era esperar vários meses até que os competidores estivessem voltando, para encontrá-los na subida à Europa.
Os diários de bordo de Crowhurst revelam que ele estava sofrendo crises de demência, pioradas pela solidão. Imagens filmadas pelo próprio Crowhurst – cada competidor recebeu câmeras e filme, para registrar a viagem – o mostram falando sozinho, em estado psicótico.
Crowhurst tinha medo de que sua farsa fosse descoberta e sua família, humilhada. Ele não agüentou a barra e cometeu suicídio, se jogando no Atlântico. O Teignmouth Electron foi encontrado à deriva no Caribe.
E a disputa entre Knox-Johnston e Moitessier nunca foi concluída. Knox-Johnston foi o único velejador a concluir a travessia. Já o francês teve uma epifania, decidiu que o mar não era lugar para competição, abandonou a corrida, deu mais uma volta ao mundo e foi parar no Tahiti.
Anos depois, Moitessier escreveria um livro, “O Longo Caminho”, lançado no Brasil pela Edições Marítimas, em que explica sua decisão. O francês virou uma lenda para velejadores de todo o mundo.
Difícil imaginar um fim de noite melhor para seu sábado que assistir a “Os Incompreendidos” (Telecine Cult, 0h de domingo), de François Truffaut.
Filmado em 1959, marcou a estréia de Truffaut (1932-1984) no cinema e é, para muitos, seu melhor trabalho.
Akira Kurosawa considera “Os Incompreendidos” um dos maiores filmes já feitos, e gente como Scorsese e Coppola já falaram de como foram influenciados por esse clássico da Nouvelle Vague.
O filme conta a história de Antoine Doinel (Jean-Pierre Léaud), um menino de 12 anos que tem dificuldades para se relacionar com a mãe e o padrasto, odeia a escola, e vive cometendo pequenos delitos.
Mas resumir “Os Incompreendidos” a mais uma história de juventude rebelde seria diminuir sua grandeza. É um filme sobre um espírito livre em um mundo nem tanto, que celebra, mesmo que de maneira triste, a necessidade de alçar vôos maiores.
O personagem de Antoine Doinel foi inspirado na própria vida de Truffaut e tornou-se tão marcante para o cineasta que ele o utilizou em quatro outros filmes – três longas e um curta – até 1979, com “O Amor em Fuga”. Em todos eles, Antoine foi interpretado pelo mesmo ator, Jean-Pierre Léaud.
Na lista de grandes filmes sobre a juventude e sua dificuldade de relacionamento com o mundo “normal”, “Os Incompreendidos” está no topo, junto a “Os Esquecidos” (Luis Buñuel, 1950), “Aparajito” (Satyajit Ray, 1957), “Vítimas da Tormenta” (Vittorio De Sica, 1946) e “Zero de Conduta” (Jean Vigo, 1933).
Sem querer estragar a surpresa, mas se você não se emocionar com a imagem final, é bom checar os pulsos.
P.S.: Sábado, às 19h30, participo com meu colega da “Folha”, Josimar Mello, de um debate sobre jornalismo gastronômico dentro do evento “Vira Cultura”, na Livraria Cultura do Conjunto Nacional (AV. Paulista, 2073). A entrada é franca. Logo após o debate, haverá sessões de autógrafos do guia de restaurantes de Josimar e do meu “Guia da Culinária Ogra – 195 Lugares para Comer até Cair”. Estão todos convidados, claro. Mas cheguem cedo, porque a lotação é limitada.
Adoro o Rio de Janeiro. A maior parte de minha família mora no Rio e estou sempre por lá.
Mas a vida do carioca não está fácil. Devido às inúmeras obras para a Copa e as Olimpíadas, a cidade virou um caos absoluto. E as cenas de batalha campal, como as de ontem à noite na zona sul e de dias atrás, no centro da cidade, também não ajudam.
Entendo que é impossível fazer obras sem atrapalhar o dia a dia da população, mas o que está acontecendo na Cidade Maravilhosa ultrapassa qualquer limite do bom senso.
O trânsito está insano. Há alguns dias, levei uma hora para ir de Copacabana ao Leblon de ônibus, um trajeto que não deveria levar mais de dez minutos. E isso às 10 da noite de um dia de semana.
Marcar reunião na Barra da Tijuca só é possível entre 11 da manhã e 3 da tarde, para fugir do rush. Dia desses, peguei um ônibus na Barra às 4 da tarde e levei mais de duas horas e meia para chegar à zona sul. O motorista estava atrasado e voou pela Avenida Niemeyer numa velocidade espantosa até para os padrões cariocas. Uma senhora não agüentou: “Motorista, pelo amor de Deus, quero chegar viva em casa!”
A área da rodoviária parece um cenário pós-apocalíptico. Estudei e trabalhei por muitos anos próximo à Praça Mauá e conheço aquela região muito bem, mas simplesmente não consigo reconhecê-la sob os escombros. Várias ruas tiveram as mãos trocadas, e nem os motoristas de táxi conseguem se achar.
Peguei um táxi no Largo do Machado à rodoviária, fora do horário do rush. Em situações normais, não levaria mais de 15 minutos. Uma hora depois, ainda estávamos parados a cerca de um quilômetro da Novo Rio. Precisei deixar o táxi e ir correndo pela rua para não perder o ônibus.
Alguns serviços que funcionavam simplesmente deixaram de funcionar, sem nenhuma explicação. A cooperativa de táxis da rodoviária, por exemplo, não aceita mais cartão de crédito. Se você chega ao Rio sem dinheiro e depois do horário de abertura de caixas eletrônicos, só vai conseguir sair de lá a pé.
O táxi que peguei na rodoviária não passaria em nenhuma inspeção veicular: estava caindo aos pedaços, com cheiro de mofo, as janelas travadas e sem um pino, botão ou manivela no lugar. Claro que o ar condicionado também não funcionava, e o motorista mandou o inescapável “Quebrou ontem, já mandei consertar”.
Pelo menos o sujeito tinha bom humor. Em cinco minutos, já tinha contado a vida toda e reclamado das quatro ex-mulheres para quem pagava pensão: “Tô tão f*dido que falei dos meus problemas para um charreteiro e até o jegue caiu no choro!”
Para quem acha que a situação no Rio está difícil, vale lembrar que, semana que vem, a coisa só vai piorar, com o início da Jornada Mundial da Juventude. A cidade está se preparando para o evento em puro espírito fraternal: hotéis triplicaram os preços, companhias aéreas cobram quase mil reais por um vôo para São Paulo, e taxistas avisam que terão “tabela especial” para a visita do Papa.
A editora brasileira Darkside Books, especializada em terror e fantasia, está lançando dois livros imperdíveis para quem gosta de cinema extremo: “O Massacre da Serra Elétrica”, de Stefan Jaworzyn , e “Evil Dead: a Morte do Demônio”, de Bill Warren.
Os volumes trazem entrevistas com os diretores, equipe e elenco, além de apreciações críticas dos filmes. Ambos são lindamente ilustrados, com fotos dos filmes e de bastidores das filmagens, pôsteres e reproduções dos roteiros originais. Coisa fina, para fãs de verdade.
Se você já viu os filmes, as pesquisas de Jaworzyn e Warren revelam detalhes e curiosidades surpreendentes; se não viu, é uma boa desculpa para conhecer duas das produções mais influentes e marcantes do cinema de horror dos últimos 40 anos.
“O Massacre da Serra Elétrica” dirigido pelo americano Tobe Hooper em 1974, é um marco do gênero “jovens estúpidos encontram assassinos seriais em locação remota”. Cinco amigos, em visita ao Texas, acabam vítimas de uma família de canibais liderada pelo sádico Leatherface.
Hooper tinha 21 anos quando decidiu fazer o filme. Era do Texas e conhecia bem o senso de isolamento de comunidades remotas do Estado, que pareciam viver à margem da sociedade e onde discussões ainda eram resolvidas na bala ou na foice.
Parcialmente inspirado no assassino serial Ed Gein, que também foi o “modelo” do Norman Bates de “Psicose” e do Hannibal Lecter de “O Silêncio dos Inocentes”, Hooper criou o personagem Leatherface, um maníaco que ataca pessoas com uma serra elétrica.
Quando o filme foi lançado, os Estados Unidos ainda estavam em meio à Guerra do Vietnã e a um período de total desconfiança no governo e nas instituições. Hooper decidiu divulgar o filme como uma “história real”, usando o argumento de que, se o governo poderia mentir para o país sobre a guerra, ele poderia muito bem contar uma mentirinha sobre um filme.
Deu certo: feito com menos de 300 mil dólares, rendeu, só nos Estados Unidos, cem vezes mais, puxado por uma campanha de divulgação sensacionalista e por intenso boca a boca. Ainda hoje, “O Massacre da Serra Elétrica” é uma experiência intensa. O filme tem um ar documental que o torna ainda mais escabroso e assustador.
Já “Evil Dead”, dirigido em 1981 por Sam Raimi, 22, retoma o cenário de “O Massacre” – cinco estudantes em uma cabana perdida na floresta – mas com uma novidade: os vilões são eles próprios, possuídos por demônios.
Duas das paixões de Raimi – os livros de horror de Lovecraft e as comédias dos Três Patetas – foram as grandes inspirações de “Evil Dead”. A filmagem foi um martírio. Com um orçamento ridículo – 90 mil dólares – as condições de trabalho eram as piores possíveis: morrendo de frio, a equipe teve de queimar móveis para se aquecer, e várias cenas foram filmadas com a câmera amarrada a uma bicicleta para simular a fluidez de uma “steadycam”. O resultado foi tosco, porém engenhoso.
Além de revelar Sam Raimi e o ator Bruce Campbell, o filme marcou um dos primeiros trabalhos no cinema de Joel Coen, que trabalhou como assistente de montagem.
“O Massacre da Serra Elétrica” e “Evil Dead”: dois filmes baratos, com efeitos especiais de quinta, elencos amadores e dirigidos por moleques de vinte e poucos anos. Hooper e Raimi são prova de que talento sempre importa mais que orçamento.
Uma das grandes alegrias de ter filhos pequenos é poder dividir com eles filmes e discos que marcaram sua infância.
Dia desses, fizemos uma sessão de “A Fantástica Fábrica de Chocolate” (1971). Foi uma revelação não só para os pequenos, mas para nós, pais, que não víamos o filme há muitos anos.
Algumas imagens estavam gravadas em minha memória: os Oompa-Loompas andando e dançando pela fábrica; o glutão Augustus Gloop caindo no rio de chocolate e sendo sugado pela tubulação; a desobediente Violeta Beauregard inchando como um balão ; Charlie e o avô, Jack, flutuando depois de tomar um gole do refresco Wonka.
Mas não lembrava – ou era jovem demais para entender – vários trechos que, revendo agora, achei sensacionais.
Não tinha memória do trambiqueiro paraguaio que falsifica o cupom dourado para ganhar o concurso, ou da cena em que um carregamento de chocolates Wonka é levado para a Casa Branca.
Também não lembrava que o filme era tão psicodélico, especialmente na sequência em que Willy Wonka leva os visitantes para um passeio de barco e o cenário vira um pesadelo lisérgico, com imagens de grandes lagartos e insetos.
Outro aspecto interessante do filme é a crítica ao consumismo e à televisão, como o número musical em que os Oompa-Loompas dizem que ler é bem melhor que assistir à TV.
É curioso ver a reação de crianças “modernas” a um filme de mais de 40 anos. Minha filha, que tem cinco, chorou de tristeza quando Charlie abriu uma barra de chocolate e não achou o cupom dourado, e de alegria quando o menino finalmente encontrou o prêmio; ficou com muito medo do enigmático Sr. Slugworth, adversário de Willy Wonka, e adorou a cachoeira de chocolate, um cenário que, hoje, parece tosco e mal feito, comparado aos milionários efeitos de computação de filmes atuais.
Outra diferença marcante entre os filmes infantis antigos e os atuais é o volume. Acho a maioria dos filmes recentes barulhentos demais, cheios de efeitos sonoros de videogame, altos e intrusivos. Apesar de ser um musical, “A Fantástica Fábrica de Chocolate” é mais calmo, inclusive com momentos de silêncio absoluto, que “desaceleram” a narrativa e fazem a criança prestar ainda mais atenção à história.
“A Fantástica Fábrica de Chocolate” já entrou para o Top 3 aqui de casa, junto com “O Mágico de Oz” e “Em Busca do Ouro”.