Nunca houve um baterista como Ginger Baker
03/12/12 10:02
Confesso que conhecia pouco sobre Ginger Baker. Sabia que ele era um grande baterista, que tinha tocado no Cream e no Blind Faith, claro, e passado algum tempo com o grande Fela Kuti na África.
Por isso, foi um choque tão grande assistir a “Beware of Mr. Baker”, documentário do americano Jay Bulger. Foi uma revelação. Ginger Baker surge como um dos personagens mais fascinantes – e irritantes – da música pop dos últimos 50 anos.
Rebelde precoce, perdeu o pai na Segunda Guerra, aos 4 anos de idade, uma tragédia que marcaria o menino para sempre. Ginger cresceu obcecado por jazz e pelo som das big bands americanas. Aos 15, conheceu o grande baterista inglês Phil Seamen, que o apresentou a duas companheiras que o acompanhariam por toda a vida: percussão africana e heroína.
Depois de tocar com o blueseiro Alexis Korner – onde tirou o lugar de um baterista “com o qual ninguém estava muito satisfeito”, um tal de Charlie Watts – Ginger passou alguns anos no grupo Graham Bond Organisation, onde ganhou fama de exímio instrumentista e de encrenqueiro.
Em 1966, juntou-se a dois outros monstros instrumentistas, Eric Clapton e Jack Bruce, no Cream.
A entrevista de Eric Clapton é reveladora. Ele diz que se sentia tolhido – e estamos falando de Eric Clapton, o “Deus” – tocando entre dois gênios ególatras como Baker e Bruce, que ficavam o tempo todo tentando superar um ao outro e chegavam a sair na porrada no palco. Nenhum grupo era grande o suficiente para tanta genialidade – e tanto ego.
As imagens de arquivo do Cream são impressionantes. A platéia parece sempre embasbacada com tanto virtuosismo.
Carlos Santana diz que o Cream foi uma das melhores bandas que jê viu ao vivo: “Eles chegaram, ligaram os instrumentos, e tocaram o que só posso chamar de ‘música supersônica’”, diz o guitarrista mexicano. “E por ‘supersônica’, quero dizer música que você toca sem saber de onde veio, que só pode ter vindo de algum lugar misterioso dentro da alma. Foi um choque.” Não à toa, diz outro entrevistado, o Cream era a única banda com quem Jimi Hendrix gostava de fazer “jams”.
Quando o entrevistador pede a Eric Clapton para comparar Ginger Baker a dois outros bateristas frequentemente citados como os melhores do rock, John Bonham (Led Zeppelin) e Keith Moon (The Who), a cara de espanto de Clapton diz tudo: “Não tem comparação. Esses dois são grandes bateristas, mas Ginger habita outra esfera. É um músico completo, um grande arranjador, não dá para compará-lo a ninguém.”
O próprio Ginger, sem nenhuma modéstia, esclarece: “Bonham tinha grande técnica, mas não tinha suingue. Se Bonham e Moon estivessem vivos, eles mesmos diriam que não chegavam perto de mim”.
Bateristas como Neil Peart (Rush), Stewart Copeland (The Police), Nick Mason (Pink Floyd), Chad Smith (Red Hot Chili Peppers) e Lars Ulrich (Metaliica) falam do choque que foi ouvir Ginger Baker pela primeira vez. E quando Ulrich diz que o Cream “ajudou a inventar o heavy metal”, Baker retruca: “Heavy metal? Aquela merda deveria ter sido abortada!”
Baker sempre se viu como um baterista de jazz. Para provar que não devia nada a nenhum percussionista, promoveu duelos inesquecíveis com lendários bateristas de jazz como Art Blakey, Elvin Jones, Max Roach, e com o amigo Phil Seamen. As imagens de arquivo desses duelos são de chorar.
De chorar também são imagens em que Baker aparece chapado e delirante. Numa delas, em um programa de TV ao vivo, está tão anestesiado de heroína que cai de costas do banquinho da bateria e levanta às gargalhadas.
Em 1970, depois do fim do Blind Faith, supergrupo que montou com Clapton e Steve Winwood, Ginger simplesmente desaparece da Inglaterra. Sem avisar a ninguém – nem à mulher e aos filhos – ele decide explorar a música africana e se muda para a Nigéria, onde conhece Fela Kuti, astro do “Afrobeat” e ativista político. Ginger passa os seis anos seguintes em Lagos, anestesiado de drogas, música e “groupies”.
Baker gravou discos com músicos africanos e gastou uma fortuna montando o primeiro estúdio de 16 canais da Nigéria, mas precisou sair correndo de Lagos depois de brigar com Fela. O motivo? Sua obsessão por cavalos e pólo, esporte que Fela via como passatempo das corruptas elites do país.
Ginger volta à Inglaterra e à família, para depois abandonar tudo de novo por uma amante de 18 anos.
O produtor Bill Laswell, que recebera de John Lydon a missão de encontrar Baker e convidá-lo a tocar no Public Image Ltd., lembra que encontrou o baterista morando em um casebre perdido numa região montanhosa da Itália. “O lugar era um barraco”, lembra Laswell. “Não tinha luz, não tinha água, não tinha nada. Ginger só tinha uma bateria, que tocava e cujo som ecoava por milhas e milhas naquelas montanhas. Ele tocava, e logo depois você ouvia a voz de um camponês, gritando, ao longe: ‘Ginger! Toca ‘White Room’!”
As aventuras não param por aí: Ginger depois vai a Hollywood, onde atua em filmes de ação de quinta categoria (veja a impagável cena dele com a metralhadora, no trailer) e chega a colocar um anúncio em jornais de Los Angeles, pedindo emprego em alguma banda. Triste demais.
O documentário encontra Ginger Baker, em 2008, morando na África do Sul. Parece um velhinho inofensivo, caminhando pelos jardins e afagando os cavalos que cria. Mas basta o entrevistador fazer uma pergunta que o desagrada, que o velho Ginger ressurge, e simplesmente ataca o jornalista com uma bengala. Assustador.
Espero que alguma boa alma programe esse documentário para algum festival por aqui. A história de Ginger Baker não pode ficar tão bem guardada.
Vou ver amanha o filme, mas depois disso aqui da um certo desgosto do diretor, e ao inverso, mais apatia pelo personagem do Baker.
http://www.youtube.com/watch?v=cb-zUvQMO5I
Legal pra caramba saber de tudo isso. Eu também não conheço muito da carreira de Baker depois do Cream. Mas os discos solo que ele lançou corroboram a afirmação de Clapton, Ginger Baker é muito mais completo que Bonhan e Moon, toca, compõe, um criador de verdade. Quando gravou aquele Album do PIL, John Lydon ficou atônito ao ver como Baker simplesmente destruía uma pele de bateria atrás da outra nas gravações. E John Bonham não suingava mesmo, era o ponto fraco dele, Ian Paice dava o maior pau nele em matéria de suíngue.
Todo este pessoal acessando sobre o Ginger Baker mostra o quanto tem de gente interessada em boa música feito por músicos de verdade !!!
Vinnie Colauita é outro que fica na lista dos melhores. Assistam o solo de bateria no DVD / Blu-ray do Jeff Beck “Live at Jonny Scott”.
Imperdível, o cara parece estar brincando!
É a filha dele pré-adolescente que aparece nua da cintura para cima na capa do único disco do Blind Faith (disco perfeito). Essa foto não saiu no vinil lançado no Brasil em 1970 (e nem em alguns outros países) – só no cd lançado nos anos 90. Muito obrigado pela informação do filme e parabéns pelo texto.
Não sabia que era a filha do Ginger, mas agora que vc mencionou, faz todo sentido. Parece demais o pai.
Interessantíssima esta informação, esssa capa é um daqueles ícones do rock dos anos 70, a ruivinha de peitinhos pueris segurando um pequeno avião ou algo assim. E o GB é ruivo, coisa que não havia parado para atentar. Outro disco fantástico do período é o Jeff Back/Rod Stewart, Truth. Para quem precisa rever seus conceitos sobre o baixinho escocês, é só ouvir “I don’t know much about love people…”
Esta é apenas mais uma lenda do rock, a garota não é filha de Ginger Baker. Na verdade, se chama Mariora Goschen. Se alguém estiver interessado, aqui está a verdadeira estória por trás da capa do álbum, contada pelo fotógrafo Bob Seidemann: http://thetrickis.wordpress.com/tag/mariora-goschen/
Genial Mr.Baker
Ótima dica!
bom, caso não se importe, gostaria recomendar algumas coisas para ninguém achar que a carreira de Baker acabou nos anos 70.
btw André, seja sincero, você realmente já ouviu o Sufferbus do Masters of Reality?
heavy metal?!
http://www.youtube.com/watch?v=bC-d2O7K4ug
http://www.youtube.com/watch?v=8w0rv6yh1JQ
http://www.youtube.com/watch?v=tPPXLcS1loU
Andrews, chega. O próprio CANTOR DO MASTERS OF REALITY diz que seu público era de moleques de camisa do Megadeth. A banda é batizada com o nome de uma música do Sabbath. Mais metal que isso, impossível. Em tempo: metal não precisa ser cantor de voz aguda e solos velozes. Ou vc acha que stoner rock não é metal?
eu falei só do disco com Baker. não da carreira do grupo.
André, falando de outro gênio, você leu essa reportagem? http://www.rollingstone.com/music/news/exclusive-book-excerpt-leonard-cohen-writes-hallelujah-in-the-holy-or-the-broken-20121203
Não tinha visto, sensacional!
o texto dá uma idéia, a meu ver equivocada, de que depois dos anos 70 a carreira de Baker foi pro limbo. não é bem assim:
Bill Laswell produziu no final da década de 80 três discos excelentes de Baker, além de convidar suas baquetas para alguns dos seus outros projetos.
na década de 90 Baker montou um supergrupo de jazz, Ginger Baker Trio, com Charlie Haden e Bill Frisell.
em 1999 lançou um álbum fantástico “Coward of The Country”, com a colaboração de diversos músicos de jazz.
todos esses são altamente recomendados.
na verdade, acho todos eles bem melhores do que as coisas que ele gravou depois da fase Cream e Blind Faith.
Pô, Andrews, é claro que foi pro limbo. Ele pode ter feito discos bons, mas não venderam nada e ninguém ficou sabendo. O Ginger Baker Trio era fodão, mas o Baker fez questão de sabotá-lo, sendo deportado dos EUA.
não estar nas paradas de sucesso não é sinônimo de ostracismo.
gravar com gente do quilate de Haden e Frisell e ainda fazer parte de um power trio com Gary Moore e Jack Bruce (BBM) também me parece longe de passar desapercebido.
quanto às atitudes de Baker, nada melhor que uma frase de outro que “não vende nada e ninguém fica sabendo”:
You can’t always write a chord ugly enough to say what you want to say, so sometimes you have to rely on a giraffe filled with whipped cream.
-Frank Zappa
Andrews, na boa, veja o filme. O Baker fez filmes de ação de oitava categoria, porque não tinha dinheiro. Tocou heavy metal no Masters of Reality, que ele detestava, e chegou a botar anúncio em revistas de música pedindo emprego. Se isso não é ostracismo, não sei o que é.
Sunrise on the Sufferbus é um belo disco. ele não botou anúncio nas revistas procurando emprego e sim procurando contato com músicos pois não conhecia ninguém em LA. principalmente porque estava afastado da música há quase uma década. afastamento voluntário não é ostracismo. não para mim. e não passou mais que do início dos anos 80. quanto aos filmes, bem, os de Zappa também não são nenhuma maravilha. nem os de Ringo ou Elvis. 😉
Não, ele botou anúncio procurando emprego em banda. Tá no filme. É tão triste que ele pôs até o currículo no anúncio – “Toquei com Cream, Blind Faith, etc.”. Ou vc acha que ele gostava do Masters of Reality? E comparar o filme do Baker com os do Elvis, que foram sucesso mundial, só pode ser sacanagem.
só para ficar na virada entre os anos 80-90, ele ainda fez parte da banda Masters of Reality, ajudando a gravar o melhor disco da carreira do grupo, gravou com Sonny Sharrock, Nicky Skopelitis, Bill Laswell, e um álbum excelente com Jonas Hellborg(John McLaughlin) e Jens Johansson(Dio, Malmsteen, Stratovarius). no total, 7 discos solo entre 86 e 96. isso para não falar da banda Hawkwind com a qual gravou o álbum Levitation em 1980. nada mal para quem estava no limbo…
O cantor do Masters of Reality aparece no filme dizendo que o público “de camisa do Megadeth” jogava latas e copos no “velhinho” da bateria. E não importa quantos discos bons ele gravou, nenhum vendeu nada e ele estava no ostracismo, falido e mal pago. O próprio Baker admite.
falido ele tava, pois ficar dez anos não fazendo nada para ganhar dinheiro e sim gastando uma fortuna para montar o primeiro estúdio de 16 canais na Nigéria, além de bancar todas as maluquices que ele e Kuti inventavam, não poderia ter outro resultado.
mas confusões em questões financeiras sempre foram o forte de Baker:
http://www.theregister.co.uk/2008/11/06/ginger_nuts/
O estúdio na Nigéria foi no início dos anos 70, BEM antes de ele ir pros EUA.
O baterista do Ramones é que é o melhor de todos os tempos. Com as mãos nas costas, ele tem muito mais técnica e swing, do que todos os outros citados juntos.
Acho o Carl Palmer tão tecnicamente completo quanto o Ginger Baker. Pesa contra o Palmer que depois do Emerson Lake and Palmer não fez mais nada de bom.
Sensacional a história, Barcinski.Senti falta do Jaki Liebezeit do Can nos comentários, o cara é um metrônomo humano.Aliás, sei que você já escreveu sobre krautrock, mas o Can merecia um post, hein ?
Merecia sim. Tô ouvindo direto os CDs de inéditas do Can, coisa finíssima.