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André Barcinski

Uma Confraria de Tolos

Perfil André Barcinski é crítico da Folha.

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Mais que nunca, é preciso ver Samuel Fuller

Por Andre Barcinski
26/03/13 07:05

Não sei se é a idade, mas minha paciência com a competência estéril acabou faz tempo. Quando leio que alguma coisa é de “bom gosto”, fico imediatamente repelido por ela.

Quando o assunto é cinema, então, passo longe. Filme de publicitário, estética “clean”, comédia “inteligente”, imagem em HD ribombante, visual de série de TV… Tudo que apela ao “bom gosto” dá sono.

O cinema que me emociona continua sendo o imperfeito, o surpreendente, aquele que parece ter passado da lente para a tela sem o filtro do senso comum, sem o medo do novo ou do confronto.

Se eu estivesse em São Paulo, estacionaria na porta do CCBB e não sairia de lá enquanto não visse todos os 26 filmes da mostra de Samuel Fuller – os 24 filmes dirigidos por ele e mais os dois documentários sobre o cineasta. A mostra começa hoje em Brasília (vai até 14 de abril) e depois chega ao Rio de Janeiro (16 de abril a 5 de maio).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Samuel Fuller (1912-1997) foi um dos maiores subversivos do cinema. Fez filmes esteticamente inovadores e tematicamente corajosos. Não é à toa que foi perseguido e expulso de Hollywood.

Fuller foi repórter policial, cobriu assassinatos, fotografou brigas de gângsteres e chafurdou no submundo. Lutou na Segunda Guerra e ajudou a libertar campos de concentração dos nazistas. Essa experiência marcou sua vida e seu cinema. Quando virou cineasta, no fim dos anos 40, levou uma linguagem de tabloide sangrento para as telas.

Fuller fez faroestes, policiais “noir”, dramas e filmes de guerra, sempre com um estilo direto e pessoal. Odiava a assepsia do cinema comercial, que julgava “coisa de criança”. Influenciou a Nouvelle Vague (Godard o escalou para uma ponta em “Pierrot Le Fou”), Scorsese (os closes das lutas de boxe em “Touro Indomável” são puro Fuller) e Wim Wenders (Fuller fez um papel em “O Amigo Americano”). No Brasil, Rogério Sganzerla era fullermaníaco de carteirinha, e “O Bandido da Luz Vermelha”, com sua estética de “Notícias Populares”, é a maior prova disso.

Muitos chamaram Fuller de primitivista. E não deixa de ser verdade: seu cinema é primitivo, no sentido de ser rude e grosseiro, e de provocar no espectador reações instintivas.

Alguns cineastas têm essa capacidade de chocar pelo insólito, por seu estilo pessoal, inesperado e idiossincrático. Lembra a primeira vez que você viu os filmes da fase mexicana de Buñuel? Quando viu o menino de rua jogando o ovo na câmera em “Os Esquecidos”? Ou quando viu Jodorowsky? Paradjanov? Mojica? Ken Russell?

Samuel Fuller é desse time. Seus filmes podem ter defeitos, podem ser desiguais e repetitivos, mas nunca, nunca, em hipótese alguma, são supérfluos. Samuel Fuller não é um burocrata.

 


 

Nunca esqueço a primeira vez que vi “Cão Branco”. Foi em 1991, num VHS mofado. No filme, uma mocinha simpática, que lutava para ser atriz em Hollywood, encontra um pastor alemão albino. O cão está machucado e faminto. Ela leva o bicho para casa e lhe dá casa, comida e carinho. O animal retribui o afeto. Até que ela descobre que o cão é treinado para matar negros.

Atordoada, ela busca ajuda de um treinador de cães. Um negro. E os dois tentam descondicionar o animal, tirar dele o instinto racista assassino que lhe foi incutido desde o nascimento.

É o melhor filme sobre racismo que já vi, e não tem um pingo do moralismo ou do tom professoral da grande maioria dos filmes sobre o assunto.

“Cão Branco” acabou com a carreira de Fuller em Hollywood – que já não era grande coisa. Depois desse filme, ele nunca mais conseguiu grana para filmar nos States, e foi morar na Europa.

Outra paulada é “Paixões que Alucinam” (“Shock Corridor”, 1963), sobre um jornalista que se finge de louco para investigar maus tratos dentro de um hospício. O que começa como um filme policial corriqueiro vira um pesadelo psicodélico e paranoico. Faça uma sessão dupla com “Ilha do Medo”, de Scorsese, e diga se o velho Martin não ajoelha toda noite num altar para Samuel Fuller.

Cineastas fazem filmes, mas são poucos os que fazem o seu cinema. Samuel Fuller é um deles. E perder essa mostra é um desperdício do seu tempo. Qualquer coisa que você fizer no lugar vai ser menos divertido.

 

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Aniversário na UTI

Por Andre Barcinski
25/03/13 07:05

Dia 19 de março foi aniversário de um ano de nosso filho, Noel. Havíamos preparado um festão em casa, com parentes e bolo.

Mas os planos mudaram: Noel teria de comemorar seu primeiro ano de vida em um hospital carioca, onde estava internado havia seis dias por causa de uma febre misteriosa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Misteriosa mesmo: a equipe médica, formada por alguns dos especialistas mais gabaritados da cidade, não sabia explicar a origem da febre. Noel fez hemogramas, raios-x, ultrassom, tomografias, testes de urina e até uma punção lombar para extração de Líquor, o fluido cerebrospinal. Nenhum exame apontou nada.

A cada novo exame, mais assustado ele parecia. Fiquei imaginando o que passa na cabeça de um menino de 365 dias de vida, que é tirado do conforto de casa e levado para um local estranho, onde pessoas que ele nunca viu, todas de branco, o apalpam, apertam, espremem, esticam e furam com agulhas de todos os tipos e tamanhos.

Era desesperador ver a reação dele quando qualquer pessoa de branco – mesmo a enfermeira que trazia o almoço – entrava no quarto: Noel ficava de olhos esbugalhados e começava a gritar, antecipando alguma coisa ruim.

Por volta do meio-dia de 19 de março, Noel estava dormindo. Não tinha febre e havia almoçado bem. Achávamos que o pior havia passado. Muito provavelmente, nos avisaram os médicos, ele teria alta em breve.

De repente, Noel começou a chorar. Sua boca ficou roxa e o rosto empalideceu. Seu corpo começou a tremer e o queixo batia. Parecia prestes a sofrer uma convulsão.

As enfermeiras agiram rápido: aplicaram um antitérmico na veia, colocaram a máscara de oxigênio e colheram sangue. Em menos de três minutos, Noel estava sendo levado para a UTI. Havia sofrido uma aparente bacteremia, uma liberação de bactérias na corrente sanguínea.

Noel passou três dias e duas noites na UTI. Parecia um robô, de tantos fios e cabos que saíam de seu corpo: eram cinco eletrodos no peito, para medição de frequência cardíaca; um oxímetro no dedão do pé, que media a quantidade de oxigênio no sangue; uma tornozeleira que media pressão arterial, e um acesso intravenoso no braço, por onde recebia soro e remédios. Tudo isso saía de um corpinho de 78 centímetros e era ligado a aparelhos.

Ficamos nove dias no hospital. E nada como passar algum tempo andando pelos corredores da pediatria, conversando com outros pais, para colocar em perspectiva a real gravidade de seu problema. Conhecemos uma moça, grávida de nove meses, que daria à luz uma menina dali a 48 horas, dois andares acima de onde sua primeira filha, de três anos de idade, fazia quimioterapia para se curar de um câncer.

Na UTI, Noel se recuperou rapidamente. A febre sumiu. Fizemos mais alguns exames, todos negativos. Ainda não sabemos o que causou a febre. Mais um mistério da medicina.

No dia em que saiu do hospital e viu o sol, pela primeira vez em nove dias, Noel ria à toa. Saiu mais forte do que entrou. Não só ele, mas a família toda.

P.S.: Obrigado por todas as mensagens simpáticas e afetuosas que recebi aqui no blog. 

 

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Um pouco de paciência, por favor...

Por Andre Barcinski
18/03/13 08:28

Devido a questões particulares, o blog ficará sem atualizações por alguns dias. Espero retomar o mais breve possível. Obrigado pela compreensão.

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Rio-Santos à espera do Apocalipse

Por Andre Barcinski
14/03/13 07:05

Sou a favor de uma lei que obrigue todos os governantes e funcionários públicos a utilizar somente os serviços pelos quais são responsáveis, sejam hospitais, escolas ou transporte público.

Um bom começo seria exigir que o diretor do DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes), responsável pela manutenção da Rodovia Rio-Santos, seja obrigado a percorrer a estrada todo dia, especialmente no trecho entre Paraty e Rio de Janeiro.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Leio na web que a Rio-Santos foi “entregue” em 1973, mas nunca foi oficialmente inaugurada. Agora entendi: ela nunca foi terminada.

Quando se fala em Rio-Santos, é preciso fazer uma distinção importante: o trecho dentro do território de São Paulo é uma estrada. Tem seus problemas: uns buracos aqui, sinalização ruim acolá, mas é uma estrada. Assim que a Rio-Santos ultrapassa a fronteira do Rio de Janeiro, no entanto, vira um acesso ao inferno, uma visão pós-apocalíptica digna de um filme de Roland Emmerich.

Fico à vontade para opinar, já que moro no estado do Rio de Janeiro, pago meus impostos ao governo do Rio, e sou usuário sofredor da Rio-Santos há muitos anos.

Cada vez que penso que a Rio-Santos é a principal via de fuga em caso de um acidente nuclear na usina de Angra, lembro que preciso matricular meus filhos na natação, já que a maneira mais rápida de escapar da radiação será a nado.

Dia desses, ficamos parados por mais de uma hora em três barreiras na estrada. Duas das paradas ocorreram em locais de obras “emergenciais”, nos mesmos locais onde já fiquei parado incontáveis vezes desde os anos 80.

O mais curioso é que essas interrupções na estrada se concentram depois da fronteira com o Rio. Quem sabe São Pedro não tem um acordo com o governo de São Paulo, para só derrubar barreiras e abrir crateras dentro do território fluminense?

Agora, uma coisa não dá para negar: o DNIT e o governo têm senso de humor.

Quer prova? Que tal o posto da polícia rodoviária em Mambucaba, que está desabitado há mais de dois anos? Veja bem: ele não está desativado, mas desabitado. Porque o posto está lá, limpinho e até bem iluminado à noite, mas nunca tem ninguém. Deve haver alguma câmera por ali, registrando a cara de espanto dos motoristas que param para pedir ajuda.

Outro dia, minha mulher, que estava grávida e dirigindo sozinha, parou lá por causa de um pneu furado. Foi pedir ajuda no posto e deu de cara com o lugar vazio. Acabou socorrida por um valoroso bombeiro, que passava no local.

O que dizer das placas na Rio-Santos? Algumas são hilariantes. Minha favorita é “Cuidado: trecho com alto índice de acidentes”, que poderia ser traduzida por “Essa curva foi projetada por um energúmeno e mantida por outros piores ainda, que não se deram ao trabalho, em 40 anos, de consertá-la”. Achar a placa é fácil: é só procurar a carcaça de um carro fumegante, sempre ali por perto.

Dou muita risada também com a placa que mostra pedras caindo de uma ribanceira, e que significa “Neste local, pedras caem na sua cabeça há 40 anos e vão continuar caindo”.

As brincadeiras continuam na região de Itaguaí, onde o povo tem o hábito de cruzar a rodovia de bicicleta, com um filho de cinco anos sentado no guidom. E detalhe:  sempre passando debaixo da passarela, para aproveitar a sombra, que ninguém é de ferro.

P.S.: estarei fora hoje e amanhã e impossibilitado de moderar comentários, pelo menos até à noite. O blog volta na segunda-feira. Bom fim de semana a todos.

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Al Pacino: envelhecer em Hollywood é mau negócio

Por Andre Barcinski
13/03/13 07:05

Você dá uma olhada na programação dos cinemas e percebe que estreou um filme com Al Pacino, Christopher Walken e Alan Arkin. O que você faz? Vai correndo ao cinema, claro. Afinal, não é todo dia que esses três monstros podem ser vistos na mesma tela.

Aí você se depara com “Amigos Inseparáveis” e lembra que, em Hollywood, nada é sagrado. Nem o currículo de Al Pacino.

 


 

Poucas vezes saí tão perplexo de um filme (leia minha crítica na “Folha” aqui). Não que seja especialmente ruim – pelo menos não no nível de “Os Miseráveis”- mas é chocante perceber como veteranos do naipe de Pacino, Walken e Arkin conseguem ler um roteiro desses e achar algo que preste.

Haveria outra explicação? Falta de grana? Proposta irrecusável?

Difícil acreditar que algum deles precise tanto assim do dinheiro (lembro sempre de Dennis Hopper, numa fase de vacas magérrimas, contando que filmou “Mario Bros.” por grana e sendo repreendido pelo próprio neto: “Mas vovô, eu não preciso tanto assim de presentes!”).

Em minha lista de gêneros odiosos, filmes com bichinhos falantes estão em primeiro lugar, mas filmes de velhinhos fofos e engraçadinhos vêm logo atrás.

Tenho sérios problemas com filmes e comerciais de TV que tratam a velhice como uma fase de regressão infantil, onde idosos só parecem felizes quando estão agindo como bebês, ou pior, como adolescentes no cio. Prometi nunca pôr um centavo num banco depois de ver um comercial de plano de aposentadoria que mostra um casal de idosos dando cambalhotas na água.

Em “Amigos Inseparáveis”, há uma cena em que Al Pacino e Christopher Walken vão a um asilo resgatar um velho amigo, Hirsch, interpretado por Alan Arkin. Eles encontram Hirsch preso a um aparelho respiratório e quase morrendo, mas Hirsch melhora assim que entra num carrão e sai guiando a 200 por hora, fugindo da polícia. Depois, Hirsch demonstra sua potência sexual satisfazendo a duas prostituas russas. Se fosse Leslie Nielsen, a piada até poderia ser engraçada, mas com Alan Arkin a coisa se torna melancólica.

Um dos piores filmes que vi nos últimos anos foi “Antes de Partir”, em que Jack Nicholson e Morgan Freeman interpretam dois idosos com câncer terminal que decidem sair pelo mundo para uma última rodada de “loucuras”, como pular de pára-quedas. É uma espécie de “Sonho Maluco” do Gugu para a terceira idade.

Filmes desse tipo são costumeiramente vendidos como uma “lição de vida”, mas sempre me pareceram mais uma lição de como são raros bons papéis para atores mais velhos em Hollywood. E se astros como Jack Nicholson, Morgan Freeman e Al Pacino precisam se submeter a isso, o que acontece com atores menos conhecidos?

P.S.: Estarei sem acesso à Internet por boa parte do dia e, portanto, impossibilitado de moderar os comentários até o fim da tarde.

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Sexo! Sequestro! Mórmons!

Por Andre Barcinski
12/03/13 07:05

A HBO exibe, a partir de hoje, o documentário “Tablóide”, de Errol Morris (veja horários aqui).

Já escrevi bastante sobre Morris aqui no blog (leia aqui). Na minha lista, é um dos maiores diretores de cinema em atividade. O sujeito não consegue fazer um filme ruim ou desinteressante.

 


 

“Tablóide” não teve a repercussão de outros filmes mais celebrados dele, como “Sob a Névoa da Guerra” (2003), sobre o Secretário de Defesa norte-americano na época do Vietnã, Robert McNamara, e “Operação Operacional Padrão”, que enfoca as torturas cometidas por soldados norte-americanos em presos iraquianos em Abu Ghraib, mas é tão bom quanto esses.

O filme conta a história bizarra de Joyce McKinney, uma jovem miss que, nos anos 70, vai à Inglaterra atrás de um namorado, um missionário mórmon, que a havia abandonado.

Ela acha o rapaz, trama seu seqüestro e o obriga a fazer sexo com ela por vários dias. O caso vira manchete nos Estados Unidos e Europa.

Mas isso é só parte da história. Por meio de entrevistas com pessoas envolvidas com o caso, Morris reconstitui o incidente e traça um perfil assombroso de Joyce McKinney.

“Tablóide” não é apenas um filme documental, mas um comentário sobre a obsessão da opinião pública pela bizarrice.

Morris mostra como o caso do “Mórmon acorrentado” causou uma briga pesada entre dois tablóides ingleses, e as repercussões do caso na vida de todos os personagens.

Que esse filme não tenha chegado ao circuito comercial brasileiro é mais uma prova de que o espectador, especialmente aquele interessado em filmes mais alternativos, precisa ficar atento à programação das TVs, para não perder ótimos filmes que foram ignorados pelos cinemas.

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David Bowie inaugura o pop invisível

Por Andre Barcinski
11/03/13 09:26

Chega hoje às lojas “The Next Day”, o primeiro disco de músicas inéditas de David Bowie em dez anos.

O CD marca uma nova etapa para Bowie: pela primeira vez em quase 50 anos de carreira, ele se tornou invisível. Se Bowie foi o maior expoente pop do “sound and vision”, o David Bowie de 2013 é só “sound”.

 


 

“The Next Day” não tem imagens para acompanhar. Não há fotos de publicidade. A capa é uma brincadeira com a imagem icônica da capa de “Heroes”, seu disco de 1977. Ninguém sabe como Bowie está ou o que veste.

Será uma nova jogada do camaleão? Chamar a atenção pela ausência?

Na história do pop, ninguém usou a imagem como ele. E é sempre bom lembrar que, antes de mudar o mundo pop, ele foi publicitário.

Bowie percebeu, antes de qualquer um, o caráter frívolo e superficial da imagem no pop. Foi ele que aniquilou o conceito sessentista de ídolos “reais” – Beatles, Stones, Hendrix – substituindo-o por personagens.

Os anos 70 não mereciam heróis de carne e osso, mas “produtos”, que Bowie inventou a rodo: o alienígena Ziggy Stardust, o profeta “glam” Aladdin Sane, The Thin White Duke, o hedonista crowleyano e cocainômano de “Station to Staton”, o vampiro Expressionista da trilogia de Berlim…

Suas várias faces o deixaram livre para se esconder atrás dos personagens, e Bowie se tornou o astro pop menos autobiográfico que já existiu. Música confessional não era a dele. Bowie sempre foi um cronista, um observador, uma testemunha.

Muitos o acusam de se apropriar de estilos, tendências e pessoas (Little Richard, Judy Garland, Lou Reed, Iggy Pop) para benefício próprio. E ele não nega: sua arte é a arte do mimetismo, da cópia, da homenagem, assim como fez Warhol, seu grande ídolo.

Bowie inaugurou a genialidade pop na cultura de massas. Mais importante que sua música, foi a forma como fez sua música, assumida e maquiavelicamente pensada para chocar, para sugar todo o talento que enxergava à sua volta. O modus operandi de Bowie sempre foi o mesmo: ele identifica tendências, se apropria, espreme delas a última gota de possibilidades e parte para outra. É o capitalismo selvagem do pop.

Depois de sumir por dez anos, Bowie ressurge com “The Next Day”. Será um de seus maiores discos, como estão dizendo alguns críticos? Não sei. Ainda não deu tempo de saber. Até porque os discos de Bowie precisam de algum tempo de apreciação.

O que sei é que não consigo parar de ouvir três músicas: “Valentine’s Day”, “Boss of Me” e “You Feel So Lonely You Could Die”. O resto do disco me parece ótimo, mas ainda não me chamou a atenção como essas três belezas.

O primeiro impulso quando se ouve “Valentine’s Day” é dizer como parece cópia do Pixies. Mas aí você lembra que Black Francis passou a vida toda tentando copiar “Scary Monsters”, e percebe que a comparação é injusta.

“Boss of Me” é outra pérola pop à Pixies, com aquela guitarra elegante que monstros como Carlos Alomar e Robert Fripp cansaram de gravar para Bowie. Morrissey comeria um bife para fazer uma música dessas.

E “You Feel So Lonely You Could Die” é dessas baladas épicas à “Five Years”, que Bowie faz como ninguém, com um clima meio espacial, um coral que soaria cafona com qualquer outro cantor e aquele piano no meio para dar sentido a tudo. Uma jóia.

Musicalmente, achei que o disco parece uma continuação de “Scary Monsters (and Super Creeps), o disco que Bowie lançou em 1980: tem uma pegada pop com pitadas de eletrônica, e um clima meio soturno nas letras. “Scary Monsters” foi o disco que abriu as portas para o som gótico e fez a cabeça de gente como Robert Smith, Siouxsie, Trent Reznor, Marilyn Manson e do já citado Black Francis.

Ouvindo “The Next Day” é fácil perceber como a fase “Scary Monsters” de Bowie influenciou também gente como Arcade Fire, Smashing Pumpkins, TV on the Radio e tantos outros que tentaram fazer um indie pop sombrio e – perdão, puristas – de arena. Duvida? Então ponha “Dancing Out in Space” para tocar, e veja se não é 100% Arcade Fire.

Se “The Next Day” vai ficar como um dos grandes triunfos de Bowie, só o tempo vai dizer. Mas que é engraçado ouvir Bowie sem vê-lo, é. E estou gostando da brincadeira.

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Você já tem programa para o fim de semana: “Killer Joe”

Por Andre Barcinski
08/03/13 09:35

Lembra de “Fargo”, o filme dos irmãos Coen? É uma comédia policial de humor negro sobre um crime que dá errado.

Agora, imagine “Fargo” interpretado pela famíia “white trash” de “O Massacre da Serra Elétrica do Texas”, e você terá uma idéia do que é “Killer Joe”, de William Friedkin, que estreia hoje nos cinemas de São Paulo com o nome de “Matador de Aluguel”.

 


 

Escrevi sobre “Killer Joe” aqui no blog em dezembro de 2012 (leia aqui). O filme teve a estreia adiada várias vezes e parecia que acabaria saindo direto em DVD. Por sorte, algum iluminado teve o bom senso de lançá-lo em cinema. Já vi o filme duas vezes na TV e  vou correndo revê-lo na tela grande.

“Killer Joe” é um filme modesto, de poucas locações e produção barata. Tem um elenco de primeira – Matthew McConaughey, Gina Gershon, Emile Hirsch  – que claramente está exultante por trabalhar com William Friedkin.

O filme é uma comédia de erros violenta, amoral e perversamente engraçada, com personagens que disputam para ver quem é mais repugnante.

Filhos que tramam a morte dos pais, irmãos que oferecem irmãs como favores sexuais, traições, golpes, mentiras… Tudo passado em um camping de trailers no interior do Texas.

“Killer Joe” é daqueles filmes despretensiosos, que têm mais talento do que muita superprodução por aí. Lembrar que um cineasta como Friedkin, que fez só “Operação França’, “O Exorcista”, “Parceiros da Noite” e “Viver e Morrer em Los Angeles” está por aí, cheio de disposição para filmar, é reconfortante.

Saber que um talento como Paul Schrader, que escreveu “Taxi Driver” e dirigiu “Hardcore”, “Vivendo na Corda Bamba” e “Temporada de Caça”, está recorrendo a vaquinhas entre fãs para terminar seus filmes, e que Walter Hill voltou à direção de longas com o novo filme de Stallone, mostram como Hollywood não tem a menor noção de como há ótimos diretores dando sopa por aí.

Tomara que alguém se toque e ponha uma boa verba na mão de William Friedkin. Queria vê-lo dirigindo mais uma perseguição de carros e ensinando aos diretores dos 37 “Velozes e Furiosos” como se faz.

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Chorão foi ídolo “punk” do pop brasileiro

Por Andre Barcinski
06/03/13 09:50

Muito triste a morte de qualquer um, especialmente de alguém tão jovem quanto Chorão.

Nunca encontrei o sujeito e só tive algum contato com ele quando o Charlie Brown Jr. fez um show fechado em uma casa noturna onde eu trabalhava.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Eu só tinha visto o Charlie Brown Jr. ao vivo pela TV, e lembro ter ficado impressionado com o profissionalismo do show. Não era música para mim, mas não dava para negar que era bem feito e que atendia perfeitamente ao gosto de um público jovem e numeroso.

Dá para entender porque tanta gente gostava do cara. Chorão projetava uma imagem de autenticidade “rocker”, um estilo rebelde de quem fala sem medir as consequências.

Claro que não dá para aprovar a agressão dele a Marcelo Camelo, mas pelo menos Chorão teve o bom senso de pedir desculpas publicamente.

Famoso também foi o esculacho público que deu no baixista Champignon. A exemplo da agressão a Camelo, Chorão depois se arrependeu e pediu desculpas.

Lendo os comentários e lamentos de pessoas que conviveram com Chorão, percebe-se que ele era exatamente como sua imagem pública: meio esquentado, sincero em suas opiniões, mas também muito engraçado e divertido.

Acho que existe uma geração do rock brasileiro, a que surgiu nos anos 90, como Raimundos, Skank e Charlie Brown Jr., que teve o mérito de não ficar pedindo a bênção da velha MPB. Fizeram seu som e, goste ou não, entraram no mercado sem fazer grandes concessões ao passado e sem implorar por um lugar na “linha evolutiva” do pop brasileiro.

Claro que o discurso e a imagem de Chorão – skatista, desbocado, fã de punk rock e rap –  encontrou muitos fãs, especialmente entre a juventude. Foi o mais próximo que a música “mainstream” brasileira teve de um herói punk. Uma espécie de João Gordo mais “limpinho” e menos agressivo.

Repito: Charlie Brown Jr. não era música para mim, mas sempre achei que a banda tinha o mérito de ser uma porta de entrada para que a molecada conhecesse outros sons. Prefiro mil vezes que meus filhos ouçam o Chorão a Teatro Mágico.

P.S.: Com os dois textos de hoje, o blog volta na sexta. Até lá.

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“A Hora Mais Escura”: a favor da tortura?

Por Andre Barcinski
06/03/13 07:05

Discutir cinema é fascinante porque não há verdade absoluta. Duas pessoas podem ver o mesmo filme e sair da sessão com opiniões opostas.

Um exemplo é “A Hora Mais Escura”, filme de Kathryn Bigelow sobre a caçada dos Estados Unidos a Osama Bin Laden.

 


 

Eu gostei muito do filme (leia minha crítica na “Folha” aqui). Mas tenho ouvido diversas pessoas detonando Bigelow, com o argumento de que o filme é “a favor” da tortura.

Explicando: no filme, são mostradas várias sessões de “waterboarding”, um método pavoroso de tortura por afogamento. Foi numa dessas sessões que os norte-americanos ouviram, pela primeira vez, o nome de um importante membro da Al Qaeda, que acabaria por levá-los a Bin Laden.

Mesmo nos Estados Unidos, o filme foi criticado por supostamente fazer a apologia da tortura. Vários críticos e analistas disseram que Bigelow não fazia nenhum julgamento moral do “waterboarding”.

Pergunto: e precisa? Simplesmente mostrar uma prática tão abominável não é o suficiente?

O que as pessoas queriam? Alguma cena em que um funcionário da CIA pedisse desculpas a um torturado? Algum torturador chorando de arrependimento? Isso seria, a meu ver, irreal e apelativo, e tiraria muito do poder de denúncia do filme.

Acho que Bigelow foi corajosa justamente por mostrar a tortura como parte corriqueira do processo de interrogatório. Isso foi muito mais chocante e revelador do que alguma cena em que um personagem pudesse sofrer uma crise de consciência. A diretora quer mostrar que ninguém teve crise de consciência ao torturar prisioneiros.

Há uma cena importante, em que oficiais da CIA assistem a um pronunciamento de Barack Obama, no qual o presidente diz que não há tortura nos Estados Unidos. Não consigo pensar em uma sequência mais danosa à imagem dos Estados Unidos.

Bigelow, aliás, não é estranha a polêmicas. Há alguns anos, seu filme “The Hurt Locker” ganhou em português o péssimo título de “Guerra ao Terror”, que desvirtua totalmente seu tema.

“The Hurt Locker” é uma expressão militar que significa algo como “um lugar ruim e doloroso”. Chamar o filme de “Guerra ao Terror” o fez parecer uma patriotada ao estilo “Rambo”, e até hoje vejo pessoas criticando o filme por isso.

Mas o tema principal de “The Hurt Locker”, para mim, é a dificuldade de readaptação de soldados à vida civil, depois de passarem pelos horrores da guerra. Tanto que o personagem de Jeremy Renner deixa sua família e sua filha recém-nascida para voltar ao Iraque e matar mais gente.

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