Atenção: esse texto contém informações sobre a trama de “Gravidade”. Se você não viu o filme, sugiro que corra ao cinema e leia o texto depois.
Se nenhuma grande surpresa acontecer nos próximos dois meses, “Gravidade”, de Alfonso Cuaron, deve ganhar o Oscar de melhor filme.
E será merecido. É um dos filmes mais surpreendentes produzidos por um grande estúdio hollywoodiano nos últimos anos.
Numa época em que filmes passados no espaço são lotados de seres de outros planetas, de significados ocultos e civilizações perdidas, “Gravidade” surpreende pela simplicidade.
São dois personagens sozinhos no espaço (há mais dois, mas um deles pouco aparece e o outro é apenas a voz de Ed Harris).
O primeiro é Matt Kowalsky (George Clooney), veterano de missões espaciais, em sua última jornada. O segundo é Ryan Stone (Sandra Bullock), uma cientista em sua primeira missão.
Depois que uma nave russa causa uma tempestade de detritos, a nave norte-americana é atingida, e Matt e Ryan precisam voltar à Terra. Basicamente, o filme se resume a isso.
Por 90 minutos, os dois vão fazer de tudo para sobreviver. E os desafios são muitos: chuva de lixo espacial, falta de oxigênio, incêndios e até afogamento. Noventa minutos raramente passaram tão rápido num cinema.
Tudo em “Gravidade” é diferente do que nos habituamos a ver no cinemão americano. Não há grandes heróis ou salvamentos impossíveis. Matt e Ryan só querem sobreviver.
Não há sinal de romance entre os protagonistas, de beijos apaixonados nos créditos finais ou de música triunfal realçando a bravura dos dois.
Uma das sequências mais interessantes é justamente a que Cuaron adicionou ao filme com o aparente objetivo de ironizar os “thrillers” de ação hollywoodianos: quando o personagem de Clooney, depois de sumir no espaço, reaparece subitamente para salvar Bullock.
Era só uma miragem, um delírio de Bullock, mas pode muito bem ser uma banana de Cuaron para as convenções ridículas do cinema de ação. Ponto pra ele.
Visualmente, “Gravidade” é lindo. Os efeitos visuais e especiais trabalham para realçar o realismo do filme e torná-lo credível. As cenas em que os astronautas voam em torno da nave, tentando se agarrar a qualquer coisa para se salvar, são angustiantes demais.
E nem Sandra Bullock, queridinha da América e habituada a abacaxis, consegue estragar o filme. Me peguei imaginando o que poderia ter sido “Gravidade” com atrizes melhores, como Naomi Watts ou Tilda Swinton, mas Bullock não comprometeu o resultado.
No fim, Cuaron fez um filmaço sobre a solidão. E conseguiu embalá-lo em um formato acessível a todas as plateias. Quem quer só passar um sabadão no cinema comendo pipoca vai se divertir. E quem ainda acredita que o cinema ainda pode falar de grandes questões de forma inovadora e audaciosa, vai se surpreender.
Sobre o 3D, não posso opinar. Assisti em 2D e foi ótimo.
Quem bom que existe o Youtube para não nos deixar esquecer certas coisas.
Há exatos dois meses, o ministro Aldo Rebelo (Esporte), deu uma entrevista ao programa “Bola da Vez”, da ESPN, em que defendeu a construção de grandes estádios em cidades como Manaus e Cuiabá, onde os campeonatos locais atraem públicos reduzidos.
O ministro negou que a Arena Amazônia, construída pelo Governo do Estado do Amazonas por R$ 605 milhões e com capacidade para mais de 43 mil pessoas, se transformará em um elefante branco após a Copa do Mundo.
“Eu acho que esse estádio de Manaus é importante, como o de Cuiabá também é, para o futebol local”, disse Rebelo.
Aparentemente, nem os clubes amazonenses concordam com o ministro.
Conforme noticiado pelo blog de Vinicius Segalla (leia aqui), os clubes decidiram que não jogarão o campeonato estadual no estádio.
Os custos para jogar na Arena Amazônia são altos demais, e as rendas esperadas para os jogos locais não cobririam os gastos.
O custo mensal de manutenção do estádio será de aproximadamente meio milhão de reais.
A média de público do campeonato amazonense de 2011 foi de 473 pessoas por partida.
Os 80 jogos da competição reuniram um público total de 37971 torcedores. Somados, não encheriam o estádio que está sendo construído para a Copa do Mundo.
Seria um bom exemplo se o ministro Aldo Rebelo viesse a público comentar a decisão dos clubes. Todos adoraríamos saber como a Arena Amazônia vai ajudar o futebol local, e que plano o ministro tem para ocupar os 43 mil lugares do estádio construído com dinheiro público.
A primeira reação ao terminar as longuíssimas 480 páginas do livro de memórias de Morrissey, “Autobiography”, é lamentar a oportunidade perdida. Poderia ter sido um livro e tanto.
Goste ou não de Morrissey e dos Smiths, não dá para negar que ele seja um dos personagens mais interessantes do pop dos últimos 30 anos.
Frasista inigualável, egocêntrico talentoso, Moz tem uma língua de serpente e uma verve de corroer chumbo. Atravessando a prosa rica e arrastada do livro, você se pega ora rindo das tiradas maldosas, ora com vontade de espancar o mala.
O ego de Morrissey não cabe num livro. A menos que seja um livro da Penguin Classsics, a respeitada série de obras-primas da literatura, que reúne de Dante a John Steinbeck.
O cantor exigiu lançar “Autobiography” como um título do selo Classics. Era isso, ou a Penguin arriscava perder um título que já é o segundo livro de memórias mais vendido na semana de lançamento na Inglaterra (o primeiro lugar ainda é de Kate McCann, mãe de Madeleine, a menina desaparecida em Portugal em 2007). E Morrissey pode dormir em berço esplêndido, eternizado no cânone ao lado de seu ídolo – e companheiro da Penguin Classics – Oscar Wilde.
“Autobiography” pretende ser um livro sério. Morrissey enche as páginas de parágrafos quilométricos e metáforas criativas. A descrição da infância em Manchester – “onde pássaros abstêm-se de cantar” – é três vezes mais longa do que o necessário, mas traz algumas frases brilhantes.
Fica claro que o autor acha indigna a companhia de autobiografias pop como as de Keith Richards, Pete Townshend e Rod Stewart. Para dificultar as coisas, o livro não tem índice ou divisão por capítulos. Quem quiser ler uma história sobre Johnny Marr, por exemplo, tem de procurar página a página. Não é da índole de Morrissey facilitar a vida de ninguém.
A impressão é de que o livro não teve editor. Se teve – há uma editora creditada – a coitada não teve coragem de sugerir uma vírgula, certamente ofuscada pelo brilho intenso do ego do cantor.
Como explicar que um décimo do livro seja dedicado ao relato minucioso e insuportável do processo que o baterista dos Smiths, Mike Joyce, moveu contra Morrissey por royalties da banda? Ou a descrições intermináveis dos programas de TV ingleses que faziam a cabeça do pequeno Steven nos anos 60?
Mais que um livro de memórias, “Autobiography” parece um acerto de contas: com a escola, com Mike Joyce, com Geoff Travis, chefão da gravadora Rough Trade, escorraçado a cada página, com a imprensa, com entrevistadores, com pessoas que comem carne, enfim, com todo mundo que não compreende Moz.
Como pode um sujeito que escreveu “Hand in Glove” e “Still Ill” não gastar um mísero parágrafo descrevendo a gênese de suas letras? Morrissey só fala de música quando escreve – lindamente, aliás – sobre sua fixação por Roxy Music, Bowie e New York Dolls. Mas isso é papo velho. Todo mundo sabe.
O que qualquer fã queria saber – mas não vai encontrar em “Autobiography” – é como Morrissey e Marr criaram as maiores indagações existenciais do pós-punk e a trilha sonora perfeita para a Inglaterra cinza de Thatcher. E como fizeram isso em apenas quatro anos e quatro LPs que parecem conter as vidas de todos os moleques que já choraram por amores não correspondidos ou sofreram no escuro de seus quartos por um arrasador senso de deslocamento. Shoplifters of the world, unite and take over…
Dá raiva imaginar o que um bom biógrafo teria feito com material tão rico. Se alguém tivesse a chance de podar os excessos, as picuinhas e vingancinhas pessoais e extrair de Morrissey explicações para a química dele com Marr, “Autobiography” seria um marco.
Em vez disso, temos parágrafos como o que descreve a primeira turnê dos Smiths nos States, quando Moz foi hospedado em um hotel fuleiro e ligou choramingando para o empresário Geoff Travis: “Geoff, tem baratas do tamanho de hamsters na minha cama!” Moz conta, indignado, que Travis nada fez para livrá-lo da companhia dos insetos nojentos. “São só por algumas noites”, teria dito Travis. A reação de qualquer biógrafo decente seria perguntar: “Fofucho, você tinha 24 anos, já era um mocinho. Por que não foi para outro hotel?”
O rock, como nós o conhecemos, não existiria se não fosse por Lou Reed.
Em meados dos anos 60, quando Reed conheceu John Cale, Sterling Morrison e Moe Tucker e juntos montaram o Velvet Underground, o rock era jovem – tinha 15 ou 16 anos – e, basicamente, rural e adolescente. Rock era música de caipiras enfezados, fossem negros como Little Richard ou brancos como Jerry Lee Lewis e Elvis Presley.
O primeiro disco do Velvet, o mitológico “Velvet Underground & Nico”, de 1967 – o disco da banana – inventou o rock urbano.
Enquanto os hippies contemplavam viagens psicodélicas e balançavam as cabeças ao som da lisergia de “Sgt. Pepper’s”, Reed e sua trupe criavam a trilha sonora de metrópoles cinzas, sujas e perigosas, em canções sombrias sobre heroína, prostitutas, gigolôs e masoquistas.
Contra a complacência tecnicolor do hippismo, o Velvet só usava preto. Preto era a cor daquela época, em que napalm era despejado em aldeias do Vietnã e heroína infestava a Nova York que Reed e Cale conheciam tão bem.
Woodstock era para amadores. Troco meio milhão de hippies num pasto imundo por uma puta falando com seu cafetão em uma esquina imunda do Harlem, parecia dizer Reed, sempre dez anos à frente de todo mundo.
Dizem que o Velvet Underground nunca vendeu muitos discos, mas todo mundo que comprou montou suas próprias bandas. É verdade.
Em um disco, o Velvet levou o rock à maturidade, criando um modelo sonoro, estético e temático difícil de ser igualado.
Não dá para imaginar o glam rock, o punk, o gótico, o noise, o drone e o pós-punk sem Lou Reed. Ele inventou tudo.
Ele foi o transformer, o metal machine music, o guru que transformou microfonia em arte e podou os exageros sonoros do pop. Solos de guitarra tornaram-se obsoletos depois de Lou Reed.
Foi-se o príncipe da escuridão, o narcisista genial, o homem que parecia eternamente entediado com a mediocridade à sua volta e não escondia isso de ninguém.
Foi-se um dos artistas mais influentes e importantes da música dos últimos 50 anos.
DEZ GRANDES MOMENTOS DE LOU REED
Uma lista pessoal – em ordem cronológica – dos discos fundamentais do gênio
The Velvet Underground & Nico (1967) – Um dos discos mais importantes da música pop. Onze faixas clássicas que definiram o rock. Uma obra de arte, começando pela capa, passando pela voz gélida de Nico e chegando à distorção tonitruante de “The Black Angel’s Death Song”. Absolutamente essencial.
White Light White Heat (1968) – Último disco com John Cale, até hoje inigualado em termos de ousadia e experimentação sonora. Difícil imaginar que Jesus & Mary Chain, My Bloody Valentine e até o Buzzcocks existissem sem “Sister Ray”, com seus 17 minutos de barulho, improviso e inspiração.
The Velvet Underground (1969) – Sem John Cale, o VU virou praticamente a banda solo de Reed. Esse disco não traz os experimentalismos da era Cale, mas qualquer LP que tenha “Pale Blue Eyes”, “Candy Says” e “Beginning to See the Light” é um marco.
Loaded (1970) – O adeus de Reed ao Velvet foi uma tentativa de tocar no rádio. E deu certo, com músicas acessíveis e lindas como “Who Loves the Sun”, “Rock & Roll” e “Sweet Jane”.
Transformer (1972) – Obra-prima produzida por David Bowie e Mick Ronson, um disco capital para o glam rock e, posteriormente, o punk. Traz um dos maiores sucessos comerciais de Reed, a emblemática “Walk on the Wild Side”, mas os grandes momentos são “Satellite of Love”, “Perfect Day” e “Vicious”.
Berlin (1973)– Reed troca a guitarra pela orquestra e comete uma “ópera” sobre um casal em crise, num dos discos mais sombrios e tristes já gravados. A trilha sonora perfeita para uma época de depressão profunda e impulsos suicidas de Reed.
Sally Can’t Dance (1974) – Reed não estava bem da cabeça nessa época, tanto que andava pelo Village com uma suástica na cabeça. Mas fez esse discaço que influenciou toda a cena punk da cidade, com músicas viscerais como “Kill Your Sons” e “NY Stars”.
Coney Island Baby (1975) – Um dos discos mais subvalorizados da carreira solo de Reed , marca a volta do cantor ao rock depois das divagações orquestrais de “Berlin” e do experimentalismo noise de “Metal Machine Music”.
The Blue Mask (1982) – Com a ajuda do super guitarrista Robert Quine, Reed faz um disco triste e soturno, que emula os dias – ou melhor, as noites – de Reed com o Velvet.
New York (1989) – Uma ode a sua Nova York amada e um dos melhores discos da carreira solo de Reed. Difícil escolher a melhor canção: “Romeo Had Juliette”, “Dirty Blvd.”, “Halloween Parade”… O mais perto que Reed chegou de fazer um disco pop.
Em artigo publicado quarta-feira no jornal “O Globo”, Chico Buarque fez uma acusação seríssima ao pesquisador Paulo César de Araújo: segundo Chico, Araújo teria mentido ao dizer que o havia entrevistado para a biografia de Roberto Carlos.
“[…] Me disseram que a biografia é a sincera homenagem de um fã. Lamento pelo autor, que diz ter empenhado 15 anos de sua vida em pesquisas e entrevistas com não sei quantas pessoas, inclusive eu. Só que ele nunca me entrevistou.”
Araújo rapidamente esclareceu: ele havia, sim, entrevistado Chico, em março de 1992. E publicou as fotos para provar.
No dia seguinte, Chico pediu desculpas. Havia esquecido que concedera a entrevista.
Normal. Erros acontecem. Não é fácil lembrar um episódio ocorrido mais de 20 anos antes.
Mas Chico poderia ter evitado o mico se fizesse o que qualquer curso de jornalismo ensina: checar a fonte. Bastaria uma ligação para Araújo.
Por que Chico errou tão feio?
Talvez pelo menos motivo que levou Djavan a escrever, também em “O Globo”, outra afirmação no mínimo questionável: a de que editores e biógrafos “ganham fortunas”.
De onde Djavan tirou tal informação? Qual a fonte? Será que o compositor poderia dar ao menos UM exemplo de biógrafo brasileiro que ficou rico com seu trabalho?
Sugiro a Djavan ler dois textos: o relato de Mário Magalhães, autor de “Marighella”, sobre o prejuízo financeiro que teve com a extensa pesquisa para o livro, e o relatório “Retratos da Leitura no Brasil” do Instituto Pró-Livro, publicado em 2012. Este documento traz alguns dados que poderiam ter levado o compositor a pensar duas vezes antes de decretar a riqueza de biógrafos:
– Brasileiros lêem, em média, quatro livros por ano, mas terminam apenas 2,1 livros. Isso inclui livros escolares.
– 75% dos brasileiros nunca pisaram numa biblioteca.
– A Bíblia é o livro mais lido no Brasil, seguido por livros didáticos, romances, livros religiosos, contos e livros infantis. Não há sinal, na lista, de livros biográficos.
Talvez Chico e Djavan tenham errado porque não se deram ao trabalho de checar a informação que estavam divulgando.
É curioso que artistas que brigam pela censura prévia a biografias e pelo poder de decidir quem não escreverá sobre eles, pareçam tão pouco preocupados com a checagem de fatos.
Em seu livro de memórias, “Verdade Tropical”, Caetano Veloso elogia o filme “À Meia-Noite Levarei Tua Alma”, de José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Caetano diz que o nome do cineasta foi tirado de José Mojica (1896-1974), um frade mexicano que fez fama nos anos 50 cantando canções sentimentais.
Errado: nosso José se chama José porque sua mãe, Carmen Mojica, era devota de São José.
Na mesma página, Caetano chama José Mojica Marins de “estreante independente”.
Errado de novo: “À Meia-Noite Levarei Tua Alma” foi o quarto longa-metragem de Mojica.
Não são erros graves, mas são erros, que poderiam ter sido evitados com um mínimo de rigor na apuração.
Não estou dizendo que jornalistas não erram. Erramos sim, e muito, especialmente nessa época de encolhimento de equipes nas redações. E nada pior para a credibilidade de um jornalista que divulgar uma notícia falsa ou errada. É um desserviço.
Mas a solução para diminuir os erros não é controlar a informação, como defendem Chico, Caetano, Djavan e os outros integrantes do grupo Procure Saber, mas democratizá-la. Ninguém tem o direito de controlar a História.
Nossas livrarias não oferecem biografias decentes de Pelé, Xuxa, Maluf, Raul Seixas ou Sílvio Santos. Não temos uma biografia sequer de Roberto Carlos, o maior popstar que o Brasil já teve (quer dizer, teríamos, se o próprio Roberto não a tivesse censurado). Deveríamos, sim, ter quinze, vinte, trinta biografias do Rei, todas disputando para ver qual é a melhor e mais completa.
Escrever a verdade dá trabalho. Demanda tempo e determinação. Por isso, biografados deveriam incentivar a busca pela verdade, facilitando e auxiliando o trabalho de pesquisadores, e não iniciar uma cruzada obscurantista para impedi-lo.
P.S.: estarei sem acesso à Internet até o fim da tarde e impossibilitado de moderar comentários. Caso seu comentário demore a ser publicado, peço desculpas.
FINALMENTE, CHEGOU LIBERACE!
Sábado, às 22h, a HBO exibe “Behind the Candelabra”, de Steven Soderbergh, quase cinco meses após a estreia na TV norte-americana (depois as emissoras reclamam quando o público apela ao Cine Torrent…).
O filme conta os dez últimos anos da vida do pianista Liberace (1919-1987) e seu relacionamento com o assistente Scott Thorson. É imperdível.
Liberace foi um dos maiores popstars do mundo entre as décadas de 50 e 70, conhecido por seu estilo excêntrico e shows que eram celebrações do “kitsch”, com cenários imitando palácios e roupas extravagantes. Mesmo em Las Vegas, capital mundial da cafonice, ele se destacava como um pavão em meio a urubus.
Durante toda a vida, Liberace escondeu o fato de ser gay. Suas fãs não podiam saber. Ele chegou a processar jornais que insinuaram seu gosto por rapazes jovens e musculosos, apesar de viver cercado deles (fosse no Brasil, os artigos nem teriam sido publicados).
No filme, Michael Douglas interpreta Liberace. Foi uma escolha ousada e muito feliz. Periga ser o melhor papel da carreira de Douglas.
Matt Damon faz Scott Thorson e o sumido Rob Lowe interpreta um cirurgião plástico que transforma Liberace e Thorson em bonecos de cera. Damon e Lowe estão sensacionais.
Liberace foi uma figura fascinante, símbolo da opulência e exageros estéticos de Las Vegas, um Taj Mahal criado no deserto e meca do novo-riquismo norte-americano do pós-Segunda Guerra.
“Lee”, como era chamado, sonhava em ser pianista clássico, mas a Grande Depressão o forçou a aceitar empregos em boates, tocando música popular.
Nos anos 40, começou a criar seu estilo peculiar de apresentação, com roupas chamativas e interação com a plateia. “Não faço concertos, faço shows”, dizia. Ficou famoso na TV e criou espetáculos audiovisuais nababescos em hotéis de Las Vegas.
O filme de Soderbergh começa em 1977, quando Liberace já começa a entrar em declínio. O pianista é mostrado como um ególatra que descarta um amante assim que se interessa por outro.
Thorson conhece Liberace em um show e inicia um romance tumultuado com o músico, piorado depois que Thorson é convencido a fazer uma plástica e começa a tomar remédios tarja preta prescritos pelo cirurgião.
Um tema polêmico da carreira de Liberace e que o filme não explora é o de sua ligação com o satanismo. Liberace foi ligado à Igreja de Satã, liderada pelo ocultista Anton LaVey (1930-1997), mas morreu negando o fato. Aliás, a confraria de LaVey, que reuniu, além de Liberace, Sammy Davis Jr. e Jayne Mansfield, daria um filme sensacional.
P.S.: Estarei fora no início da semana que vem. O blog volta na quarta, 23. Até lá!
Seguindo a recomendação de alguns leitores, vi o documentário “A Band Called Death”, de Mark Christopher e Jeff Howlett, sobre a banda proto-punk Death.
Eu conhecia a história da banda e tinha gostado muito do único LP deles, gravado em 1975 mas lançado só em 2009 pela gravadora Drag City.
O Death é um caso clássico de banda à frente de seu tempo. Formada em 1973 em Detroit por três irmãos negros, David, Danis e Bobby Hackney, fazia um som de garagem muito rápido e pesado, influenciado por Stooges, MC5 e The Who.
O líder do grupo era David, um ótimo guitarrista e autor de letras esotéricas e sombrias. David convenceu os irmãos a batizar a banda de Death (“Morte”). O nome seria, apropriadamente, a sentença de morte da banda.
Todos os selos e produtores que ouviam os irmãos Hackney ficavam impressionados com as músicas e queriam trabalhar com eles, mas o nome era um empecilho. Segundo o filme, o todo-poderoso Clive Davis, dono do selo Arista, queria assinar o grupo, contanto que mudassem de nome. David mandou Clive pastar.
O Death gravou uma fita demo, mas nenhuma gravadora se interessou em lançar o disco. Desapontados, os irmãos prensaram 500 cópias do compacto da faixa “Politicians in My Eyes”. Anos depois, o disquinho virou um caríssimo item de colecionador, quando pesquisadores do punk, como Jello Biafra, do Dead Kennedys, começaram a caçar os compactos em sebos.
No filme, alguns entrevistados – Henry Rollins, Questlove (The Roots) e Jello Biafra – falam da importância histórica do grupo.
Mas alguns depoimentos são, francamente, mentirosos. Questlove diz que o Death deveria ser considerado um pioneiro do punk porque surgiu “dois anos antes dos Ramones”, o que não é verdade.
Os irmãos Hackney já tocavam juntos em 1971, mas faziam funk e soul music, e não punk (Johnny e Joey Ramone também tiveram bandas pré-Ramones). Na verdade, Death e Ramones surgiram quase que simultaneamente, entre o fim de 1973 e o início de 1974. E muita gente já fazia som pesado nessa época.
A história do Death é muito triste. Não vou contar muito para não estragar a surpresa. Assista ao filme, que vale a pena.
Mas tenho uma recomendação: assista aos primeiros 70 minutos e depois desligue. O epílogo, que mostra a ressurreição da banda, é de uma pieguice sem tamanho, que por pouco não estraga o ótimo começo.
O Telecine Cult exibe hoje, às 22h, “O Dorminhoco” (1973), de Woody Allen.
É um dos melhores filmes da primeira fase da carreira do diretor, marcada por comédias escrachadas e com óbvia influência do humor “pastelão”. O trailer é demais:
Entre 1965 e 1975, Allen dirigiu ou escreveu oito filmes, incluindo “Um Assaltante Bem Trapalhão” (1969), “Bananas” (1971), “Tudo Que Você Queria Saber Sobre Sexo” (1972) e este “O Dorminhoco”.
Alguns dizem que Allen nunca fez filmes tão engraçados quanto nesta fase, quando idolatrava a comédia física de Buster Keaton e a verve ácida de W.C. Fields.
Outros preferem a leva de filmes que Allen fez entre 1977 (“Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”) e 1986 (“Hannah e Suas Irmãs”), quando inventou sua comédia romântica sofisticada, verborrágica e nova-iorquina, gerando imitadores que vão de Seinfeld a Larry David.
Em “O Dorminhoco”, escrito em parceria com o carioca Marshall Brickmann, Allen faz Miles Monroe, um músico de jazz que é congelado e ressuscitado 200 anos depois (ele acha um Fusca numa caverna e, na primeira tentativa, o carro pega: “Duzentos anos! Eles realmente capricharam quando construíram essas coisas, não?”).
A história envolve um grupo de rebeldes que tenta desestabilizar o governo de um ditador. Miles acaba preso pelo governo, mas se fantasia de robô e consegue escapar junto com uma ricaça interpretada por Diane Keaton.
A trama é só uma desculpa para piadas inspiradas sobre tecnologia, cultura pop, correção política, sexo e até comida natural (Miles é dono de uma loja de artigos orgânicos).
Algumas frases se tornaram clássicas de Allen. Quando um cientista diz que, se Miles for capturado, terá o cérebro destruído, ele responde: “Meu cérebro? Não é possível, é meu segundo órgão favorito!”
Quando alguém mostra a Miles fotos de pessoas do passado para ele identificar, incluindo uma imagem de Norman Mailer, Miles responde: “Este era Norman Mailer, um grande escritor que doou seu ego para a Escola Médica de Harvard!”
P.S.: Estarei fora por boa parte do dia e impossibilitado de moderar os comentários até o início da noite. Peço desculpas se o seu comentário demorar a ser publicado.
Deu na “Folha”: durante a Copa do Mundo, uma ponte aérea Rio – São Paulo custará quase o mesmo que uma passagem a Nova York ou Paris (leia aqui).
Estamos considerando pegar as crianças na época da Copa e ir à capital francesa comer no Chez Gladines e torcer contra o time de Felipão e Marin vendo os jogos pela TV. Será bem mais barato e agradável que ficar no Brasil e ser roubado por todo mundo.
Ou alguém tem dúvida do que acontecerá no preço de táxis, supermercados, restaurantes, bares e farmácias durante a Copa do dinheiro público que era para ser a Copa do dinheiro privado?
Podem se preparar para a pizza de cem reais, a lata de cerveja de vinte e a bandeirada de trinta mangos.
É a tal “lei da oferta e da procura”, dizem as companhias aéreas. As mesmas que, em vez de competir para oferecer preços menores, se juntam para achacar os clientes.
Há alguns meses, um leitor relatou aqui no blog uma cena que presenciou durante uma manifestação que parou a Dutra. Assim que os manifestantes bloquearam a via e um imenso congestionamento começou a se formar, uma loja de conveniência na beira da estrada quintuplicou os preços de todos os produtos e passou a cobrar cinco reais pelo uso do banheiro.
É a tal cordialidade brasileira.
Ainda não decidimos o que fazer durante a Copa. A primeira opção é um exílio de 30 dias em algum lugar baratinho, como Paris, Berlim, Tóquio ou Nova York. A segunda é estocar comida e bebida e passar um mês trancados em casa, de portas e janelas fechadas a pregos, como sobreviventes de uma epidemia de zumbis, e só sair depois que a Argentina levantar o caneco.
P.S.: Off-topic total, mas descobri ontem, ao levar nosso pequeno ao pediatra, que um dos mais eficazes remédios contra vermes se chama “Annita”. Parabéns aos envolvidos. Nome melhor não há.
Em sua coluna do jornal “O Globo” (leia aqui), o compositor Caetano Veloso deu sua versão sobre a polêmica das biografias não autorizadas.
Li o texto algumas vezes e continuo sem entender por que Caetano defende a exigência de autorização a biografias.
No início da coluna, ele diz ser contra a exigência de autorização prévia de biografados:
“Todos que me conhecem sabem que essa é minha tendência. Na casa de Gil, ao fim de uma reunião com a turma da classe, eu disse, faz poucos meses, que ‘quem está na chuva é para se molhar’ e ‘biografias não podem ser todas chapa-branca’.”
No mesmo parágrafo, no entanto, o compositor admite que faz parte do grupo “Procure Saber”, que defende a exigência de autorizações para biografias. E pergunta:
“Então por que me somo a meus colegas mais cautelosos da associação Procure Saber, que submetem a liberação das obras biográficas à autorização dos biografados?”
Procurei na coluna a resposta a essa pergunta, mas não achei.
Achei, sim, ataques à imprensa, a “autores americanos” que o criticaram (Caetano os chama de “vira-latas”) e à “esquerda entalada”.
O compositor diz que os termos do Código Civil merecem ser mudados, mas não explica de que forma.
No lugar de defender objetivamente suas posições, lança frases como:
“Ficaremos todos mais ricos se virmos que o direito à intimidade deve complicar o de livre expressão.”
e
“Aprendi, em conversas com amigos compositores, que, no cabo de guerra entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, muito cuidado é pouco. E que, se queremos que o Brasil avance nessa área, o simplismo não nos ajudará.”
Sim, Caetano tem razão, o simplismo não ajuda. Também não ajuda fugir pela tangente e não responder a três questões simples:
Por que você defende a exigência de autorização para biografias?
Por que você diz que isso não é censura (“Censor, eu? Nem morta!”)? Ao escolher quem não pode escrever sua biografia, você não está exercendo censura?
O que você acha que a iniciativa do “Procure Saber” vai representar para o futuro da pesquisa histórica no Brasil?
No trecho mais confuso e misterioso da coluna, Caetano escreve:
“Sou sim a favor de podermos ter biografias não autorizadas de Sarney ou Roberto Marinho. Mas as delicadezas do sofrimento de Gloria Perez e o perigo de proliferação de escândalos são tópicos sobre os quais o leitor deve refletir.”
Por que Sarney e Roberto Marinho foram citados como exemplos de pessoas públicas merecedoras de biografias não autorizadas? Estaria o compositor insinuando que algumas pessoas podem ser biografadas sem autorização e outras não?